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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.7 no.2 Porto Alegre Aug. 2008

 

ARTIGOS

 

EPP - Escala de padrões de posse: construção, validade e precisão

 

EPP - Ownership patterns scale: construction, validity and reliability

 

 

Sebastião Elyseu Júnior *; Elisa Medici Pizão Yoshida **

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo apresenta a avaliação inicial das propriedades psicométricas da Escala de Padrões de Posse - EPP, um instrumento de auto-relato, desenvolvido para medir posse. A posse é concebida como padrões de comportamento de conquista e/ou de manutenção de figuras de posse: pessoas, animais, coisas, lugares e bens em geral. Sua função é a de regular a provisão de bens para usufruto do indivíduo e/ou da sua prole e a preservação da espécie. Participantes foram 296 universitários (140 homens e 156 mulheres). Foram desenvolvidos itens para avaliar quatro padrões de posse - segura, ansiosa, ciumenta e reativa -, e dois de "não-posse" - desprendimento da posse e invejoso. Os resultados indicaram estabilidade temporal aceitável para alguns padrões e consistência interna satisfatória. O estudo da estrutura fatorial sugeriu que a posse é mais bem representada pelas dimensões: Segurança da Posse de Pessoas e Segurança da Posse de Coisas.

Palavras-chave: Escala, Teoria da posse, Posse psicológica, Experiência emocional.


ABSTRACT

The study presents an initial evaluation of the psychometrics properties of the Escala de Padrões de Posse-EPP (Ownership Patterns Scale), a self-report instrument, designed to measure ownership. Ownership is conceived as behavior patterns of conquering and/or maintenance of an ownership figure: people, pets, things, places, and goods in general. Its function is the regulation of provision of goods to the usufruct of the individual and his or her offspring , as well as, to preserve the species. Participants were 296 undergraduate (140 male and 156 female). Items were developed to assess four patterns of ownership - secure, anxious, jealous and reactive ownership -, and two patterns of "non-ownership" - detachment and envious. Results pointed to acceptable temporal stability for some patterns and satisfactory internal consistence. A factorial structure study suggested that ownership is better represented by the following dimensions: Security of Ownership of People and Security of Ownership of Things.

Keywords: Scale, Ownership theory, Psychological ownership, Emotional experience.


 

 

Introdução

No campo da psicologia, a posse tem sido discutida por diferentes autores, especialmente no contexto do trabalho organizacional. Pierce, Rubenfeld e Morgan (1991), entre outros estudiosos da posse, como por exemplo, Etzioni (1991), Furby (1980 e 1991) e Litwinski, (1942 e 1947), ao revisarem a literatura, teorizaram que a posse psicológica, vivenciada pelo empregado em relação à organização em que trabalha e expressa em termos de 'meu trabalho, minha empresa etc.', tem conseqüências sociopsicológicas positivas na medida em que está associada a altos níveis de motivação para a realização de comportamentos, que vão além dos requeridos pela organização, e que a beneficiam.

Posteriormente, Pierce, Van Dyne e Cummings (1992), numa exploração conceitual e operacional sobre a posse psicológica humana, a definiram como um estado em que o indivíduo sente o alvo da posse ou parte dele como seu. Incluem na posse psicológica características da posse financeira, como o sentimento de responsabilidade do indivíduo para proteger o alvo da posse, apontado em 1912 por Webb, e como o sentimento de orgulho, que minimiza a fuga ao trabalho e motiva o empregado para altos níveis de realização, apontado em 1979 por Bernstein. Mais tarde, Pierce, Kostova e Dirks (2001), postularam uma teoria da posse psicológica em organizações, reapresentando-a depois num artigo mais abrangente (Pierce, Kostova & Dirks, 2003). Nela afirmam que a posse psicológica surge porque satisfaz certos motivos humanos de natureza genética e social, isto é, gera sentimento de eficácia, que motiva a efectância, serve de base para a auto-identidade e expressa a realização da tendência inata em ter um lugar para habitar.

De forma resumida, pode-se dizer que os autores, mencionados, concebem a posse psicológica como um estado em que o indivíduo sente o alvo da posse ou parte dele como seu e que esta percepção tende a se refletir sobre sua identidade e motivação. Nenhum deles, todavia, parece conferir à posse um significado mais básico, relacionado ao modo de funcionamento ou à personalidade do indivíduo. Com base em uma perspectiva etológica, o conceito de posse psicológica utilizado, no presente artigo, supõe que o sistema comportamental de posse, corresponde a uma organização filogenética que pode ser modificada por experiências ontogenéticas, e se constitui em uma característica permanentemente ativa dentro do indivíduo, humano ou animal, regulando tudo o que se refere à posse (Elyseu Jr. 1996, 1998, 2006).

