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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.6 no.2 Porto Alegre Dec. 2007

 

ARTIGOS

 

Criatividade: Características da produção científica brasileira

 

Creativity: characteristics of brazilian scientific production

 

 

Tatiana de Cássia Nakano I, *; Solange Muglia Wechsler II, **

I Universidade São Francisco
II Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo identificar as características da produção científica brasileira em criatividade, a partir da revisão das teses, dissertações e publicações periódicas realizadas entre os anos de 1984 a 2006 constantes nas bases de dados eletrônicas de produção brasileira listadas pela CAPES e Index-Psi. Os resultados apontaram a existência de 104 teses e dissertações e 95 artigos científicos. Houve predominância de estudos teóricos em ambas as bases, utilização de métodos qualitativos nas teses por meio de questionários e entrevistas, e de método quantitativo nas publicações periódicas, através dos testes e escalas. Adultos e adolescentes são mais freqüentes no estudo da criatividade. Concluiu-se que existe grande interesse dos pesquisadores brasileiros pelo tema da criatividade principalmente na área educacional, existindo, entretanto, lacunas na área de saúde e nos contextos organizacionais.

Palavras-chave: Estado da arte, Pesquisa em criatividade, Meta-análise.


ABSTRACT

The purpose to this research was to identify the characteristics of Brazilian scientific production on the creativity theme the review of theses, dissertations and journal publications between the years 1984 to 2006. The eletronic data bases of CAPES and Index-Psi were utilized. The results indicated 104 theses or dissertations and 95 scientific papers. Teoretical studies were predominant in both bases using qualitative methodologies such as interviews and questionnaires, while quantitative methodologies were more frequent in papers, through the use of tests and scale. Adults and adolescents tended to be more present in creativity studies. In conclusion there is great interest among Brazilian researchers related to creativity, mainly in the educational area, although there a specific need on this area for research on health and the organizational area.

Keywords: State of art, Creativity research, Brazilian meta-analyses.


 

 

Introdução

A criatividade tem sido estudada sob diversos enfoques teóricos, demonstrando a existência de grande interesse por este tema, o que pode ser observado diante do aumento de publicações nas últimas décadas (Nakano, 2005; Zanella & Titon, 2005). Tais dados foram confirmados por Wechsler e Nakano (2002) que após levantamento em base de dados científica nacional, observaram que houve um aumento de pesquisas sobre criatividade no Brasil nos últimos seis anos, uma vez que dentre os 64 artigos publicados durante os anos de 1984 a 2002, 70% deles situavam-se no período entre 1996 a 2001. Devido a este motivo, o estudo sobre a criatividade apresenta hoje uma grande variedade de estudos e pesquisas na cultura brasileira, demonstrando assim ser um fenômeno importante para a compreensão do indivíduo.

Levantamentos internacionais sobre as pesquisas em criatividade, tais como o de Beghetto, Plucker e MaKinster (2001) demonstram que 805 autores haviam publicado 544 artigos no Journal of Creative Behavior em 32 anos, embora 81% dos autores tivessem publicado apenas uma única vez nesta revista. El-Murad e West (2004), também verificaram que uma busca em fontes internacionais com a palavra criatividade no título retornou em 1985 somente 18 trabalhos, ao passo que em 1995 esse número aumentou para 85, demonstrando o aumento do interesse internacional em se pesquisar o tema.

Várias pesquisas sobre o estado da arte em criatividade foram realizadas e forneceram dados importantes, tais como aqueles obtidos na pesquisa de Wechsler (2001), revisando pesquisas brasileiras sobre criatividade, encontrou dados que confirmam que estas têm sido realizadas, prioritariamente, no ambiente universitário, em forma de teses ou dissertações ou ainda como fruto do trabalho individual de docentes. Os temas principais investigados nestes estudos se marcam pela preocupação com a identificação e desenvolvimento da criatividade no ensino, em diversos níveis de escolaridade. Os grupos mais pesquisados eram estudantes de escolas públicas, juntamente com seus professores, pouco se sabendo a respeito da criatividade de grupos minoritários, como é o caso dos deficientes, idosos e superdotados. Sakamoto (2000) também reafirma a existência de algumas lacunas nas pesquisas que vêm sendo realizadas, o que, segundo ela, indicam a necessidade de desenvolvimento de pesquisas básicas, tais como as voltadas para a formação do profissional. Outra pesquisa, realizada por Nakano (2005), na qual foram analisadas 94 teses e dissertações sobre criatividade no banco de dados da CAPES no período de 1996 a 2001, demonstrou que, dos trabalhos analisados, a maioria situava-se nos anos de 2000 e 1996, estando concentrada no Mestrado. A autoria dos trabalhos era predominantemente feminina e desenvolvida no Estado de São Paulo (USP, Unicamp e PUC-Campinas).

