SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número1Do ensino superior para o trabalho: análise factorial confirmatória da escala de auto-eficácia na transição para o trabalho (AETT)Escala de Motivação Acadêmica: uma medida de motivação extrínseca e intrínseca índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.6 n.1 Porto Alegre jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Construção de escala para avaliar sofrimento psíquico-social de trabalhadores desempregados

 

Development and validation of an instrument to measure psycho-social suffering in unemployed workers

 

 

Heila Magali S. Veiga I, *; Narla Ismail A. Silva**

I Centro Universitário de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi construir e validar uma escala para avaliar as vivências de sofrimento psíquico e social de trabalhadores desempregados. Para a confecção dos itens foram consideradas a literatura e entrevistas. A escala foi aplicada em 300 trabalhadores desempregados de Brasília. A análise dos componentes principais mostrou KMO de 0,92. A análise fatorial dos eixos principais com rotação varimax indicou a existência de dois fatores que juntos explicaram 42,82% da variância. O primeiro fator, denominado de sofrimento interno (8 itens, a = 0,83), englobou aspectos como insegurança, vergonha e tristeza. O segundo (7 itens, a = 0,83) foi nomeado de sofrimento social e envolveu aspectos como alterações no relacionamento familiar e exclusão social. Destaca-se a relevância social do presente estudo, pois é fundamental estudar esses trabalhadores, identificando os sofrimentos oriundos da condição de não estar trabalhando. Recomenda-se que o instrumento seja aplicado em novas amostras.

Palavras-chave: Escala, Trabalhadores desempregados, Sofrimento psíquico e social, Desemprego.


ABSTRACT

The purpose of this study was to develop and validate a measure to assess the psycho and social sufferings lived by unemployed workers. First of all, were consulted the literature and conducted interviews with unemployed workers in order to understand this construct. These data were qualitatively analysed and semantically validated and the resulting items were transformed in a questionnarie, that have been responded by a sample of 300 unemployed workers in Brasília. The analysis of principal components (PC) revealed KMO 0.92. Data were submited to Principal Axis Factoring (PAF). The rotation throgh ortogonal mehod (varimax) revealed two factors that, together, accounts for 42.82% of variability. The first factor, named psycho suffering (8 items, a = 0.83), embodied aspects such as insecurity, shame and sadness. The second (7 items, a = 0.83), was named social suffering and embodied aspects such as familiar relationship alteration and social exclusion. The social relevancy of the current study must be highlighted, for it is essential to study the unemployed workers, to identify the sufferings resultant of the not-working condition. It is also recommended, for future studies, this instrument to be applied.

Keywords: Scales, Unemployed workers, Psycho and social suffering, Unemployment.


 

 

Introdução

O objetivo precípuo do presente estudo é construir e validar uma escala para aferir o sofrimento psíquico e social dos trabalhadores desempregados. Antes de falar de desemprego é preciso que se discuta o trabalho e o seu papel na sociedade contemporânea. Com o advento do capitalismo, passou-se a apregoar a exaltação ao trabalho como o único meio digno de ganhar a vida, sendo este fundamental para a inserção do homem no mundo produtivo permitindo a construção da subjetividade (Cruz, 1999).

Marx (1983) defende a idéia que o trabalho produz a própria condição de ser humano, pois através dele o homem se diferencia dos animais na medida em que ele não se adapta a natureza como esses, mas sim, busca domina-la e transformá-la para os seus objetivos. Silva (2005) sintetiza essa idéia marxista dizendo que "pelo trabalho, os seres humanos apreendem, compreendem e transformam as circunstâncias, ao mesmo tempo em que buscam transformar a realidade em que estão inseridos. Enquanto produzem sua existência, vão além de sua condição biológica, testam seus limites, aprendem sobre si, sobre os outros e sobre a natureza; enfim produzem conhecimento e se educam" (p.13).