Espelhado no referencial conceitual da Teoria do Apego de Bowlby (1969, 1973), Elyseu Jr. (1996, 1998, 2006) postulou que a posse no ser humano se expressa em padrões de conduta, definidos pela maneira predominante de o indivíduo se relacionar com suas figuras de posse, classificadas em dois tipos gerais: pessoas e animais - e - objetos, espaços e bens em geral. Foram propostos quatro padrões de posse e dois padrões de não-posse. O padrão de posse segura, caracterizado pela confiança do indivíduo em exercer um domínio ou controle sobre a figura de posse, o de posse ansiosa, caracterizado pela insegurança em exercer esse domínio e, portanto, pela ansiedade diante da impressão de aumento de risco de prejuízo ou de perda em relação à posse, o de padrão de posse ciumenta, caracterizado por sentimentos, desejos e condutas que visem a posse exclusiva da figura de posse, e o de posse reativa, caracterizado pela intensificação do comportamento de posse para obter e/ou manter essa figura. Foram propostos também os padrões de desprendimento da posse, caracterizado pela desativação do comportamento de posse, e o padrão invejoso, caracterizado por sentimentos, desejos e condutas, cujo objetivo é o de que o outro perca a sua figura de posse ou de que não a alcance. Esses padrões, embora não sejam de posse, estão diretamente relacionados a ela, na medida em que o sentimento dominante é "de não-posse". Efetivamente, no padrão de desprendimento da posse a desativação do comportamento de posse constitui uma defesa contra o sofrimento causado pela expectativa de uma provável perda do objeto de posse ou de uma frustração na sua conquista ou, ainda, de culpa pela posse, todas motivadas por experiências passadas. Constitui, afinal, uma "renúncia" à posse. E no padrão invejoso, ao contrário do padrão de posse ciumenta em que o indivíduo se sente dono da figura de posse e tende a preservá-la para si, por não se sentir seu dono, inveja o seu possuidor.

Em situações clínicas, a identificação do padrão predominante de posse, evidenciado pelo paciente, tem se mostrado relevante para a orientação das intervenções do psicoterapeuta e para o favorecimento de mudanças na maneira do paciente se reportar às suas figuras de posse (Elyseu Jr. & Yoshida, 2007). Nestes casos, a posse psicológica é tratada clinicamente, no âmbito de um processo psicoterapêutico, ao longo do qual o terapeuta tem a oportunidade de observar a forma mais consistente do paciente lidar com suas figuras de posse e identificar o padrão ou padrões de posse predominantes. Há contudo situações em que o tempo para a avaliação do paciente está restrito a apenas umas poucas sessões, o que demandaria uma forma mais sistemática de investigação. Procurando responder a esta necessidade, foi desenvolvida a Escala de Padrões de Posse - EPP, de auto-relato, cujos resultados do estudo inicial, para a determinação das propriedades psicométricas, são apresentados neste trabalho. São apresentadas as análises semântica e de pertinência dos itens (validade de conteúdo), a estimativa da precisão por teste e reteste, um estudo de validade de critério e um estudo de validade de construto, que fornece indicações da estrutura fatorial e da consistência interna do instrumento.

 

Método

Participantes

Da amostra inicial de 304 participantes, descartou-se oito por preencherem inadequadamente os formulários destinado às respostas ou por deixaram em branco muito mais do que 5% das repostas, percentual máximo aceitável na literatura (Freitas & Borges-Andrade, 2004). A amostra contou portanto com 296 universitários (140 homens e 156 mulheres), de diferentes cursos de uma universidade estadual e de duas universidades particulares do interior do Estado de São Paulo.

Instrumento

Escala de Padrões de Posse - EPP (Elyseu, Jr., 2006) - Foram construídos inicialmente 68 itens, dos quais 52 destinavam-se a ser uma medida da expressão comportamental dos diferentes tipos de padrões, tanto para pessoas e animais, como para coisas, espaços e bens em geral, e mesmo a combinação desses padrões num mesmo indivíduo. Os 16 itens restantes não se destinavam a medir a natureza da posse, mas verificar se o sujeito admitia ou não a posse de pessoas/animais e de coisas etc. Foram portanto considerados "itens neutros". A resposta aos 52 itens destinados a medir os padrões citados é dada pelo assinalamento de respostas sim ou não e a indicação da sua intensidade, segundo uma escala do tipo Likert, como segue: 1 - fraca, 2 - média, 3 - forte, e 4 - demasiada. Para responder aos "itens neutros", bastava o assinalamento de respostas sim ou não. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos itens.

 

 

Procedimento

1. Aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da instituição de ensino à qual estão vinculados os autores; 2. os itens desenvolvidos foram submetidos a dez universitários do público-alvo para verificar se os mesmos e as instruções de aplicação eram inteligíveis (análise semântica). Tal análise se repetiu por cinco vezes pelo fato de alguns itens terem sido reformulados e, outros, acrescentados; 3. as definições operacionais dos construtos (tipos de padrão) e a escala foram a seguir analisadas quanto ao conteúdo por mais quatro psicólogos clínicos (juizes independentes). Uma pequena parte da escala foi reformulada com base nas sugestões dadas pelos juizes e, finalmente, reavaliada por todos; 4. a aplicação do instrumento foi feita nas salas de aula, com os alunos que aceitaram participar voluntariamente e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; 5. o reteste foi realizado também de forma coletiva, após quatro meses. Nessa oportunidade foram solicitados voluntários para participar da entrevista clínica individual e os dados necessários para posterior agendamento; 6. as entrevistas foram realizadas na universidade de origem do aluno. Na ocasião eles assinaram um novo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, recebendo também uma cópia dele; 7. as entrevistas foram gravadas em fita cassete, enquanto o entrevistador fazia apontamentos e já procurava categorizá-las conforme os construtos estabelecidos; 8. quatro entrevistas, escolhidas aleatoriamente, foram fielmente transcritas e enviadas a mais dois psicólogos clínicos (juizes independentes) para a categorização e indicação da intensidade das respostas, conforme a escala Likert já citada. O objetivo foi o de verificar a precisão das avaliações deles e do entrevistador, sendo que uma concordância mínima de 80% entre eles atestaria a fidedignidade do critério; 9. foram construídas as bases de dados com os valores obtidos no teste, reteste e entrevistas, segundo o sexo dos participantes e o tipo de figura de posse. Para comparar os escores do teste e das entrevistas foi preciso estimar, para cada padrão, a média das suas intensidades.

