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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.7 n.2 Porto Alegre ago. 2008

 

ARTIGOS

 

Desenvolvimento e validação de uma escala de afetos no trabalho (ESAFE)

 

Development and validation of a work affect scale (WOKAS)

 

 

Maria Cristina Ferreira *; Ana Paula Correa e Silva **; Helenita de Araujo Fernandes ***; Stanley Pacheco de Almeida ****

Universidade Salgado de Oliveira

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo desenvolver e validar uma escala para avaliação dos afetos dirigidos ao contexto do trabalho. A amostra foi composta por 293 trabalhadores de ambos os sexos, que responderam a uma versão inicial da escala de afetos, com 40 itens, bem como a uma escala de satisfação no trabalho e a uma escala de exaustão emocional. A análise fatorial exploratória resultou na elaboração de uma versão final da escala de afetos composta de 28 itens, distribuídos em duas dimensões - afetos positivos e afetos negativos, e índices de consistência interna de 0,93 e 0,90, respectivamente. As correlações da versão final da escala de afetos com a satisfação no trabalho e a exaustão emocional atestaram sua validade convergente e discriminante. Concluiu-se que as características psicométricas da escala de afetos no trabalho recomendam seu uso em pesquisas brasileiras destinadas a avaliar a freqüência dos afetos dirigidos ao contexto do trabalho.

Palavras-chave: Afeto positivo, Afeto negativo, Bem-estar, Trabalho, Avaliação psicológica.


ABSTRACT

The purpose of the study was to develop and validate a work affect scale. The sample was composed of 293 workers, from both sexes. They answered a 40 item first version of the affect scale, a work satisfaction scale and an emotional exhaustion scale. After the exploratory factor analysis, the final version of the affect scale was reduced to 28 items, which were divided into two factors - positive and negative affect, of internal consistency indexes of 0,93 and 0,90, respectively. The affect scale showed its convergent and discriminative validity in correlation to work satisfaction and emotional exhaustion. In conclusion, the psychometric characteristics proved to be adequate for the adoption of the affect scale for evaluating the frequency of affects in the workplace, in Brazilian studies.

Keywords: Positive affect, Negative affect, Well-being, Work, Psychological evaluation.


 

 

Introdução

Na literatura atual, os estudos com foco no binômio saúde-trabalho podem ser alocados em três grandes categorias: os oriundos da área de saúde ocupacional, que examinam os efeitos dos aspectos físicos do ambiente de trabalho (desenho do trabalho, exposição a substâncias tóxicas, etc.) na saúde; os de natureza sociológica, que se detêm na análise dos fatores objetivos (número de horas de trabalho, trabalho em turnos, etc.) e sociais (adequação econômica, prestígio social, etc.) do trabalho que interferem na saúde e, por fim, os desenvolvidos na tradição da psicologia ocupacional, que se concentram nas características psicológicas (latitude da decisão, demandas do trabalho, etc.) e psicossociais (relações com outros colegas, cultura organizacional, etc.) do trabalho que afetam a saúde.

A psicologia da saúde ocupacional emergiu como um campo de estudos autônomo nos anos 90 e, diferentemente das abordagens que lhe precederam, tem como objetivo básico a promoção da qualidade de vida no trabalho, da segurança, da saúde e do bem-estar dos trabalhadores (Tetrick & Quick, 2003), isto é, ela almeja prioritariamente a criação de ambientes de trabalho seguros e saudáveis. Para atender a tal objetivo, numerosos estudos vêm sendo conduzidos nas últimas décadas, com o intuito de aprofundar a compreensão dos efeitos benéficos ou prejudiciais que o ambiente de trabalho provoca na saúde dos trabalhadores.

Um aspecto que logo se depreende da análise dessa produção é o fato de que os termos saúde, bem-estar e qualidade de vida no trabalho têm sido usados, em geral, de forma indistinta, sem que haja maior cuidado com as definições de tais termos e com o estabelecimento de seus limites conceituais e indicadores. Assim é que Danna e Griffin (1999), por exemplo, destacam o caráter vago das definições de saúde e de bem-estar comumente encontradas na literatura sócio-psicológica, ressaltando o fato de que cada um deles costuma ser utilizado para definir ou explicar o outro.