Marx (1975, citado por Borges e Yamamoto, 2004) exalta a importância do trabalho, afirma que ele deveria ser humanizador e digno, mas com o surgimento do capitalismo torna-se mercadoria e pode ser caracterizado como alienante, explorador, humilhante e monótono devido à excessiva simplificação.

Para delimitar o conceito de trabalho, Brief e Nord (1999) afirmam que trabalho é aquilo que se faz para ganhar a vida ou se é pago para fazer. Tais autores reconhecem que o trabalho não se reduz a sua dimensão econômica, todavia acreditam que essa delimitação é necessária para se estudá-lo empiricamente. Para Dejours (2004, p. 29) "o trabalho é aquilo que implica, do ponto de vista humano, o fato de trabalhar: gestos, saber fazer, um engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e reagir às situações, é o poder de sentir, de pensar e de inventar".

Codo (1996) sintetiza esse conceito dizendo que "trabalho é uma relação de dupla transformação entre o entre o homem e a natureza, geradora de significado" (p. 25). Essa valorização e exaltação do trabalho na sociedade ocidental dão a ele um papel de destaque na constituição da identidade da pessoa (Jacques,1996).

O ingresso no mundo do trabalho pelo indivíduo na vida adulta, lhe confere aquisição de qualificações que são esperadas pelo espaço de trabalho adquirido, sendo estas incorporadas à identidade do sujeito. Sendo assim, a inserção no mudo concreto do trabalho aparece como seqüência lógica de uma vida normal e como atributo de valor em uma sociedade caracterizada pelo fator produtivo, tal afirmação implica na conclusão de que o desemprego e a inatividade revelam uma dimensão subjetiva e uma repercussão social que vão além dos dados estatísticos e dos parâmetros econômicos (Jacques, 1999).

Ultimamente têm sido tantas as alterações no mundo do trabalho, que seguramente pode-se afirmar que esta passa por uma verdadeira revolução. Dentre as inúmeras transformações tem-se o estabelecimento de novos contratos de trabalho, aceleradas mudanças tecnológicas, ampliação das competências exigidas dos trabalhadores, dentre outras. Todas as alterações trazem consigo uma nova realidade para o trabalho e para o trabalhador, que são alarmados pelo aumento das taxas de desemprego em todo o mundo e pela ampliação do trabalho informal (Rousseau, 1997; Pochmann, 2001; Singer, 2001).

Esse novo cenário do mundo do trabalho traz o desemprego como uma realidade para muitos trabalhadores. Antunes (1999) ao defender o trabalho como principio básico da atividade do homem, discute que a ausência de um trabalho pode vir a ser enxergada por aquele que o vivencia como a impossibilidade de se construir como ser produtor de si mesmo e do meio pelo qual está inserido tornando-se sinônimo de sofrimento, sendo responsável por várias alterações na vida do indivíduo.A condição de estar desempregado priva o sujeito de ganhos que vão além da remuneração (Jahoda, 1988).

Carvalho, Peres e Silva (2003) defendem a idéia de que o desemprego seria apenas a ponta do iceberg, a questão central estaria na precarização das condições de trabalho. De acordo com Barros e Mendes (2003), o processo de globalização e a inserção de novas tecnologias trazem a exigência de um profissional cada vez mais qualificado, porém esse mercado que se torna cada vez mais exigente na busca deste profissional, na maioria dos casos não oferece um suporte organizacional que promova a saúde e o bem-estar dos seus trabalhadores.

De acordo com Cardoso (2004) as conseqüências do desemprego na vida do indivíduo atingem questões não somente de ordem financeira, mas de ordem social, pessoal e familiar, influenciando ainda em sua identidade profissional e psicológica. Dejours (1999) aponta que, o indivíduo desempregado, ao não conseguir trabalho, passa por um processo de dessocialização progressivo, causador de intenso sofrimento.