Segundo De La Torre (1991), um período de maior interesse pela criação de instrumentos de avaliação da criatividade se centra nas décadas de 60 e 70, quando o tema alcança sua máxima expansão nos Estados Unidos. Na Espanha, essa preocupação se introduz com um atraso de 20 anos, ocorrendo por volta da década de 80, quando se sucedem diversos encontros nacionais e a apresentação de diversas teses de doutorado. Parece iniciar-se então uma procura por formas de se avaliar a criatividade.

Um levantamento de instrumentos psicológicos que têm sido utilizados na avaliação da criatividade foi realizado por Cropley (1999) que indicou a existência de uma lista substancial de aproximadamente 255 testes de criatividade. Uma pesquisa com a mesma finalidade foi realizada em 1986 por Hovekar e Bachelor (Eysenk, 1999), os quais forneceram uma indicação das medidas usadas em criatividade que foram agrupadas em algumas categorias: (1) testes de pensamento divergente, como os de Torrance e Wallack e Kogan, sendo estes os dois mais utilizados internacionalmente no meio científico, (2) inventários de atitudes e interesses, baseados na hipótese de que uma pessoa criativa expressaria atitudes e interesses que favoreceriam atividades adequadas ao problema, (3) inventários de personalidade, embasados na crença de que a criatividade é composta por um conjunto de fatores de personalidade, não sendo, portanto, um traço cognitivo, (4) inventários biográficos, baseados na suposição de que as experiências do passado podem prever realizações futuras, (5) classificações feitas por professores, pares e supervisores e (6) julgamento de produtos, estudo de pessoas eminentes, atividades e realizações criativas relatadas pela própria pessoa.

Segundo El-Murad e West (2004) os tipos de medidas para avaliar a criatividade poderiam ser enquadrados em 10 categorias: 1) testes de pensamento divergente, 2) inventários de atitudes e interesses, 3) inventários de personalidade, 4) inventários bibliográficos, 5) indicações de professores, 6) indicações de pares, 7) avaliação de supervisor, 8) julgamento de produtos, 9) eminência, 10) atividades criativas de auto-avaliação e conhecimentos.

Neste sentido, nota-se que a avaliação da criatividade tem sido feita sob a forma de duas linhas de pesquisa: a qualitativa e a quantitativa. A pesquisa qualitativa em criatividade tem sido realizada basicamente através da análise de biografias de pessoas que tiveram grande destaque social e que de alguma forma contribuíram para alguma área, recebendo reconhecimento público pelo seu feito. Comumente se utilizam também observações, entrevistas livres, situações problemas, modelos de resolução de problemas e análise da produção. Este tipo de pesquisa acaba por criticar o reducionismo da medida a partir do resultado de um único teste, não acreditando que esta forma possa concluir sobre a criatividade do sujeito.

A segunda forma de avaliação da criatividade seria a avaliação quantitativa, realizada por meio do uso de instrumentos validados e precisos, neste caso com rigor na utilização de um critério padronizado de avaliação. Segundo Wechsler (1998), a literatura científica tem demonstrado que os Testes de Pensamento Criativo de Torrance têm sido os mais utilizados para se avaliar duas facetas da criatividade: a verbal e figural, opinião compartilhada por Fleith e Alencar (1992). Ao citar alguns dos instrumentos mais conhecidos internacionalmente, não se pode deixar de considerar o fato de que, ao buscar avaliar a criatividade, inúmeras são as formas aos quais os autores têm recorrido. Por isso a diversidade de medidas: escalas, testes, inventários, questionários.