 

Resultados

Foi avaliada a distribuição das respostas em relação aos padrões de posse segura, ansiosa, ciumenta e reativa e padrão de desprendimento da posse, quanto aos dois tipos de figuras de posse, e ao padrão invejoso, apenas quanto à figura de pessoas. Para cada caso foram estimadas as freqüências absoluta e relativa para a amostra toda (N= 296) e segundo o sexo dos participantes (140 homens e 156 mulheres) (Tabela 2).

A Tabela 2 mostra que, por exemplo, 87,5% dos participantes (N=296) responderam a um ou mais itens relativos ao padrão de posse segura, que 88,5% responderam a um ou mais itens do padrão de posse ansiosa e assim por diante; isto é, de uma maneira geral as pessoas apresentam manifestações de diferentes tipos de padrão. Observa-se, também, que a maioria apresenta respostas relativas aos padrões de posse segura e ansiosa, seja para a figura de pessoas e animais, seja para a figura de coisas, espaços etc., com freqüências relativas de respostas em torno de 90%. E, no padrão de posse segura para a figura de coisas chega a praticamente 95%. O mesmo ocorre com a freqüência de respostas no padrão invejoso, que é de 95,3%. Por outro lado, as respostas relativas aos padrões de posse ciumenta e de posse reativa e padrão de desprendimento da posse estão abaixo dos 30%, quanto à figura de pessoas; mas, não quanto à figura de coisas etc., em que as freqüências são, todavia, modestas.

 

 

Validade de Conteúdo

A análise da adequação dos itens dos diferentes padrões, foi feita de forma independente por cinco psicólogos clínicos. Uma concordância de ao menos 80% entre os cinco juízes indicaria a pertinência do item (Pasquali, 1999), o qual conseqüentemente seria retido. Alguns itens que não tinham atingido esse nível de concordância foram reformulados e novamente submetidos à avaliação dos juízes e, afinal, 68 atingiram o índice. A proporção de acordo entre eles, dada pela razão do número total de acordos obtidos (612) pelo número total de acordos possíveis (680) foi de 90%. O coeficiente Kappa foi de 0,88 (p-valor = 0,00), revelando muito boa concordância entre os juizes.

Teste e reteste

Para o estudo de precisão a escala foi reaplicada em 85 participantes, sendo uma descartada por conter mais de 5% de respostas em branco. No total, os coeficientes de correlação por postos de Spearman (rs) foram modestos mas significantes, tendo oscilado entre 0,32 e 0,73. Os mais altos são os dos padrões de posse segura (0,63) e de posse ansiosa (0,62) e do padrão invejoso ( 0,66). Por outro lado, foi observado um valor muito baixo e não significativo para o padrão de posse reativa (0,24), o que é válido também para o padrão de desprendimento da posse (-0,17), quanto à figura de pessoas e animais, na amostra total, mormente masculina. De maneira geral não se observou grandes diferenças entre os coeficientes de correlação na análise total e por sexo. Pode-se dizer que o instrumento revela estabilidade temporal aceitável para os padrões de posse segura e ansiosa assim como para o padrão invejoso. Quanto aos demais, a estabilidade pode ser considerada fraca.

Validade de Critério

Uma parcela da amostra (N=30) foi submetida a entrevistas clínicas semi-estruturadas, usadas como medida de critério externo. Para a estimativa da precisão do critério externo três juizes avaliaram de maneira independente quatro dessas entrevistas, transcritas fielmente, categorizando-as segundo os diferentes tipos de padrões, e quantificando-as segundo a intensidade das respostas: 1-fraca, 2-média, 3-forte, e 4-demasiada. A proporção de acordos entre juizes para as quatro entrevistas, dada pela razão entre o número total de acordos obtidos (92) e o número total de acordos possíveis (132), foi de 0,69. E os coeficientes Kappa, que eliminam os acordos ao acaso, foram respectivamente: 0,51 (juizes 1 e 2), 0,43 (juizes 1 e 3) e 0,73 (juizes 2 e 3). Trata-se portanto de índices que apontam para um grau de acordo entre aceitável e bom, segundo Cicchetti e Sparrow (1981, citado por Garb, 1998), para quem a precisão avaliada por coeficiente Kappa ou por correlação intraclasse é considerada pobre para valores inferiores a 0,40; aceitável, para valores entre 0,40 e 0,59; boa para valores entre 0,60 e 0,74; e excelente se acima de 0,75. Como a precisão dos julgamentos foi considerada entre aceitável e boa, a avaliação das demais entrevistas foi feita apenas pelo primeiro autor.

