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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.7 n.1 Porto Alegre abr. 2008

 

ARTIGOS

 

Análise fatorial do Inventário de Depressão Infantil (CDI) em amostra de jovens brasileiros1

 

Factor analyisis of children's depression inventory (CDI) in youth brazilian sample

 

 

Josiane Lieberknecht Wathier *; Débora Dalbosco Dell'Aglio **; Denise Ruschel Bandeira ***

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo explora a estrutura fatorial de uma adaptação para a língua portuguesa do Inventário de Depressão Infantil (CDI). A amostra foi composta por 951 crianças e adolescentes (56,8% meninas), entre sete e 17 anos. A partir de uma análise fatorial exploratória do CDI, composto por 27 itens, com o método dos Componentes Principais e rotação Varimax, encontrou-se uma solução conceitualmente aceitável de três fatores, que explicaram 31,89% da variância das respostas. Os participantes apresentaram uma média de 11,95 (DP=7,70) e a consistência interna do instrumento (alfa de Cronbach) foi de 0,85. Esses achados reforçam a validade da versão em língua portuguesa do Inventário de Depressão Infantil com 27 itens e sua utilidade como uma medida de sintomas depressivos. Tendo em vista as diferenças regionais observadas na comparação com estudos anteriores, este artigo também apresenta normas de uma amostra de estados do sul do Brasil.

Palavras-chave: Sintomas, Depressão infantil, Normas.


ABSTRACT

This study was designed to assess the structure of the Children's Depression Inventory (CDI) for 951 children and adolescents (56,8% female), between seven and 17 years. Scores of the 27 item CDI were subjected to principal components factor analysis with Varimax rotation. Exploratory factor analysis offered three factors that together explained 31,89% of answers variance. The mean scores of the participants was 11,95 (SD=7,70) and Cronbach alpha was 0,85 for the total scale. These findings strengthen the validity of the Brazilian version of the Children's Depression Inventory with 27 items and its utility as a measure of depressive symptoms. As regional differences were observed in previous studies, this article also points out norms for southern states of Brazil.

Keywords: Symptoms, Children's depression, Norms.


 

 

Introdução

O construto depressão pode ser empregado para definir diferentes níveis de manifestações, que vão desde um sentimento de tristeza até o diagnóstico de um transtorno de humor (Bahls, 1999, 2002; Del Porto,1999). O presente estudo trabalha com a depressão através da identificação de sintomas em crianças e adolescentes. A ocorrência de sintomas depressivos pode estar associada a diferentes transtornos, especialmente Transtornos de Déficit de Atenção, de Ansiedade, do Comportamento Disruptivo e Transtornos Alimentares (DSM-IV-TR, APA, 2000/2002).

Os sintomas depressivos mais comuns na infância e adolescência são os atípicos, caracterizados por irritabilidade, hiperatividade e agressividade. Os sintomas clássicos, como tristeza, diminuição da atenção e da concentração, perda de confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade e baixa autoestima, idéias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do sono e da alimentação e, dependendo da gravidade, ideação suicida, também pode ocorrer (Del Porto, 1999; Marcelli, 1998).

A detecção precoce de sintomas depressivos em crianças ou adolescentes pode evitar que venham a desenvolver quadros graves, com prejuízos no convívio social e no ambiente escolar e familiar. Para facilitar a identificação de provável diagnóstico e indicar encaminhamento para avaliação clínica, existem variados métodos, uma vez que eles estão ligados aos diferentes critérios diagnósticos adotados. Os principais instrumentos indicados na literatura (Assumpção Júnior, 2002; Del Barrio, Olmedo & Colodrón, 2002; Carter, Grigorenko & Pauls, 1995), para mensuração dos sintomas depressivos, são o Inventário Beck de Depressão (BDI, Cunha, 2001), o Self-Rating Depression Scale (SDS, Thurber, Snow & Honts, 2002), ambos para adultos, a Conner's Rating Scale-Revised (CRS-R, Conner, 1997), a Escala de Avaliação do Grau de Severidade da Depressão Infantil (CDRS-R, Poznanski & Mokros, 1995) e o Children's Depression Inventory (CDI, Kovacs, 1992, 2003), sendo esses últimos para crianças. O CDI (Kovacs, 1983, 1985, 1992, 2003) vem sendo descrito como o instrumento mais utilizado, em nível internacional, para avaliar sintomas depressivos em crianças e adolescentes, tanto nos contextos clínicos como de pesquisa (Baptista & Golfeto, 2000; Cole e cols., 2002). Em nível nacional, o CDI tem sido utilizado no contexto de pesquisas que abordam o construto da depressão.