Tumolo e Tumolo (2004) ao entrevistarem trabalhadores desempregados freqüentadores do SINE de Florianópolis, perceberam que o desemprego está associado com experiências de sofrimento como tristeza, desespero, revolta e exclusão social. Eles relatam que dos 13 entrevistados, dez choraram copiosamente ao discorrerem sobre suas experiências na condição de desempregado. Outro estudo realizado com trabalhadores freqüentadores do SINE de Florianópolis foi desenvolvido por Cardoso (2004). Com base nas entrevistas realizadas, a pesquisadora verificou que desemprego produz conseqüências para aquele que o vivencia, em termos, sociais, psicológicos, morais, e na construção de sua subjetividade. Além de ser vivenciado pelo trabalhador com a ausência de um trabalho, o desemprego o impede de construir-se como ser produtor de si e do meio.

Dentro desse contexto, do atual mundo do trabalho, pontua-se a importância social da referente pesquisa. Por ser o desemprego um fenômeno que traz implicações sociais e psicológicas para o individuo, uma contribuição desse trabalho é a construção de uma escala para avaliar tais vivências. Como observado no levantamento de literatura e nas pesquisas supracitadas há uma tendência em se investigar esse fenômeno exclusivamente adotando a abordagem qualitativa. As autoras defendem que é fundamental uma conjugação de ambas as metodologias qualitativas e quantitativas, tendo em vista que são complementares e possibilitam melhor compreensão do fenômeno. Essa concepção é compartilhada por Minayo e Sanches (1993), os quais postulam que as abordagens quantitativa e qualitativa não podem ser vistas como contraditórias, já que as relações sociais precisam ser analisadas de maneira mais concreta, ao mesmo tempo em que se classificam em seus principais significados, tornando-se possível que a realização do estudo qualitativo venha a gerar questões para serem aprofundadas quantitativamente e vice-versa. Além disso, Grisci (1999) destaca que o profissional psicólogo da área organizacional e do trabalho, além de atuar na área de Recursos Humanos deve repensar a questão do desemprego, vindo a contribuir de maneira mais efetiva nas diferentes variáveis que envolvem tal fenômeno social.

Construção da medida

Para a construção da escala foram conduzidas entrevistas e a consulta à literatura acerca das experiências de sofrimento associadas com o desemprego. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com trabalhadores desempregados freqüentadores da Agência do Trabalhador de Brasília (antigo SINE). Durante a entrevista, primeiramente, o trabalhador era solicitado a falar de seu último trabalho; em seguida foram feitas questões acerca do tempo do desemprego, como ele se sentia por estar desempregado, mudanças ocorridas em sua vida em decorrência do desemprego.

Do total de sete entrevistados, cinco eram homens e dois eram mulheres; um possuía o primeiro grau incompleto, dois tinham o primeiro grau completo, um não havia concluído o segundo grau, dois possuíam o segundo grau completo e um dos sujeitos entrevistados possuía formação superior. A análise de conteúdo das entrevistas permitiu a criação das categorias conseqüências psíquicas, conseqüências sociais, conseqüências ético-morais, estratégias de enfrentamento e perspectivas futuras. Tais categorizações foram semelhantes àquelas encontradas por Cardoso (2004).

Para a construção da escala foram selecionadas as categorias que tratavam das vivências do trabalhador desempregado, a saber, conseqüências psíquicas e sociais. Optou-se, por esse critério, pois categorias como estratégias de enfrentamento e perspectivas futuras, tratam das táticas adotadas para lidar com o desemprego ou para encontrar um novo trabalho, portanto não poderiam ser classificadas como vivências do desemprego, mas sim, estratégias de enfrentamento frente ao desemprego.

Durante a elaboração do instrumento, foram seguidos os princípios e etapas de elaboração de escalas psicológicas apontados por Pasquali (1999). Todos os itens do instrumento foram redigidos de maneira afirmativa a fim de evitar problemas de compreensão por parte dos sujeitos pesquisados, conforme destacam Gable e Wolf (1993); houve também a preocupação em se manter os quesitos básicos apontados por Almeida e Freire (2000) de objetividade, simplicidade, relevância, amplitude de domínio e clareza dos itens.

