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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.7 no.1 Porto Alegre Apr. 2008

 

ARTIGOS

 

Construção e validação da Escala de bem-estar no trabalho

 

Construction and validation of the work well-being scale

 

 

Tatiane Paschoal *; Alvaro Tamayo **

Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo a construção e a validação de um instrumento para avaliar o bem-estar no trabalho. A hipótese básica foi de que o bem-estar no trabalho compreende emoções/humores e a percepção de expressividade e realização pessoal no trabalho. O instrumento inicial foi composto por nove itens de emoções/humores positivos, 13 de emoções/humores negativos e nove itens de expressividade/realização no trabalho. Era esperado que os itens se dividissem em três fatores. Participaram da pesquisa 317 trabalhadores de organizações públicas e privadas. Os dados foram submetidos à análise fatorial com rotação oblíqua. Os três fatores esperados foram encontrados: afeto positivo, com nove itens; afeto negativo, com 12 itens; realização, com nove itens. Juntos os três fatores explicaram 57,30% da variância do construto. Os coeficientes de fidedignidade variaram de 0,88 a 0,93. O instrumento apresentou bons parâmetros psicométricos e tem utilidade em pesquisas científicas e em diagnóstico organizacional.

Palavras-chave: Bem-estar, Escala de bem-estar no trabalho, Validação estatística.


ABSTRACT

The main objective of this study was to develop and to validate an instrument to evaluate work well-being perception. The basic assumption was that work well-being includes emotions and humor at work, as well as the perception of expressiveness and self-achievement at work. The instrument was initially composed of nine items describing positive emotions and humors, 13 items regarding negative emotions and humors, and nine items about expressiveness/achievement. A 3-factor solution was expected. Respondents were 317 workers of public and private organizations. Data were analyzed by factor analyses with oblique rotation. The three hypothetic factors were found: positive affect - nine items, negative affect - 12 items, and achievement - nine items. This solution accounted for 57,30% of variance of the construct. The reliability coefficients ranged from 0.88 to 0.93, indicating that the instrument has good psychometric parameters, and can be useful in scientific research and organizational diagnostic.

Keywords: Well-being, Labour well-being scale, Statistic validation.


 

 

Introdução

Segundo Seligman e Csikszentmihalyi (2000), o estudo e a compreensão da felicidade e dos aspectos positivos da experiência humana estão entre as principais preocupações da Psicologia para o século XXI. Nos últimos anos, diversos autores têm se dedicado a desenvolver pesquisas para compreender o bem-estar pessoal. As concepções deste construto variam, mas a sua vinculação às diversas esferas da vida e às diferentes atividades desenvolvidas pelo homem representa um ponto convergente da área. Para autores como Tamayo (2004), Van Horn, Taris, Schaufeli e Scheurs (2004) e Warr (1987; 2003), o tempo dedicado ao trabalho constitui um componente fundamental para a construção e o desenvolvimento do bem-estar pessoal e da felicidade.

Apesar da importância de se estudar o bem-estar no trabalho, os modelos teóricos e empíricos sobre o fenômeno são escassos. As principais pesquisas na área referem-se ao bem-estar geral, desvinculado de qualquer contexto. Na literatura organizacional, existem diversos estudos sobre qualidade de vida e estresse no trabalho, que representam conceitos relacionados ao bem-estar, mas as tentativas de compreensão do construto específico do bem-estar no trabalho são mais raras.

O avanço do conhecimento acerca de um fenômeno depende da existência de instrumentos de medida válidos e confiáveis. Este estudo teve como objetivo a construção e a validação de uma medida de bem-estar laboral, a Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET). A hipótese básica foi de que o bem-estar no trabalho compreende uma dimensão afetiva: emoções e humores no trabalho, e uma dimensão cognitiva: percepção de expressividade e realização pessoal no trabalho.

Por que a escolha de tais dimensões para o desenvolivmento do instrumento? Para responder a essa questão é necessária uma revisão das abordagens e definições de bem-estar encontradas na literatura.

Bem-estar

Mesmo em relação ao bem-estar geral, que conta com modelos teóricos e empíricos mais consistentes, não existe consenso sobre as definições do construto, o que afeta os poucos estudos direcionados ao contexto laboral. A fim de compreender o bem-estar no trabalho, serão apresentadas inicialmente as principais correntes na área do bem-estar geral. Em seguida, serão apontadas as influências dessas correntes na compreensão do bem-estar no trabalho e discutidas as definições deste construto.

Abordagens sobre o bem-estar geral

Felicidade e bem-estar são termos que se misturam na literatura científica e, geralmente, são considerados como sinônimos. De acordo com Albuquerque e Tróccoli (2004), o campo do bem-estar refere-se ao estudo científico da felicidade. Duas grandes correntes podem ser destacadas na área do bem-estar geral: a do bem-estar subjetivo e a do bem-estar psicológico, e a principal diferença entre elas reside na concepção de felicidade adotada.

A idéia de felicidade em que se baseia o bem-estar subjetivo advém da tradição hedônica. Segundo Ryan e Deci (2001), a principal proposta dos autores que adotam uma visão hedonista da felicidade é de que o bem-estar compreende a experiência de prazer versus desprazer, a qual decorre de julgamentos sobre os elementos positivos e negativos da vida.

