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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.5 no.2 Porto Alegre Dec. 2006

 

I ENCONTRO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO

 

A avaliação da avaliação psicológica: situação dos testes a partir da avaliação do Conselho Federal de Psicologia

 

 

Odair Furtado 1

Universidade de Brasília

 

 

Trabalho apresentado no I Encontro de Avaliação Psicológica na formação dos psicólogos São Paulo, 29 de Março de 2004

Este artigo tem como finalidade o balanço da ação realizada pelo Conselho Federal de Psicologia no campo da Avaliação Psicológica. Todos conhecem a resolução que atribuiu ao CFP a competência para a avaliação dos testes psicológicos em uso no Brasil e a orientação para que psicólogos não utilizassem testes que não fossem aprovados. Essa medida como é do conhecimento de todos, foi bastante traumática e produziu um intenso debate, que em determinados momentos ganhou ares de passionalidade. Felizmente, passada a fase mais difícil, hoje podemos fazer uma avaliação positiva dessa ação e cabe, agora, assentada a poeira inicial, uma mirada com a distância necessária para a crítica desse processo.

Em primeiro lugar cabe definir a competência do Conselho Federal de Psicologia. Muitos psicólogos tinham dúvida sobre a competência do órgão para propor o controle dos testes psicológicos. Essa dúvida não é somente do psicólogo e não é somente a nossa profissão que enfrenta dúvidas sobre os limites do controle profissional. Arrasta-se há anos a polêmica sobre o projeto de lei conhecido como Ato Médico que busca regulamentar a profissão médica avançando sobre a regulamentação de outras profissões da área da saúde. Os próprios psicólogos vacilam, em muitos momentos, entre a exigência de uma atuação do Conselho Federal de Psicologia mais agressiva no que tange a atuação de profissionais não psicólogos em áreas que consideram exclusiva dos psicólogos (algo como a exigência de um "ato psicológico") e a da ausência de controle no que tange a sua ação profissional cotidiana.

Qual a finalidade desse órgão? Para uma exata compreensão vou citar a proposta de PEC (proposta de emenda constitucional), ainda tramitando na Câmara Federal, mas que na sua fundamentação é esclarecedor. O objetivo da PEC é o de definir na Constituição brasileira a competência do controle profissional. A despeito dessa competência estar definida em Lei ordinária que instituem cada um dos conselhos profissionais, há a questão da atribuição de poder de controle que é exercido pelo Estado as autarquias especiais, como são definidos os conselhos. Na justificativa é mencionado que "O Estado não pode se privar do controle das profissões e da responsabilidade à proteção ao cidadão" e "As alterações introduzidas aos artigos 103 e 109 da Constituição Federal reforçando o imprescindível papel do Estado no controle das atividades profissionais, são medidas que visam beneficiar a defesa da Sociedade e a preservação das instituições democráticas". (Câmara Federal - PEC 185/03).

Menciono a PEC, porque vindo ou não a alterar a constituição, a proposição trabalha com um princípio que vale a pena comentar. É função do Estado o controle das profissões e no caso de algumas profissões, na maior parte profissões universitárias, mas não somente elas, esta função é atribuída a um conselho de profissionais que, por sua vez, terá atribuição específica do Estado para representá-lo. Para tanto é necessário Lei federal específica que institua o conselho como entidade de direito público que é gerida pelos pares com mandato definido pela Lei. Assim, deve ficar claro que um conselho profissional não é uma entidade de livre associação, entidade que tenha finalidade de proteger sua categoria ou defendê-la em circunstâncias de disputa de mercado ou outra forma de desgaste ou defesa de cunho corporativo. Destaco particularmente o trecho "controle das profissões e proteção ao cidadão". Aqui se define, e temos insistido nesta tese, a verdadeira natureza dos conselhos profissionais, ou seja, a atribuição do Estado para que tais conselhos garantam a qualidade da atividade profissional e o melhor atendimento à população.