No que diz respeito à qualidade de vida e bem-estar, apesar da pouca delimitação conceitual também existente entre esses construtos, parece haver certo consenso quanto ao fato de ambos serem de natureza multidimensional e envolverem uma dimensão objetiva e uma dimensão subjetiva (Cummins, 2000; Diener & Suh, 1997). A dimensão objetiva refere-se ao uso de indicadores sociais e econômicos quantificáveis, isto é, de estatísticas destinadas a refletir a extensão em que as necessidades humanas são satisfeitas. Nesse sentido, índices epidemiológicos como a taxa de mortalidade infantil e de longevidade, por exemplo, podem ser utilizados na avaliação da qualidade da saúde de uma dada população, enquanto estatísticas de crime, suicídio e violência pública, entre outras, podem ser adotadas na avaliação da qualidade de vida de uma dada sociedade, no que tange à segurança, etc. Já a dimensão subjetiva da qualidade de vida caracteriza a experiência subjetiva dos indivíduos acerca de sua própria vida (Diener & Suh, 1997).

Duas tradições de pesquisa têm dominado o estudo da qualidade de vida subjetiva (Ryan & Deci, 2001). A primeira, chamada de hedonismo, considera que o bem-estar diz respeito ao prazer ou felicidade, ao passo que a segunda, intitulada de eudamonismo (eudaimonism), defende que o bem-estar é mais do que a felicidade, estando relacionado à auto-realização do potencial humano, da verdadeira natureza dos indivíduos. Em outras palavras, a primeira tradição enfoca o que a pessoa está sentindo, enquanto a segunda detém-se prioritariamente no que a pessoa está fazendo ou pensando (Lent, 2004).

O principal representante da primeira tendência é Ed Diener, que vem, há várias décadas, desenvolvendo pesquisas sobre o bem-estar subjetivo, rótulo freqüentemente utilizado para designar a dimensão subjetiva da qualidade de vida na perspectiva hedônica. De acordo com Diener e seus colaboradores (Diener, 1984; Diener & Suh, 1997; Diener, Suh, Lucas & Smith, 1999), o bem-estar subjetivo consiste em um construto super-ordenado, composto de uma dimensão cognitiva e uma dimensão afetiva. A dimensão cognitiva refere-se ao julgamento da satisfação global com a vida e da satisfação com os diferentes domínios da vida (trabalho, família, lazer, saúde, finanças, etc). Já a dimensão afetiva diz respeito às reações emocionais dos indivíduos aos eventos que ocorrem em suas vidas, compondo-se, assim, de afetos positivos (alegria, orgulho, contentamento, etc) e negativos (tristeza, depressão, inveja, etc). Diener e cols. (1999) consideram, ainda, que os diferentes componentes do bem-estar subjetivo sofrem a influência de mútiplos determinantes, entre os quais se incluem a hereditariedade, a personalidade e os recursos ambientais.

A perspectiva eudamônica adota a expressão bem-estar psicológico para designar a qualidade de vida subjetiva e referencia-se principalmente aos estudos de Carol Ryff (1989), que se apoiou na concepção de funcionamento positivo para desenvolver um modelo composto de seis dimensões associadas a diferentes desafios que os indivíduos encontram na tentativa de obter a auto-realização pessoal. Segundo o referido modelo, as pessoas tentam se sentir bem consigo mesmas, ainda que tenham consciência de suas limitações (auto-aceitação); procuram desenvolver e manter relações interpessoais calorosas e confiáveis (relações positivas com os outros); almejam controlar seu ambiente de modo a conseguir a satisfação de suas necessidades e desejos (domínio do ambiente); buscam desenvolver a auto-determinação e a autoridade pessoal (autonomia); tentam dar um sentido a seus esforços e desafios (propósito na vida) e procuram aproveitar ao máximo seus talentos e capacidades (desenvolvimento pessoal).

De acordo com Ryff e Keyes (1995), então, o bem-estar pode ser alcançado mediante a realização do próprio potencial e a felicidade nada mais é do que um sub-produto de uma vida bem vivida. Fundamentando-se em tais pressupostos, a autora (Ryff, 1989; Ryff & Keyes, 1995) tem conduzido uma série de pesquisas nas quais vem reunindo evidências acerca dos determinantes pessoais e sócio-demográficos dos diferentes componentes do bem-estar psicológico, bem como dos processos psicossociais a ele subjacentes.

