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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.6 no.1 Porto Alegre June 2007

 

ARTIGOS

 

O ensino da avaliação psicológica na formação graduada do psicólogo

 

 

Elizabeth Brandão *

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 

Trabalho apresentado no I Encontro de Avaliação Psicológica na formação dos psicólogos - São Paulo, 29 de Março de 2004

Tenho atuado como professora de Técnicas de Exame e Avaliação Psicológica na Faculdade de Psicologia da PUC - São Paulo desde 1972. Então estudante de 5º ano, bacharel e licenciada, fui convidada pela Odette Pinheiro, na época responsável pela cadeira de TEP, a participar da reestruturação das disciplinas. O curso de Psicologia, implantado em 1962, tendo inicialmente 40 alunos, passara a 80 e depois a 120 alunos aceitos anualmente. Começamos por uma extensa revisão bibliográfica a respeito dos testes então em uso, produzindo um material didático novo, o mais completo possível, incluindo resultados de pesquisas de validade e de precisão, dados normativos e uma discussão a respeito das possibilidades de uso destas técnicas. Naquela época, a utilização dos testes psicológicos era uma das principais atribuições dos psicólogos e muitos trabalhos de Conclusão de Curso nas recentes Faculdades de Psicologia consistiam em estudos empíricos tomando o próprio teste como objeto de investigação. Dra. Aniela Ginzberg e Ana Maria Poppovic são marcas do vigor da pesquisa nesta época.

Desde então, tenho estado envolvida com as disciplinas da área de avaliação psicológica, desde o TEAP I (3º período) até o Núcleo de Psicodiagnóstico (7º e 8º períodos). Nestes 32 anos, nossas disciplinas foram se transformando, acompanhando a evolução da própria Psicologia em nosso meio, integrando-se ao currículo como um todo. Este, na sua forma atual tem uma estrutura capaz de acomodar novos conteúdos, novas abordagens e até mesmo novas inquietações, e consequente desejo de refletir e de adquirir algum conhecimento diante de situações que emergem da realidade atual. Estou me referindo ao fato de nosso currículo comportar tanto disciplinas quanto estágios eletivos, os quais refletem, de um lado, as demandas que nos vêm das mais diversas fontes e, de outro, os interesses e possibilidades do corpo docente de tranformar estas demandas em disciplinas que possam mobilizá-lo e mobilizar o aluno numa constante e fértil investigação - reflexão.

No extenso período em que discutimos e preparamos esta atual estrutura pensamos o 4º ano como uma etapa inicial na Formação Profissional, em que o aluno entraria em contato com uma dada realidade para poder conhecê-la e visualizar formas de intervenção. De modo geral, o aluno estaria atuando no diagnóstico, ou seja, debruçando sobre uma dada realidade com a finalidade de conhecê-la de forma organizada, discriminando necessidades, demandas e recursos, contextos e conjunturas, movimento e estagnação.

Definimos quatro agrupamentos a partir das instituições nas quais o psicólogo se insere e desenvolve diferentes tipos de afinidades: instituições específicas de saúde mental, instituições de saúde em geral, instituições voltadas para a educação e a formação e instituições ligadas ao trabalho e à produção. No 5º ano, o aluno estará desenvolvendo atividade de estágio em área de intervenção de sua escolha. De uma maneira muito simples, eu diria que o propósito maior é o de construir um saber fazer constantemente pensado, avaliado e recriado.

É dentro deste espírito que as disciplinas diretamente relacionadas à área de avaliação psicológica têm sido pensadas e programadas. As disciplinas de TEAP são consideradas práticas, o que significa que trabalhamos com turmas de 20 alunos. Na formação geral, de 1º a 6º período temos um total de 17 créditos, que visam garantir que o aluno tenha a formação e as informações necessárias para se utilizar de instrumentos de investigação psicológica em diferentes contextos e com diferentes objetivos, mantendo sempre uma postura ética.

No TEAP I o aluno entra em contato com o campo da investigação psicológica, com a história da construção dos primeiros testes e com sua evolução; com o desenvolvimento dos princípios que norteiam e limitam a utilização destas técnicas. Noções básicas de psicometria, compreensão dos dados de um manual de teste, exercícios práticos de aplicação e avaliação, além de uma grande ênfase da idéia de que um teste é uma forma especial de observação, cuja utilidade depende de sua validade, sempre contextualizada e de sua precisão, mas também do manejo que o psicólogo é capaz fazer, de sua capacidade de julgamento e de discernimento.