Foram construídos 32 itens, os quais foram submetidos à análise semântica e dos juízes. A análise semântica da pesquisa foi feita com quatro sujeitos, sendo dois do sexo feminino com ensino médio completo e nível superior incompleto e dois do sexo masculino com ensino médio e fundamental incompleto. Durante a análise semântica a pesquisadora leu item por item para cada sujeito participante de maneira individual, e questionou sobre a compreensibilidade do mesmo. O resultado dessa análise levou a retirada de cinco itens. A seguir, procedeu-se à análise dos juízes. Para a realização dessa etapa foi solicitado a dois professores universitários da área de psicologia organizacional que avaliassem o pertencimento de cada item a um dos dois fatores, sendo estes definidos fator 1: Sofrimento Psíquico e Fator 2: Sofrimento Social. Todos os itens foram enquadrados nos respectivos fatores propostos pelas autoras.

 

Método

Participantes

A amostra foi formada por 300 trabalhadores desempregados, freqüentadores da agência do trabalhador de Brasília, sendo 51% do sexo masculino, 48,7% do sexo feminino e 0,3% não informaram. Do total de trabalhadores, 46% tinham o ensino fundamental, 48% do ensino médio e 6% o superior. Em relação ao estado civil, 65% dos sujeitos eram solteiros, 29% casados, 4% eram separados ou divorciados, e 0,7% eram viúvos. A idade média foi de 29, 53 anos (d.p. = 8,69) e o tempo médio de desemprego de 13,88 meses (d. p. = 16,38).

Instrumento

Vinte e sete itens compuseram a Escala Para Avaliação de Sofrimento Psíquico - Social de Trabalhadores Desempregados, sendo dezesseis itens referentes ao fator sofrimento interno e onze ao fator sofrimento social. Dentre os itens que avaliavam sofrimento interno tem-se o item três, o qual afirma "percebo que a falta de emprego me deixa estressado". O item 21 da escala de sofrimento social diz "percebo que os colegas do trabalho anterior evitam manter contato comigo". Para que os itens fossem respondidos foi utilizada uma escala do tipo Likert de cinco pontos, sendo: (1) nunca, (2) raramente, (3) às vezes, (4) freqüentemente e (5) sempre.

Procedimento

A aplicação dos instrumentos foi feita de maneira individual por estudantes de psicologia previamente treinadas. Durante o preenchimento do questionário, as aplicadoras se disponibilizavam a auxiliar no esclarecimento de dúvidas.

 

Resultados

A validade de construto da escala de sofrimento psíquico e social de trabalhadores desempregados foi verificada através da análise fatorial. Primeiramente, procedeu-se à análise dos componentes principais para avaliar a fatorabilidade da matriz de dados. O KMO foi de 0,92, o teste de esferecidade de Bartlett significativo (2910, 71, p< 0,001). A inspeção do scree plot e dos eigenvalue indicou a existência de dois fatores (vide figura 1). Com base nesses resultados e na interpretação teórica, optou-se pela extração de dois fatores.

 

 

A seguir, realizou-se a análise fatorial realizada através do método de extração dos fatores principais com rotação varimax. A variância total explicada pelos dois fatores foi de 42,82%. Os itens que apresentaram carga fatorial inferior a 0,40 foram eliminados. A tabela 1 apresenta os itens de cada fator, a variância explicada por cada um e o índice de confiabilidade (alfa de Cronbach). O primeiro fator é formado por oito itens e foi denominado de sofrimento psíquico. O seu conteúdo trata das vivências internas associadas ao desemprego como angústia, desânimo, ansiedade e tristeza, ou seja, esse fator trata de como o trabalhador se sente por estar desempregado, quais as implicações psicológicas oriundas da condição de estar desempregado. O segundo fator é composto por sete itens e diz respeito às vivências de sofrimento nas relações sociais e foi nomeado de sofrimento social. Esse fator apresenta questões que revelam ser o desemprego propulsor de dificuldades de ordem social.