Para o pareamento dos escores das entrevistas com os da EPP foi preciso converter os escores da escala, estimando-se para cada padrão a média de intensidade de suas respostas (soma das intensidades das respostas dividida pelo número delas). Os padrões de posse segura e de posse ansiosa, e o padrão invejoso, quanto à figura de pessoas e animais, apresentaram correlações significantes (p< 0,05) tanto no total, quanto para as mulheres em que os coeficientes foram até mais altos que os da amostra total. Na amostra masculina as correlações foram significantes apenas na posse ansiosa e no padrão invejoso. Quanto à figura de coisas, espaço, etc. observaram-se correlações significantes (p< 0,05) para a posse segura e posse ciumenta na amostra total e feminina, e para a posse ansiosa na amostra total. Na amostra masculina não se observaram correlações significantes para nenhum padrão.

Validade de Construto

A validade de construto foi verificada por meio de análise fatorial dos 52 itens formulados para medir a natureza da posse. Para a definição do número de fatores a serem retidos foram utilizados os seguintes critérios: a) fatores com eigenvalue > 1, b) porcentagem da variância explicada pelo fator > 3%, c) análise do scree-plot, e d) alinhamento com a expectativa teórica. Em relação ao primeiro critério, 20 fatores apresentaram eigenvalue superior a 1,0, explicando, em conjunto, 69,53% da variância. Quanto ao segundo critério, foram os nove primeiros que satisfizeram essa condição, explicando, em conjunto, cerca de 43,24% da variância. A análise do scree-plot apontou que a solução de três fatores seria a mais satisfatória. De fato, apesar de as soluções de quatro e cinco fatores terem sido examinadas, a solução de três fatores foi a que melhor atendeu o quarto critério, com fatores mais interpretáveis e maior aproveitamento de itens.

A rotação Oblimin desses três fatores mostrou que eles explicavam 21,88% da variância. Foram retidos apenas os itens que apresentaram carga igual ou superior a 0,30 em apenas um dos fatores e que se mostraram congruentes teoricamente com os demais itens do fator. Dessa forma, foram excluídos respectivamente os chamados itens complexos, com carga em mais de um componente e também os que não se alinharam teoricamente com os demais itens no fator.

A Tabela 3 mostra que 12 itens no F1, referentes à posse de pessoas e animais, tiveram carga superior a 0,30. Destes, quatro apresentaram cargas negativas (2a, 4c, 5a e 6c, teoricamente, itens de posse segura), sete cargas positivas (2c, 4b, 5c e 6a, teoricamente, itens de posse ansiosa, e 4a, 5d e 6b, itens de posse ciumenta) e um item complexo (3b) a ser, portanto, excluído. Os itens com carga superior a 0,30 no F1 se referem tão-somente a um tipo geral de figura de posse, isto é, o de pessoas e animais.

Os 18 itens com carga no F2 se referem ao outro tipo de figura de posse, ou seja, o de coisas, espaços, etc., sendo 3 com carga negativa (16a e 20a, teoricamente, itens de posse segura, e o item 15d, supostamente, item de desprendimento da posse), 14 com carga positiva (8b, 9c, 10b, 11a e 13a, supostamente, itens de padrão invejoso - os únicos relativos à figura de pessoas e animais, 15b, 16b, 18a, 20b, 21b e 22b, teoricamente, itens de posse ansiosa, 19b e 23d, itens de posse reativa, e 15a, item de posse ciumenta), e 1 item complexo (18b), a ser excluído. Os itens 8b, 9c, 10b, 11a e 13a, de padrão invejoso, o item 15 d, de desprendimento da posse, e os itens 19b e 23d, de posse reativa também devem ser excluídos porque não se alinham teoricamente com os outros no fator 2.

F1 e F2 agrupam portanto itens que teoricamente correspondem à posse segura, à posse ansiosa e à posse ciumenta; dispondo-se em pólos opostos. Isto é, todos os quatro itens com carga negativa, consistentemente agrupados no F1 se referem teoricamente à posse segura, e todos os sete itens com carga positiva se referem à posse ansiosa (quatro itens) e à posse ciumenta (três itens). O mesmo se verifica no F2, com exceção dos itens 8b, 9c, 10b, 11a e 13a, relativos teoricamente ao padrão invejoso. Excluindo-se estes itens, verifica-se que dois itens com carga negativa se referem à posse segura, e dos sete itens com carga positiva seis se referem à posse ansiosa e um item à posse ciumenta. Como essa oposição está teoricamente correta, como ficará mais claro na discussão dos resultados, as dimensões subjacentes foram interpretadas como medidas de segurança da posse, tanto em relação às figuras de pessoas e animais (F1), quanto às figuras de coisas etc. (F2).

 

 

Os 6 itens no F3 são relativos à figura de posse de pessoas e animais; 5 deles com carga positiva (2b, 3a, 4d, 5b e 6d, teoricamente, itens de desprendimento da posse). Como o de carga negativa (3c, supostamente, item de posse ansiosa) deve ser excluído por não se alinhar com os demais itens nesse fator, a dimensão no mesmo foi interpretada como medida do desprendimento da posse.

