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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.5 n.2 Porto Alegre dic. 2006

 

RESUMOS-XI SIMPÓSIO DA ANPEPP

 

Teste Aperceptivo Familiar (FAT): técnica projetiva de avaliação psicológica

 

 

Blanca Susana Guevara Werlang I; Liza Fensterseifer II; Gabriela Quadros de Lima I

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

 

 


 

 

No mundo atual, a compra de um produto ou a contratação de um serviço mediante pagamento estão regidas por leis que estabelecem de forma clara quais são os direitos e obrigações de consumidores e fornecedores. Dessa forma, procura-se evitar que as pessoas que compram ou usam um serviço tenham qualquer tipo de prejuízo. A ação profissional do psicólogo não fica fora destas determinações. Além de pautar a sua prática sob o Código de Ética, próprio da sua profissão, o psicólogo, para desenvolver seu exercício profissional, deve considerar um conjunto de leis e normas que vigoram na sociedade.

Durante vários anos, e ainda nos dias de hoje, há críticas e comentários negativos a respeito da prática profissional do psicólogo na área da Avaliação Psicológica, e a crítica foca-se, principalmente, sobre o estado precário de muitos instrumentos de avaliação. As críticas eram e ainda são tantas que, supostamente, muitos psicólogos deixaram de exercer esta área de atuação e poucos efetivamente a exercem. Muitos consideram que os "testes" em geral, e os projetivos em particular, não são válidos e/ou estão ultrapassados. Entretanto, estas colocações não refletem o mundo real, principalmente o da prática do psicólogo clínico. Ainda, nos dias de hoje, é possível afirmar que as técnicas de avaliação psicológica são uma atividade, uma ferramenta muito freqüente do psicólogo. Pode-se dizer, inclusive, que os instrumentos projetivos, que visam a avaliação psicodinâmica da personalidade, são amplamente usados em processos de avaliação clínica.

As técnicas projetivas têm uma história longa e rica. William Shakespeare há muito tempo atrás, apontava as qualidades projetivas das nuvens, que foram utilizadas como estímulos antes de Hermann Rorschach utilizar as manchas de tinta. Certamente as pessoas já brincaram quando crianças, ou mesmo quando adultos, com as nuvens. Nuvens brancas e fofas são convidativas para encontrar ou identificar nelas todo tipo de coisas interessantes, animais, dragões, rostos, entre outros. Com freqüência, é difícil mostrar esta descoberta para outra pessoa. Por que será que a pessoa vê o que vê nas nuvens? Provavelmente o conteúdo deve estar relacionado com algo a seu próprio respeito, que a pessoa projeta na nuvem do céu.

Com certeza esta é a idéia básica que está por trás das técnicas projetivas, tanto do Teste de Rorschach, como do Teste de Apercepção Temática - TAT, do Teste de Apercepção Temática Infantil - CAT, do Testes das Fábulas e de outros instrumentos projetivos. Estas são técnicas de avaliação da personalidade que estão associadas à teoria psicodinâmica da personalidade. Como com as nuvens no teste projetivo, a pessoa recebe uma série de estímulos deliberadamente ambíguos, tais como padrões abstratos, imagens incompletas ou desenhos que podem ser interpretados de várias formas. A pessoa pode ter que descrever os padrões, completar as imagens ou desenvolver uma história sobre os desenhos. Assim, os testes projetivos são usados pelos psicólogos, esperando que eles venham a revelar a dinâmica da personalidade inconsciente de seus pacientes/clientes. Como os estímulos são ambíguos, as respostas são determinadas, em parte, pelo que a pessoa traz para a situação, ou seja, sentimentos, motivações pessoais, conflitos, estados emocionais e experiências de vida anteriores. Esses aspectos pessoais e idiossincráticos, que são projetados sobre os estímulos, permitem que o avaliador da personalidade faça interpretações.

Sem dúvida os instrumentos psicológicos de medida, no mundo e na sociedade atual, precisam apresentar determinadas características que justifiquem a confiança que é depositada nos resultados que produzem. Para que possam ser considerados e tomados como legítimos e confiáveis, precisam apresentar dados favoráveis de fidedignidade e validade. Todo instrumento de avaliação psicológica, psicométrico ou projetivo, antes de ser editado, comercializado e utilizado, deve passar por um exame de suas qualidades psicométricas. Especificamente sobre as técnicas projetivas é possível referir que são, de maneira geral, categorizadas como recursos destinados a eliciar o processo de projeção, propiciando a emergência de material que é interpretado sob a ótica de uma teoria da personalidade. Logicamente, não se pode transformar uma técnica projetiva em um instrumento psicométrico, sendo evidente, como afirmam Macfarlane e Tuddenham (1976), que dentro de requisitos mais estritos, seria difícil harmonizar o tipo de abordagem projetiva com certos critérios rígidos e tradicionais da psicometria mais ortodoxa. Contudo, os esforços de muitos clínicos/pesquisadores têm sido o de emprestar às técnicas projetivas, pelo menos, certas condições tidas como importantes quando se pretende utilizá-las como instrumentos de mensuração. Muitas críticas que ressaltam problemas metodológicos são procedentes em relação a uma série de técnicas projetivas. Isto tem provocado um declínio e até a impossibilidade do uso das mesmas, tanto na clínica como na pesquisa, apesar da popularidade de muitas delas. Dessa forma, a tendência é que se mantenham vigentes apenas aquelas que receberam refinamentos em seus sistemas de avaliação e interpretação, e que passaram por estudos de fidedignidade e validade.