O Inventário de Depressão Infantil (CDI) foi criado por Kovacs (1983, 1985, 1992, 2003), a partir de uma adaptação do Beck Depression Inventory para adultos. O objetivo do CDI é verificar a presença e a severidade de sintomas de depressão em jovens de sete a 17 anos, a partir de seu auto-relato. Contém 27 itens e tem sido descrito como psicometricamente satisfatório em diversos países. No estudo de Kovacs (2003), cujos dados normativos foram baseados nas respostas de 1266 estudantes de escolas públicas da Flórida, o alfa de Cronbach foi de 0,86.

Kovacs (2003) descreve cinco fatores ou subescalas que compõem o instrumento completo e foram obtidos através de uma análise fatorial realizada com o método Maximum Likelihood (ML) e rotação Oblimin. O primeiro fator é chamado de Humor Negativo (Negative Mood) e contém seis itens que refletem sentimentos de tristeza, vontade de chorar, preocupação com "coisas ruins", estar incomodado com alguma coisa e sentir-se incapaz de tomar decisões. Esse fator respondeu por 23,3% da variância nos escores do CDI, conforme Kovacs apresenta no Manual (Kovacs, 2003). O segundo fator é denominado Problemas Interpessoais (Interpersonal Problems), e contém quatro itens que englobam problemas e dificuldades em interações com pessoas, evitação e isolamento social. O terceiro fator, com quatro itens, chama-se Inefetividade (Ineffectiveness), e reflete avaliação negativa das próprias habilidades e desempenho escolar. O quarto fator chamado Anedonia (Anhedonia), contém oito itens e caracteriza a "depressão endógena", incluindo perda da capacidade de sentir prazer, perda de energia, dificuldades em comer ou dormir e senso de isolamento. O último fator, chamado Auto-Estima Negativa (Negative Self-Esteem), engloba cinco itens sobre baixa auto-estima, não gostar de si mesmo, sentimentos de não ser amado e uma tendência a ter ideação suicida.

No estudo de adaptação para o Brasil com 305 jovens paraibanos de oito a 15 anos (Gouveia, Barbosa, Almeida & Gaião, 1995), o CDI mostrou-se unifatorial, com apenas 18 itens e com norma provisória de ponto de corte de 17 pontos. O método utilizado para extração final do fator único foi o ML, e a variância total dos escores foi explicada em 13,4%. Além disso, os autores encontraram um alfa de Cronbach de 0,81. Em estudo posterior, Barbosa, Dias, Gaião e Di Lorenzo (1996), estabeleceram um ponto de corte de 18 pontos, o que correspondeu ao 78º posto percentílico. Eles utilizaram o CDI adaptado por Gouveia e cols. (1995), de 18 itens, e sua amostra normativa foi de 807 jovens do interior da Paraíba. Em outro estudo, realizado com amostra de 287 escolares de Ribeirão Preto na faixa etária de sete a 14 anos, Golfeto, Veiga, Souza e Barbeira (2002) encontraram uma estrutura fatorial com cinco fatores utilizando rotação Varimax e o critério de Kaiser. Esses fatores explicaram juntos, 47,4% da variância dos escores e apresentaram alfa de Cronbach de 0,81. No entanto, tais fatores não foram nomeados conforme seu conteúdo.

Considerando os estudos de Kovacs para o desenvolvimento do CDI (Kovacs, 1992, 2003) e o estudo brasileiro de validação para o Brasil (Gouveia & cols., 1995), objetivou-se verificar as propriedades psicométricas do CDI em uma amostra do sul do Brasil, além de estabelecer normas atualizadas.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 951 crianças e adolescentes de ambos os sexos, com idade entre sete e 17 anos da região sul do país, sendo que 634 moravam com suas famílias e 317 viviam em instituições. Esta amostra foi formada a partir de cinco diferentes bancos de dados, de pesquisas realizadas por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com participantes da Região Metropolitana de Porto Alegre, RS, e da cidade de Joaçaba, Santa Catarina. As características dos bancos de dados são apresentadas na Tabela 1.