 

 

Discussão

A análise dos dados mostra que o instrumento apresenta validade de construto e possui bons coeficientes de fidedignidade. Os resultados obtidos comprovam que as experiências do trabalhador desempregado envolvem dois aspectos distintos, de um lado, o sofrimento psíquico, o qual engloba vivências de angústia, tristeza, vergonha; por outro lado, tem-se o sofrimento social, o qual trata de aspectos no campo social, como o afastamento dos colegas, dificuldade em fazer novos amigos.

Destaca-se que as vivências de sofrimento psíquico e social do trabalhador desempregado aferidas pelo instrumento proposto, foram encontradas em outros estudos que utilizaram a abordagem qualitativa. A relação entre desemprego e estresse é apontada por autores como Lázarus e Folkman (1984), que definem o estresse como uma relação própria da pessoa, onde o ambiente é avaliado por este como desgastante ou excedente aos seus próprios limites, pondo em risco o seu bem estar e se manifestando através de sintomas físicos, psíquicos e comportamentais. Outros estudos foram identificados fazendo correlação entre desemprego e estresse (Sacramento, 2006; Lima, Santos & Sparrenberger, 2004).

De acordo com Sarriera (1993), dentre as conseqüências do desemprego entre os jovens estão o estresse e a depressão, além de outras implicações como a diminuição da rede social e a desestruturação da auto-estima do jovem. Os jovens pertencentes às classes populares, são mais propícios a aceitação de trabalhos precários e conseqüentemente correm um maior risco de desenvolverem distúrbios psicossociais, na fase em que estão sendo definidas as identidades pessoais e ocupacionais.

Outras variáveis de ordem psíquica foram associadas com a condição de estar desempregado em outros estudos (Cruz & Souza, 2004; Carvalho, Peres & Silva, 2003; Wickert, 1999; Argolo & Araújo, 2004; Castelhano, 2005; Bárbara, 1999; Lima & Borges, 2002; Tumolo, 2002; Cardoso; 2004 e Selligmann-Silva, 1986). Tais variáveis dizem respeito a questões que envolvem conseqüências psíquicas decorrentes da situação de desocupação e que geram sentimentos negativos associados a sofrimento por parte dos trabalhadores desempregados, sendo representados pelo desespero, perda da esperança e medo de não encontrar um novo trabalho, sensação de desamparo e desorientação, revolta, tristeza, inutilidade e vergonha.

Em relação às conseqüências sociais que acometem os trabalhadores desempregados, Cardoso (2004) em sua pesquisa realizada no SINE de Florianópolis, verificou que a questão do isolamento social foi uma vivência identificada em quase todos os sujeitos que foram entrevistados, destacando que tal aspecto está associado com o fato de que ao estarem sem emprego, os indivíduos sentem-se desinteressantes e desagradáveis perante a sociedade. Tumolo (2002), confirma tal aspecto ao apontar que o distanciamento social é uma característica bastante presente no comportamento dos sujeitos desempregados, sendo expresso através da diminuição da freqüência em encontros sociais, gerado pela necessidade de redução nos gastos.

A questão da exclusão social em relação aos companheiros de trabalho anterior é apontada por Capitão e Heloane (2003), que destacam que as relações de companheirismo e amizade no trabalho não se concretizam, pois elas são passageiras, imediatas e competitivas, e quanto às ligações afetivas, os vínculos não se solidificam, pois com cada alteração rompem-se os laços, e a conseqüência disto é que além do desemprego as pessoas são condenadas à solidão.

Alguns autores (Tumolo & Tumolo, 2004; Caleiras, 2004) destacam ainda que a família apresenta um forte significado para o trabalhador desempregado, sendo que normalmente a família de origem atua dando apoio, principalmente financeiro. No entanto existem casos em que a pessoa desempregada não pode contar com a família de origem, ficando desamparada financeiramente e emocionalmente. Argolo e Araújo (2004), destacam que quanto maior a participação do trabalhador no orçamento familiar, na situação de emprego, maior é o grau de deterioração do seu bem estar psicológico quando desempregado, verificando então que a função econômica do sujeito no grupo familiar tem papel mediador na relação entre o desemprego e o bem estar psicológico.