Mas se é função do Estado, por que são os psicólogos os responsáveis pela manutenção dessa autarquia? Bem, essa questão não é muito fácil e está diretamente ligada as tradições culturais de controle exercidas pelo Estado brasileiro desde os tempos coloniais. Tradição herdada dos colonizadores portugueses e que se enraizou em nossa cultura. Mas também escolha do legislador de formas de controle profissional que segue modelo de organização das profissões liberais conforme elas foram se organizando na Europa e Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX2.

No caso específico da Psicologia a Lei que define a profissão, a Lei 4119 de 27 de agosto de 1962, o artigo 13 § 1º Constitui função privativa do psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento, e § 2º É de competência do psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências. A Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971 cria o CFP e regionais com a finalidade de orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe. O Decreto nº. 79.822 de 17 de junho de 1977, do Presidente da República, regulamenta a lei 5.766 e no seu artigo 6º inciso IX diz que o Conselho Federal deve funcionar como órgão consultivo em matéria de Psicologia (CFP, 2002).

Do que foi exposto, podemos concluir que o CFP é órgão público e juntamente com os conselhos regionais formam uma autarquia a qual é atribuída uma função de Estado, que é a de garantir o melhor desempenho profissional possível no atendimento ao usuário. Para tanto, é responsável pela fiscalização e pelos processos éticos no caso de infrações ao nosso Código de Ética. É também o órgão que, em nome do Estado, diz o que é e o que não é a Psicologia, para este fim, ou seja, para os fins de controle da qualidade do serviço prestado e para a definição do que é o desempenho profissional do psicólogo e de quem não pode utilizar métodos e técnicas privativas dessa profissão.

È neste momento que surgem as diferenças e problemas de entendimento sobre a amplitude da função da autarquia Sistema Conselhos de Psicologia e seu real alcance. Isto porque há real interface entre o desempenho profissional a formação e o desenvolvimento científico do campo. Todos concordam que a formação de um profissional deve ser continuada e que esta é a forma de atualização do psicólogo e seu contato com os métodos e técnicas que são definidos pela comunidade científica. Sabemos que a formação graduada e pós-graduada está regulamentada pela Lei de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira e regulamentada tanto pelo MEC quanto pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas sabemos, também, que todas estas faces da Psicologia - formação, pesquisa e desempenho profissional - estão intimamente ligadas e que uma interfere sobre outra e assim como o desempenho profissional pode balizar a produção de conhecimento também estará presente na formação do futuro psicólogo.

As diferenças dizem respeito às fronteiras desta relação que não estão perfeitamente regulamentadas e nem poderiam, já que se trata de relação imprescindível e que os três campos interagem e se contaminam mutuamente. Trata-se, evidentemente, de fonte de eficiência na construção da Psicologia e ao mesmo tempo de fonte de tensão. Tensão que encontramos também no interior dos próprios campos de aplicação e pesquisa, na medida em que não há um único pensamento que domine a formação, a pesquisa e o desempenho profissional. A Psicologia é múltipla, se caracteriza por essa multiplicidade e pela convivência de campos epistemológicos muito distintos que balizam a produção de conhecimento, o ensino e o desempenho profissional. (Figueiredo, 1995; Furtado, 2002; Japiassu, 1975)

Parte do debate e das discordâncias sobre a avaliação dos testes realizada pelo CFP está ocorrendo em função do entendimento que temos sobre essas questões. Um dos problemas está no entendimento sobre a natureza do Sistema Conselho de Psicologia e para alguns o Sistema seria uma entidade associativa com a finalidade de defender os psicólogos e sua profissão. Muitas manifestações neste período caminharam nesta direção e cobravam uma posição bastante corporativa do Sistema Conselhos. O argumento central é o de que "roupa suja se lava em casa". Suponho que o termo "roupa suja" refere-se ao fato dos testes não estarem em condição de uso e que essa informação deveria ficar restrita ao grupo de psicólogos. Em primeiro lugar, ressalte-se a compreensão equivocada da natureza do Sistema Conselhos de Psicologia e, depois, um certo desconforto para a convivência em um Estado democrático. Anos e anos vividos sob regime de exceção, numa espécie de nada pode e tudo vale, dependendo do lado em que se estava, corrompe as relações básicas, a própria noção de cidadania.