 

 

Instrumentos e Procedimentos

Foi utilizada a versão do CDI traduzida e adaptada para o Brasil por Gouveia e cols. (1995), com os 27 itens da escala original de Kovacs (2003). A aplicação do instrumento seguiu as orientações do Manual de Aplicação (Kovacs, 1992, 2003) e as considerações éticas para pesquisas com seres humanos, conforme Resolução 0196/96 do Conselho Nacional de Saúde e Resolução do Conselho Federal de Psicologia número 016/2000. Os dados foram digitados em planilha do programa estatístico SPSS versão 13.0, reunindo os cinco bancos de dados.

 

Resultados

Inicialmente, verificou-se a distribuição dos itens com cinco fatores utilizando-se o método Maximum Likelihood e rotação Oblimin, conforme a disposição fatorial encontrada por Kovacs (2003). Apesar de ter explicado 27,19% da variância, essa disposição de cinco fatores não demonstrou ter uma boa explicação conceitual dos itens em cada fator, nem correspondeu à definição descrita por Kovacs no manual do CDI.

A partir disso, foi realizada uma análise fatorial exploratória para buscar a melhor disposição de itens por fatores, tanto estatisticamente quanto conceitualmente. Foram realizadas análises fatoriais exploratórias contendo de seis fatores a um, pelos métodos Maximum Likelihood (ML) e rotação Oblimin e dos Componentes Principais (PC) e rotação Varimax. O Scree Plot (Figura 1) apresenta 3 a 5 fatores diferenciáveis.

 

 

A solução de três fatores apresentou os requisitos exigidos para a realização da Análise Fatorial (Hair, Anderson, Tatham & Black, 2005; Pardo, 2002), com determinante próximo à zero (0,01), KMO maior que 0,6 (0,91) e teste de esfericidade de Bartlett significativa (p<0,01). O modelo de distribuição fatorial que se mostrou mais adequado foi aquele realizado pelo método PC, com rotação Varimax. Este modelo apresentou 31,89% da variância explicada, sendo 12,99% do primeiro fator, 10,33% do segundo e 8,57% do terceiro. As saturações de cada item nos respectivos fatores são apresentadas na Tabela 2, e estão dispostos conforme sua carga fatorial e não pela ordem do inventário. Estabeleceu-se como saturação mínima, o valor de 0,22. Nos casos em que o item poderia pertencer a mais de um fator, foi utilizado primeiramente o critério de mais alto valor de saturação e, secundariamente, do conteúdo semântico do item e sua pertinência no fator previamente descrito. Isso aconteceu com o item 13, "Eu não consigo tomar decisões", como pode ser visto na tabela 2. Apesar de ficar com menor saturação, esse item está melhor relacionado com a definição conceitual de "Desempenho" (Fator 3) do que de "Relação com o outro" (Fator 2).

 

 

Além disso, foram realizadas análises fatoriais separadamente para participantes dos contextos abrigo e família. Obteve-se distribuições semelhantes dos itens em cada fator nos dois grupos, permitindo que se considerasse adequada a análise do instrumento com os bancos reunidos. A literatura especializada tem indicado que, se o objetivo da análise fatorial é separar claramente os fatores, a rotação ortogonal para análises fatoriais é a mais adequada. Dessa forma, os itens que apresentam sintomatologias específicas ficam aglutinados, ainda que o instrumento possua correlação conceitual entre seus itens, tal como no construto depressão (Artes, 1998; Hair e colaboradores, 2005; Pardo, 2002). A descrição conceitual de cada fator ficou assim definida:

Fator 1- Afetivo-somático:

Caracteriza os itens que abordam sentimentos de tristeza, de solidão, de ser mau, bem como ter vontade de chorar, preocupações pessimistas, irritabilidade e ideação suicida. Inclui fadiga e preocupação com sentir dores ou adoecer.

Fator 2- Relação com o outro:

Refere-se aos itens que traduzem dificuldades em relacionar-se com os outros, falta de prazer nas atividades de diferentes contextos da vida, auto-depreciação comparada, não se sentir amado e redução de interesse social.

Fator 3- Desempenho:

Envolve os itens em que há uma auto-avaliação cognitiva em relação ao seu desempenho, como no rendimento escolar, na tomada de decisões, no comportamento agressivo, e culpa pelos acontecimentos ruins. Inclui problemas para dormir e se alimentar.

Foi avaliada a consistência interna de cada fator e da escala total, que apresentou consistência semelhante à encontrada por Kovacs (2003), cujo valor foi de 0,86. Os dados descritivos de cada fator são apresentados na Tabela 3.