No contexto do trabalho, a satisfação foi, durante muito tempo, considerada como sinônimo de bem-estar no trabalho (Souza-Poza & Souza-Poza, 2000). Mais recentemente, porém, os estudiosos do bem-estar no trabalho passaram a analisar a possibilidade de as emoções também serem usadas como indicadores do referido construto, de modo similar à proposta de Diener (1984), que considera a satisfação com a vida e os afetos positivos e negativos como sub-dimensões do bem-estar subjetivo.

Um dos precursores na aplicação dos pressupostos da corrente hedônica ao mundo do trabalho é Warr (1990), autor de um modelo no qual o bem-estar no trabalho é representado por três eixos, derivados a partir de duas dimensões ortogonais - prazer e vigilância/excitação - e suas combinações. O primeiro eixo manifesta-se nos sentimentos de prazer e desprazer, não levando em conta a excitação, associando-se, desta forma, à satisfação ou insatisfação no trabalho. O segundo eixo é representado por sentimentos de ansiedade (alta excitação e baixo prazer) ou contentamento (alto prazer e baixa excitação). Já o terceiro eixo configura-se nos sentimentos de depressão (baixo prazer e excitação) ou entusiasmo (alto prazer e excitação).

De acordo com Warr (1992), a dimensão rotulada de excitação, por si só, não constitui um eixo representativo do bem-estar no trabalho, sendo usada no modelo apenas em combinação com a dimensão de prazer-desprazer. O autor adverte, ainda, que os três eixos de mensuração do bem-estar ocupacional são inter-relacionados, embora constituam aspectos distintos do mesmo, conforme o demonstra o fato de cada um deles se associar a diferentes características pessoais e da tarefa. Fundamentando-se em tais pressupostos, Warr (1990) desenvolveu uma escala de bem-estar afetivo no trabalho, destinada a avaliar os eixos dois (ansiedade - contentamento) e três (depressão - entusiasmo) de seu modelo.

Em estudos subseqüentes, Daniels e colaboradores (Daniels & Guppy, 1994; Daniels, Brough, Guppy, Peters-Bean & Weatherstone, 1997; Daniels, 2000) detiveram-se no refinamento de um instrumento de mensuração elaborado também com o intuito de avaliar os eixos dois (ansiedade-contentamento) e três (depressão-entusiasmo) do modelo de bem-estar afetivo de Warr (1990). Empregando procedimentos de análise fatorial confirmatória, os autores chegaram a uma estrutura composta de cinco fatores bipolares de primeira ordem (ansiedade x conforto; depressão x prazer; tédio x entusiasmo; cansaço x vigor; raiva x complacência), que podiam ser descritos por dois fatores de segunda ordem, definidos por uma dimensão de afeto negativo e uma de afeto positivo.

Apoiando-se também no modelo de bem-estar afetivo no trabalho de Warr (1990), Van Katwyk, Fox, Spector e Kelloway (2000) desenvolveram outra escala com o propósito de avaliar os estados afetivos no trabalho. Adotando procedimentos de escalonamento multidimensional, os autores encontraram evidências a respeito da estrutura bi-dimensional do instrumento, expressa em quatro diferentes combinações dos eixos de prazer (alto-baixo) e excitação (alta-baixa).

Em que pese o fato de a literatura estrangeira já dispor de alguns instrumentos para a avaliação dos afetos no trabalho, a consulta à literatura nacional revelou a inexistência de instrumentos brasileiros desenvolvidos e validados com tal propósito. Tais considerações ensejaram, assim, a realização do presente estudo, que teve por objetivo geral desenvolver e validar um instrumento brasileiro destinado a averiguar a freqüência dos afetos que as pessoas dirigem a seu contexto de trabalho. Para tanto, procurou atender aos seguintes objetivos específicos: elaborar uma escala de auto-relato para a avaliação dos afetos dirigidos ao contexto do trabalho; verificar sua validade fatorial; avaliar a precisão das escalas obtidas e investigar sua validade convergente e discriminante.