Seguindo a tradição hedonista de felicidade, Diener (1984) e Diener, Suh, Lucas e Smith (1999) consideram o bem-estar como um fenômeno amplo que inclui respostas emocionais do indivíduo e julgamentos globais sobre sua satisfação com a vida. As respostas emocionais correspondem a emoções e humores, juntos denominados de afeto, e representam avaliações e reações do indivíduo sobre eventos atuais da sua vida. Julgamentos sobre a satisfação com a vida são considerados aspectos cognitivos do bem-estar e, segundo os autores, consistem numa dimensão diferente dos afetos.

O bem-estar subjetivo é conceituado a partir de três dimensões: o afeto positivo, o afeto negativo e a satisfação com a vida (Albuquerque & Trócolli, 2004; Diener & cols., 1999). O afeto positivo pode ser concebido como um sentimento transitório, "um contentamento hedônico puro experimentado em um determinado momento como um estado de alerta, de entusiasmo e de atividade" (Albuquerque & Trócolli, 2004, p. 154). O afeto negativo consiste num sentimento transitório que "inclui emoções desagradáveis como ansiedade, depressão, agitação, aborrecimento, pessimismo e outros sintomas psicológicos aflitivos e angustiantes" (Albuquerque & Trócolli, 2004, p. 154). A satisfação com a vida consiste num julgamento cognitivo da própria vida e inclui as circunstâncias da vida da pessoa e os padrões escolhidos por ela. O bem-estar subjetivo é, portanto, a ocorrência de freqüentes afetos positivos, rara experiência emocional negativa e a satisfação com a vida como um todo (Albuquerque & Trócolli, 2004).

A outra abordagem no estudo do bem-estar - bem-estar psicológico - adota a visão eudaimonica da felicidade. Segundo Aristóteles, o objetivo supremo de todo comportamento é a felicidade ou eudaimonia. O termo felicidade em português não traduz adequadamente a expressão aristotélica. A palavra felicidade refere-se à felicidade hedônica, pois ela expressa a experiência subjetiva de afetos positivos e a crença de que a própria vida está satisfatória. Eudaimonia refere-se não somente à felicidade hedônica, mas também à realização do potencial pessoal e das metas fundamentais de vida.

De acordo com Waterman (1993), a proposta de Aristóteles para eudaimonia vai além da visão hedônica de felicidade, pois o filósofo defendia a proposição de que a eudaimonia era a expressão ativa de virtudes, a expressão do que cada indivíduo tem de melhor. Sentimentos de expressividade pessoal e de auto-realização seriam elementos centrais e definidores da eudaimonia ou felicidade.

Os teóricos do bem-estar psicológico adotam a visão de felicidade, e conseqüentemente de bem-estar, centrada na experiência de expressividade pessoal e de auto-realização. Os estudos nesta área partem da premissa de que fatores essenciais para a definição de bem-estar têm sido negligenciados pelos pesquisadores hedonistas. Riff (1989) propõe que o bem-estar seja entendido como o funcionamento positivo global do indivíduo. De acordo com Riff (1989) e Riff e Keyes (1995), um indivíduo com alto bem-estar é aquele que apresenta altos índices de auto-aceitação (atitudes positivas do indivíduo em relação a si mesmo), relação positiva com os outros (satisfação e confiança na relação com os outros), autonomia (autodeterminação, independência e auto-regulação do comportamento), controle do ambiente (habilidade do indivíduo para escolher ou criar situações adequadas às condições pessoais), propósito na vida (senso de direção que contribui para a percepção de que a vida é significativa) e crescimento pessoal (desenvolvimento do potencial do indivíduo e da sua expansão como pessoa). Os seis elementos propostos definem o bem-estar psicológico tanto teorica quanto operacionalmente.

Ryan e Deci (2001) concordam com a ênfase eudaimonica da proposta de Riff (1989), mas acreditam que os seis elementos utilizados para definir o bem-estar psicológico sejam antecedentes do bem-estar. Segundo Ryan e Deci (2000), autonomia e relacionamentos positivos, por exemplo, são duas necessidades psicológicas básicas que, quando satisfeitas, levam ao bem-estar. Para não se limitarem à visão hedonista e não confundirem o construto com seus antecedentes, os autores propõem que o bem-estar seja considerado não apenas como prevalência de afeto positivo e satisfação com a vida, mas também como vitalidade e saúde mental. Para Ryan e Deci (2000) a vitalidade seria um afeto positivo mais relacionado com a visão eudaimonica de felicidade e indicaria a experiência de se sentir vivo e regenerado (Nix, Ryan, Manly & Deci, 1999).

Nix e cols. (1999) examinaram o efeito da autonomia para a execução de tarefas sobre afetos positivos e vitalidade. Os resultados mostraram que quando o indivíduo era pressionado a realizar uma atividade, o término da mesma associava-se com afeto positivo, mas não com vitalidade. Por outro lado, quando o indivíduo tinha autonomia, a conclusão da tarefa associava-se tanto aos afetos positivos quanto à vitalidade. Segundo Ryan e Deci (2000), o estudo de Nix e cols. (1999) suporta a idéia de que o bem-estar pode ser mais bem concebido como um fenômeno multidimensional, que engloba aspectos das concepções hedônicas e eudaimonicas de felicidade. Para os autores, experiências de prazer e de expressividade/realização são fenômenos diferentes, mas que constituem o bem-estar.