Neste contexto insere-se o teste projetivo Family Aperception Test (FAT), desenvolvido por Sotile, Julian III, Henry e Sotile (1991), nos Estados Unidos. O FAT destina-se a crianças e adolescentes entre 06 e 15 anos de idade. Seu objetivo é avaliar, do ponto de vista de quem responde ao teste, o processo de funcionamento e a estrutura familiar. Tem como base a Teoria Geral dos Sistemas, que preconiza que o comportamento e as características pessoais dos indivíduos só podem ser entendidos como resultantes da interação com os outros membros da família. Assim, para compreender a individualidade, é necessário avaliar as variáveis do sistema familiar, uma vez que os problemas individuais não têm um sentido, mas sim uma função no contexto mais amplo em que surgem.

O FAT consiste em 21 lâminas-estímulo, que representam diversas situações de famílias comuns, em seu cotidiano, que induzem a diversas associações projetivas a respeito do processo e da estrutura familiar, bem como sentimentos vinculados ao relacionamento específico da família (Sotile & cols., 1991). Cada lâmina traz, de certa forma, uma temática específica, envolvendo os relacionamentos entre pais, filhos, irmãos. No momento em que, para cada lâmina o sujeito é convidado a contar uma história, através da projeção, suas narrações irão denunciar fatores que determinam o funcionamento e a estrutura da família em questão. Os títulos das 21 lâminas são: lâmina do jantar, do som, do castigo, da loja do vestido, de uma cena doméstica, da faxina, do andar superior, do shopping center, da cozinha, do campo de baseball, do atraso, das tarefas escolares, da hora de dormir, do brincar de pegar, do jogo, das chaves, da maquiagem, da viagem, do trabalho, do espelho e do contato físico. A administração do FAT é parecida com a de outros testes projetivos temáticos, tal como o TAT e CAT. Pede-se ao sujeito que, para cada lâmina apresentada, conte uma história com início, meio e fim; caso a história esteja incompleta, faz-se um inquérito adicional, perguntando, por exemplo: "o que está acontecendo?", "o que aconteceu antes?", "e depois?", "como eles estão se sentindo?", "como esta história termina?".

O FAT é um instrumento projetivo aperceptivo, que diferentemente de outras técnicas aperceptivas, não objetiva a exploração de aspectos da dinâmica intrapsíquica do sujeito. Sua proposta é de que através de seu conjunto de imagens (lâminas) o sujeito elabore narrativas que denunciem dados sobre a natureza dos vínculos afetivos, a qualidade das relações familiares, a identificação de conflitos. Considerando, então, que é de fundamental importância poder dispor de instrumentos adequados e confiáveis em relação ao que se quer avaliar, e que o FAT pode ser um valioso auxílio para o psicólogo clínico que trabalha com crianças e adolescentes em processos de avaliação psicológica, julgou-se pertinente verificar as qualidades psicométricas deste instrumento, adequando-o à nossa população e realidade.

Assim, está sendo desenvolvido um estudo que pretende alcançar os seguintes objetivos: a) desenvolver um sistema para a categorização de respostas para o FAT, com itens e alternativas diversas para cada estímulo (lâmina), com alternativas específicas para a categorização de conflitos familiares, resoluções ou não dos mesmos, estabelecimento de limites (hierarquia familiar), qualidade dos relacionamentos, fronteiras, circularidade disfuncional, situações abusivas, respostas incomuns e fracassos apresentados nas verbalizações; b) submeter o sistema de categorização de resposta ao procedimento de fidedignidade entre avaliadores; c) verificar a validade discriminante do FAT em grupos clínicos e não-clínicos e d) identificar a presença ou não de respostas características (respostas populares) em crianças e adolescentes, dadas no FAT.

Para os estudos de fidedignidade entre avaliadores, de validade discriminante e para identificar respostas características (respostas populares) será utilizada uma amostra da população geral (240 estudantes das cidades de Porto Alegre e Belo Horizonte), e uma amostra clínica (num total de aproximadamente 100 pacientes de vários grupos diagnósticos).