Apoiando-se no fato de que os esforços até então dirigidos à construção de instrumentos destinados à avaliação dos afetos convergem no sentido de considerar que tal construto possui natureza bi-dimensional, caracterizada pelos afetos positivos e negativos (Daniels, 2000; Diener, 1984; Van Katwyk & cols., 2000), a elaboração inicial do instrumento ora proposto orientou-se por tal estrutura de referência teórica. Outrossim, partiu-se da premissa de que os afetos no trabalho consistem em respostas emocionais positivas e negativas que os indivíduos dirigem a seu contexto de trabalho.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 293 trabalhadores de organizações públicas e privadas, que concordaram voluntariamente em participar da pesquisa. Desse total, 40,6% pertenciam ao sexo masculino e a grande maioria apresentava nível universitário completo (32,8%) ou incompleto (31,4%). A idade dos participantes variou de 17 a 70 anos (Média = 34,89 e Desvio padrão = 10,91), enquanto o tempo de serviço variou de 1 a 42 anos (Média = 7,79 e Desvio padrão = 8,87).

Instrumentos

Escala de Afetos no Trabalho

Para a construção da versão preliminar da escala de afetos no trabalho, foi feito um levantamento inicial dos itens constantes das escalas de Daniels (2000) e Van Katwyk e cols. (2000). Em seguida, tais itens foram traduzidos para o português por um psicólogo bilíngüe, retraduzidos para o idioma inglês por outro psicólogo bilíngüe e, posteriormente, as duas versões foram avaliadas por uma terceira pessoa que resolveu as discrepâncias entre elas, mantendo a preocupação de dar maior destaque ao significado conotativo dos itens. A esse conjunto, foram acrescentados novos itens, considerados típicos da cultura brasileira, o que deu origem a uma listagem inicial de 68 itens, distribuídos entre 37 afetos positivos e 41 negativos.

Tais itens foram, então, submetidos à avaliação de quatro juízes, estudantes de pós-graduação em psicologia, que os avaliaram quanto à clareza e semelhança de conteúdo com os demais itens da listagem. Os procedimentos referidos deram origem a uma versão preliminar da escala composta de 40 itens, sendo 20 positivos e 20 negativos, a serem respondidos em escalas Likert de cinco pontos, variando de nunca (1) a sempre (5), de acordo com a freqüência com que as pessoas, no que diz respeito a seu trabalho, tinham sentido, no último mês, cada uma das emoções listadas.

Escala de Satisfação no Trabalho

A avaliação da satisfação no trabalho efetivou-se por meio da versão reduzida da escala desenvolvida por Siqueira (1995), que se compõe de 15 itens a serem respondidos em escalas Likert de 5 pontos, variando de totalmente insatisfeito (1) a totalmente satisfeito (5), segundo o grau de satisfação do indivíduo com cada um os aspectos do trabalho mencionados nas afirmativas. A escala é composta por cinco dimensões, cada uma com três itens, a saber: satisfação com a chefia, satisfação com os colegas de trabalho, satisfação com o salário, satisfação com as promoções e satisfação com a natureza do trabalho. Sua avaliação se dá no sentido da satisfação, isto é, quanto maior o resultado, maior o grau de satisfação com cada um dos aspectos do trabalho avaliados pela escala. No presente estudo, os índices de consistência interna das escalas, calculados por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, foram respectivamente iguais a 0,87; 0,72; 0,89; 0,80 e 0,73.

Escala de Exaustão Emocional

A referida escala é uma das dimensões da Escala de Caracterização do Burnout, de autoria de Tamayo e Tróccoli (2005), sendo composta por 12 itens que devem ser respondidos em escalas Likert de 5 pontos, variando de nunca (1) a sempre (5), em função do grau em que apresentam determinados sentimentos em relação a seu dia a dia no trabalho. A escala é avaliada no sentido da exaustão e, consequentemente, quanto maior o escore, maior o grau de exaustão vivenciado pelo indivíduo em seu dia a dia no trabalho. A consistência interna da escala, no presente estudo, foi igual a 0,93.

Procedimento

Após a submissão e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa, os instrumentos foram aplicados em sessão única, sob a forma individual ou coletiva, em empresas e universidades, em seguida à obtenção de autorização dos responsáveis institucionais e à concordância de seus membros em colaborar com a pesquisa, mediante o preenchimento do termo de consentimento informado. Aos que concordaram em participar, foi garantido o anonimato. Os instrumentos foram aplicados em sessão única de tempo livre.