A importância do desenvolvimento de estudos nacionais sobre criatividade foi apontada por Wechsler (2001) ao salientar que a investigação e observação desta característica dentro de cada cultura permitem que a criatividade seja valorizada e respeitada dentro das especificidades e valores de cada país. Embora a pesquisa internacional venha oferecendo dados que indicam a possibilidade de identificação transcultural dos traços e comportamentos da pessoa criativa, sabe-se que existem características próprias e modos de agir e pensar preferenciais de cada população, que só passam a ter sentido se compreendidos dentro do contexto histórico daquele país. Desta forma, a autora salienta que maiores investimentos de pesquisas na área trarão benefícios pessoais e sociais para cada nação.

A consulta a pesquisas que buscaram traçar o estado da arte na área da criatividade, englobando as publicações periódicas, teses e dissertações em diferentes bases de dados, pôde oferecer importantes constatações acerca do desenvolvimento da área e indicar as lacunas ainda existentes. Tais dados podem auxiliar os pesquisadores, vez que permitem uma análise histórica em torno do interesse pelo tema, ajudando-os a compreender a situação em que se encontra hoje o estudo da criatividade.

Frente ao exposto, o objetivo deste trabalho foi complementar o estudo acerca do estado da arte da produção cientifica em criatividade no Brasil, concretizando uma atualização das pesquisas já realizadas anteriormente pelas autoras (Wechsler e Nakano, 2002, 2003). Visto que as pesquisas anteriores analisaram publicações até o ano de 2002, pretendeu-se verificar se ocorreu alguma mudança no perfil das investigações em criatividade quando atualizada a consulta até o ano de 2006. Assim, a pesquisa buscou delinear os assuntos mais freqüentemente investigados assim como apontar as áreas com necessidades de maior investimento.

 

Método

Material

Nesta pesquisa trabalhou-se com o levantamento junto a duas bases de dados eletrônicas, uma de teses e dissertações e outra de publicações periódicas ambas no período de 1984 a 2006, partindo-se da busca a partir da palavra chave "criatividade". A primeira base utilizada foi o Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (www.capes.gov.br), resultando em 131 resultados na área de Psicologia.

Um segundo banco de dados utilizado foi organizado pelo Conselho Federal de Psicologia, denominado Index-Psi (www.psicologia-online.org.br/index_psi), sendo encontradas 95 publicações sobre o tema da criatividade no mesmo período de 22 anos.

Procedimento

Os trabalhos encontrados nas duas bases de dados, na forma de teses, dissertações e publicações foram categorizados em relação a tipo de pesquisa (metodologia e posição teórica), tipos de avaliação (tipos mais freqüente e instrumentos utilizados), além das características das amostras (faixa etária e nível educacional).

Após a classificação dos trabalhos, estes foram comparados pela sua freqüência e percentagem, com a finalidade de apontar os tipos de estudos que mais têm sido realizados sobre o tema da criatividade em cada um desses modelos de produção científica.

É importante salientar que houve algumas dificuldades no acesso a dados que não eram constantes em alguns resumos, tais como número de sujeitos da amostra, ficando indefinida (sem a especificação de quantos participantes) ou generalizada (citada de uma forma geral: adultos, crianças, estudantes, etc) em alguns trabalhos.

 

Resultados

Inicialmente as publicações foram divididas em dois grupos: (1) dissertações e teses e (2) publicações periódicas, com a finalidade de que as duas bases de dados pudessem ser comparadas. São apresentadas inicialmente as análises em relação os tipos de pesquisas e, em seguida, aos enfoques teóricos das mesmas.

Observando a Tabela 1 foi possível constatar grandes diferenças entre as teses e dissertações e as publicações periódicas em relação ao tipo de pesquisa e tipo de abordagem teórica das mesmas.

Ao se analisar o tipo de pesquisa pudemos ver que em tanto nas dissertações e teses há um certo equilíbrio entre os tipos de pesquisa, com ligeira predominância de pesquisas do tipo qualitativa (35,6%). Nas publicações periódicas destacam-se as pesquisas do tipo teóricas com 53,7%. Os dados concordam com aqueles obtidos por Santeiro (2001) ao analisar a produção científica relacionada à criatividade em Psicanálise, visto que seu relato apresenta um predomínio de estudos teóricos (71,29%) sendo que os demais tipos de pesquisa apresentaram índices bem menores. Entretanto discordam dos dados de Zanella e Titon (2005) que relataram somente 8,5% de estudos teóricos nas teses e dissertações.