 

Conclusão

A realização do presente estudo permite concluir que o sujeito possui sua subjetividade construída através de várias experiências ao longo de sua vida, especialmente aquelas que envolvem o trabalho são cruciais para a formação de sua identidade ocupacional e social. Antunes (2001) levanta tal reflexão ao apontar que apesar das modificações existentes na sociedade atual, o trabalho continua a manter a sua centralidade, e pensar na construção do sujeito distante de tal aspecto é enxergá-lo de maneira fragmentada.

Pode-se afirmar que o desemprego produz conseqüências para o trabalhador desempregado, em termos sociais, psicológicos, morais, bem como na formação de sua identidade. Levando-se em consideração tais aspectos, a construção de um questionário capaz de avaliar conseqüências acarretadas pela situação de desemprego é trazer à tona a precarização a que tais indivíduos estão submetidos, retratando uma das várias habilidades que o profissional psicólogo pode vir a desenvolver como pesquisador e promovedor da saúde.

Um número cada vez maior de trabalhadores tem perdido seus empregos. Esta perda do posto de trabalho tem sido associada com baixa auto-estima, aumento da ansiedade, estresse. Estudos têm revelado que características dos programas de reinserção no mercado de trabalho juntamente com suporte pessoal são importantes num processo de recolocação profissional. Além disto, é importante destacar que passar pelo ciclo estar empregado-desempregado, não é necessariamente negativo; para alguns trabalhadores esta é uma oportunidade para crescimento pessoal ou possibilidade de ficar mais tempo com a família. Entretanto, destaca-se que para acontecer isto é fundamental que os trabalhadores desenvolvam habilidades para lidar com as mudanças (Rousseau, 1997).

Em tempos de diminuição do trabalho de carteira assinada, faz-se mister discutir de que maneira as novas formas de contrato de trabalho, como os terceirizados, as cooperativas, contratar um trabalhador como pessoa jurídica afetam a compreensão do que é trabalho e de que maneira isso impacta na construção da identidade do sujeito. Além disso, esse debate revela que a compreensão do fenômeno desemprego deve ser ampliada.

As organizações têm considerado a escolaridade um fator importante na contratação de um trabalhador. Considerando essa realidade surge um questionamento, como inserir ou re-inserir os trabalhadores brasileiros no mercado de trabalho, tendo em vista que muitos têm baixa escolaridade? Como lidar com o fenômeno do desemprego nessa parcela da população?

A escala apresentada pode ser uma ferramenta para os profissionais que trabalham e atendem trabalhadores desempregados, na medida em que pode auxiliar na identificação dos sofrimentos experienciados por essas pessoas. Essas informações podem ser úteis para o estabelecimento de estratégias de intervenção e acompanhamento. Recomenda-se que novos estudos sejam realizados com a escala utilizando-se novas amostras para avaliar a generalidade da mesma. A escala poderia ser usada para investigar as vivências de sofrimento psíquico social com amostras de trabalhadores de baixa e alta escolaridade. Uma sugestão para outros trabalhos é que sejam investigadas mais detidamente as estratégias de enfrentamento adotadas pelos indivíduos que se encontram excluídos do mercado de trabalho formal.

Espera-se que o instrumento proposto possa contribuir na realização de pesquisas futuras a respeito da implicação do fenômeno social desemprego na vida do sujeito.