 

Resultados

Validade fatorial da Escala de Afetos no Trabalho (ESAFE)

O atendimento aos pressupostos da análise fatorial foi inicialmente verificado por meio da medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que apresentou resultado igual a 0,94, indicando, assim, a adequação dos dados à análise fatorial. Adicionalmente, o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (?2 = 6829,40; p < 0,000), numa evidência de que as correlações entre os itens permitiam a realização da análise fatorial.

Em seguida, a matriz inicial de intercorrelações entre os itens da escala de afetos no trabalho foi submetida à análise dos componentes principais, que extraiu 7 fatores com valores próprios (eingenvalues) maiores que 1, responsáveis por 61,6% da variância total do instrumento. O teste gráfico (scree plot) revelou, porém, um número de 2 a 3 fatores interpretáveis.

Nesse sentido, foram realizadas, em seguida, análises fatoriais dos eixos principais (principal axis factoring) com soluções antecipadas de dois e três fatores, por meio do método de rotação oblíqua (oblimin), em virtude da expectativa de que os fatores se apresentariam correlacionados. A análise dos dados obtidos evidenciou que a solução de dois fatores foi a que forneceu a melhor representação da estrutura interna da escala, além de se mostrar mais condizente com as expectativas teóricas que nortearam a construção do instrumento. Tais fatores explicaram 42,7% da variância total do instrumento e neles foram retidos os itens que apresentaram cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,40 em um único fator e que, além disso, demonstraram similaridade conceitual com os demais itens desse fator.

O primeiro fator apresentou um valor próprio (eingenvalue) de 14,57 e foi responsável por 36,4% da variância total do instrumento, tendo sido composto por 14 itens associados às emoções ou afetos positivos que as pessoas dirigem a seu contexto de trabalho (Tabela 1). A consistência interna desse fator, calculada por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, foi igual a 0,93.

 

 

No fator 2, concentraram-se os itens associados às emoções ou afetos negativos suscitados pelo contexto de trabalho. Tal fator ficou também com 14 itens, responsáveis por 6,3% da variância total do instrumento, tendo obtido valor próprio (eingenvalue) igual a 2,52 (Tabela 2). Sua consistência interna, calculada por meio do coeficiente Alfa de Cronbach, foi igual a 0,90.

A versão final da escala brasileira de afetos no trabalho ficou, portanto, com 28 itens distribuídos em dois fatores. Ela fornece, assim, dois escores independentes, relativos aos afetos positivos e aos afetos negativos. Para avaliá-los, deve-se tirar a média das pontuações (1-nunca a sempre-5) assinaladas aos itens pertencentes a cada um desses fatores, sendo que quanto maior o resultado, maior a freqüência dos afetos positivos ou dos afetos negativos que as pessoas dirigem a seu contexto de trabalho.

Validade convergente e discriminante da Escala de Afetos no Trabalho (ESAFE)

Para se verificar a validade convergente e discriminante da versão final da escala de afetos no trabalho, foram examinadas suas correlações com as escalas de satisfação no trabalho e de exaustão emocional. Considerando-se que a satisfação no trabalho expressa as crenças e julgamentos positivos ou negativos acerca do próprio trabalho (Weiss, 2002), seria de se esperar que os afetos positivos se mostrassem positivamente associados à satisfação no trabalho e que os afetos negativos apresentassem associações negativas com tal característica. Por outro lado, considerando-se que a exaustão emocional consiste em uma reação extrema ao estresse laboral, caracterizada pela sensação de que os recursos emocionais se esgotaram (Maslach, 2003), seria de se esperar que os afetos positivos demonstrassem uma associação negativa com a exaustão emocional, enquanto os afetos negativos apresentassem uma associação positiva com tal variável.

 

 

Para a verificação dessas hipóteses, foram computados, inicialmente, os escores obtidos por cada participante nas duas dimensões da versão final da Escala de Afetos no Trabalho, bem como nas cinco dimensões da Escala de Satisfação no Trabalho e na Escala de Exaustão Emocional, mediante o cálculo das médias dos pontos atribuídos aos itens que compunham cada uma das escalas. Em seguida, foram calculadas as médias e desvios padrões de todas essas escalas, bem como os coeficientes de correlação entre elas (Tabela 3).