 

 

Análises Descritivas e Inferenciais

A partir da análise fatorial, foi realizada uma análise descritiva com os 27 itens do instrumento. Para o levantamento dos escores, foi obtida a soma dos pontos em cada item respondido, conforme orientação do manual do CDI (Kovacs, 2003). Foram realizadas análises dos escores considerando as variáveis sociodemográficas faixa etária, sexo e contexto.

Os participantes desse estudo obtiveram uma média de 11,90 (DP=7,29) pontos no CDI, sendo que a amplitude foi de zero a 47. Foram realizadas análises por faixa etária, conforme a divisão adotada por Kovacs (2003), separando os participantes em crianças (7 a 12 anos; n=550) e adolescentes (13 a 17 anos; n=401). Um teste t de Student indicou diferença significativa entre as médias dessas faixas etárias (t=2,80; gl=949; p=0,05), sendo que os adolescentes apresentaram uma média mais alta (M=12,77; DP= 7,64) do que as crianças (M=11,36; DP=3,99).

Foi encontrada diferença significativa entre os sexos (t=6,38; gl=339,41; p<0,01), no grupo de adolescentes, sendo a média das meninas (M=14,30; DP=7,92) mais alta do que dos meninos (M=9,76; DP=6,04). No grupo de crianças também foi encontrada diferença significativa entre os sexos

(t=2,57; gl=536,32; p=0,01), com uma média maior de sintomas depressivos nas meninas (M=12,20; DP=8,18) do que nos meninos (M=10,52; DP=7,10). Outro resultado importante é que foi observada diferença estatística nos escores do CDI por faixa etária, no sexo feminino (t=3,03; gl=538; p<0,01), com médias mais altas entre as adolescentes. Entre os meninos não foi observada diferença por faixa etária.

Considerando os contextos em que os participantes viviam, família e instituição, houve diferença significativa (t=9,50; gl=483,67; p<0,01) no escore do CDI, sendo que a média dos que moravam no abrigo foi mais alta (M=15,49; DP=8,86) do que os da família (M=10,19; DP=6,36). Essa diferença significativa foi decisiva para que se considerasse, para fins de normatização, apenas os jovens que moravam com sua família (n=634).

Estabelecimento de Normas

Os dados normativos foram compostos apenas pelo grupo de crianças e adolescentes que moravam com sua família, uma vez que o grupo dos que moravam no abrigo poderia enviesar os valores devido à pontuação bastante elevada no CDI. Assim, foram estabelecidas normas intragrupo por percentis para sexo e faixa etária (Tabela 4).

 

 

Os três fatores que englobam itens específicos também foram considerados para fins de normatização. A Tabela 5 apresenta a norma para cada fator de acordo com sexo e faixa etária.

 

Discussão

Esse estudo buscou verificar as propriedades psicométricas do Inventário de Depressão Infantil em uma amostra do sul do Brasil. O CDI, que é um instrumento bastante utilizado em pesquisas brasileiras (Bahls, 2002; Baptista & Golfeto, 2000; Dell'Aglio, Borges & Santos, 2004; Dell'Aglio & Hutz, 2004; Gouveia & cols., 1995; Golfeto e cols., 2002; Reppold, 2001), assim como em estudos internacionais (Aronen & Soininen, 2000; Cole e colaboradores., 2002; Del Barrio, Olmedo & Colodrón, 2002; Drucker & Greco-Vigorito, 2002; Kovacs, Obrosky, Gatsonis & Richards, 1997; Sherrill & Kovacs, 2000; Timbremont, Braet & Dreesen, 2004; Yu & Li, 2000), apresentou boa capacidade de medir os sintomas depressivos mais comuns em crianças e adolescentes, conforme descrição do DSM-IV-TR (APA, 2000/2002).

A partir da estrutura fatorial encontrada, a hipótese multifatorial do CDI foi reforçada, tal como aconteceu nos estudos de Kovacs (2003) e no de Golfeto e cols. (2002). Gouveia e cols. (1995) que buscaram adaptar o CDI para o contexto brasileiro, encontraram apenas um fator com 18 itens, tendo descartado os nove itens restantes que não obtiveram carga fatorial acima de 0,35. A amostra desses pesquisadores foi composta por 305 jovens de 8 a 15 anos que moravam em João Pessoa e estudavam em escolas públicas ou privadas. No estudo de Gouveia e cols. (1995), não foi encontrada diferença significativa na média dos escores em nenhuma das variáveis sociodemográficas investigadas (sexo, faixa etária, série e tipo de escola).