 

Referências

Almeida, L.S. & Freire, T. (2000). Metodologia de Investigação em Psicologia Educação. Braga: Psiquilibrios.         [ Links ]

Antunes, R. (1999). Mercado Informal, empregabilidade e cooperativismo: as transformações das relações de trabalho no mundo contemporâneo. Cadernos de Psicologia Social e do Trabalho, 2, 55-72.         [ Links ]

Antunes, R. (2001). Os Sentidos do Trabalho. Ensaio Sobre a Afirmação e Negação do Trabalho no Brasil. 5ª edição. São Paulo: Boitempo.         [ Links ]

Argolo, M. A. D & Araújo. J. C T. (2004). O impacto do desemprego sobre o bem-estar psicológico dos trabalhadores da cidade de Natal. RAC, 8 , 161-182.         [ Links ]

Bárbara, M.M. (1999). Reestruturação Produtiva, Qualificação, Requalificação e Desemprego: percepção e sofrimento do trabalhador. Psicologia Ciência e Profissão, 1, 30-49.         [ Links ]

Barros, P. C. R. & Mendes, A.M.B. (2003). Sofrimento psíquico no trabalho e estratégias defensivas dos operários terceirizados da construção civil. Psico - USF, 8, 1, 63-70.         [ Links ]

Borges, L.O & Yamamoto, O.H. (2004). O mundo do trabalho. Em Borges-Andrade, J. E; Bastos, A. V. B & Zanelli, J. C (Orgs.). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil (pp. 24-62). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Brief, A.P. & Nord, W.R. (1999). Meaning of occupational work: a collection of essays. Massachusetts/Toronto: Lexington Books.         [ Links ]

Caleiras, J. (2004). Globalização, Trabalho e Desemprego: Trajetórias de exclusão e estratégias de enfrentamento. Anais do VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Portugal         [ Links ]- Faculdade de Coimbra.

Capitão, C.G & Heloani, J.R. (2003). Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em Perspectiva, 17, 2, 102-108.         [ Links ]

Cardoso, G. R. (2004) "Estou Desempregado, Não Desesperado": A Vivência do Desemprego Para Trabalhadores Desempregados freqüentadores do SINE de Florianópolis. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Psicologia, UFSC, Florianópolis.         [ Links ]

Castelhano, L.M. (2005). O medo do Desemprego e as Novas Organizações de Trabalho. Psicologia e Sociedade, 17, 1-9.         [ Links ]

Carvalho, A. M. R; Peres, R. S. & Silva, J. A (2003). Um Olhar Psicológico Acerca do Desemprego e da Precariedade das Relações de Trabalho. Psicologia: Teoria e Prática, 5, 97-110         [ Links ]

Codo, W. (1996) Um diagnóstico do trabalho (em busca do prazer). Em Tamayo, A.; Borges-Andrade, J.E. & Codo, W. (Orgs.). Trabalho organizações e cultura. (pp. 21-40) São Paulo: Coletâneas da ANPEPP.         [ Links ]

Cruz, R. M. (1999). Formação Profissional e Formação Humana: os descaminhos da relação homem-trabalho na modernidade. Em: B.W, Aued (Org.) Educação para o (des) emprego. (pp. 175 - 189). Rio de Janeiro: Vozes.         [ Links ]

Cruz, M. H. S & Souza, S.A.S. (2004). Desemprego e formas de exclusão, implicações sobre a carreira profissional entre trabalhadores fabris em Sergipe. Trabalho apresentado no II Seminário de Pesquisa FAP - SE. Aracajú-Sergipe.         [ Links ]

Dejours, C. (1999). A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.         [ Links ]

Dejours, C. (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, 14, 3, 27-34.         [ Links ]

Gable, R. K. & Wolf, M. B. (1993). Instrument development in the affective domain (2 ed.). Norwell, MA: Kluver Academic.         [ Links ]

Grisci, C. L. I. (1999) Trabalho, tempo e subjetividade: Impactos da reestruturação produtiva e o papel da psicologia nas organizações. Psicologia: Ciência e profissão, 19, 2-13.         [ Links ]

Jacques, M.G. (1996). Identidade e trabalho: uma articulação indispensável. Em Tamayo, A.; Borges-Andrade, J.E. & Codo, W. (Orgs.). Trabalho organizações e cultura. (pp. 41-47) São Paulo: Coletâneas da ANPEPP..         [ Links ]