Pode-se perceber ainda que enquanto nas teses e dissertações a pesquisa qualitativa ocupa o primeiro lugar, mas publicações periódicas ela é bem menos presente (13,7%). Diferença também pode ser notada ocorre em relação às pesquisas de revisão bibliográfica, muito mais realizada nas publicações periódicas (6,3%) do que nas acadêmicas (1,5%).

 

 

Em relação ao enfoque teórico norteador de cada pesquisa, percebe-se que os trabalhos com enfoques Educacional e Clínico Psicanalítico ocupam, respectivamente, primeiro e segundo lugar nas teses e dissertações, assim como nas publicações periódicas, com uma inversão. Enquanto nas teses e dissertações predomina o enfoque Educacional (31,8%), nas publicações periódicas predomina o enfoque Psicanalítico (32,5%). Nos demais enfoques teóricos encontram-se uma grande diversidade de resultado nas duas bases de dados comparadas. Os dados encontrados estão em sintonia com a pesquisa de Zanella e Titon que relatou 97,6% de trabalhos com enfoque educacional (realizado com alunos ou professores) e 19,1% dentro da abordagem Psicanalítica.

Na Tabela 2, encontram-se os resultados dos tipos de avaliação mais utilizados em cada tipo de publicação.

Importante salientar em primeiro lugar que a maioria dos estudos não utiliza nenhuma forma de medida (32,6% nas teses e dissertações e 45,2% dos casos nas publicações periódicas). Tal fato pode ser compreendido face ao fato de haver um grande número de trabalhos teóricos e de revisão bibliográfica nos dois bancos de dados, esclarecendo ainda que algumas pesquisas do tipo qualitativa relatam a obtenção de resultados fazendo uso de outros recursos que não contemplam a utilização de formas de medida, tais como observações ou dinâmicas.

Ao analisar aqueles estudos que fazem uso de medidas, em relação às teses e dissertações pode-se verificar que há maior emprego de questionários e entrevistas (29,7%), sendo também bastante utilizados os testes (26,3%) e outra forma de avaliação, as observações (19,8%). As mesmas formas são bastante empregadas nas publicações periódicas, sendo os testes mais utilizados neste tipo de pesquisa (44,2%), seguidos dos questionários e entrevistas (23,0%) e observações (13,4%). Nas duas bases de dados as outras formas de medida (escalas, desenhos, redações e outras técnicas) são pouco empregadas nas pesquisas.

 

 

Analisa-se na Tabela 3 os instrumentos que mais vêm sendo utilizados nas pesquisas brasileiras sobre criatividade.

 

 

Como verifica-se na Tabela 3, os instrumentos mais utilizados na pesquisa em criatividade foram os Testes de Pensamento Criativo de Torrance, que ocupam lugar de destaque tanto nas teses e dissertações (46,8%) como nas publicações periódicas (51,9%). Também foram encontrados relatos de pesquisas realizadas com outros tipos de instrumentais que não são específicos para a avaliação da criatividade, tais como a Técnica de Cloze, Roscharch, Prova de Piaget, Wartegg, Quati e Raven nas teses e dissertações e TAT, MBTI e Z-Teste nos periódicos.

Importante enfatizar o aparecimento de instrumentos nacionais para avaliação da criatividade: Escala de Pensar e Criar (Wechsler, 2006), Escala de Barreiras à Criatividade Pessoal (Alencar, 1999), Teste de Aptidão Criativa (Rosas, 1984), Perfil da criatividade de professor (Nunes, 2000), Criando Metáforas (Dias e Primi, 2005), Escala sobre o perfil criativo profissional (Reis, 2005), Escala sobre o clima para a criatividade em sala de aula (Fleith e Alencar, 2006), Teste Brasileiro de Criatividade Figural Infantil (Nakano e Wechsler, 2006), Clima criativo nas organizações (Crespo, 2004), Inventário de Práticas Docentes que favorecem a criatividade no ensino superior (Alencar e Fleith, 2004), Escala de Adjetivos contextualizadores para avaliação da pessoa criativa (Reis, 2001), demonstrando um interesse não só pela padronização de instrumentos internacionais, mas também pela criação de novos instrumentos.

