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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.5 no.2 Porto Alegre Dec. 2006

 

NOTA TÉCNICA E RESENHAS

 

Orientação profissional: avaliação psicológica na perspectiva sistêmica

 

 

Julia Targa de Carvalho Neta 1

Universidade São Francisco

 

 

Filomeno, K. (2005). Mitos familiares e escolha profissional: uma visão sistêmica. São Paulo: Vetor, 135 p.

Baseado em suas pesquisas de mestrado, a autora desenvolveu este livro com o intuito de apontar as diferenças entre os critérios de intervenção na área de orientação profissional (OP), e, apresentar um processo de OP a partir da visão sistêmica. A obra está dividida em duas partes. A primeira, organizada em seis capítulos, é composta por revisões bibliográficas acerca dos temas abordados ao longo do livro, e, inclui a apresentação de um caso. Na segunda parte é discutida a visão sistêmica, sendo relacionados os conceitos básicos de uma terapia nesta perspectiva teórica.

No primeiro capítulo chamado Tópicos em orientação profissional, a autora retoma alguns fatos e conceitos do início do século XX sobre o mercado de trabalho, relembrando quando as profissões ainda eram herdadas. Nesta época, muitos testes psicométricos foram desenvolvidos, e até então, eram suficientes para que se realizasse uma boa orientação vocacional. A autora enfatiza a grande diferença entre o século XX e o momento atual, pois, segundo ela, os testes psicométricos foram substituídos por entrevistas com os indivíduos. Ainda, segundo a autora, atualmente considera-se a nomenclatura ideal como sendo orientação profissional, descartando assim a hipótese de que exista uma vocação do indivíduo a ser descoberta a qualquer momento. Entretanto, a decisão de uma pessoa quanto ao seu futuro profissional requer mudanças em sua vida. Neste sentido, o momento é de reflexão para que o jovem conheça a pessoa que foi até aquele momento, e assim, consiga incorporar a pessoa que se formará a partir daquela decisão, o que na concepção da autora, requer o abandono de objetos, lugares e situações. O momento de decisão tem sido compreendido como o marco da passagem da adolescência para a vida adulta. As influências dos mitos familiares e as expectativas de gerações que o indivíduo obsorve também merecem destaque.

Questões familiares são abordadas no segundo capítulo, a partir da definição de família, considerada como uma das instituições mais antigas que a sociedade estabeleceu. A família é a responsável pela transmissão dos valores e mitos que cada indivíduo possui. Assim sendo, a autora reafirma a sua importância no momento do jovem se decidir por uma profissão, já que ele pode sofrer influências explícitas ou sutis, ouvindo elogios a certas profissões e críticas a outras. Segundo a autora, a imagem que o jovem terá de profissional poderá ser construída a partir da profissão exercida pelos pais. Esta imagem os acompanhará ao longo da vida, podendo ser passada para seus filhos e netos. Sendo este um acesso para o mundo profissional dos jovens, o livro alerta para a possibilidade de que seus pais tentem direcioná-los para que exerçam a profissão que eles próprios não puderam exercer. A autora considera natural que no momento da decisão o jovem leve em consideração expectativas de gerações inteiras, mesmo que não perceba essas influências.

O papel que cada membro da família exerce é abordado no terceiro capítulo, Mito e mito familiar. Nele, Filomeno apresenta a definição de mito de acordo com a perspectiva de diversos autores. Considera-se que todas as escolhas de nossas vidas giram em torno dos nossos mitos individuais e familiares. O ser humano, portanto, atua no mundo de acordo com a sua mitologia. Assim sendo, a escolha profissional também sofre influências mitológicas. Neste momento faz-se uma ponte com a teoria sistêmica, pois as decisões que o indivíduo toma na vida são influenciadas por diversos fatores. Graças aos mitos familiares é possível interpretar o passado, compreender o presente e orientar para o futuro. A autora alerta que o desconhecimento dos mitos causa nos jovens aflição e confusão no momento da escolha profissional. Portanto, conhecer os mitos, evidentemente, nos auxilia no conhecimento de si mesmo.