Jacques, M.G. (1999). Identidade e Trabalho. Em: A.D. Cattani (Org.) Trabalho e Tecnologia. Dicionário Crítico. (pp. 127 - 131). Petrópolis: Vozes         [ Links ]

Jahoda, M. (1988). Economic recession and mental health: Some conceptual issues. Journal of Social Issues, 44, 13-23.         [ Links ]

Lazarus, R. S; Folkman, S. (1984). Stress, Appraisal and Coping. New York: Springer.         [ Links ]

Lima, R. C; Santos, I & Sparrenberger, F. (2004). Associação de eventos produtores de estresse e mal-estar psicológico: um estudo de base populacional. Caderno de Saúde Pública, 20, 249-258.         [ Links ]

Lima, M.E.A. & Borges, A. F. (2002). Impactos psicossociais do desemprego de longa duração. Em I.B.Goulart (Org.) Psicologia Organizacional e do Trabalho: Teoria, Pesquisa e Temas Correlatos. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Marx. K. (1983). O Capital. São Paulo: Abril Cultural. Obra originalmente publicada em alemão em 1867.         [ Links ]

Minayo, M. C de S & Sanches, O. (1993). Quantitativo - Qualitativo: Oposição ou complementariedade? Caderno de Saúde Pública, 9, 1-13         [ Links ]

Pasquali, L. (1999). Instrumentos Psicológicos: Manual Prático de Elaboração. Brasília, DF: LabPAM/ IBAP.         [ Links ]

Pochmann, M. (2001). O Emprego na Globalização. São Paulo: Boitempo Editorial.         [ Links ]

Rousseau, D.M. (1997). Organizational behavior in the new organization era. Annual Review of Psychology, 48, 515-46.         [ Links ]

Sacramento, M. T (2006). O estresse como metáfora no discurso do trabalho. Anais do I Encontro África - Brasil de Ergonomia, V Congresso Latino Americano de Ergonomia. Santa Catarina, Florianópolis.         [ Links ]

Sarriera, J.C. (1993). Aspectos Psicossociais do Desemprego Juvenil: uma análise a partir do fracasso escolar para a prevenção preventiva. Psico, 24, 2, 23-29.         [ Links ]

Seligmann-Silva, E. (1986). Desemprego E Saúde Mental. Em: V. A. Angerami; M.H.C. de F. Steiner (Orgs..). Crise, Trabalho e Saúde Mental no Brasil. (pp 104-117). São Paulo: Traço.         [ Links ]

Silva, S. T. (2005) A qualificação para o trabalho em Marx. Tese de doutorado. Pós-graduação em Economia, UFPR, Curitiba.         [ Links ]

Singer, P. G. (2001). Globalização e Desemprego. São Paulo: Contexto.         [ Links ]

Tumolo, L. M. (2002). As características da Vivencia das Pessoas que se Encontram Desempregadas. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Psicologia, UFSC, Florianópolis.         [ Links ]

Tumolo, L. M & Tumolo, P. S. (2004). A Vivência do Desempregado: Um Estudo Crítico do Significado do Desemprego no Capitalismo. Espaço Acadêmico, 43, 1-13.         [ Links ]

Wickert, L. F. (1999). O Adoecer Psíquico do Desempregado. Psicologia Ciência e Profissão, 19, (1), 66-75.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
QE 32 conjunto R casa 18-Guará II
DF CEP:71065-181
E-mail: heila.veiga@uniceub.br

Recebido em Outubro de 2006
Reformulado em Dezembro de 2006
Aceito em Abril de 2007

 

 

Sobre os autores:

* Heila Magali Silva Veiga: psicóloga e mestre em psicologia social e do trabalho pela Universidade de Brasília (UnB). Docente de Psicologia no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).
** Narla Ismail Akel Silva: psicóloga graduada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub).

 

As autoras agradecem ao UniCEUB pelo apoio à pesquisa

Creative Commons License