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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.7 no.2 Porto Alegre Aug. 2008

 

ARTIGOS

 

Percepção dos pais em relação a mudanças após o processo psicodiagnóstico

 

Parents' perception regarding changes after the psycho-diagnosis process

 

 

Janete Márcia Waszczuk Lazzari *; Eluisa Bordin Schmidt **

Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo investigar a percepção dos pais na mudança de comportamento dos filhos após o processo psicodiagnóstico. A pesquisa foi realizada através de um estudo qualitativo, com treze entrevistas semi-estruturadas, com mães de crianças e adolescentes que realizaram o psicodiagnóstico com acadêmicos de Psicologia da Universidade Regional Integrada Campus de Erechim - RS, no Centro de Psicologia Aplicada. Após a coleta de dados, os mesmos foram transcritos e submetidos à análise de conteúdo, sendo que os resultados indicaram mudanças no comportamento e sintomas inicialmente apresentados. Os examinandos manifestaram, no rendimento escolar, maior senso de responsabilidade e organização com as atividades escolares, no vínculo afetivo entre pais e filhos, houve melhor expressão da afetividade e também apresentaram uma diminuição da ansiedade e da agressividade. Pôde-se depreender que o psicodiagnóstico constitui-se como uma etapa de avaliação e diagnóstico podendo ser entendido como período de intervenção que gera mudanças.

Palavras-chave: Psicodiagnóstico interventivo, Avaliação psicológica, Mudança.


ABSTRACT

This study aimed to investigate parents' perception regarding changes of their children's behaviors after a psycho-diagnosis process. The research was accomplished through a qualitative study, with thirteen semi-structured interviews with children and teenagers' mothers that went through the psycho-diagnosis process hold by the academics of the Psychology Course from Universidade Regional Integrada - Erechim Campus - RS, at the Center of Applied Psychology. After the data collection, they were transcribed and submitted to the analysis of content, the results indicating changes in behavior and symptoms presented initially. The examinees manifested, regarding school performance, a bigger sense of responsibility and organization with their school activities; regarding parenthood affection, there was a better manifestation of affection, also presenting a decreasing of anxiety and aggressiveness. It can be concluded that the psycho-diagnosis process is a stage of evaluation and a diagnosis that can be extended as a period of intervention that generates changes.

Keywords: Intervening psycho-diagnosis, Psychological evaluation, Changes.


 

 

Introdução

O processo psicodiagnóstico ao longo dos anos passou por várias mudanças e influências de distintos modelos teóricos. Tradicionalmente era visto como um processo em que somente se observava o paciente diante dos estímulos que este apresentava perante os testes. A evolução dos estudos sobre a aplicação dos testes e da avaliação psicológica, possibilitou inferir que para realizar um psicodiagnóstico fazia-se necessário ter o conhecimento da prática, teoria, técnicas e procedimentos psicológicos que iriam contribuir para integrar os dados analisados sobre o paciente. Mais recentemente passou-se a entender que os testes, juntamente com a entrevista semidirigida, poderiam orientar o psicólogo nesse processo (Ocampo & Arzeno, 2001; Carrasco & Potter, 2005; Ancona-Lopez, 1984/2001). Para Meyer e cols. (2001) a aplicação de testes psicológicos é um processo objetivo no qual são valorizados escores ou resultados específicos. A avaliação psicológica por sua vez, trata-se da integração de vários escores de testes, geralmente obtidos por múltiplos métodos de testagem e considera estes dados no contexto da história clínica e observação do comportamento, para assim compreender a pessoa que está sendo avaliada.

Atualmente, o processo psicodiagnóstico está sendo entendido como um período de grande riqueza, quando a relação terapeuta-paciente pode tornar-se um espaço para o conhecimento global do paciente. De acordo com Carrasco e Potter (2005), quando o processo psicodiagnóstico for bem realizado, pode ser tão terapêutico para o paciente quanto o processo psicoterápico.