Sobre estas bases, acompanhadas por um elenco de outras disciplinas que também visam uma compreensão do que é conhecer em psicologia, o aluno do 4º período inicia sua formação nas técnicas que visam a "investigação dos recursos intelectuais e adaptativos", abordando tanto técnicas coletivas como os testes de fator G, quanto técnicas individuais como WISE, WAIS e Bender, com ênfase na análise qualitativa e no rigor quanto à análise quantitativa. Ao final deste semestre, o aluno estará habilitado para a aplicação, avaliação e interpretação dos resultados de um teste, tendo em vista suas qualidades de medida, a situação em que foi utilizado, as perguntas a que pode responder, as perguntas que suscita. Pensamos que utilizar o texto é utilizar a possibilidade de um outro olhar sobre uma dada questão, sempre dependente da capacidade de raciocínio de quem o utiliza.

Nos dois semestres seguintes, buscamos estimular o raciocínio clínico do aluno. Análise do discurso nos métodos temáticos e entrevista, Rorschach I, métodos expressivos de investigação diagnóstica e Rorschach II. Além do ensino das técnicas em si mesmas, sua criação, seu embasamento teórico, suas finalidades, alcance e limites visamos, como afirmei, construir um raciocínio clínico. Por exemplo, o TAT é tomado como uma forma de pensar as funções da linguagem, da comunicação, que envolve tanto aspectos manifestos quanto aspectos mais ou menos latentes. Acreditamos que a partir deste modelo, suficientemente explorado e assimilado, o aluno seja capaz de raciocinar a partir de dados obtidos com o uso de técnicas com princípios semelhantes. Ou seja, elegemos uma técnica, a ser abordada em profundidade, de forma a fazer um sentido do qual o aluno possa realmente se apropriar.

Com esta abordagem, temos contado sempre com o envolvimento dos alunos. Parece-nos que conseguimos transmitir a idéia de que é útil aprender dada técnica, não só para um diagnóstico psicológico numa dada situação, mas para ser capaz de pensar sobre o que é específico do olhar da psicologia sobre um dado fenômeno.

No quarto ano, acontece o Núcleo de Diagnóstico Psicológico. Falar sobre o Núcleo pode esclarecer a maneira como temos concebido uma prática de atendimento clínico em psicodiagnóstico. Temos 2 programas teóricos: "o processo de diagnóstico psicológico; a prática clínica" e "contextualização teórica do diagnóstico psicológico", cada um com 3 créditos, que aprofundam e expandem todo o conteúdo anteriormente aprendido e acompanham o estágio realizado na clínica. São atendidos pacientes da clínica psicológica. Cada grupo de 8 alunos tem uma supervisão semanal de 3 horas/aula onde todo processo é minuciosamente acompanhado. Além disso, temos o espaço de 1 hora/aula, chamado de Reflexão, onde questões de qualquer natureza, seja teórica, institucional, pessoal, relacional, suscitadas pelo atendimento, podem ser trazidas e discutidas com um outro professor.

No Núcleo I, o aluno tem contato com uma diversidade de formas de pensar e praticar o atendimento clínico, uma vez que procuramos garantir que haja supervisões tanto na linha de psicanálise, quanto na da psicologia analítica, da fenomenologia e da psicologia comportamental.

A partir disso tudo que venho expondo, foi ficando muito claro que temos conseguido um bom trabalho dentro da área clínica. Há uma integração dos conteúdos, a prática legítima, a apredizagem anterior e a avaliação dos alunos é muito positiva (e acredito que a dos supervisores também). O mesmo não acontece com as outras áreas. Temos pouco trânsito de informações, não temos sido solicitados, questionados ou estimulados a dedicar nossos recursos intelectuais e nossos conhecimentos na área de investigação psicológica a outros campos que não o da investigação clínica. Temos aqui neste encontro uma oportunidade para pensar tudo isso. Parece muito óbvio que há situações problemáticas dos mais variados tipos para as quais não surgiram estratégias que prescindam da avaliação conduzida por um psicólogo. Acredito mesmo que teremos qu eresponder a estas demandas, que parecem urgentes. Precisamos pensar mais articuladamente nas áreas de recrutamento e seleção, por exemplo, exame para porte de arma, não penso apenas nos postos de trabalho para os psicólogos. Penso principalmente que a sociedade precisa desse saber e não podemos deixar que métodos aleatórios substituam nossa capacidade de raciocínio sobre questões que são de ordem psicológica.

 

 

Sobre a autora:

* Elizabeth Brandão: psicóloga e mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Assistente Mestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: bethcpb@uol.com.br

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