Qual a relação entre a felicidade na visão da eudaimonia e a felicidade hedônica? Segundo Waterman (1993), a eudaimonia é uma condição suficiente, mas não necessária para a felicidade hedônica. Quando uma pessoa passa pela experiência de expressividade pessoal e auto-realização, ela sentirá satisfação com sua vida e terá prevalência dos afetos positivos sobre os negativos. Por outro lado, há muitos outros caminhos para a felicidade hedônica além da expressividade pessoal. As experiências de prazer hedônico podem ser esperadas em uma quantidade muito maior de situações, como quando afetos positivos acompanham a satisfação de necessidades físicas e sociais (Waterman, 1993). Nessas situações, o indivíduo pode não experimentar a expressividade e a realização pessoal.

Uma pessoa pode ter experiências de expressividade pessoal e auto-realização, segundo Waterman (1993), nas situações em que há: envolvimento intenso com um empreendimento; sentimento de uma adequação especial na execução de atividades que não fazem parte de tarefas diárias; sentimento intenso de estar vivo; sensação de estar completo quando engajado em determinadas atividades; sensação de que fez o que realmente queria fazer; percepção de que consegue expressar seu verdadeiro eu. Para Waterman (1993), a expressividade pessoal e a auto-realização referem-se essencialmente à experiência individual de realização dos próprios potenciais, na forma de desenvolvimento de habilidades e talentos e/ou de avanço de seus propósitos na vida.

Assim, o bem-estar caracterizado pela felicidade hedônica pode ser considerado basicamente como um estado afetivo, de modo que os afetos positivos prevalecem sobre os negativos. Já o bem-estar embasado na realização pessoal proposta por Waterman (1993) pode ser representado pela percepção de desenvolvimento de potenciais e avanço dos propósitos de vida, além do estado afetivo do indivíduo.

As duas correntes de estudo do bem-estar geral afetam os estudos sobre bem-estar no trabalho. Mas, como tem sido definido o bem-estar laboral? Quais são as propostas teóricas existentes na literatura referente ao trabalho?

Definições do bem-estar no trabalho

Na linha do bem-estar psicológico, muitos autores têm adotado o modelo de Warr (1987) sobre saúde mental para definir e operacionalizar o bem-estar laboral. Warr (1987) considera o funcionamento positivo integrado da pessoa e propõe cinco dimensões para a definição da saúde mental: afeto, aspiração, autonomia, competência e funcionamento integrado. Neste modelo, a dimensão afeto refere-se às emoções e humores. A aspiração diz respeito ao interesse do indivíduo pelo seu ambiente e por atividades pessoalmente significativas. A autonomia refere-se ao grau em que a pessoa consegue resistir a pressões do ambiente. A dimensão competência refere-se à habilidade do indivíduo para enfrentar com sucesso as demandas e os problemas do dia a dia. Finalmente, o funcionamento integrado refere-se ao funcionamento do indivíduo como um todo e à múltipla relação entre os outros quatro componentes apontados.

Recentemente Van Horn e cols. (2004) propuseram uma estrutura do bem-estar no trabalho embasada na tradição do bem-estar psicológico e utilizaram o modelo de Warr (1987; 1994) para a saúde mental e a teoria de Riff (1989) sobre o bem-estar geral. Os autores partem do pressuposto de que o bem-estar no trabalho consiste na avaliação positiva das várias características do trabalho e inclui aspectos afetivos, motivacionais, comportamentais, cognitivos e psicossomáticos. Os autores propuseram cinco dimensões para a compreensão do construto: dimensão afetiva, bem-estar profissional, bem-estar social, cansaço cognitivo e dimensão psicossomática.

A dimensão afetiva do bem-estar no trabalho, segundo Van Horn e cols. (2004), inclui as variáveis afeto, exaustão emocional, satisfação no trabalho e comprometimento organizacional. O afeto é representado pela freqüência de sentimentos e emoções, como otimista e alegre. A exaustão emocional engloba três dimensões clássicas do conceito de esgotamento profissional (burnout), ou seja, exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal. A satisfação no trabalho refere-se ao quanto o trabalhador está satisfeito com os colegas, com a organização e com a própria atividade do trabalho. Por fim, o comprometimento organizacional engloba a identificação e o envolvimento do trabalhador com a organização.

A dimensão bem-estar profissional, de acordo com Van Horn e cols. (2004), assume o aspecto motivacional da estrutura proposta e compreende variáveis como: autonomia, aspiração e competência profissional. A autonomia refere-se à liberdade do trabalhador para tomar suas próprias decisões no trabalho. A aspiração é representada pela busca de desafios no trabalho e a competência profissional refere-se à percepção do trabalhador de que pode lidar eficazmente com os problemas do trabalho.

A dimensão bem-estar social compreende o aspecto comportamental do bem-estar laboral e inclui dois tipos de conceito: despersonalização, derivada da proposta de esgotamento profissional, mas referente a atitudes negativas ou indiferentes em relação aos colegas de trabalho, e a qualidade das relações sociais na organização, que inclui a percepção do indivíduo de ser procurado pelos colegas para conselhos e suporte (Van Horn & cols., 2004).

A dimensão cansaço cognitivo consiste no aspecto cognitivo do bem-estar laboral e diz respeito ao funcionamento cognitivo do empregado, mais especificamente ao quanto o empregado consegue processar novas informações e concentrar-se no trabalho. A dimensão psicossomática refere-se à presença ou à ausência de queixas psicossomáticas, como dores de cabeça e de estômago. O bem-estar laboral, portanto, seria um construto bastante amplo e multidimensional (Van Horn & cols., 2004).

