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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.5 n.1 Porto Alegre jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Correlação entre sintomatologia depressiva e prática de atividades sociais em idosos

 

Correlation between depressive symptoms and practice of social activities in elderly

 

 

Makilim Nunes BaptistaI, 1; Paulo Rogério MoraisII, 2; Tatiana de Rodrigues 3; Janice Ap. da Costa Silva 4

I Universidade São Francisco
II Universidade Cruzeiro do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O envelhecimento da população é um fenômeno que vem preocupando as autoridades públicas, já que diversas modificações no sistema de saúde/social devem ser feitas para acomodar tal aumento desta faixa etária. O objetivo desta pesquisa foi o de correlacionar sintomatologia depressiva e atividades sociais em idosos. Para tanto 150 idosos foram entrevistados em dois grupos (grupo de um posto de saúde e um grupo de terceira idade) e aplicados um questionário de identificação e um de atividades sociais, além da Escala de Depressão Geriátrica. Os resultados demonstraram haver correlação negativa entre engajamento em atividades sociais e sintomatologia depressiva, corroborando os achados de diversas pesquisas que demonstram a importância das atividades e grupos sociais na vida dos idosos.

Palavras-chave: Depressão, Atividades sociais, Idoso.


ABSTRACT

The effect of aging population is a phenomenon that concerns public authorities because there are many modifications in health and social public systems to be done in order to accommodate these changes. The main goal of this study was to correlate depressive symptoms and social activities in elderly. There were 150 subjects, divided in two groups (health system and social elderly group) and the data was collect by an identification questionnaire, social activities questionnaire and Geriatric Depression Scale. The results show negative correlation between social activities and depressive symptomatology, as several researches in this area that show the importance of social activities and groups in elderly.

Keywords: Depression, Social activities, Elderly.


 

 

Introdução

Muitas são as razões atribuídas a tal crescimento, tais como a redução na taxa de mortalidade entre os idosos em decorrência dos avanços da medicina e na melhora nas condições de vida e queda nas taxas de fecundidade em decorrência da introdução de métodos anticoncepcionais e mudanças na estrutura familiar (Queiroz, 2000).

Berquo (1999) e Martins (1998) salientam que os idosos formam um grupo etário com características bastante específicas que acarretará em demanda diferenciada para serviços, políticas assistenciais, benefícios e atenção. Com isto, tem aumentado consideravelmente o interesse tanto de órgãos governamentais quanto de profissionais da saúde com as particularidades presentes na vida de pessoas com mais de 65 anos (Almeida, Lafer & Miguel-Filho, 1990).

Alguns aspectos culturais permeiam esta fase da vida humana. De modo geral, pode-se dizer que em países ocidentais esta fase é comumente descrita como a fase do declínio físico e cognitivo, acrescido de perdas sociais econômicas e pessoais. No entanto, em alguns países do Oriente a velhice é tida como símbolo de status social (Papalia & Olds, 2000).

Os estereótipos existentes acerca dos indivíduos mais velhos possuem, quase que invariavelmente, relação semântica com fragilidade e ineficácia física, perda de habilidades cognitivas, rigidez comportamental, incompetência econômica e isolamento social, entre outros. No entanto, sabe-se a população idosa não forma um grupo homogêneo, possuindo características bastante diversas quanto a educação formal, ocupação, estado de saúde, recursos econômicos e sociais (Papalia & Olds, 2000; Berquo, 1999; Queiroz, 1999). Desta forma, podem ser encontrados, entre os idosos, indivíduos saudáveis e ativos e também aqueles que apresentam limitações físicas e enfermidades. A definição de um quadro mais ou menos favorável na velhice pode se dar pela inter-relação dos fatores biológicos, culturais e ambientais aos quais o indivíduo esteve exposto ao longo da vida.

Mesmo com a existência de claras discrepâncias entre os idosos, é certo que com o aumento da idade aumentam também as chances do indivíduo apresentar algum problema de saúde. Embora muitos idosos gozem de boa saúde e não apresentem limitações relevantes em decorrência de problemas de saúde, uma parcela considerável dos idosos apresenta problemas crônicos de saúde ou outra condição potencialmente limitante (Papalia & Olds, 2000).

Muitos idosos apresentam algum problema de ordem psiquiátrica ou neurológica, com destaque para os déficits cognitivos e os transtornos de humor (Moore & Bona, 2001; Silberman, Souza, Wilhems, Kipper, Diogo, Schmitz, Stein & Chaves, 1995). Entre os transtornos psiquiátricos que ocorrem em indivíduos com idade avançada, a depressão merece especial atenção por pelo menos dois motivos: a) tratas-se do transtorno psiquiátrico mais freqüente nesta parcela da população; e b) é, entre os transtornos psiconeurológicos presentes em idosos, aquele com maiores chances de ser tratável.