O surgimento de novas medidas de criatividade adquire grande valor principalmente devido ao fato de sanar o déficit que se encontrava a área. Durante muito tempo poucos foram os instrumentais disponíveis, de forma que a ausência de instrumentos de medida ou avaliação da criatividade (especificamente na Psicanálise) também foi relatada por Santeiro (2001) ao identificar que na análise de 286 resumos internacionais sobre criatividade em Psicanálise nos anos de 1990 a 1999, nenhum tipo de teste, escala ou quaisquer procedimentos que tivessem como preocupação a mensuração de algum aspecto relativo à temática foi encontrado. Tal fato pode ser explicado, segundo Wechsler e Nakano (2002) pelo fato de que grande quantidade de escalas e inventários desenvolvidos nas teses e dissertações nunca acabam sendo levados à publicação porque lhes faltam estudos posteriores para refinamento de suas características de validade, precisão e padronização.

A última análise, em relação à caracterização das amostras, classificadas em relação à faixa etária e nível educacional encontra-se na Tabela 4.

 

 

Os resultados encontrados demonstram que em relação ao estudo da criatividade, tanto as teses e dissertações como as publicações periódicas têm voltado sua atenção para a investigação da criatividade de adultos, respectivamente 48,1% e 45,3%. Wechsler e Nakano (2002) também encontraram 52% das pesquisas relatadas em periódicos sendo realizadas com adultos. Em segundo lugar as crianças são bastante investigadas nas teses e dissertações (30,7%) e os adolescentes nas publicações periódicas (28,3%). Mesmo foco de interesse é relatado por Santeiro (2001) ao encontrar predominância de estudos que focalizam adultos (15,72%), infância (5,02%) e adolescência (2,34%).

Uma outra análise foi realizada em relação ao nível educacional das amostras, tendo sido consideradas todas as pesquisas realizadas no ambiente educacional. Os dados mostram que estudantes do Ensino Fundamental têm sido a população cuja criatividade tem sido mais investigada (43,5% das teses e dissertações e 32,0% nos periódicos). Também bastante freqüentes são as investigações de estudantes do Ensino Superior, professores e profissionais.

Assim, pode-se verificar que pouquíssimos estudos foram realizados com a finalidade de investigar a criatividade de pessoas idosas (2,0% das teses e dissertações e 1,9% nas publicações periódicas), com estudantes de curso supletivo (aparecendo somente em 2,1% das pesquisas periódicas e nenhum relato nas teses e dissertações) e com estudantes do Ensino Médio nas teses e dissertações (4,3%).

A partir da análise dos dados encontrados pudemos verificar que existem diferenças entre os estudos realizados pelos pesquisadores em suas teses e dissertações daqueles que são publicados em periódicos, indicando que inúmeras são as possibilidades de investigação da criatividade na população brasileira.

 

Discussão e conclusões

Os dados da presente pesquisa constituem uma atualização de pesquisa anterior de Wechsler e Nakano (2003), realizada nas mesmas bases de dados, mas compreendendo o período de 1984 a 2002. A pesquisa atual contempla as pesquisas desenvolvidas nos últimos quatro anos, estando revisados trabalhos até o ano de 2006.

Ao comparar as duas pesquisas pode-se perceber algumas mudanças no estado da arte da pesquisa em criatividade entre as duas revisões. Em primeiro lugar pode-se notar o surgimento de novas categorias de enfoque teórico: social, fenomenológico e histórico-cultural, que antes não haviam sido relatados em nenhum trabalho. O mesmo acontece em relação ao tipo de avaliação, surgindo jogos cênicos, técnica de completamento de frases, oficina de recursos expressivos e jogos espontâneos criativos e em relação aos instrumentos utilizados, visto que em 2002 encontraram-se somente 15 instrumentos sendo utilizados na avaliação da criatividade sendo em 2006 um maior número relatado, no total de 27 instrumentos.