Os testes estatísticos conduzidos por Van Horn e cols. (2004) com uma amostra de professores holandeses confirmaram a estrutura multidimensional proposta e demonstraram que os fatores estavam relacionados entre si. Observou-se também que a dimensão afetiva foi a mais representativa do construto, constituindo-se no aspecto central do bem-estar laboral. Além disso, verificou-se que dentre as quatro variáveis constituintes da dimensão afetiva, o afeto, operacionalizado como emoções no trabalho, foi o construto mais representativo. Segundo Van Horn e cols. (2004), os achados de seu estudo indicam que o bem-estar é especialmente refletido no estado emocional do trabalhador. Esses resultados oferecem suporte à avaliação do bem-estar no trabalho em termos afetivos principalmente, como propõe Daniels (2000).

Apesar da importância do estudo de Van Horn e cols. (2004) para a compreensão do bem-estar no trabalho, a estrutura proposta pelos autores merece algumas considerações. Primeiramente, a definição de bem-estar laboral adotada é ampla e composta de poucos aspectos que possam diferenciá-la de outros conceitos relativos à Psicologia Organizacional. Muitos outros construtos podem ser considerados como uma avaliação positiva do contexto do trabalho, como é o caso da percepção de justiça e da percepção positiva de clima social no trabalho. Afirmar que o bem-estar laboral possui dimensões afetiva, motivacional, comportamental, cognitiva e psicossomática também não o diferencia de outros conceitos; pelo contrário, aumenta as interseções com construtos diversos.

Em segundo lugar, a proposta de se considerar o funcionamento positivo do sujeito no trabalho faz com que o bem-estar laboral torne-se uma área de estudo e não uma variável. Desta forma, poderia ser estabelecida uma série de relações causais entre as dimensões propostas por Van Horn e cols. (2004). Por exemplo, Karasek (1979), em seu modelo sobre estresse ocupacional, enfatizou a importância do controle e da autonomia no trabalho para respostas funcionais do indivíduo. Segundo este autor, os efeitos das demandas do ambiente de trabalho sobre a saúde do indivíduo podem variar de acordo com o nível de controle e de autonomia que o sujeito possui. Um alto nível de controle no trabalho protege o indivíduo de efeitos negativos das demandas, pois possibilita a tomada de decisões, a resolução de dificuldades e o enfrentamento de desafios.

De acordo com Kelloway Gottlieb e Barham (1999) e Polasky e Holahan (1998), quanto maior a possibilidade que o indivíduo tem de decidir como realizar as tarefas e estruturar papéis de trabalho, menores são as conseqüências como sintomas psicossomáticos e afeto negativo, por exemplo. Para muitos autores, a falta de controle no trabalho pode ser considerada como um tipo de estressor organizacional. No modelo de Van Horn e cols. (2004), a dimensão chamada de autonomia, por exemplo, poderia ser um antecedente da dimensão afeto.

Daniels (2000) afirma que os pesquisadores que adotam a abordagem do bem-estar psicológico no contexto do trabalho definem e operacionalizam o bem-estar laboral de modo a misturar o bem-estar em si com seus possíveis antecedentes cognitivos. Segundo o autor, uma maneira de amenizar esse problema é considerar apenas aquele que tem se mostrado o aspecto mais relevante e central do bem-estar: o afeto. O bem-estar afetivo, segundo Daniels (2000), consiste numa experiência cumulativa de afetos, relativa a domínios específicos da vida e, portanto, pode ser considerado em relação ao trabalho. Os afetos nesta proposta correspondem às emoções e humores vivenciados pelo trabalhador.

Quando se fala de afeto na literatura organizacional é comum a referência a dois construtos: humor e emoções. O humor no trabalho tem sido concebido como estados emocionais dificilmente identificados com um estímulo particular e que apresentam maior duração e consistência que emoções específicas (Gray & Watson, 2001; Payne, 2001). As emoções costumam ser tratadas como intensas, associadas a estímulos específicos, além de serem descritas sob forma discreta, como por exemplo, raiva e medo (Gray & Watson, 2001; Payne, 2001). O humor representa, para Gray e Watson (2001), um resumo do estado afetivo de uma pessoa.

No modelo de Van Horn e cols. (2004), a dimensão afetiva do bem-estar laboral é composta por afetos (emoções), comprometimento organizacional, exaustão emocional e satisfação. Variáveis como comprometimento e exaustão podem ser relacionadas ao bem-estar no trabalho, segundo Daniels (2000), mas não são definidoras do construto. A satisfação no trabalho tem sido considerada em alguns estudos como único indicador de bem-estar laboral (Clegg & Wall, 1981), mas esta consiste numa concepção muito limitada de bem-estar (Daniels, 2000). Apesar de ser tratada por Van Horn e cols. (2004) como elemento definidor de bem-estar laboral, a satisfação no trabalho poderia ser mais bem compreendida como um construto relacionado a ele.

A tendência recente da literatura organizacional em considerar o afeto no trabalho não apenas como satisfação tem influenciado os estudos sobre o bem-estar no referido contexto. Segundo Weiss e Brief (2001), a década de 90 testemunhou o desenvolvimento de conceitos de afeto mais amplos do que a satisfação no trabalho. O estudo do afeto, para diversos autores, deve ser sustentado na literatura de humores e emoções. Para Daniels (2000), as emoções no trabalho constituem o elemento definidor de bem-estar laboral e variáveis como satisfação no trabalho são correlatas às emoções. Apesar da semelhança com a abordagem do bem-estar subjetivo, Daniels não considera a satisfação no trabalho como elemento definidor do bem-estar.