Para a organização do sistema de categorização de respostas dadas ao FAT, foram colhidas as respostas de 30 crianças e adolescentes dos sexos masculino e feminino, com idades entre 06 e 15 anos, da população geral, matriculados em escolas públicas ou privadas das cidades de Porto Alegre e Belo Horizonte. Para determinar quais construtos da teoria sistêmica eram identificados nas respostas de cada lâmina do FAT foram examinados os estudos de Buchanan (1987), Gingrich (1987), Lundquist (1987) e Eaton (1988). Portanto, não foi realizada, arbitrariamente, uma lista de variáveis de antemão, e sim, tomou-se como ponto de partida um acervo de observações existentes, aliado ao referencial teórico a respeito destes itens. A seguir, foram escrutinadas, por duas psicólogas clínicas, as verbalizações dos 30 estudantes, para verificar se as respostas apresentavam consistência lógica com o construto implícito nas variáveis relacionadas, se poderiam ser categorizadas conforme as alternativas ou, ainda, se o material real permitiria a identificação de variáveis descritoras ou categorias não previstas anteriormente, com base na revisão da literatura. Dessa forma, foi possível obter um sistema de categorização (ver Tabela 1) para analisar as respostas dadas às 21 lâminas do FAT, com o objetivo de levantar hipóteses sobre o sistema familiar do sujeito avaliado, que possam, sistematicamente, estabelecer generalizações através da avaliação de um único membro da família.

 

 

No sistema de categorização das respostas, cada aspecto analisado inclui vários itens. Em cada item, deve ser procurada a alternativa que representa melhor o que está expresso na verbalização. É aconselhável que uma única alternativa seja selecionada. Assim, foi possível construir um glossário com diretrizes claras para os examinadores, para que possam classificar as categorias: conflito, resolução de conflitos, imposição de limites, qualidade do relacionamento, fronteiras, circularidade disfuncional e observações abusivas, respostas incomuns e recusas, com base no referencial sistêmico. Todos os itens foram operacionalmente definidos (ver exemplo no Tabela 2).

 

 

De posse do sistema de categorização, todo material verbalizado pelos sujeitos será submetido a três juízes, que farão avaliações independentes. A partir das avaliações dos juízes será utilizada a estatística Kappa para avaliar o grau de concordância entre os mesmos. A validade discriminante será verificada através dos coeficientes de correlação de Pearson e Spearman e o coeficiente de regressão será utilizado para verificação do poder do FAT em discriminar sujeitos da população clínica e não-clínica, e com diferentes diagnósticos. Para a identificação da presença ou não de respostas características, as verbalizações de todos os sujeitos do grupo não-clínico serão registradas, para cada uma das 21 lâminas. Tabuladas as verbalizações, serão calculadas freqüências e porcentagens, chegando-se à resposta popular (razão de 1/3) para cada lâmina do teste.

No momento, o principal esforço está centralizado na aplicação dos instrumentos e no preenchimento das amostras clínica e não-clínica. Além disso, há o desafio de se trabalhar com uma técnica projetiva que se fundamenta na Teoria Sistêmica visando a elucidação da estrutura e funcionamento da família daquele que foi submetido ao FAT, diferentemente das técnicas mais clássicas há muito consagradas, tais como TAT, CAT-A, Teste das Fábulas, que buscam a compreensão dos elementos intrapsíquicos do indivíduo, a partir de uma compreensão psicodinâmica da personalidade.

Por fim, cabe destacar que mais do que nunca o psicólogo deve calcar sua atuação em bases sólidas e consistentes, e aí entra o uso de instrumentos psicológicos que tenham suas qualidades psicométricas comprovadas. Mencionou-se anteriormente que para as técnicas projetivas nem sempre se pode simplesmente transferir as exigências feitas pela psicometria mais rígida e ortodoxa, sendo justamente daí que surgem muitas críticas em relação a este tipo de método de investigação psicológica. Entretanto, é certo que estes instrumentos têm extremo valor na prática clínica e nos contextos de avaliação psicológica e, sendo assim, novos estudos e contribuições nesta área são sempre importantes.

 

Referências

Buchanan, S. M. (1987). A comparison of clinic and non-clinic children on the Family Appercepcion Test. Unpublished masters thesis. Wake Forest University, Winston-Salem, NC.

Eaton, C. B. (1988). The Family Apperception Test: A study of the construt validity of a long and short form. Unpublished masters thesis. Wake Forest University, Winston-Salem, NC.

Gingrich, N. E. (1987). Interrater reliability of the family apperception test: A preliminary study. Unpublished masters thesis. Wake Forest University, Winston-Salem, NC.

Lundquist, A. (1987). A projective approach to family systems assessment: A preliminary validity study of the Family Apperception Test. Unpublished masters thesis. Wake Forest University, Winston-Salem, NC.

Macfarlane, J. W. & Tuddenham, R. D. (1976). Problemas planteados en la validación de las técnicas proyetivas. In: H. H. Anderson & G. L. Anderson. Técnicas proyectivas de diagnostico psicológico, (pp. 54-87). Madrid: Rialp.

Sotile, W. M., Julian III, A., Henry, S. E. & Sotile, M. O. (1991). Family Apperception Test: Manual. Los Angeles: Western Psychological Services.

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