Em síntese, três fatores se mostraram teoricamente interpretáveis, como medidas das seguintes dimensões: F1 - Segurança da posse de Pessoas, apresentando manifestações de posse segura no pólo positivo e as manifestações de posse ansiosa e de posse ciumenta no pólo negativo. Ficou composto pelos seguintes itens: 2a, 2c, 4a, 4b, 4c, 5a, 5c, 5d, 6a, 6b e 6c; F2 - Segurança da posse de Coisas, apresentando manifestações de posse segura no pólo positivo e as manifestações de posse ansiosa e de posse ciumenta no pólo negativo. Composto pelos itens: 15a, 15b, 16a, 16b, 18a, 20a, 20b, 21b e 22b; F3 - Padrão de Desprendimento da posse, composto pelos itens: 2b, 3a, 4d, 5b e 6d.

Consistência interna

Como dois fatores apresentaram pólos opostos, foi seguida a orientação de Pereira (2001) de usar um pólo semântico como referencial e de multiplicar por -1 os valores que compõem as variáveis do pólo oposto. O Alpha de Cronbach ( ) para a escala total foi de 0,70, sugerindo consistência satisfatória. O mesmo pode ser dito de F1 cujo foi de 0,75. Os Fatores 2 e 3 evidenciaram consistência interna apenas regular com valores respectivos de a iguais a 0,64 e 0,59.

 

Discussão

A análise da freqüência relativa de respostas (Tabela 2) mostra que os participantes responderam a itens das diferentes categorias, não se definindo por um padrão de posse conforme teoricamente previsto (Elyseu Jr., 2006). Este resultado é bastante interessante, pois pode estar refletindo a capacidade adaptativa das pessoas ao se posicionarem de formas diferentes frente a figuras de posses diversas, e não se atendo, necessariamente, a um padrão rígido de conduta. A investigação destas características junto a pessoas com diferentes tipos de manifestações psicopatológicas, pode, eventualmente, indicar se elas estariam refletindo característica de bom funcionamento mental, ou se de fato, a idéia de padrão de posse, conforme hipotetizado, precisaria ser revista.

Quanto à porcentagem muito expressiva de respostas referentes à posse segura e à posse ansiosa, tanto para a figura de pessoas e animais, quanto para a figura de coisas etc., é condizente com o esperado teoricamente porque traduz o que é mais comum nas relações/interações do indivíduo com as figuras de posse. Ou seja, a relatividade da sensação de segurança das pessoas quanto à sua posse, interpretada basicamente como resultado do controle ou domínio que julgam ter sobre essas figuras.

A porcentagem de respostas referentes ao padrão invejoso também foi muito grande, condizente com a teoria de que há disputa pela posse de figuras de posse. Isto é, a tendência instintiva de posse está no sentido de o indivíduo querer que o outro não tenha mais do que ele. A explicação é a de que, no nível instintivo, a posse de bens pelo outro freqüentemente tem implicações desvantajosas para o indivíduo. Por exemplo, se o outro tem abrigo, alimento ou fêmea tem mais condições de sobrevivência e, também, de transmitir os seus genes. No homem essa dimensão alcança ainda os níveis social, cultural, econômico e, obviamente, psicológico, tornando mais complexa as relações e as implicações da posse do outro para o indivíduo.

A vertente psicológica desta tendência vantajosa em termos biológicos e em termos da espécie, é que se o indivíduo conquista uma figura de posse ele se sente não só alegre, mas sobretudo confiante e poderoso e disposto a novas conquistas; pelo contrário, se não há conquista surge o sentimento de frustração e, a repetição de insucessos, um sentimento de futilidade em relação ao ambiente, ou mesmo a apatia. Fairbairn (1941/1954) entende isso como um sintoma de natureza esquizóide e constitui, segundo Elyseu Jr. (2006), um dos possíveis fatores do desprendimento da posse, tratado adiante. Em outras palavras, o indivíduo se sente e fica efetivamente à margem da sociedade a que pertence, distanciando-se das metas de bem-estar, de boa saúde e, até, de sobrevivência. As afirmações ressaltando o valor biopsicológico da inveja transcendem o que tem sido afirmado na literatura psicanalítica tradicional, na qual ela é vista como expressão da pulsão de morte e, portanto, apenas num sentido destrutivo e considerada patológica, se excessiva. De fato a inveja, como o ciúme, pode ser patológica, mas não necessariamente pela sua intensidade e sim pela sua forma repetitiva (crônica) e incoercível de expressão. Assim, o fato de se ter obtido intensidade moderada de escores, numa amostra não clínica, não significa que não possa haver, nela, casos patológicos de inveja, embora tais possibilidades não tenham sido pesquisadas no presente estudo.

O correlato da manifestação invejosa, ou seja, a observação de que o indivíduo se comporta para que o outro não tire o que é seu, vem de encontro à expectativa teórica de alta freqüência de respostas de posse ciumenta, como, afinal, encontrada nas entrevistas clínicas, mas não na EPP. Isto é, a porcentagem de respostas para o padrão de posse ciumenta ficou aquém das expectativas, e para esse fato as explicações mais prováveis são: (1) as respostas de posse ciumenta concorreram com alternativas de resposta numa dada questão, o que não ocorreu da mesma forma com as do padrão invejoso, no qual elas concorriam apenas com os itens "neutros", e (2) conforme sugerido pela análise fatorial, as respostas de posse ciumenta mobilizam ansiedade tal qual as de posse ansiosa, que foram as alternativas mais freqüentemente escolhidas. Se os participantes só excepcionalmente assinalavam mais de uma resposta em cada questão é possível que a resposta de posse ciumenta, embora cabível ao respondente, deixasse de ser assinalada.