Daniels (2000) é um dos poucos autores da área do bem-estar no trabalho que enfatiza a identificação do que é central neste construto e procura estabelecer seus limites, a fim de evitar a interseção com conceitos que podem ser antecedentes ou conseqüentes do mesmo. O autor procura focar sua definição, assim, nas respostas do indivíduo, nas experiências resultantes das interações do ambiente de trabalho e das características pessoais que definem o bem-estar laboral. Propõe, portanto, que o bem-estar no trabalho seja considerado o bem-estar afetivo no trabalho. Em outras palavras, o bem-estar deve ser abordado como a prevalência das emoções positivas no trabalho.

Seguindo essa tendência, Warr (2003) define o bem-estar no trabalho em termos unicamente afetivos (humores e emoções). Mais recentemente, porém, Warr (2007) passa a defender dois elementos centrais no bem-estar laboral: o primeiro embasado na felicidade hedônica e correspondente aos sentimentos de prazer vivenciados pelo indivíduo e o segundo relativo a aspectos eudaimonicos, como o desenvolvimento de atributos pessoais, exploração do próprio potencial, realização e expressão de si mesmo.

Na literatura nacional, Paz (2004) apresenta uma proposta de bem-estar voltada para o contexto das organizações de trabalho e considera aspectos situacionais que seriam indissociáveis do construto. A autora caracteriza o bem-estar a partir de dois pólos: gratificação e desgosto.

O primeiro pólo tem como indicador a percepção do trabalhador a respeito dos seguintes aspectos: valorização do trabalho (percepção de que o trabalho é importante para si mesmo, para a organização e para a sociedade), reconhecimento pessoal (ser admirado e recompensado por sua competência), autonomia (liberdade para executar o trabalho no seu estilo pessoal), expectativa de crescimento (possibilidades de desenvolvimento pessoal e profissional), suporte ambiental (percepção de segurança, apoio material, tecnológico e social), recursos financeiros (justa relação de troca entre trabalho realizado e salário recebido) e orgulho de pertencer à organização. O pólo desgosto reflete o sentimento de mal-estar do trabalhador e consiste basicamente no oposto da gratificação.

Conclusões sobre a conceituação do bem-estar no trabalho

Mesmo os pesquisadores que adotam a visão do bem-estar psicológico têm verificado que as emoções consistem num elemento essencial do bem-estar no trabalho. Por outro lado, ao se considerar apenas as emoções, a percepção de expressividade e auto-realização passa a ser um aspecto ignorado. Tanto Waterman (1993) quanto Warr (2007) ressaltam a importância das dimensões hedônicas e eudaimonicas e criticam a visão limitada oferecida por uma abordagem unicamente hedonista da felicidade. Waterman (1993) demonstra que situações diferentes levam a experiências de bem-estar distintas e que tanto as emoções prazerosas quanto a percepção de realização são importantes. De acordo com Waterman (1993), o bem-estar pode ser considerado como o estado afetivo do indivíduo e como a percepção de expressão e desenvolvimento de potenciais e avanço dos propósitos de vida.

Uma conceituação mais completa de bem-estar no trabalho e compatível com os esforços de se estabelecer os limites do construto pode ser desenvolvida a partir da proposta de Waterman (1993) para bem-estar geral e de Warr (2007) para bem-estar laboral.

O bem-estar no trabalho pode ser conceituado, portanto, como a prevalência de emoções positivas no trabalho e a percepção do indivíduo de que, no seu trabalho, expressa e desenvolve seus potenciais/habilidades e avança no alcance de suas metas de vida. Definido deste modo, o bem-estar no trabalho inclui tanto aspectos afetivos (emoções e humores) quanto cognitivos (percepção de expressividade e realização) e engloba os pontos centrais da abordagem hedonista e da abordagem eudaimonica. Além disso, esta definição permite que o conceito seja aplicado em diferentes contextos de trabalho, organizacionais ou não.

Medidas de bem-estar no trabalho

Assim como as proposições teóricas acerca do bem-estar no trabalho variam, os instrumentos para mensuração também são distintos. Na literatura organizacional, muitas medidas de bem-estar no contexto do trabalho são derivadas da literatura de bem-estar geral, especialmente quando se tratam de medidas de afeto que englobam emoções e humores.

Em sua revisão sobre o bem-estar subjetivo, Diener e cols. (1999) verificam que o afeto pode ser classificado em positivo e negativo e suas medidas não são opostas, mas apresentam correlação negativa moderada apenas, e são claramente independentes. As dimensões positiva e negativa do afeto têm sido constatadas em estudos conduzidos em diferentes culturas (Albuquerque & Trócolli, 2004; Watson, Clark & Tellegen, 1988).

Resumidamente, as medidas de afeto positivo refletem o quanto a pessoa sente-se entusiasmada, alerta e ativa. O afeto negativo reflete o quanto a pessoa sente desprazer e distress (Watson & cols., 1988). Uma das principais medidas de afeto utilizadas no estudo do bem-estar geral é o PANAS - Positive Affect/Negative Afecct Scale (Watson & colaboradores, 1988), formada por 20 itens que mensuram o afeto negativo e o afeto positivo.

Uma das questões que envolve as medidas de afeto refere-se à influência indevida do humor momentâneo do indivíduo sobre suas respostas aos itens. Watson e colaboradores (1988) verificaram a estabilidade do PANAS no período de dois meses. Os instrumentos continham instruções diferentes com relação ao período que o indivíduo deveria considerar para avaliar a freqüência e a intensidade dos itens de afeto positivo e negativo.