Métodos e técnicas é o tema do quarto capítulo, que traz sugestões sobre como o profissional em orientação pode trabalhar com o jovem. As técnicas propõem um resgate da história da família e do jovem, como a busca do significado do nome, que pode revelar quais expectativas os pais tinham para aquele bebê, considerando que muitas vezes a resposta não está no significado do nome, mas sim, no motivo pelo qual o nome foi dado. É válido também fazer uma busca da história profissional da família (incluindo avós e bisavós), pois auxilia na identificação e compreensão dos mitos familiares. A árvore genealógica (com três gerações), contendo dados profissionais e pessoais de cada um é essencial para entender o funcionamento familiar, ou seja, quem ocupa cada papel. O jovem também pode escrever a história da vida trigeracional, ou seja, escrever sobre três gerações, contando a história de vida de cada um deles. Outras técnicas são apresentadas, dentre as quais, destaca-se aquela em que o jovem assinala atividades que gostaria de exercer, atribuindo a cada uma delas uma profissão que julgue compatível com a atividade. Entretanto, a autora acredita que seja essencial que o jovem faça pesquisas acerca das profissões desejadas e também faça visitas a profissionais da área, para que se tenha uma visão mais realista do trabalho que cada profissional desenvolve.

O quinto capítulo - Caso - é a consolidação de todos esses conceitos. A autora faz a apresentação do caso de uma jovem de 16 anos, que ao longo de 13 sessões oferece respaldos para que o profissional identifique seus mitos individuais e familiares e assim, a conduza para uma decisão madura e ajustada. Isso só foi possível com o auxílio das técnicas de busca do significado do nome, história profissional da família e história da vida trigeracional - por meio das quais a estrutura, o funcionamento familiar e os anseios profissionais de seus antepassados foram identificados.

A escolha profissional da jovem, segundo a autora, está de acordo com os mitos que o norteiam, assim como à sua família. O jovem, como já apresentado anteriormente, está respondendo positivamente às expectativas de gerações a ela atribuídas, e consagrando os mitos presentes em sua família.

No capítulo seguinte, Finalizando, a autora faz menção ao caso apresentado, destacando que na família da jovem, toda sua geração - inclusive ela - se decidiu por profissões que seus pais ou avós não puderam seguir. Assim sendo, o conhecimento da estrutura, funcionamento e mitos familiares são fatores determinantes para tomada de decisões. Acrescenta-se a isso, que os indivíduos não se limitam às suas escolhas profissionais, pois não são seres fragmentados.

A origem da teoria sistêmica é apresentada no sétimo capítulo. Esta, segundo a autora, sofre fortes influências da física quântica, considerando que a compreensão da realidade só é possível se o todo for considerado, ou seja, fenômenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais forem consideradas. O foco da terapia sistêmica está nas relações que os indivíduos estabelecem, e não no indivíduo isolado. Na prática da clínica a proposta é trabalhar com toda a família do paciente, uma vez que entende-se a família como um sistema integrado, no qual cada um tem suas funções e responsabilidades, e, todos afetam e são afetados por suas atitudes e pelas atitudes dos demais membros da família. Assim sendo, prestar atendimento a um jovem para auxiliá-lo profissionalmente significa, segundo a autora, trabalhar também com a sua família. A terapia sistêmica pressupõe uma mudança de papel para o terapeuta, pois este deixa de ser um implementador de técnicas, passando à função de tentar construir realidades alternativas para o paciente a partir dos seus relatos familiares. Desse modo, a terapia se transforma em uma rede de conversações.

De maneira agradável e objetiva, o respaldo teórico é apresentado no decorrer de cada capítulo. Esta, portanto, é uma obra de extrema valia, sendo útil não apenas para estudantes de psicologia ou psicólogos formados, mas também para jovens aflitos com a escolha profissional, assim como para seus familiares. A autora, de forma simples e sutil, nos remete aos mais íntimos pensamentos quanto ao "por quê" e "como" nos decidimos profissionalmente, despertando curiosidades sobre nossos antepassados e principalmente aos mitos que nos rodeiam no seio familiar. Portanto, ter conhecimento das influências que sofremos é uma necessidade, para que melhor possamos nos compreender.

 

 

Sobre a autora:

1 Julia Targa de Carvalho Neta: acadêmica do segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade São Francisco, e, bolsista de Iniciação Científica PIBIC/ CNPq.

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