Quando o legislador impôs, na Constituição brasileira, a noção de habeas-data, estava introduzindo a noção de que todo cidadão brasileiro tem o direito a informação e particularmente no que se trata dos direitos individuais. Ora, direito à informação não significa que o cidadão pode buscar a informação que lhe diga respeito que possa lhe interessar, mas que principalmente o campo institucional deve estar preparado para, sistematicamente, oferecer as informações que balizem sua atuação e intervenção no cotidiano das pessoas. Há uma mudança na lógica de atuação que é fundamental para a construção do estado de direito e para a democratização do País. Vinte anos depois do fim da ditadura militar ainda não logramos construir produção de sentido que balize nosso cotidiano para questões relativas ao estado de direito.

Veja o caso específico da revista Isto É, que foi responsável pela divulgação da avaliação dos testes psicológicos ao grande público. Até então o processo de avaliação estava sendo divulgado nas páginas dos informativos do Sistema Conselho de Psicologia, já que ainda estava sendo formatado. Entretanto, o jornalista pautou a matéria sobre os testes psicológicos em função de demanda judicial movida por uma advogada do Rio de Janeiro, que representava um candidato a um cargo público, preterido pela avaliação dos testes psicológicos aplicados na oportunidade. O tema é importante e temos muito que discutir sobre a forma como estão sendo aplicados testes psicológicos nos concursos públicos. Entretanto, o jornalista não estava com nenhuma boa vontade para discutir o assunto e a matéria estava toda ela baseada nas informações da advogada. Aqui há um derivado importante, já que se vislumbra uma representação negativa do teste psicológico sendo construída pela população. A consulta ao CFP tinha este teor e o jornalista perguntava se o CFP poderia dar garantias sobre a capacidade de predição dos testes psicológicos. Vejam que se trata de uma pergunta legítima e nós, todos os psicólogos, temos a obrigação de respondê-la. Nossa profissão não é a única que é questionada sobre sua competência. As páginas dos semanários de informação e dos jornais estão sempre mencionando aspectos relativos à saúde da população em todos os seus aspectos e os órgãos de imprensa têm especial predileção por qualquer coisa que tenha o teor de denúncia. A atuação médica é frequentemente avaliada, a farmacêutica também e agora nós, psicólogos, estamos na berlinda. Na realidade, isso significa que a psicologia está ganhando importância social. Trata-se de uma profissão que se consolida pelo número expressivo de profissionais atuando no mercado de trabalho e que tem reconhecimento pela sua atuação. Assim, não há como fugir do assédio que tenderá a crescer e o caminho será enfrentá-lo consertando o nosso telhado de vidro.

Evidentemente, tanto pela natureza do Sistema Conselho, como pelo argumento dos direitos do cidadão brasileiro, que é ser informado sobre o que afeta sua saúde, neste caso como anda a qualidade do serviço prestado pelos psicólogos, era dever do gestor informar o público e, exatamente para garantir essa informação, é que a avaliação dos testes psicológicos está disponível no site do CFP. Qualquer cidadão que seja submetido à avaliação psicológica poderá conferir se o teste aplicado pelo psicólogo está ou não avaliado pelo CFP e se está em condições de uso.

O Sistema Conselho de Psicologia está concluindo a informatização do Cadastro Nacional do Psicólogo. Trata-se da informação pública sobre os psicólogos inscritos no Sistema. Um serviço possível será a busca, através da internet, de informação sobre os psicólogos. Assim, alguém procura um psicólogo para atendimento e não tem nenhuma referência sobre o profissional, poderá encontrar seu endereço, seu telefone e dados sobre formação e desempenho profissional - os fornecidos pelo próprio psicólogo evidentemente - e, principalmente, saber se a pessoa procurada se trata mesmo de um psicólogo. Muito bem, quando esta ferramenta estiver funcionando o psicólogo estará prestando um serviço aos usuários de nossos serviços e ao mesmo tempo resguardando o seu campo profissional. É um exemplo de como a informação pode ser útil para os dois lados. Garantia da qualidade do serviço prestado e divulgação de informação que demonstre claramente para a população que os psicólogos não têm nada para esconder. Com o tempo essa atitude vai garantir maior credibilidade para o desempenho profissional.