O exame da Tabela 3 evidencia que, conforme o esperado, a sub-escala de afetos positivos apresentou correlações positivas e significativas com todas as cinco dimensões da escala de satisfação no trabalho e correlação negativa com a exaustão emocional. Já a sub-escala de afetos negativos obteve correlações negativas e significativas com todas as dimensões da satisfação no trabalho e positiva com a exaustão emocional. Tais resultados evidenciam, assim, que a escala de afetos no trabalho apresentou bons indicadores de validade convergente e discriminante.

 

 

Discussão

Foi objetivo do presente trabalho desenvolver um instrumento brasileiro destinado a averiguar a freqüência dos afetos que as pessoas dirigem a seu contexto de trabalho, bem como verificar sua validade fatorial, seus índices de precisão e sua validade convergente e discriminante. Os índices psicométricos obtidos durante a validação fatorial da escala, aliados aos bons indicadores acerca de sua validade convergente e discriminante, constituem evidências de que a Escala de Afetos no Trabalho (ESFE) demonstrou ser um instrumento válido e fidedigno à mensuração das emoções positivas e negativas que as pessoas dirigem a seu contexto de trabalho.

O fato de a escala ter apresentado uma estrutura bi-fatorial mostra-se congruente com o modelo bi-dimensional de afetos proposto por Diener e colaboradores (1999), assim como com o modelo de bem-estar afetivo no trabalho desenvolvido por Warr (1992). Tais achados são também condizentes com a escala desenvolvida anteriormente por Van Katwick e cols. (2000), em amostras norte-americanas, na qual foi observada uma estrutura bi-fatorial, assim como com a escala validada por Daniels (2000), em amostras de trabalhadores do Reino Unido, na qual foi novamente encontrada uma estrutura bi-fatorial de segunda ordem, manifesta em afetos positivos e negativos. Por outro lado, os achados ora obtidos podem ser vistos, ainda, como uma demonstração da validade transcultural do modelo de afetos positivos e negativos no contexto do trabalho a amostras brasileiras.

Em síntese, os dados presentemente obtidos atestam que a Escala de Afetos no Trabalho (ESAFE) apresentou boas características psicométricas, o que recomenda sua utilização para fins de pesquisa e diagnóstico da freqüência das reações emocionais que os indivíduos dirigem a seu contexto de trabalho. Adicionalmente, ela poderá vir a ser usada, juntamente com medidas de satisfação no trabalho, na avaliação do bem-estar dos indivíduos no contexto do trabalho.

Seria interessante, porém, que estudos futuros se detivessem na investigação dos antecedentes, correlatos e conseqüentes dos afetos positivos e negativos, na medida em que diferentes estados afetivos podem estar associados a diferentes antecedentes e conseqüentes (Van Katwyk & cols., 2000). Além disso, seria recomendável a realização de pesquisas futuras voltadas para o estabelecimento de limites conceituais entre a satisfação e os afetos no trabalho. A realização de tais estudos poderá indubitavelmente contribuir para o aprofundamento da compreensão acerca da natureza das atitudes e afetos que os indivíduos dirigem a seu contexto de trabalho e da intrincada rede de relações que se estabelecem entre esses construtos, seus antecedentes e seus conseqüentes.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: mcris@centroin.com.br

Recebido em Outubro de 2007
Reformulado em Maio de 2008
Aceito em Junho de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Maria Cristina Ferreira: Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia, Professora Titular do Mestrado em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira.
** Ana Paula Correa e Silva: Psicóloga, Pós-graduada em Gestão de Recursos Humanos e em Psicologia Jurídica. Mestre em Psicologia, Professora da Universidade Salgado de Oliveira e Professora substituta da UFRJ.
*** Helenita de Araujo Fernandes: Psicóloga, Pós-graduada em Gestão de RH e Mestre em Psicologia. Sócia gerente da Demanda Espaço Psico Empresarial Ltda, consultora e instrutora. Profesora da UGF, FGV e IBMEC.
**** Stanley Pacheco: Biólogo, Pós-graduado em Administração Escolar, Supervisão Escolar, Marketing em Ambientes Globalizados e Gestão de Negócios. Mestrando em Psicologia. Professor Adjunto da Universidade Estácio de Sá.

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