Em 'Complexo fraternal: a fonte primária do ciúme e da inveja' (Elyseu Jr., 2003) essas manifestações são explicadas como respostas da competição intraespecífica pela posse de uma figura, isto é, como respostas da disputa pela sua posse. O não possuidor da figura de posse inveja o seu possuidor, que por sua vez sente ciúme por ela. Foi usado Complexo fraternal para batizar a situação de luta entre congêneres, pela posse de uma figura de posse, apesar de ele não estar indexado no rol de termos psicológicos e, mesmo, psicanalíticos. Nesse sentido, esse complexo foi entendido como universal, e, portanto, aplicável também quando essa disputa ocorre entre os membros de uma mesma família, seja entre pais, seja entre irmãos, seja entre pais e filhos. Dessa forma, por exemplo, pai e filho podem disputar, entre outras coisas, a posse de uma figura sexual não incestuosa, já que a disputa pela posse de uma figura incestuosa configura o Complexo de Édipo, que, portanto, é um caso particular de Complexo fraternal. Mas, essa disputa não se limita à posse de uma figura incestuosa; pelo contrário, na grande maioria das vezes a disputa entre pai e filho pela posse da mãe é pelo fato de ela ser, para o último, uma figura alimentar, uma figura de conforto e uma figura de apego.

As porcentagens de respostas relativas à posse reativa e ao desprendimento da posse foram semelhantes uma da outra, sendo bem baixas quanto à figura de pessoas e animais, mas mais do seu dobro, quanto à figura de coisas etc. Elas constituem evidências que corroboram a observação clínica da ocorrência menos freqüente dessas manifestações, as quais caracterizam, grosso modo, formas patológicas de posse. As manifestações de posse reativa aparecem usualmente na clínica associada a quadros de ansiedade de privação e de perda, como defesa contra o medo de reviver graves privações e perdas de figuras de posse. O desprendimento da posse pode ser observado na personalidade esquizóide, que apresenta pouca capacidade para as relações sociais por causa de uma relativa insensibilidade aos sentimentos alheios. O indivíduo procura ser auto-suficiente, como defesa contra o desatendimento dos outros, manifestando interesses solitários. O desprendimento ou desinteresse da posse pode aparecer também nos casos de depressão, em que as pessoas e coisas são desinvestidas de interesse. Outra situação mais comum, porém menos intensa e por isso mesmo menos notada, é a do desinteresse de muitas pessoas em relação às suas coisas, como defesa contra o peso da cobrança, própria ou alheia, de zelar por elas.

No que se refere à precisão por teste-reteste, houve maior estabilidade em padrões cuja importância para a sobrevivência do indivíduo tem um peso mais relevante (posse segura e ansiosa). Quanto aos padrões de desprendimento da posse e de posse reativa, têm uma conotação mais patológica e tendem a resultar em uma adaptação ambiental menos eficaz. Em relação ao padrão de posse ciumenta é possível que limitações antes referidas de concorrência com outras respostas e mobilização de ansiedade como na posse ansiosa tenham contribuído para menor estabilidade temporal das medidas desse padrão. Os dados estariam, portanto, apontando para uma variabilidade na estabilidade temporal dos padrões, a ser ratificada ou não em futuras investigações.

Em relação à validade de critério os resultados sugeriram que a escala avalia de forma satisfatória os padrões de posse segura, posse ansiosa e padrão invejoso tanto em homens, quanto em mulheres. Para as mulheres o padrão de posse ciumenta apresentou correlação alta com as avaliações realizadas por meio das entrevistas semi-estruturadas, sugerindo portanto a validade das medidas da EPP também entre elas.

Quanto à validade de construto, a melhor solução encontrada foi a extração de três fatores pelo método de análise de componentes principais, rotacionados pela técnica Oblimin. Como mostraram os resultados, os fatores 1 e 2 agruparam itens que teoricamente correspondem à posse segura, à posse ansiosa e à posse ciumenta. No entanto, os itens no F1 se referem tão-somente a um tipo geral de figura de posse, isto é, pessoas e animais. E os itens de F2 se referem apenas a outro tipo geral de figura de posse, ou seja, coisas, espaços, privilégios etc., o que permite interpretar que as pessoas tratam diferentemente esses dois tipos gerais de figura de posse. Supõe-se que isso se deva ao fato de que especialmente as figuras de pessoas, de maneira geral, não são tão controláveis quanto as figuras de coisas, apesar de que, no nível da linguagem, as pessoas usem os mesmos pronomes possessivos para designar a posse de um ou outro tipo geral de figura de posse, por exemplo, meu filho/meu cachorro e meu livro/meu lugar. Elas podem efetivamente oferecer risco de abandono, provocar ciúme etc., apesar de que as crianças e pessoas mais comprometidas do ponto de vista da saúde mental podem, por causa de pensamentos mágicos, se sentirem ameaçadas de abandono por seus objetos. Assim, embora ambos os tipos de figura de posse sejam importantes para o indivíduo, ele sente que as coisas não apenas são mais controláveis do que as pessoas, mas também que ele tem mais direito sobre elas do que sobre as pessoas. Aparentemente, não há outras razões que não sejam as sensações de controle e direito de posse sobre a figura de posse a base para o tratamento diferenciado aos dois tipos gerais dessa figura, que, aliás, foram as razões para a sua diferenciação desde o início.