Diversos estudos mostram que os quadros depressivos em idosos possuem características específicas (Merlin, Baptista & Baptista, 2004; Snowdon, 1997). Estas especificidades se dão tanto para a sintomatologia quanto para a etiologia, curso e epidemiologia. Aguiar e Dunningham (1993) citam que a depressão em idosos tem início insidioso, com alterações comportamentais freqüentemente associadas a eventos desencadeantes orgânicos ou ambientais. Para Bromley (1990), a depressão em idosos parece ser uma resposta natural às múltiplas perdas e outros fatores estressantes associados ao envelhecimento.

Com o aumento da idade, ocorrem diversas alterações morfológicas, metabólicas e funcionais em diversas áreas do sistema nervoso central (Gareri, De Fazio & De Sarro, 2002), sendo que as evidências corroboram com a hipótese de que a atrofia de estruturas subcorticais desempenha um importante papel na gênese dos transtornos de humor em idosos (Morris & Rapoport, 1990). Mas, assim como ocorre com a depressão em jovens, a exata fisiopatologia dos transtornos de humor em idosos ainda não esta completamente elucidada (Gareri e cols., 2002). Outro fator que pode ser de relevância na compreensão da influência de variáveis neurobiológicas na depressão de idosos é o uso de alguns medicamentos que podem facilitar o aparecimento de sintomas de depressão, como por exemplo alguns medicamentos empregados no tratamento e controle da hipertensão (Guimarães, 1999; Baldessarini, 1996; Carlson, 1995). Além disso, a depressão em idosos pode estar associada com algumas condições médicas, como infarto, doença de Parkinson ou demência (Snowdon, 1997), condições que freqüentemente exigem o uso continuado de medicamentos.

Além das alterações neurobiológicas, também são descritas diversas mudanças sociais associadas ao aumento da idade que podem desempenhar um importante papel no aparecimento de sintomas de depressão entre os idosos. Perda de entes queridos, diminuição da atratividade física, problemas de saúde, restrição de oportunidades e opções e desengajamento nas principais atividades sócio-econômicas também podem contribuir para o aparecimento de sintomas de depressão (Bromley, 1990).

As rápidas mudanças que ocorreram nos sistemas produtivos fizeram com que os idosos, cada vez mais, diminuíssem sua participação no processo produtivo. Em algumas sociedades, os idosos passam a ser excluídos e rotulados como pessoas improdutivas. (Ferraz & Peixoto, 1997).

Draper e Anstey (1996) observaram que, em um grupo de idosos atendidos em um hospital geral com depressão, os pacientes com depressão menor apresentaram maiores taxas de problemas familiares e conjugais do que os pacientes com diagnóstico de depressão orgânica ou depressão com aspectos psicóticos.

Contrariamente ao que se acreditava até pouco tempo atrás, a incidência de transtornos de humor não aumenta significativamente com a idade (Papalia & Olds, 2000; Almeida e cols., 1990). Os dados epidemiológicos sobre a depressão entre idosos são muito diversificados. Browley (1990) cita que a prevalência de transtornos depressivos nos idosos está entre 13 e 23%, sendo mais prevalente no sexo feminino. Porém, existem estudos que apontam para taxas inferiores a 1%, tanto para depressão maior quanto para distimia (Roberts, Kaplan, Shema & Strawbridge, 1997). As discordâncias observadas nos dados epidemiológicos devem-se a diversidade de critérios diagnósticos e as características e tamanho das amostras utilizadas nos diferentes estudos (Almeida e cols., 1990).

De acordo com Ernst e Angst (1995), entre os idosos, ocorre um aumento na prevalência de sintomas depressivos e disfóricos e uma redução na prevalência no diagnóstico clínico de depressão. Estes autores apontam algumas questões que poderiam estar relacionadas a tal discrepância, como por exemplo a interpretação de sintomas depressivos como sintomas somáticos e a alta taxa de mortalidade entre depressivos. Citam ainda que estados depressivos clinicamente relevantes que ocorrem em idosos não alcançam o limiar estabelecido pela American Psychatric Association para o diagnóstico de depressão.