Outra mudança ocorreu devido à forma de contabilizar a amostra por faixa etária. Enquanto no estudo de 2003 foi contabilizado o total de sujeitos em cada publicação, somando-se o número total de participantes em cada faixa etária, independente do número de estudos realizados (indicando que a maioria dos estudos era voltado para a investigação da criatividade em adolescentes nas teses e dissertações e com adultos nas publicações periódicas), na presente pesquisa optou-se por quantificar o número de pesquisas aplicadas em cada faixa etária para que se pudesse ter uma visão mais realista do interesse na pesquisa por idade, de forma que observou-se grande interesse no estudo de adultos em ambas as bases de dados.

Analisando-se os dados referentes aos relatos de pesquisa das teses e dissertações, poderemos nota-se que da pesquisa de 2003 para a pesquisa de 2007, houve um aumento na freqüência de: pesquisas do tipo quantitativa (que passaram de 25,8% para 31,1%) e de um ligeiro aumento nas pesquisas de revisão bibliográfica (de 1,2% para 1,5%). Pesquisas com enfoque na gestalt também aumentaram de 1,2% para 2,2%, assim como a utilização de testes como forma de medida (de 24,5% para 26,3%) e de escalas (de 1,9% para 5,3%). A utilização dos Testes de Torrance também aumentou de 44,0% para 46,8% assim como do Indicador de Clima para a Criatividade de 4,0% para 4,4%. Por fim, houve um maior interesse no estudo da criatividade de estudantes do Ensino Médio, que não tinha sido citado em nenhum estudo de 2003 e apresentou 4,3% de casos na pesquisa atual.

Nesta modalidade de pesquisa, neste mesmo período há queda em relação aos demais tipos de pesquisa (teórica e qualitativa) e pequenas quedas na maioria dos enfoques teóricos. Em relação aos instrumentos utilizados a maioria sofreu queda na porcentagem devido ao surgimento de novos instrumentos não citados na pesquisa anterior. Há uma redução no interesse pela criatividade de estudantes do Ensino Fundamental, Superior e dos professores e profissionais. Assim, pode-se ver que em relação às teses e dissertações está existindo uma trajetória similar a já observada no artigo de 2003 em relação à predominância de pesquisas qualitativas, com enfoque educacional, realizadas no Ensino Fundamental e utilizando-se dos Testes de Torrance.

Já em relação às publicações periódicas, nota-se que as mudanças se dão a partir do aumento das pesquisas qualitativas (de 8,0% para 13,7%) e de revisão bibliográfica (de 6,0% para 6,3%), baseadas no enfoque educacional (de 14,0 para 19,1% em 2007) e desenvolvimental (9,0% para 9,5%), uso de testes (de 40,0% para 44,2%), observações (13,0% para 13,4%) e escalas (7,0% para 7,7%), além de estudos no Ensino Superior (12,0% / 27,6%). As quedas ficam por conta da freqüência de estudos do tipo teórico e quantitativo, na maioria dos enfoques teóricos, tendo sido mais notado na linha psicanalítica (que passou de 41,0% para 32,5%), uso de questionários e entrevistas, desenhos e redações, uma representativa diminuição no emprego dos Testes de Torrance (que passaram de 65,0% para 51,9%) e com professores e profissionais (de 40,0% para 23,4%). Manteve-se com freqüência estável as pesquisas realizadas com alunos do Ensino Fundamental (32,0%). Em relação às publicações periódicas também se confirma uma trajetória similar à observada na pesquisa de 2003 visto que se mantêm na liderança as pesquisas teóricas, com enfoque psicanalítico, que fazem uso de testes, especialmente os Testes de Torrance. Uma grande mudança é notada somente em relação ao nível educacional que antes predominavam aqueles com professores e profissionais e agora predominam os realizados com estudantes do Ensino Fundamental.

