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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.5 n.2 Porto Alegre dic. 2006

 

RESUMOS-XI SIMPÓSIO DA ANPEPP

 

Desenvolvimento e validação de instrumentos neuropsicológicos para avaliar funções executivas

 

 

Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


 

 

As funções executivas referem-se à capacidade do sujeito de engajar-se em comportamento orientado a objetivos, realizando ações voluntárias, independentes, auto-organizadas e direcionadas a metas específicas (Ardila & Ostrosky-Solís, 1996). Suas bases neurológicas encontram-se no córtex pré-frontal, especialmente no córtex pré-frontal lateral e no giro cingulado anterior (Duncan, Johnson, Swales & Frees, 1997; Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2002). Alterações nas funções executivas têm se mostrado relacionadas a vários transtornos cognitivos e psiquiátricos, decorrentes de lesões ou de disfunções neurológicas, como, por exemplo, esquizofrenia (Gil, 2002), autismo (Bosa, 2001; Duncan, 1986) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Barkley, 1997).

Apesar das funções executivas terem sido tradicionalmente estudadas pela neuropsicologia como um construto unitário, pesquisas recentes têm apontado a necessidade desmembrá-las em componentes como memória de trabalho, atenção seletiva, controle inibitório, flexibilidade e planejamento (Duncan & cols., 1997). Para tanto, é fundamental dispor de instrumentos de avaliação neuropsicológica adequados. Neste contexto, têm sido desenvolvidos testes para avaliar os componentes das funções executivas, bem como conduzidos estudos para investigar sua precisão e buscar evidências de validade, especialmente verificando sua relação com sintomas de desatenção e hiperatividade.

Já foram desenvolvidas versões de testes tradicionalmente usados para avaliar componentes das funções executivas, tais como Teste de Stroop (Capovilla, Montiel, Macedo & Charin, 2005), Teste de Geração Semântica (Assef & Capovilla, submetido), Teste de Trilhas (Montiel & Capovilla, no prelo) e Teste da Torre de Londres (Cozza, 2005) que, conforme o arrazoado teórico, avaliam atenção seletiva, controle inibitório, flexibilidade e planejamento, respectivamente. Paralelamente a tais testes, têm sido usados os Testes de Memória de Trabalho Auditiva e de Memória de Trabalho Visual (Primi, 2002), bem como uma versão do Teste de Fluência Verbal FAS (Montiel, 2005).

Todos esses instrumentos, com exceção dos Testes de Trilhas e Torre de Londres, são informatizados, o que traz grandes vantagens para a análise de medidas temporais, como tempo de reação e duração da resposta, pois permite registrar precisamente o tempo em milésimos de segundos, aumentando a sensibilidade dos testes. Além disso, a informatização auxilia a padronização das condições de apresentação de estímulos e a coleta das respostas, permitindo maior rigor no controle das condições de avaliação, tornando os instrumentos um recurso mais confiável para a avaliação neuropsicológica.

Pesquisas usando tais instrumentos têm sido conduzidas. Numa primeira pesquisa (Capovilla, Cozza, Capovilla & Macedo, 2005), por exemplo, participaram 154 crianças, sendo 56,5% do sexo masculino e 43,5% do sexo feminino, com idades variando de 8 a 13 anos, com média de 10 anos e 6 meses. Os participantes cursavam entre terceira e quarta séries de escolas públicas da Grande São Paulo.

Foram aplicados os Testes de Trilhas, Memória de Trabalho Auditiva, Memória de Trabalho Visual e Torre de Londres pata avaliar flexibilidade, memória de trabalho auditiva, memória de trabalho visual e planejamento, respectivamente. Além disso, os professores das crianças responderam à Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - ETDAH (Benczik, 2000).

Houve correlações significativas entre percentis na ETDAH e medidas dos Testes de Trilhas, de Memória de Trabalho Auditiva, de Memória de Trabalho Visual e Torre de Londres. Não houve correlações com Testes de Stroop e de Geração Semântica, que avaliam atenção seletiva e controle inibitório, provavelmente porque naquela pesquisa foi computado apenas escore, e não tempo de reação. O grupo de crianças com sintomas de desatenção e hiperatividade (percentis acima de 75 na ETDAH) apresentaram desempenhos significativamente inferiores ao grupo sem tais sintomas em medidas dos Testes de Trilhas e de Memória de Trabalho Auditiva, fornecendo evidências de validade concorrente de tais testes na identificação de crianças com sintomas de desatenção e hiperatividade.

De modo a compreender mais detalhadamente a relação entre os componentes das funções executivas e TDAH, uma segunda pesquisa avaliou 62 participantes, com idades entre 8 e 12 anos, divididos em dois grupos (Assef, 2005). O grupo 1 foi formado por 31 crianças com diagnóstico de TDAH, realizado por psiquiatra segundo os critérios da Associação Psiquiátrica Americana - DSM-IV-TR™ (American Psychiatric Association, 2002). O grupo 2 foi formado por outras 31 crianças que não apresentavam sintomas de desatenção ou hiperatividade, conforme avaliada pela ETDAH, pareadas por idade e sexo com as crianças do grupo 1.

Houve diferenças significativas entre os dois grupos para os tempos de reação nos Testes de Geração Semântica e de Stroop, e para os escores no Teste de Trilhas, fornecendo validade para esses instrumentos na identificação de crianças com TDAH. Nas análises de correlação de Pearson, todos os desempenhos nos diferentes testes correlacionaram-se com alguma outra medida. De forma geral as correlações significativas foram baixas, sugerindo que tais testes avaliam construtos distintos, embora relacionados, o que corrobora a hipótese de dissociação entre componentes de funções executivas.