Fatores culturais e sócio-econômicos também podem ter participação nesta confusão de dados. Em um artigo de revisão, Snowdon (2001) apresenta estudos feitos em diferentes locais que mostram grande discrepância nas taxas de depressão nos idosos de diferentes países. Além disso, existem muitos casos de transtornos do humor entre pacientes geriátricos que não são reconhecidos ou tratados como tal (Koenig & Blazer, 1992).

Estima-se que, no Brasil, 15% dos idosos apresentam sintomatologia depressiva, sendo que 4% dos idosos tem depressão severa depressiva (Silberman e cols., 1995; Aguiar & Dunningham, 1993). Em um screening de saúde mental, Ramos, Rosa, Oliverira e cols. (1993) encontraram uma taxa média de 27% de casos positivos entre os idosos da cidade de São Paulo.

A depressão na velhice tende a ser mais severa, mais duradoura e mais incapacitante do que em outras fases da vida (Bromley, 1990). A taxa de suicídio aumenta drasticamente na população idosa e as tentativas de suicídio obtém mais sucessos do que entre os mais jovens, já que os idosos tendem a utilizar métodos mais letais para o suicídio e são menos inclinados a comunicar suas intenções suicidas (De Leo & Ormskerk, 1991; Conwell, 1997). Alguns fatores, como a aposentadoria, baixo suporte social, viuvez, abuso de álcool e sintomas de depressão e desesperança, influenciam o comportamento suicida em idosos (De Leo & Ormskerk, 1991).

Como já foi citado, entre os idosos pode ocorrer o desengajamento em atividades sociais e econômicas. Tal afastamento de atividades que freqüentemente exigem franca relação interpessoal, pode ter efeitos danosos sobre a saúde mental do indivíduo. Existem estudos (Koropeckyj-Cox, 1998; Aguiar & Dunningham, 1993) demonstrando que, entre os idosos solitários (viúvos e separados), existe a ocorrência maior de depressão. Conwell (1997) coloca o isolamento social como um fator de risco para o suicídio para o indivíduo idoso. Também existem relatos mostrando correlação entre suporte social e sintomatologia depressiva entre idosos (Dhar, 2001; Warner, 1998). De modo geral, quanto melhor o suporte social, mais branda é a sintomatologia depressiva.

Existem evidências de que os idosos com vida ativa, física e intelectual ou artística, apresentam um retardo significativo em sua deterioração orgânica, o que não é sentido pelas pessoas inativas (Sadigursky & Oliveira, 1993). As atividades sociais podem ser definidas como todas as atividades que os idosos participam ativamente, tais como as físicas, lazer, religião, serviços voluntários, sendo de fundamental importância para contribuir na melhoria do conjunto das funções dos idosos.

Portanto, foi o objetivo deste trabalho verificar se existe correlação entre a sintomatologia depressiva e prática de atividades sociais em dois grupos de idosos, sendo um de indivíduos que participavam de um Grupo de 3ª idade e outro não envolvido com este tipo de atividade.

 

Método

Participantes

Participaram do presente estudo 150 pessoas, de ambos os sexos, com média de idade (média±DP) de 66±4 anos, moradoras da cidade de Poá, cidade da região metropolitana de São Paulo. Os sujeitos foram agrupados segundo o local onde foram abordados para a coleta dos dados, a saber:

Grupo I - grupo composto por 100 indivíduos, que foram entrevistados em um posto de saúde público, no qual aguardavam atendimento médico em diferentes especialidades médicas (cardiologia, neurologia, geriatria, etc.).

Grupo II - constituído por 50 indivíduos, que participavam, na ocasião da coleta dos dados, de um grupo de atividades especificamente voltadas à Terceira Idade.

Instrumentos

Para a coleta dos dados, foram utilizados os seguintes instrumentos:

Questionário de Identificação: tratava-se de um questionário composto por oito questões fechadas ou mistas que visavam obter dados de identificação e caracterização sócio-demográfica, além de outras informações relacionadas a fatores de risco para depressão, como por exemplo: perda de ente querido, problemas de saúde, cirurgia recente, histórico de depressão na família.

Questionário de Atividades Sociais: Este instrumento foi desenvolvido pelos próprios pesquisadores e era composto por quatorze questões, com respostas fechadas ("sim" ou "não") que avaliaram a participação dos sujeitos em diferentes tipos de atividades sociais, como por exemplo: atividades religiosas, bailes, atividades esportivas, viagens, dentre outras. Para cada resposta afirmativa foi computado um ponto. Para a análise estatística foram somados os pontos obtidos nas 14 questões, sendo que quanto maior a pontuação maior era a participação atividades sociais.