Diferentes amostras receberam instruções para que indicassem a freqüência e intensidade de afetos positivos e negativos durante o último ano, os últimos meses, as últimas semanas e, inclusive, a freqüência e intensidade no dia da aplicação do instrumento. Os pesquisadores verificaram que existe estabilidade no período de dois meses, mesmo quando o sujeito avalia seu estado momentâneo, o que sugere a característica de traço que o afeto pode assumir. Por outro lado, constatou-se que a estabilidade aumenta conforme aumenta o período estipulado para avaliação. Por exemplo, o resultado do teste-reteste para a freqüência de afetos no período de um ano foi de 0,63 para o fator de afeto positivo e 0,60 para o fator de afeto negativo; para a amostra que deveria avaliar seu estado no dia da aplicação do instrumento, os resultados foram de 0,47 para o afeto positivo e 0,39 para afeto negativo.

De modo geral, medidas de afeto como o PANAS têm influenciado a literatura sobre bem-estar no trabalho. Por outro lado, a utilização de medidas de afeto apenas, de afeto e cognições ou apenas de cognições deriva da ênfase no afeto ou nas cognições que cada proposta teórica assume. Mesmo com variações como essa, a característica comum entre as medidas de bem-estar no trabalho é que todas utilizam o auto-relato como levantamento de informação.

Na literatura organizacional, os esforços para a elaboração de medidas válidas do bem-estar no trabalho têm surgido nos últimos anos. Daniels (2000), por exemplo, apresenta uma proposta para mensurar o bem-estar no trabalho da maneira como o define. Para mensurar o construto de bem-estar afetivo no trabalho, Daniels (2000) propõe cinco dimensões bipolares que constituem cinco fatores compostos por emoções positivas e negativas. Os fatores propostos e exemplos de itens representantes dos mesmos são: ansiedade (ex: ansioso, preocupado, tenso) versus conforto (ex: relaxado, calmo), depressão (deprimido) versus prazer (feliz, alegre), tédio (entediado) versus entusiasmo (otimista, motivado), cansaço (cansado) versus vigor (ativo) e cólera (agressivo) versus placidez (paciente). Ao todo são trinta itens que devem ser avaliados a partir da seguinte instrução: pensando na semana passada, quantas vezes seu trabalho fez com que você se sentisse de cada forma descrita a seguir?

Os testes para validação da escala indicaram que, além dos cinco fatores confirmados, os itens podem ser agrupados em dois fatores de segunda ordem, denominados de afeto negativo e afeto positivo. Este último resultado vai ao encontro dos estudos sobre a dimensão afetiva do bem-estar geral.

No Brasil, a revisão de literatura indicou a existência de dois instrumentos específicos de bem-estar: um de bem-estar subjetivo para avaliar o bem-estar geral (Albuquerque & Trócolli, 2004) e outro direcionado à mensuração do bem-estar nas organizações (Paz, citado por Dessen, 2005).

A Escala de Bem-Estar Subjetivo de Albuquerque e Tróccoli (2004) é formada por três fatores: afeto positivo (21 itens e alpha de Cronbach -a- de 0,95), afeto negativo (26 itens e a de 0,95) e satisfação com a vida (15 itens e a de 0,90). Os itens da escala foram inicialmente derivados do PANAS (Watson & cols., 1988) e da Escala de Satisfação com a Vida de Diener, Emmons, Larsen e Griifn (1985). Como muitos termos traduzidos não apresentavam clareza para os respondentes brasileiros, alguns itens foram adaptados para esta cultura e outros novos foram incluídos.

No campo do trabalho, Paz (citado por Dessen, 2005) construiu e validou a Escala de Bem-estar Pessoal nas Organizações, medida direcionada para o trabalho realizado em organizações. O instrumento possui 15 itens, agrupados em um único fator, e um de 0,91. Cada item avalia a percepção do trabalhador acerca, especialmente, de relações de reciprocidade estabelecidas com a organização, como por exemplo: o trabalho que exerço é valorizado pela organização, sou recompensado por minha competência pela organização, sou admirado por meus colegas pelo trabalho que faço, tenho a infraestrutura material necessária para a realização do meu trabalho.

Os itens da Escala de Bem-estar Pessoal nas Organizações englobam dimensões cognitiva (como sou recompensado por minha competência pela organização) e afetiva (como tenho orgulho de pertencer a esta organização). Apesar disso, a escala não contempla uma dimensão do bem-estar que tem recebido, cada vez mais, suporte empírico: as emoções e os humores do indivíduo no trabalho. A Escala de Bem-estar Subjetivo de Albuquerque e Tróccoli (2004) contém medidas de afeto positivo e negativo, mas é desvinculada de qualquer contexto.

Outra característica da Escala de Bem-estar Pessoal nas Organizações é que ela considera aspectos organizacionais que seriam constituintes do bem-estar. Apesar da relevância dessa proposta, por se tratar do bem-estar nas organizações, determinados aspectos do contexto do trabalho poderiam ser considerados antecedentes do bem-estar, como a percepção de existência de infraestrutura material. Para autores como Daniels (2000), por exemplo, a infraestrutura material poderia ser entendida como uma variável que influencia a experiência individual caracterizada como bem-estar.