Desta forma, as pesquisas anteriormente descritas têm contribuído para fornecer evidências de validade de diversos instrumentos que avaliam as funções executivas, relevando o comprometimento de alguns aspectos no TDAH. Têm, ainda, corroborado a hipótese de que as funções executivas devem ser consideradas incluindo diferentes componentes, tais como atenção seletiva, planejamento, controle inibitório, memória de trabalho e flexibilidade.

Buscando aumentar a compreensão dos comprometimentos de crianças com TDAH, os resultados obtidos devem ser pesquisados mais detalhadamente em pesquisas futuras. Alguns fatores são especialmente relevantes, tais como uso de medicação, tipo de escola, nível sócio-econômico, idade, gênero e comorbidades, entre outros, visto que, conforme descrito na literatura (Houghton et al., 1999; Sergeant, Geurts & Oosterlaan, 2002), muitas variáveis externas aos testes podem interferir na avaliação dos comprometimentos em distúrbios neuropsicológicos.

É importante estudar, também, as características intrínsecas a cada versão dos testes anteriormente descritos. Por exemplo, na versão descrita do Teste de Stroop, de apresentação informatizada, cada estímulo é apresentado isoladamente na tela, e a passagem para o próximo estímulo só é realizada após a emissão da resposta ao estímulo apresentado. Esse fator elimina a interferência da distração pela apresentação de vários estímulos numa única situação, como ocorre, por exemplo, na versão de Regard (1981) em papel. Se por um lado isso elimina a interferência da distração, por outro lado restringe a possibilidade de erros de resposta e aumenta o tempo de reação.

De forma a dar continuidade às pesquisas com a aplicação de testes para avaliar funções executivas, novos estudos estão sendo conduzidos, buscando derivar dados normativos para crianças brasileiras, o que permitirá ao neuropsicólogo comparar o desempenho de seus pacientes. Nesta ampla pesquisa de normatização poderão ser estudados, de forma mais aprofundada, possíveis efeitos de variáveis importantes como gênero, tipo de escola e idade sobre o desempenho nos testes neuropsicológicos em crianças sem transtornos psiquiátricos, verificando se emergem os mesmos padrões observados nas crianças com TDAH.

 

Referências

American Psychiatric Association (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed.

Ardila, A., & Ostrosky-Solís, F. (1996). Diagnóstico del daño cerebral: enfoque neuropsicológico. Mexico: Editorial Trillas.

Assef, E. C. S. (2005). Funções executivas e TDAH: um estudo de evidências de validade. Dissertação. Universidade São Francisco, Itatiba.

Assef, E. C. S. & Capovilla, A. G. S. (submetido). Avaliação do controle inibitório em TDAH por meio de Teste de Geração Semântica.

Barkley, R. A. (1997). Behavioral inhibition, sustained attention, and executive functions: Constructing a unifying theory of ADHD. Psychological Bulletin, 121(1), 65-94.

Benczik, E. B. P. (2000). Manual da Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bosa, C. A. (2001). As relações entre autismo, comportamento social e função executiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(2), 281-287.

Capovilla, A. G. S., Cozza, H. F. P., Capovilla, F. C. & Macedo, E. C. (2005). Funções executivas em crianças e correlação com desatenção e hiperatividade. Temas sobre Desenvolvimento, 82(14), 4-14.

Capovilla, A. G. S., Montiel, J. M., Macedo, E. C., & Charin, S. (2005). Teste de Stroop Computadorizado. Programa de computador, Universidade São Francisco, Itatiba.

Cozza, H. F. P (2005). Avaliação das funções executivas em crianças e correlação com atenção e hiperatividade. Dissertação. Universidade São Francisco, Itatiba.

Duncan, J. (1986). Disorganization of behavior after frontal lobe damage. Cognitive Neuropsychology, 3, 271-290.

Duncan, J., Johnson, R., Swales, M. & Frees, C. (1997). Frontal lobe deficits after head injury: unity and diversity of function. Cognitive Neuropsychology, 14(5), 713-741.

Gazzaniga, M. S., Ivry , R. B. & Mangun, G. R. (2002). Cognitive neuroscience: The biology of the mind. New York: Norton & Company.

Gil, R. (2002). Neuropsicologia. São Paulo: Editora Santos.

Houghton, S., Douglas, G., West, J., Whitihng, K., Wall, M., Langsford, S., Powell, L., & Carroll, A. (1999). Differential patterns of executive function in children with attention deficit hyperactivity disorder according to gender and subtype. Journal of Child Neurology, 14(12), 801-805.

Montiel, J. M. & Capovilla, A. G. S. (no prelo). Teste de Trilhas - Partes A e B. Em A. G. S. Capovilla (Org.), Teoria e pesquisa em avaliação neuropsicológica. São Paulo: Memnon.

Montiel, J. M. (2005). Evidências de validade de instrumentos para avaliação neuropsicológica do transtorno de pânico. Dissertação. Universidade São Francisco, Itatiba.

Primi, R. (2002). Bateria Informatizada de Capacidades cognitivas. Itatiba: LabAPE.

Regard, M. (1981). Cognitive rigidity and flexibility: A neuropsychological study. Em Spreen, O. & Strauss, E. (Orgs.), A compendium of neuropsychological tests. Oxford: Oxford University Press.

Sergeant, J. A., Geurts, H., & Oosterlaan, J. (2002). How specific is a deficit of executive functioning for Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder? Behavior Brain Research, 130(1), 3-28.

 

 

Endereço para correspondência
Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45
Itatiba, SP, 13.251-900
E-mail: alessandra.capovilla@saofrancisco.edu.br

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