Escala de Depressão em geriatria (GDS): Trata-se uma escala auto-aplicável para o rastreamento de sintomas depressivos especificamente em indivíduos idosos desenvolvida por Yesavage e cols. (1983) e traduzida para o português por Stoppe-Junior, Jacob-Filho & Louzã-Neto (1994). Este instrumento é composto por 30 questões breves com respostas do tipo "sim" ou "não" que abordam a percepção que o individuo tem de suas cognições e comportamentos na semana anterior a aplicação do instrumento.

Procedimento

A coleta dos dados foi realizada durante os dias úteis da semana, sendo que os indivíduos foram entrevistados ou em uma Unidade Básica de Saúde (Grupo I), ou em uma praça de eventos (Grupo II), ambos localizado da cidade de Poá. Os instrumentos foram aplicados individualmente, após um breve esclarecimento ao sujeito quanto aos objetivos da pesquisa e seu consentimento informado em participar do estudo. O conteúdo de todos os instrumentos foi lido pausadamente e em voz alta por uma das pesquisadoras, evitando desta forma problemas relacionados à alfabetização ou à acuidade visual dos participantes. Durante a coleta dos dados, as instruções dadas aos sujeitos foram padronizadas. A aplicação dos questionários durou aproximadamente 20 minutos, por sujeito.

 

Resultados

Para a análise estatística dos resultados foram utilizados os programas Statistica 5.0 e SPSS (versão 8.0). Nas comparações de variáveis ordinais entre os grupos, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney. O teste de correlação de postos de Spearman foi empregado para as análises de correlações. O nível de significância utilizado neste estudo foi de 5% (WITTER, 1996).

Comparação entre os grupos

A Figura 1 apresenta as pontuações medianas (com a variabilidade representada pelo intervalo inter-quartil) obtidas pelos sujeitos dos dois grupos no Questionário de Atividades Sociais. Foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos I e II (U= 1569; p=0,0002).

 

 

Conforme está apresentado na figura 2, o Grupo I apresentou maior pontuação na escala de depressão do que o Grupo II (U= 1744; p=0,0003).

 

 

O Grupo I também apresentou mais fatores de risco para a depressão do que o Grupo II (U= 1747; p=0,003), o que é representado na figura 3.

 

 

Em virtude da diferença observada entre os grupos em relação aos fatores de risco para a depressão, foram feitas análises intra-grupo para se evitar o efeito de tais fatores de risco sobre a interpretação dos resultados.

Comparações intra-grupo

A Tabela 1 apresenta as análises de correlação entre a pontuação obtida no GDS e o total de pontos obtidos no Questionário de Atividades Sociais. No Grupo I, foi observada correlação negativa fraca, porém estatisticamente significante, entre sintomatologia depressiva e participação em atividades sociais. O mesmo não foi observado no Grupo II, embora o valor de p tenha ficado muito próximo do estabelecido como significante.

 

 

Uma outra estratégia utilizada na análise intra-grupo foi dividir os sujeitos dos dois grupos, de acordo com a sintomatologia depressiva apresentada (alta ou baixa sintomatologia). Para tanto, os sujeitos que obtiveram pontuação igual ou menor do que o percentil 25 do seu grupo de origem na EDG foram classificados como "baixa sintomatologia"; e os sujeitos com pontuação igual ou maior do que o percentil 75 foram classificados como "alta sintomatologia". Os sujeitos com pontuação entre o percentil 25 e o percentil 75 não foram utilizados nas análises apresentadas a seguir.

Neste sentido, tanto no Grupo I (U= 197,5; p=0,006), como no Grupo II (U=17; p=0,05) observou-se que os sujeitos com baixa sintomatologia depressiva pontuaram mais no Questionário de Atividades Sociais do que os sujeitos com alta sintomatologia depressiva.

 

Discussão

Diversos fatores contribuem para o aumento na expectativa de vida dos indivíduos que vivem em paises industrializados e a mudança no perfil etário da população tem exigido que governos e entidades civis e profissionais posicionem-se e elaborem estratégias que resultem em melhor qualidade de vida para os idosos.

O presente estudo teve como objetivo avaliar a relação entre sintomatologia depressiva e o engajamento de indivíduos idosos em atividades sociais. Os resultados denotaram haver correlação negativa entre engajamento em atividades sociais e sintomatologia depressiva, mostrando que, na média, quanto maior o número de atividades sociais que os indivíduos afirmaram praticar, menores foram os escores no inventário que avaliou os sintomas depressão. Estes resultados corroboram com os achados de outras pesquisas (Robinson, Murata & Shimoda, 1999; Kivela, Kongas-Saviaro, Laippala, Pahkala & Kesti, 1996; Koenig & Blazer, 1992; De Leo & Ormskerk, 1991).