O processo psicodiagnóstico e sua evolução

A avaliação psicológica é um processo de busca de informações sobre o funcionamento psicológico. É uma análise e síntese dessas informações, que à luz dos conhecimentos da psicologia busca entender os processos psíquicos e sua relação com as situações-problema de forma a planejar ações e intervenções profissionais. O objetivo do psicodiagnóstico consiste em beneficiar as pessoas envolvidas, promover a saúde e o desenvolvimento psíquico dos indivíduos (Primi, 2005).

Atualmente a prática de diagnóstico psicológico é uma das funções exclusivas do psicólogo garantidas pela Lei nº. 4119 de 27-8-1962, que dispõe sobre a formação em Psicologia, regulamentando-a (Gomes, 2000). Quanto à conceituação, os termos psicodiagnóstico, diagnóstico psicológico e avaliação psicológica suscitam várias discussões (Gomes, 2000). Contudo neste estudo tais nomenclaturas foram usadas como sinônimos.

O diagnóstico psicológico ao longo dos anos, sofreu várias influências, como a do modelo médico, do modelo psicométrico e do modelo behaviorista (Ancona-Lopez, 1984/2001). O processo psicodiagnóstico, tradicionalmente era realizado com o objetivo de contato com o paciente, no sentido de investigar o que este fazia diante dos estímulos apresentados (testes), após, enviava-se o informe psicológico, com todos os testes realizados, e os devidos resultados, ao profissional remetente. Durante muito tempo o psicólogo usou o modelo médico para ter maior distância possível em relação ao paciente, estabelecendo um vínculo afetivo que não o impedia de trabalhar com tranqüilidade e objetividade necessárias. Tinha a tendência de ser um aplicador de testes, submetido a um modelo de trabalho frio, desumanizado e superdetalhista. A teoria e a técnica psicanalíticas foram um marco de referência que possibilitaram entender o que acontecia entre o psicólogo e o paciente (Ocampo & Arzeno, 2001; Cunha, 2000).

De acordo com Carrasco e Potter (2005), houve a tentativa de levar para o psicodiagnóstico as características do processo psicanalítico, quando então, nessa perspectiva se ampliaria a escuta, a compreensão dos processos intrapsíquicos através de entrevistas livres, buscando, a partir dessa perspectiva, uma aproximação afetiva e efetiva entre o paciente e o psicólogo. Porém, ao longo do tempo, percebeu-se que só a utilização de testes ou a entrevista livre não estavam facultando um entendimento do indivíduo por completo, pois a entrevista livre descaracterizava o processo psicodiagnóstico. Dessa forma, o psicólogo sentiu a necessidade de repensar sua posição diante do processo sendo que, buscou-se caracterizar e diferenciar o psicodiagnóstico da psicoterapia e passou-se a utilizar a entrevista semidirigida aliada aos testes psicológicos. Entende-se que essa diferença não é, necessariamente, percebida pelo paciente; somente estabelecida pelo profissional.

As autoras entendem que o "processo psicodiagnóstico é, sem dúvida, um dos mais importantes diferenciais do trabalho do psicólogo em relação a outros profissionais. Isso porque, quando bem realizado, pode ser tão terapêutico e esclarecedor para o paciente quanto o próprio processo psicoterápico" (p.181). Corroborando com essa idéia um estudo de meta-análise sobre testes psicológicos e avaliação psicológica aponta a importância da avaliação psicológica colocando-a em segundo lugar em importância dentre as atividades desenvolvidas pelo psicólogo clínico, a primeira seria a psicoterapia (Meyer & cols., 2001).

Para realizar um psicodiagnóstico presume-se ser necessário deter conhecimentos teóricos e entender sobre procedimentos e técnicas psicológicas suficientes, para a aplicação dos mesmos. Contudo, a atuação do psicólogo em diagnóstico, varia de acordo com sua fundamentação teórica de compreensão do homem, sendo necessário organizar conhecimentos que digam respeito à sua vida biológica, intrapsíquica e social. A avaliação dos processos intrapsíquicos, da estrutura e dinâmica da personalidade, constitui-se no cerne do psicodiagnóstico. A relação do cliente com o psicólogo, os papéis familiares e sociais, valores, expectativas também devem estar presentes no momento da integração dos dados. Apesar da busca pela integração, sabe-se que o psicodiagnóstico refere-se a um determinado momento de vida do paciente, portanto, baseia-se em hipóteses (Ancona-Lopez, 1984/2001).