Outro argumento, esse mais qualificado, aponta que o Sistema Conselhos não reúne competência para a avaliação dos testes. Temos que concordar com esse argumento, já que os psicólogos que são gestores dos Conselhos Regionais e do CFP não foram eleitos pela sua competência específica na profissão, a despeito que tal fator também é levado em consideração pelos eleitores, mas pelo seu desempenho político. Assim, é possível que uma determinada gestão não tenha a participação de um especialista em testes psicológicos. Ocorre que o Sistema Conselho sempre que necessita de avaliações técnicas busca a expertise existente no campo de especialidade e isso em geral é encontrado no campo acadêmico e em nossas associações científicas. Todos os que estão militando na área de Avaliação Psicológica conhecem os professores e pesquisadores que foram convidados para compor a Comissão Nacional de Avaliação dos Testes Psicológicos e todos sabem que essa Comissão teve total autonomia de trabalho. Além disso, foram indicados mais de 30 consultores ad hoc que avaliam os testes e a avaliação final recebe o nihil-obstat tanto do consultor quanto da Comissão e quando há discordância um novo consultor é ativado para dirimir dúvidas. Os membros da Comissão são de universidades absolutamente reconhecidas pelo trabalho em Avaliação Psicológicas e os consultores ad hoc trazem a representação de todo o campo acadêmico brasileiro.

Esta relação poderia ser melhor? Certamente, e estamos caminhando nesta direção com o Fórum das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira. O FENPB é o fórum adequado para discutir e resolver questões que relacionam o conhecimento acadêmico, o profissional e o campo da formação. Ainda não atingiu a complexidade suficiente para ir além do campo de acordos entre as entidades, mas o nível de organização e confiança mútua cresce de forma acelerada e já está em pauta a institucionalização do FENPB e certamente teremos, oficialmente, um novo interlocutor da Psicologia Brasileira. Vejam que se trata de entidades do porte da ABRAPSO, do IBAP, da ABRAPEE, da ANPEPP, da ABEP, do CFP, da FENAPSI. Cito apenas essas para termos uma idéia do peso e da diversidade presentes no FENPB.

O argumento da competência ganhou força com o processo movido por um procurador da República contra o CFP, acatando os argumentos da advogada mencionada na matéria da Isto É. O argumento central diz respeito à competência do controle da qualidade dos testes. Para o procurador, seguindo o argumento da advogada, o CFP é uma entidade corporativa e por esse motivo não seria isento para julgar a qualidade dos testes. Na opinião do procurador, o CFP tenderia a proteger os psicólogos encobrindo os problemas porventura verificados com relação aos testes psicológicos. Vejam que se trata do avesso do que disse os argumentos mais corporativos de nossos colegas, o que já serve para garantir ao procurador a isenção do CFP.

O argumento dos psicólogos que discutem essa tese da competência é mais consistente. Argumentam eles que o CFP não precisaria desempenhar a ação de avaliação, já que ela é realizada rotineiramente pelos diversos laboratórios de nossas universidades. Mas todos sabem que isso não é completamente verdadeiro e acontece de tudo neste campo. Temos testes que foram de fato avaliados e reformulados e isso simplesmente foi ignorado pelas editoras. Temos testes que estão sendo reeditados há muitos anos e que não estão sendo avaliados em nenhum laboratório. Temos novos testes sendo elaborados e publicados pelas editoras e, finalmente, temos editoras encomendando avaliações para colocar testes que editam em condições de uso.