Os instrumentos de bem-estar no trabalho variam em função da proposta conceitual adotada. No Brasil, não foi encontrado um instrumento que abrangesse o aspecto afetivo do bem-estar laboral e o aspecto cognitivo e eudaimonico. Assim, foi proposta a construção de um instrumento que apresentasse as seguintes características: a) operacionalização das dimensões hedônica e eudaimonica do bem-estar no trabalho, defendidas no presente artigo; b) possibilidade de aplicação em diferentes situações de trabalho, não apenas em contextos organizacionais; c) enfoque nas vivências do trabalhador de modo a não considerar possíveis antecedentes do construto.

 

Método

Construção da escala

Construção dos itens

A Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET) foi composta por duas partes: uma de afeto e outra de expressividade/realização no trabalho. Os itens de afeto - emoções e humores positivos e negativos no trabalho - foram derivados da Escala de Bem-estar Subjetivo de Albuquerque e Tróccoli (2004) para bem-estar geral. Dos 47 itens, onze foram excluídos por não representarem claramente emoções e humores, como por exemplo: atento, produtivo, inspirado e ativo. Dois itens, orgulhoso e tranqüilo, foram incluídos a partir da revisão de literatura acerca de afetos relevantes no contexto laboral (Lazarus & Cohen-Charash, 2001). Ao todo, foram propostos 38 itens de afeto positivo e negativo.

Os itens de realização - percepção do indivíduo de que, no seu trabalho, desenvolve suas habilidades e potencial e avança no alcance de suas metas de vida - foram desenvolvidos a partir da literatura, especialmente da proposta de Waterman (1993), e a partir de entrevistas com diferentes tipos de trabalhadores. Os entrevistados foram divididos em dois grupos de seis pessoas e três foram entrevistados individualmente. Ao todo foram nove mulheres e seis homens. Um dos grupos era composto apenas por funcionários públicos que tinham concluído o curso superior. O outro grupo era formado por trabalhadores de organizações públicas e privadas que tinham apenas segundo grau completo. Um professor com nível superior, um padeiro e uma faxineira com primeiro grau completo foram entrevistados individualmente.

As perguntas foram: O que é ser feliz no trabalho para você? É importante se sentir realizado no trabalho? O que é a realização no trabalho? As entrevistas foram gravadas e os dados agrupados em categorias. Para a elaboração dos itens, foram consideradas as respostas que expressavam vivências do respondente e não aspectos organizacionais que poderiam ser considerados antecedentes do bem-estar. Assim, foram elaborados nove itens para a composição deste fator do instrumento.

Análise de juizes

Os 38 itens de afeto foram separados em duas listas: uma composta por 23 humores e emoções negativas e outra composta por 15 humores e emoções positivas. Alguns itens da escala de bem-estar geral pareciam não ser representativos do contexto do trabalho, como por exemplo, o item alarmado. Três psicólogos, um administrador e dois trabalhadores receberam a instrução para indicar em cada lista os dez sentimentos mais comuns que uma pessoa pode vivenciar no trabalho. Como critério para manter o item na escala, pelo menos três avaliadores precisariam concordar em suas respostas. Dois itens de afeto negativo foram incluídos por sugestão dos avaliadores. A escala final de afeto ficou composta por 13 itens de afeto negativo e nove itens de afeto positivo.

Os itens referentes à escala de expressividade/realização no trabalho foram submetidos à avaliação de dois psicólogos, os quais deveriam verificar a pertinência do item à definição proposta. Os nove itens obtiveram concordância entre os dois juízes e foram mantidos.

Os itens de afeto foram dispostos de forma aleatória na parte inicial de um folheto com instruções apropriadas para auto-administração. Foi utilizada uma escala de cinco pontos para resposta: 1 - nem um pouco, 2 - um pouco, 3 - moderadamente, 4 - bastante e 5 - extremamente. Seguindo os itens de afeto, foram dispostos os itens de realização/expressividade, acompanhados de instruções específicas e uma escala de concordância de cinco pontos: 1 - discordo totalmente, 2 - discordo, 3 - concordo em parte, 4 - concordo e 5 - concordo totalmente.

Análise semântica

A fim de verificar se os itens propostos e as instruções apresentadas eram compreensíveis, o instrumento foi aplicado em dois grupos de três pessoas, todos trabalhadores de organizações públicas ou privadas, quatro deles com segundo grau completo e dois com nível superior. Foi solicitado a cada participante que respondesse ao questionário. Ao terminarem, foi solicitado aos sujeitos que apontassem suas dificuldades em relação às instruções e aos termos presentes nos itens. As instruções foram compreendidas pelos sujeitos tal como foram apresentadas e foram mantidas. Nenhum item foi modificado.

Validação da escala

Participantes

Foram utilizados os questionários respondidos de 317 trabalhadores (216 mulheres e 101 homens) de diferentes organizações, públicas e privadas, localizadas no Distrito Federal. A média de idade foi de 32,45 anos (DP = 8,46). Um total de 3,5% da amostra tinha segundo grau incompleto e 40% tinha superior completo. O restante dos respondentes tinha segundo grau completo ou superior incompleto. Quanto à função desempenhada, 17,7% eram professores, 12,5% eram operadores de telemarketing e 41,2% exerciam funções administrativas. Os participantes restantes exerciam funções variadas, como por exemplo, vendedores, motoristas e profissionais da saúde. O tempo médio de trabalho na organização foi de 7 anos (DP = 7,84).