O processo psicodiagnóstico configura uma situação com papéis bem definidos, é uma situação bipessoal (psicólogo-paciente ou psicólogo-grupo familiar), de duração limitada, tendo como objetivo a descrição e compreensão da personalidade total do paciente. Investiga algum aspecto em particular, segundo a sintomatologia ou conforme a indicação. Utilizam-se técnicas como entrevista semidirigida, técnicas projetivas, entrevista de devolução, que abarcam os aspectos passados, presentes (diagnóstico) e futuros (prognóstico), dessa personalidade (Ocampo & Arzeno, 2001). Ainda, conforme as autoras supracitadas, os momentos do processo psicodiagnóstico referem-se ao primeiro contato e entrevista inicial, aplicação de testes psicométricos e técnicas projetivas, encerramento do processo, devolução oral ao paciente e ou pais (no caso de crianças) e informe escrito e pormenorizado para o remetente. Nesse sentido, Witteman, Harries, Bekker e Aarle (2007) discutem como o processo psicodiagnóstico deve ser construído enfatizando três partes: o psicodiagnóstico possibilitando o estabelecimento de uma categorização diagnóstica baseada no DSM IV; propiciando o levantamento de hipóteses a respeito das causas do problema do cliente, onde nesse ponto seriam ordenados aspectos importantes da história do cliente e finalmente conduzindo a uma tomada de decisão do tipo de tratamento a ser indicado.

O psicodiagnóstico interventivo

O psicólogo clínico que empregava em seu trabalho métodos e técnicas de outras áreas, como por exemplo da área médica, onde se recomendava uma atitude de neutralidade, apresentando certo distanciamento profissional, passou nas últimas décadas a se posicionar diante da tarefa diagnóstica, com modelos próprios, de acordo com seu campo de atividade. A relação com o paciente passou a ser revalorizada como instrumento de ajuda além do que, surgiram técnicas derivadas de uma abordagem compreensiva no diagnóstico psicológico (Safra, 1984/2001).

As novas perspectivas referem-se a uma forma de avaliação psicológica, subordinada ao pensamento clínico, para apreensão da dinâmica intrapsíquica, compreendendo a problemática do indivíduo e intervindo nos aspectos relevantes, responsáveis por seu sofrimento psíquico o que permite que a intervenção seja mais eficaz (Paulo, 2006). Para uma intervenção no âmbito do psicodiagnóstico, torna-se necessário haver, por parte do cliente, o pedido de ajuda e predisposição para um movimento de mudança. Como essa demanda nem sempre é explícita, o psicólogo, ao captá-la, deve deixar claro ao cliente, o que realmente está buscando com a realização do psicodiagnóstico, convidando-o para uma caminhada conjunta, em que ambos, psicólogo e cliente possam interagir num processo mais dinâmico, efetivo e afetivo preterindo os conceitos tradicionais, como a questão da neutralidade, que distanciava o profissional do cliente (Ancona-Lopez, 2002).

Ainda, na lente da autora, essa colaboração somente será possível se o psicólogo se predispuser à co-participação do cliente e acreditar que esse possa compartilhar os conhecimentos que irão se configurar a partir do processo do psicodiagnóstico. O psicólogo partilha suas impressões sobre (e com) o cliente e manterá sua escuta voltada às possibilidades de intervenção buscando identificar situações sobre as quais deve fazer intervenções, ao longo do processo psicodiagnóstico. Esses apontamentos serão interventivos se não repetirem as situações de vida cotidiana do cliente, e apresentarem uma situação de modo novo, por vezes desconfortável, por causar uma desestruturação momentânea. Dessa forma, porém, o cliente se verá diante da necessidade de uma reorganização, que abrirá a possibilidade de novas escolhas. A autora afirma inclusive, que não deseja que a atividade de psicodiagnóstico se iguale à psicoterapia, mas que não se perca a oportunidade de tornar o momento com o psicólogo, em um encontro privilegiado e significativo para o cliente.