Neste caso, trata-se da relação entre o desempenho da profissão, da forma como se dá a produção de conhecimento na universidade brasileira e das regras de funcionamento do mercado. Cada um destes fatores tem diferentes formas de controle e não interagem entre si. O mercado é a mais elástica dessas formas e se auto-regula. Na psicologia não enfrentamos problemas sérios com essa auto-regulação como ocorre com outros setores da economia. Entretanto, como já mencionamos, o número de profissionais aumentou significativamente nos últimos anos e esse fator produz um efeito mercadológico que deve ser considerado. Somente a formação acadêmica (no que tange os aspectos éticos) e o autocontrole (no que tange as regras do mercado) não são mais suficientes para um desempenho profissional regulado pela eficiência técnica e conhecimento das formas de controle da relação com os usuários. Essa nova realidade exige do órgão de controle profissional uma ação mais efetiva no campo da regulação da relação entre o profissional e o usuário. Isso motivou a edição de uma resolução (007/03) sobre os documentos escritos na situação de trabalho: laudos, relatórios, etc. Até então, cada psicólogo, cada instituição, usando o bom senso, criava seu padrão. Hoje isso não é mais possível e foi necessária a padronização desses documentos visando preservar o usuário e ao mesmo tempo orientando o profissional sobre a importância e uso desse instrumento. Com os testes, mutatis mutandis, se dá o mesmo.

Não havia um quadro organizativo, umas instâncias que pudesse ser acionada e que vislumbrasse as quantas andavam, com relação à qualidade, os testes psicológicos editados no Brasil. Assim, com aval do IBAP, o CFP colocou sua estrutura para realizar essa tarefa que não é fácil pelo esforço demandado e pelo custo. O resultado é conhecido e esse é o grande mérito da política gerada pelo Sistema Conselho de Psicologia que incluiu a edição da Resolução 002/03 que define e regulamenta a elaboração e comercialização de testes psicológicos, a Resolução 007/03 que institui o Manual de Elaboração de Documentos decorrentes, entre outros, da avaliação psicológica. Trata-se de um conjunto muito consistente e juntamente com a ferramenta de acompanhamento pela internet, o SATEPSI, garante uma atuação de qualidade e orientação para psicólogos em qualquer parte do território nacional. Assim, o CFP cumpre seu papel de qualificar o desempenho profissional. De resto, que outra entidade poderia garantir a aplicabilidade dessas normas se não tivesse na mão o controle da ética? Parece-nos evidente que o papel do Sistema Conselho é vital para a qualificação da Psicologia no Brasil.

Por fim, é preciso considerar, passados os primeiros momentos de lançamento da avaliação dos testes psicológicos, que as coisas caminham para um ritmo adequado e a tensão diminui de forma considerável. As editoras estão adequando os testes que foram reprovados e isto, todos devem reconhecer, é bastante salutar. No momento, os principais testes estão já em condições de uso ou suas reformulações estão sendo avaliadas no CFP. Ficamos sabendo do empenho de muitos laboratórios que desenvolvem estudos sobre testes psicológicos. A preocupação com a qualidade dos testes foi tema pautado por professores e estudantes neste período e os psicólogos acompanham atentamente todo esse debate. Hoje temos plena garantia da qualidade dos testes em condições de uso e essa informação é pública. Se essa qualidade deve ser atestada por órgão de controle público, como argumenta o procurador em sua petição à Justiça Federal, é questão que não precisamos mais temer e podemos discuti-la com muita serenidade. O CFP já havia consultado a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) durante o processo de avaliação dos testes e voltou a consultar no momento que recebeu a petição formulada pelo procurador. O entendimento dos técnicos da ANVISA é de que os testes não constituem matéria a ser controlada por eles já que se trata de instrumento de avaliação psicológica de uso exclusivo do psicólogo e não de material que será consumido diretamente pelo usuário, como ocorre com os medicamentos. Mas qualquer organismo público que venha a ser indicado pelo Ministério da Saúde para discutir a qualidade dos testes, não poderá escapar dos critérios definidos pela Comissão de Avaliação dos Testes Psicológicos do CFP, porque é o que temos de mais completo e mais atual neste campo.