Se for considerada a atualização dos dados que foi feita, com dados anteriores de Wechsler e Nakano (2003), pode-se dizer que esta somente reforçou os resultados já anteriormente encontrados, demonstrando que parece existir uma tendência geral na investigação da criatividade. Há a predominância de estudos do tipo teórico e qualitativo, dentro da linha educacional e psicanalítica, sendo utilizados como forma de medidas os testes, especialmente o Teste de Pensamento Criativo de Torrance (confirmando dados relatados por Fleith & Alencar, 1992 e Wechsler, 1998), questionários e entrevistas. Zanella e Titon (2005) ao revisarem também o banco de teses de CAPES de 1994 a 2001, observaram também a vinculação da maioria das pesquisas às abordagens psicométricas e psicanalítica, aparecendo a educação como área privilegiada de estudos sobre criatividade, concordando com os dados encontrados. Pode-se dizer ainda que as populações mais estudadas são alunos do Ensino Fundamental e adultos, professores ou profissionais. Os dados também apontaram para a continuidade de pouco ou nenhum interesse pelo estudo dos grupos minoritários, como idosos ou estudantes de curso supletivo, conforme apontado por Wechsler (2001) e Sakamoto (2000).

Torna-se importante salientar também o aumento no número de técnicas utilizadas na avaliação da criatividade e na diversidade de testes que vem sendo empregados e desenvolvidos para avaliar esse construto, demonstrando que a criatividade é um fenômeno importante para a compreensão do indivíduo e que diversas são as suas possibilidades de expressão e avaliação.

Atento a esta multidimensionalidade da criatividade, o meio científico tem tratado o tema com destaque, de forma que estudos têm apontado uma imensa diversidade de características criativas encontradas no povo brasileiro. Nota-se que a constatação desta diversidade, resultante dos estudos que vêm sendo realizados, possui grande valor por permitir o reconhecimento das diversas formas de expressão criativa na cultura brasileira, assim como para o desenvolvimento de programas para a estimulação da criatividade, a partir do conhecimento das áreas que devem ser incentivadas. No que versa sobre a avaliação da criatividade, opinião que reforça a importância de estímulo à diversidade de investigação, Santeiro (2001) afirma que esta deveria ser focalizada em todos os segmentos de forma mais equilibrada, até mesmo naqueles menos expressivos, já que, por exemplo, tanto na adolescência como na velhice o indivíduo passa por momentos de crise, o que tanto pode bloquear quanto otimizar seus potenciais criativos.

Esta pesquisa permitiu perceber que muitas pesquisas do tipo teóricas vêm sendo realizadas no Brasil, estando a maioria destas focadas no âmbito educacional. Neste sentido, sabemos que esta focalização, quando se trata do tema da criatividade, reflete na verdade uma preocupação com a influência que o ambiente exerce sobre o desenvolvimento desta característica, de forma que a escola tem sido muito estudada como facilitadora da expressão criativa (Torrance e Safter, 1999; Alencar, 1986; Silva, 1999; Wechsler, 1998). Da mesma forma, há um consenso entre pesquisadores acerca da importância da criatividade na realização pessoal do indivíduo, justificando a investigação das características da pessoa e do processo criativo, realizada por meio da abordagem psicanalítica. Sem dúvida, os dados proporcionados por ambos os tipos de estudos permitirão uma compreensão mais ampla da criatividade, por possibilitar o conhecimento não só do funcionamento da pessoa criativa, mas também das influências que o meio exerce.

Este tipo de estudo, do estado da arte, permite conhecer as áreas mais investigadas e os focos de interesse, de forma a apontar os déficits e áreas ainda pouco investigadas. Assim, notou-se que houve uma continuidade em focar os mesmos interesses nesses últimos quatro anos, quase nada sendo alterado. Desta forma ressalta-se a falta de estudos mais direcionados para a criatividade na área de saúde, no ambiente organizacional e com populações minoritárias. Futuros estudos poderão esclarecer melhor o papel ou importância da criatividade nestes ambientes e nestas populações.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: wechsler@lexxa.com.br

Recebido em Outubro de 2006
Reformulado em Novembro de 2007
Aceito em Novembro de 2007

 

 

Sobre os autores:

* Tatiana de Cássia Nakano: Pós Doutoranda pela Universidade São Francisco, bolsista Fapesp. Doutora em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas.
** Solange Muglia Wechsler: PhD, Profª Drª do curso de Pós Graduação em Psicologia da PUC-Campinas. Coordenadora do Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas (LAMP).

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