Verifica-se também no F1, que todos os quatro itens referentes teoricamente à posse segura se opõem aos quatro itens de posse ansiosa e aos três de posse ciumenta. O mesmo se verifica no F2, no qual os dois itens teoricamente referentes à posse segura se opõem aos seis itens de posse ansiosa e ao único item de posse ciumenta. Como a oposição entre a posse segura e a posse ansiosa está teoricamente correta, as dimensões subjacentes nesses fatores foram interpretadas como Segurança da posse, tendo no pólo positivo itens teoricamente relacionados à posse segura e no pólo negativo itens teoricamente relacionados à posse ansiosa; ou, dito de outra forma, de 'insegurança da posse', refletida pelo receio de perda da posse. Ou seja, da mesma forma que a análise da distribuição das respostas por padrão indicara que as pessoas não tenderam a privilegiar um padrão específico de posse, a análise da estrutura fatorial sugere que a segurança da posse, mais do que os padrões postulados, define a atitude do sujeito em relação à figura de posse. Interessante observar que, concernente à teoria do apego de Bowlby (1969), a questão da segurança do apego tem sido priorizada no estudo dos estilos de vínculo como, por exemplos, em situações de violência conjugal (Bond & Bond, 2004), em problemas de conduta de crianças de pais alcoolistas (Edwards, Eiden & Leonard, 2006) etc.

Quanto ao fato dos itens teoricamente relacionados à posse ciumenta, em F1 e F2, agruparem-se no mesmo pólo que os itens de posse ansiosa, parece haver pelo menos um ponto de ligação entre eles: a insegurança quanto à detenção da figura de posse. Quer dizer, na situação em que se sente o ciúme há também uma ansiedade na medida em que existe um aumento de risco de, pelo menos, diminuição do quantum de usufruto da figura de posse. Assim, a hipótese inicial de que os itens de posse ciumenta deveriam ser correlatos dos itens de manifestações invejosas em oposição às manifestações pacíficas de não-ciúme e não-inveja, foi revista ante ao fato de que no ciúme o indivíduo é o detentor da figura de posse e, portanto, quem vive o risco de relativa perda de usufruto, sentindo, por isso, a ansiedade. Dessa forma, parece ser mais correto entender, ao menos no nível afetivo, as manifestações de ciúme como parte do pólo negativo da dimensão Segurança da posse, do que entendê-las como parte da disputa pela posse. Porém isso não é contraditório com o comportamento de luta pela manutenção da posse da figura de posse, que surge no ciúme como reação à ameaça de usufruto dessa figura por parte do outro. Essa complexidade do ciúme deve ser mais bem estudada.

Os itens teoricamente relacionados ao padrão invejoso, que tiveram maior carga no F2, foram eliminados por não estarem teoricamente alinhados com os demais. Numa próxima versão da escala itens mais adequados serão propostos. No F3 todos os cinco itens retidos são referentes teoricamente às manifestações de desprendimento da posse; assim, a dimensão subjacente nesse fator foi interpretada como Desprendimento da posse. De acordo com a teoria, o que deveria se opor aos itens de desprendimento da posse seriam os itens de posse reativa, por serem duas formas opostas de defesa contra a angústia de perda e de frustração: as manifestações de desprendimento da posse como resultado da desativação do comportamento de posse e as manifestações de posse reativa como resultado da intensificação desse comportamento, isto é, manifestações que expressam um maior interesse pela posse. Porque, então, os itens de posse reativa não apareceram claramente, como os itens de desprendimento da posse, no pólo oposto a esses? A hipótese mais provável é a de que os itens de posse reativa não foram bem formulados. Por isso, deve-se considerar o desprendimento da posse como uma dimensão provisória a ser revista em novas versões da escala, quando dever-se-á inclusive procurar incrementar a consistência interna do fator com itens mais representativos do construto.

Em síntese, para a presente escala tem-se três fatores: Segurança da posse de pessoas (F1) e Segurança da posse de coisas (F2), que medem a sensação de controle das respectivas figuras de posse: pessoas e coisas, e o Desprendimento da posse (F3), que mede o desinteresse relativo pela posse dessas figuras. Dentre as conclusões que podem ser tirada dos dados empíricos, destaca-se que: 1. a posse psicológica é um construto multidimensional; 2. dentre as dimensões, as relativas à segurança da posse desempenham papel relevante; 3. as pessoas têm experiências de posse diferentes frente a pessoas e animais, se comparada à posse de coisas, lugares e bens em geral; 4. o desprendimento da posse deve ser visto como uma reação patológica, posto que retira o sujeito da luta pela conquista de pessoas e/ou bens que podem ser relevantes para sua sobrevivência; 4. outras dimensões, ainda não identificadas, podem vir a compor o construto.