De resto, a ação do Sistema Conselho produziu uma profunda ferida narcísica na categoria, que foi aprofundada com a divulgação pela imprensa, mas que agora está devidamente cicatrizada. Estamos aprendendo a dialogar com a sociedade e nem sempre esse diálogo ocorre da forma que queremos. Algumas vezes ele vem na forma de crítica, seja ela fundamentada ou não, outras vêm na forma de dúvida e outras através de diferenças, de pontos de vista que não serão facilmente conciliáveis. Os processos éticos vêm demonstrando esse fenômeno de forma bastante drástica e os jornais dos Conselhos Regionais procuram esclarecer os psicólogos sobre o fato. Aumenta consideravelmente o número de queixas contra o psicólogo no caso de disputa de guarda pelos filhos durante a separação litigiosa de casais. Neste caso, interesses irreconciliáveis atingem diretamente o psicólogo, mesmo ele atuando de forma adequada e de acordo com o Código de Ética. Quem faz a queixa não conhece suficientemente a regra que regulamenta o trabalho do psicólogo e muito menos o seu Código de Ética, mas, cada vez mais, tais regras ganham o espaço público e deixa de ser um conhecimento exclusivo do psicólogo. Ganhar o campo da esfera pública tem suas vantagens e suas desvantagens. Seremos mais reconhecidos e ao mesmo tempo mais vulneráveis as críticas. O fato é que todo esse episódio da divulgação de nosso debate sobre os testes psicológicos nos deu mais segurança e maturidade e capacidade para enfrentar essa crise que não foi a primeira e não será a última.

A diferença é que agora ganhamos importância social e somos pautados na e pela imprensa. Veja o caso da reformulação do Código de Ética. A Folha de São Paulo tentou antecipar a definição do Código no que tange ao sigilo profissional e acabou produzindo um efeito inesperado. O assunto virou uma polêmica nacional. Curiosamente não havia ainda definição sobre o assunto, mas a divulgação da matéria jornalística suscitou um intenso debate entre nós, com manifestações de entidades e acabou por forçar o CFP a produzir uma consulta pública pela internet e outra às entidades do FENPB. Processo dos mais positivos e benéficos já que garantiu a produção de um código mais crítico e eficiente. Considere que todo o processo de construção de reformulação do Código de Ética havia passado por intensos debates nos Conselhos Regionais e depois no Fórum Nacional de Ética, entretanto, com a divulgação pela imprensa ele ganhou as ruas e nosso Código foi discutido pelos psicólogos e pelos usuários na figura dos jornalistas e dos que foram consultados pela imprensa naquele período. Melhor impossível! Claro que essa visibilidade tem suas vantagens e desvantagens, mas é a vida que a profissão e a ciência irão enfrentar daqui para frente.

 

Referências

CFP e CRPs. (2002). Psicologia Legislação: Estrutura e funcionamento dos Conselhos. Brasília: CFP, nº 9.

Coelho, E. C. (1999). As Profissões Imperiais: Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Rio de Janeiro: Record.

Figueiredo, L. C. (1995). Modos de Subjetivação no Brasil e Outros Escritos. São Paulo: Escuta/EDUC.

Furtado, O. (2002) As dimensões subjetivas da realidade: uma discussão sobre a dicotomia entre a subjetividade e a objetividade no campo social. Em: O. Furtado & F. González Rey. Por uma Epistemologia da Subjetividade: um debate entre a teoria Sócio-Histórica e a teoria das Representações Sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Japiassu, H. (1975). O Mito da Neutralidade Científica. Rio de Janeiro: Imago.

Projeto de emenda constitucional. PEC 185/03. www.camara.gov.br.

 

 

Sobre o autor:

1 Odair Furtado: Psicólogo, doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor doutor visitante da Universidade de Brasília e professor associado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
2 De acordo com Coelho (1999), "Não obstante a novidade da forma coorporativa adotada (filiação compulsória aos Conselhos, monopólio de representação, tutela do Estado), a regulação das profissões não foi uma invenção dos revolucionários de 30. De fato ela existiu em moldes diversos desde a Independência e sempre sobre a base do crendencialismo educacional." (p.29)

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