Em algumas análises prévias realizadas, com método dos Componentes Principais e rotação Varimax, por exemplo, os itens 16 e o 18 (eu tenho sempre dificuldades para dormir à noite e quase sempre eu não tenho vontade de comer, respectivamente) apareceram reunidos tanto com o primeiro fator quanto com o terceiro e com cargas fatoriais baixas, o que indica que talvez devam ser revistos em sua escrita ou relevância para a detecção de sintomas depressivos, principalmente em crianças. A esse respeito, Marcelli (1998) alerta que é mais comum que a criança com depressão não consiga atingir o peso esperado para a idade do que tenha perda de peso, o que poderia, em parte, justificar os problemas com esse item. Além disso, "dormir" e "comer" bem parecem ter sido entendidos pelas crianças da amostra como expressões de alta desejabilidade social e não de bem-estar. Se dormem e comem "direitinho", é porque se comportam bem. Essa característica parece ser culturalmente regionalizada, uma vez que esses itens apresentaram-se diferentemente na amostra paraibana (Gouveia & cols., 1995).

 

 

As diferenças por faixa etária e por sexo encontradas nas análises inferenciais, em que as meninas adolescentes tiveram mais sintomas depressivos, também foram encontradas nos estudos de Reppold (2001) e de Dell'Aglio e Hutz (2004), além de estarem presentes na descrição de Steinberg (1999). Por outro lado, a diferença por sexo encontrada na faixa etária das crianças não é tão comum na literatura. Kovacs (1985), Gouveia e cols. (1995), Golfeto e cols. e Wathier e Dell'Aglio (2007) não evidenciaram diferença por sexo entre as crianças. Entre os meninos, não houve diferença entre as faixas etárias, o que também é apontado por Kaplan, Sadock e Greeb (1997) e Steinberg (1999). Segundo esses autores, no período da adolescência, as meninas apresentam mais sintomas depressivos e transtornos internalizantes, tais como a depressão.

A diferença encontrada por contextos, por sua vez, em que os participantes institucionalizados apresentaram escores mais altos do que os que moravam com a família está de acordo com Dell'Aglio (2000), Dell'Aglio, Borges e Santos (2004), Siqueira e Dell'Aglio (2006) e Poletto (2007). Destaca-se que jovens institucionalizados geralmente passam por mais eventos estressores relacionados à sua retirada da família, tais como violência, maus tratos e perda dos pais, que têm sido considerados como fatores de risco para depressão por diversos autores (Abreu, 2001; Dell'Aglio, Borges & Santos, 2004; Dell'Aglio, 2000; Fitzpatrick, 1993; Merikangas & Angst, 1995; Poletto, 2007).

 

Considerações finais

O Inventário de Depressão Infantil mostrou-se adequado como instrumento de screenning, independentemente do contexto onde a criança e o adolescente se encontrem. A presente pesquisa encontrou uma composição trifatorial e um alfa de Cronbach de 0,85 no CDI, demonstrando boa consistência interna. Estes resultados indicam que a adaptação para a versão brasileira é adequada e apresenta características psicométricas satisfatórias, permitindo uma normatização para crianças e adolescentes do sul do Brasil.

Sugere-se, para estudos futuros, que sejam coletadas amplas amostras com participantes de diferentes regiões do país para confirmar ou adequar a normatização proposta nesse artigo. Além disso, pesquisadores têm defendido a necessidade de estudos com amostras clínicas e o uso de análises estatísticas mais sofisticadas, como a análise fatorial confirmatória, através dos modelos de equação estrutural (Hair & cols., 2005; Tróccoli, 1996).

 

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Endereço para correspondência
E-mail: josianelieb@yahoo.com.br

Recebido em Janeiro de 2008
Reformulado em Março de 2008
Aceito em Abril de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Josiane Lieberknecht Wathier: psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e mestranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação da Drª Débora Dalbosco Dell'Aglio.
** Débora Dalbosco Dell'aglio: psicóloga, doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS e docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRGS.
*** Denise Ruschel Bandeira: psicóloga, doutora em psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS e docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRGS.
1 Agradecimentos: apoio financeiro do CNPq (Edital Pronex), FAPERGS e CAPES. Agradecemos à Drª. Claudia Hofheinz Giacomoni pelo fornecimento de seu banco de dados, Dr. Jorge Sarriera pelo auxílio na Análise Fatorial, aos acadêmicos de psicologia da UFRGS e às instituições de abrigo e escolas que concordaram com a execução desse trabalho.

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