Seguindo este raciocínio é, por exemplo, altamente provável a existência de uma dimensão de Disputa pela posse, composta pelos comportamentos invejosos e ciumentos. As manifestações invejosas devem estar no pólo positivo e manifestações de não disputa no pólo negativo. Conforme anteriormente sugerido, acredita-se que devido ao fato de um indivíduo possuir alguma coisa além das posses de outro se traduz como uma desvantagem para esse último e justifica instintivamente sua ação contra o primeiro. Por essa razão supõe-se que o roubo e o furto talvez não tenham apenas o sentido de conquista de um bem para usufruto próprio ou da prole, mas também o sentido de despojar o outro de seus bens ou de evitar a continuidade do seu sucesso, característico do comportamento invejoso. No mesmo pólo positivo deverá estar o comportamento ciumento, entendido como o de luta pela manutenção da posse da figura de posse, e no pólo negativo as condutas de não disputa. As condutas instintivas de ciúme e de inveja, embora concorram para a sobrevivência, constituem a base da competição intraespecífica e por causa desta, contra elas, se ergueram as regras socioculturais.

Outra dimensão altamente provável do construto posse é a de Interesse pela posse, composta pelas manifestações de posse reativa e de desprendimento da posse. O Interesse pela posse seria a expressão da tendência instintiva de posse realizada pelo comportamento de posse, que no caso da posse reativa estaria intensificado cronicamente e, portanto, necessariamente desadaptado, tal qual no caso do desprendimento da posse. Conforme visto na seção de resultados, não foi possível reter itens de posse reativa e, por isso, não podem obviamente se constituir, nessa versão da escala, no pólo oposto ao das manifestações de desprendimento da posse. Assim, por suposto provisória, a dimensão no F3 é o Desprendimento da posse.

 

Considerações finais

Os dados encontrados sugerem portanto significativas modificações na Teoria da Posse pelo fato de os indivíduos, de um modo geral, apresentarem particularmente diferentes manifestações de posse (segura, ansiosa, ciumenta e reativa), de inveja e de desprendimento da posse, não revelando propriamente uma forma única de se manifestar em relação à posse. Os construtos antigos de padrões de posse devem ser substituídos pelos novos, ou seja, pelas seguintes dimensões e seus respectivos pólos: (1) Segurança da posse de pessoas, definida, como referido, pela sensação que vai desde a de total controle até quase a de completa falta de controle sobre a figura de posse, tendo no pólo positivo a posse segura, e no pólo negativo as posses ansiosa e ciumenta; (2) Segurança da posse de coisas, definida como a anterior, tendo também no pólo positivo a posse segura, e no pólo negativo as posses ansiosa e ciumenta; e, (3) Desprendimento da posse, definido como um relativo desinteresse pela figura de posse, causado pela desativação parcial ou total do comportamento de posse. Como se pode observar, as manifestações de quatro dos seis construtos propostos estão contempladas ou nos pólos das dimensões encontradas ou como fator mesmo, e se numa próxima versão da escala as condutas invejosas e ciumentas e as de não disputa se constituírem como pólos opostos da suposta dimensão Disputa pela posse e as manifestações de posse reativa se constituírem no pólo oposto das do desprendimento da posse, caracterizando a suposta dimensão Interesse pela posse, todas elas estarão contempladas. De qualquer modo todas as manifestações, que levaram inicialmente à proposição dos diferentes padrões, compõem dimensões mais amplas da posse, isto é, o indivíduo não será visto, por exemplo, como apresentando padrões de posse ansiosa e de posse ciumenta, mas como apresentando uma fraca segurança da posse. Apesar de essas manifestações de ciúme, de inveja, de ansiedade, de reatividade etc. não se constituírem em novidades teóricas ou clínicas, e as duas últimas nem serem exclusivas da posse, elas agora podem ser entendidas dentro do referencial etológico da posse, nas suas devidas dimensões. Assim, as dimensões encontradas no presente estudo constituem uma ampliação do conhecimento sobre a posse, na medida que permitem entender melhor como um indivíduo funciona em relação a ela, quanto aos diferentes tipos gerais de figura de posse, quanto no nível de segurança da posse psicológica que ele tem sobre pessoas e coisas, e quanto ao seu interesse ou não por elas. O novo protótipo da escala deverá ser avaliado empiricamente com amostras de diferentes estratos socioeconômicos da população em geral, além de amostras clínicas, destinadas à ampliação do espectro de intensidades de respostas e a determinação de sua relação com diferentes quadros clínicos.

 

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Endereço para correspondência
PUC-Campinas, Faculdade de Psicologia, Av. John Boyd Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama - CEP 13059-900.
Campinas - SP
E-mail: elyseu@directnet.com.br

Recebido em Outubro de 2007
Reformulado em Maio de 2008
Aceito em Junho de 2008

 

 

Sobre os autores:

* Elisa Medici Pizão Yoshida: Doutora em Ciências (Psicologia) pela Universidade de São Paulo, Pós-Doutorado na Universidade de Montréal, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e psicoterapeuta.
** Sebastião Elyseu Júnior: Doutor em Psicologia (Ciência e profissão) pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, professor e supervisor clínico da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas e psicólogo clínico (psicanalista bowlbiano).

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