De acordo com Neri (1993), o desengajamento do idoso nas atividades sociais, tem como conseqüência imediata afastamento social do indivíduo, que pode resultar em perdas de papéis e status, e, em última estância, dependência. Uma das conseqüências de tal comportamento pode ser o desencadeamento, exacerbação ou manutenção de sintomas relacionados a transtornos de humor, mais especificamente a depressão.

Um possível viés nos resultados encontrados no presente estudo poderia ser atribuído à amostra utilizada. Os indivíduos do grupo I foram abordados em uma unidade básica de saúde enquanto aguardavam para serem atendidos, o que já é um fator de risco para a depressão. Em um estudo que investigou aspectos relacionados a boa qualidade de vida em idosos brasileiros, Xavier, Ferraz, Marc, Escosteguy e Moriguchi (2003) observaram que a falta de saúde foi o principal fator preditor de ausência de bem estar.

De fato, o grupo I apresentou maior pontuação no inventário de sintomatologia depressiva, mais fatores de risco e menor engajamento em atividades sociais do que o grupo II. No entanto, quando foram efetuadas análises intra-grupo, dividindo-se os sujeitos em "alta" e "baixa" sintomatologia depressiva, observou-se que, em ambos os grupos, os sujeitos classificados com "alta" sintomatologia depressiva obtiveram menor pontuação no questionário que avaliou o engajamento em atividades sócias.

Mesmo assim, estes resultados devem ser interpretados com cuidado por alguns motivos. O delineamento empregado nesta pesquisa não permite estabelecer uma relação causal entre as variáveis avaliadas. Por tratar-se de um estudo transversal e de correlação, não é possível inferir se o baixo engajamento em atividades sociais é responsável pelos sintomas de depressão, como afirma Neri (1993), ou se a presença de sintomas depressivos leva o sujeito a não se engajar em tais atividades, considerando os sintomas relacionados à anedonia (APA, 1994; Guimarães, 1999, Stahl, 1998). Além disso, a simples presença de cognições depressivas pode resultar em algum viés de percepção ou processamento de informação em relação às atividades sociais (Lefebvre, 1981).

Schulz, Beach, Ives, Martire, Ariyo e Kop (2000) verificaram, em um estudo longitudinal com duração de seis anos, que a presença de sintomas depressivos foi o principal fator de risco para a mortalidade de idosos. Também está bem documentada a relação entre engajamento em atividades sociais, suporte social e sintomas de depressão em idosos.

Demura e Sato (2003), em uma pesquisa que avaliou sintomatologia depressiva, estilo e qualidade de vida um grupo de 1302 idosos de ambos os sexos, relataram que o a participação em atividades sociais e o número de amigos que os sujeitos relatavam ter, correlacionava-se negativamente com os sintomas de depressão, isto é, quanto mais amigos e mais atividades sociais, menor a sintomatologia depressiva. Nesta pesquisa, Demura e Sato utilizaram o mesmo instrumento que foi empregado no presente estudo para avaliar a sintomatologia depressiva. Muitos outros estudos que avaliaram depressão em idosos apresentaram resultados semelhantes (Freedland & Carney, 2000; Lépine & Bouchez, 1998; Draper & Anstey, 1996; Kivelä e cols., 1996; Bowling & Browne, 1991; De Leo & Ormskerk, 1991).

O conjunto de evidências acumuladas na literatura sustentando a relação entre sintomatologia depressiva, atividades sociais e qualidade de vida em idosos, deixa clara a necessidade de serem articuladas estratégias de saúde pública que levem em consideração tais informações.

 

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Endereço para correspondência
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro
13251-900 Itatiba-SP
E-mail: makilim.baptista@saofrancisco.edu.br

Recebido em junho de 2006
Reformulado em julho de 2006
Aprovado em julho de 2006

 

 

Sobre os autores:

1 Makilim Nunes Baptista: Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade São Francisco - Itatiba/SP.
2 Paulo Rogério Morais: Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo.
3 Tatiana de Rodrigues: Psicóloga formada pela Universidade Braz Cubas - Mogi das Cruzes/SP.
4 Janice Ap. da Costa Silva: Psicóloga formada pela Universidade Braz Cubas - Mogi das Cruzes/SP.

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