Procedimento

Nas organizações o instrumento foi administrado coletivamente e, em alguns casos, individualmente, em locais apropriados para a atividade. Alguns questionários foram aplicados coletivamente em quatro turmas de alunos de graduação formadas por trabalhadores de empresas públicas e privadas. Os procedimentos éticos necessários foram adotados na investigação.

Análise dos dados

Inicialmente, foi verificada a fatorabilidade da matriz gerada. Foram calculados os valores do teste de esfericidade de Bartlett (AIC) e do Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). O passo seguinte foi a análise do screeplot para a verificação do número de fatores que poderiam ser extraídos. Para a rotação e extração dos fatores foi utilizado o método PAF (principal axis factoring), com rotação oblíqua. O pressuposto inicial foi de que o instrumento era formado por três fatores. A fim de assegurar que cada item representava o construto subjacente ao fator, foi estipulada uma carga fatorial mínima de 0.30 para aceitar o item. O cálculo da precisão da escala foi realizado por meio do coeficiente alpha de Cronbach.

 

Resultados

O KMO encontrado foi de 0,939 e o teste de esfericidade de Bartlett´s indicou valor de 6168,248 (p<0,001), ambos apontando para a fatorabilidade da matriz. De acordo com o screeplot (Figura 1), poderiam ser extraídos os três fatores propostos.

 

 

A Tabela 1 apresenta a matriz fatorial (o pattern) e os resultados encontrados sobre a precisão dos fatores.

 

 

Após a rotação dos fatores, o item 12 de afeto (desanimado) apresentou carga nos fatores 1 e 2. Esse item foi eliminado e, na Tabela 1, só são apresentadas as cargas fatoriais dos itens que foram mantidos. O instrumento ficou composto por três fatores. O primeiro, afeto positivo, com nove itens e alpha de Cronbach de 0,93, explica 39,97% da variância; o segundo fator, afeto negativo, com 12 itens e alpha de Cronbach de 0,91, explica 10,98% da variância; por fim, o fator realização, com nove itens e alpha de Cronbach de 0,88, explica 6,34% da variância. Juntos os três fatores explicam 57,30% da variância do construto.

 

Discussão

Os resultados encontrados confirmaram que o bem-estar no trabalho pode ser estruturado a partir das dimensões afeto e realização/expressividade. Tais achados sustentam a idéia de que o contexto de trabalho apresenta-se como um lugar privilegiado de emoções e, fundamentalmente, de realização e de construção da felicidade pessoal. Nem sempre o trabalho foi considerado sob essa perspectiva. Com o aumento da competitividade no mundo dos negócios e das novas demandas do ambiente de trabalho, as organizações têm se preocupado em valorizar seus empregados e criar as condições necessárias para o seu bom desempenho e satisfação. A premissa de que o alcance da felicidade pessoal é possível no trabalho impele os profissionais de gestão de pessoas a identificar estratégias eficazes na promoção do bem-estar.

Em relação à EBET, esta apresentou excelentes parâmetros psicométricos e pode ser facilmente aplicada, em menos de cinco minutos. Sua aplicabilidade compreende tanto o campo científico do bem-estar quanto a gestão de pessoas nas organizações. Em pesquisa científica, a EBET pode ser utilizada na investigação do impacto de variáveis situacionais e pessoais sobre o bem-estar no trabalho. De forma geral, as pesquisas têm revelado a influência de fatores organizacionais ou de percepções de aspectos organizacionais sobre o bem-estar do indivíduo. Martens, Nijhuis, Van Boxtel e Knottnerus (1999), por exemplo, avaliaram o efeito de horários de trabalho e tipos de contrato com o empregador sobre o bem-estar dos trabalhadores e observaram que aqueles que trabalhavam com semana comprimida, com mudanças irregulares de horário e como trabalhadores temporários apresentavam menor bem-estar. Dessen (2005) verificou que a percepção do trabalhador de que sua organização incentiva a participação dos seus membros, valoriza o trabalho e apresenta flexibilidade e hierarquia mais achatada está positivamente relacionada com o bem-estar nas organizações.

Num campo em construção, a EBET pode contribuir para a identificação dos principais antecedentes e consequentes do bem-estar no trabalho. Por não ser específica do contexto organizacional, pode também ser aplicada em diferentes contextos e ambientes laborais e utilizada em pesquisas com trabalhadores informais e autônomos, por exemplo.

Além da utilidade em pesquisa científica, a EBET consiste numa ferramenta de diagnóstico organizacional. Sua aplicação periódica pode oferecer informações acerca do bem-estar dos trabalhadores em cada setor organizacional. A procura da felicidade é fundamental para todos os seres humanos e os dados gerados pela EBET podem orientar cada gestor a adotar medidas que promovam e facilitem o desenvolvimento do bem-estar nas diferentes áreas da organização. Juntamente com outros instrumentos, sua aplicação pode auxiliar no levantamento de necessidades e na avaliação de práticas voltadas ao bem-estar no trabalho.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: tatipas@yahoo.com
Os autores agradecem o apoio da CAPES sob forma de bolsa de doutorado à primeira autora.

Recebido em Agosto de 2007
Reformulado em Fevereiro de 2008
Aceito em Abril de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Tatiane Paschoal: mestre em psicologia pela Universidade de Brasília e doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela mesma universidade.
** Álvaro Tamayo: doutor em psicologia pela Université de Louvain (Bélgica), pesquisador associado ao Departamento de Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília e professor na pós-graduação da Universidade Católica de Brasília. Post-mortem.

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