Barbieri, Jacquemin e Alves (2004), trazem um pouco da história quanto à idéia de realizar intervenções durante a aplicação de técnicas projetivas ao referir que há autores que utilizaram esclarecimentos, associações, interpretações e assinalamentos que visavam explorar a capacidade de insight ou converter a aplicação de um teste em uma ação terapêutica, como também já foi trabalhado com o método do psicodiagnóstico Grupal Interventivo, com crianças, incluindo sessões lúdicas e testes, acompanhadas de intervenções do examinador. Observa-se que a literatura afirma essa prática clínica, mas as verificações a respeito do seu alcance terapêutico, são imprecisas e informais.

O paciente, ao buscar auxílio psicológico, o faz porque algo rompeu seu status quo psíquico e percebe que não consegue dar conta sozinho da situação, sendo esse um momento que pode ser apreendido como crise. Por isso, o processo psicodiagnóstico ajudaria quanto à conclusão diagnóstica, sendo de extrema importância o modo como o psicólogo acolhe e se relaciona ao dimensionar as dificuldades do paciente. Faz-se necessária uma atitude continente e empática, uma disposição para escutá-lo e estabelecer com ele um verdadeiro diálogo (Santiago, 2002). Aguirre (2000) ao relatar sobre a primeira experiência clínica do aluno de psicologia refere que na relação terapeuta (acadêmico) e paciente tem-se um relacionamento muito especial, mas que diferencia-se dos outros tipos de relacionamento porque baseia-se na compreensão clínica, no referencial psicanalítico, ocorrendo o enquadramento do trabalho, sendo que é na supervisão que se tem a oportunidade de trabalhar sobre a elevação da ansiedade do cliente e as possíveis dificuldades apresentadas pelo terapeuta.

Nas entrevistas diagnósticas, o uso de assinalamentos ou interpretações é controverso, pois há alguns autores que se opõem a esse uso, afirmando que o psicólogo deveria realizar prioritariamente uma investigação (Santiago, 2002). Para Ocampo e Arzeno (2001), o psicólogo irá intervir quando houver situações de bloqueio para que se possa alcançar os objetivos da entrevista, ou na devolução quando se tem indícios de que a entrevista fracassou por condutas estereotipadas ou insistência em negar os conteúdos.

Paulo e Turna (2006) sublinham que é na entrevista inicial que o paciente comparece mais disposto, trazendo maior quantidade de material relativamente não defendido, em relação ao que trará nas demais consultas, quando tiver uma percepção mais objetiva do psicoterapeuta. Nesse momento, há espaço para maior ação e intervenção, pois o paciente mostra-se aberto e fornece elementos necessários para interpretação profunda e significante. O encontro terapêutico e as intervenções psicanalíticas podem ser de extrema importância, facultam alterar as perspectivas de vida de uma pessoa, mesmo num breve processo de atendimento. Oferecer a escuta e acolhimento de maneira adequada e profissional, mobiliza aspectos internos que levam a pessoa a expor seu conflito emocional, angústias ou tensões.

Na pesquisa realizada por Giovanetti e Sant'Anna (2005), sobre as estratégias de Psicodiagnóstico Interventivo e Apoio em Crises Adaptativas, por Meio do Jogo de Areia e da EDAO (Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada), realizada com alunos que estavam no término da Graduação de Psicologia, concluiu-se que esses métodos foram capazes de verificar a crise adaptativa. Percebeu-se que o processo psicodiagnóstico interventivo facilita a promoção da saúde e qualidade de vida porque proporciona um momento de re-avaliação das experiências do cotidiano.

Gomes (2000) refere que os alunos de psicologia, que realizaram o estágio em psicodiagnóstico, pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), principiam a utilização do psicodiagnóstico interventivo, tentando alargar os limites dessa prática, para oferecer uma experiência que possa ser terapêutica ao paciente. Procuram privilegiar o vínculo de confiança estabelecido com o indivíduo ou a família, em cujo transcurso as hipóteses diagnósticas e o entendimento do caso, conjuntamente, irão gerando possibilidades interventivas e terapêuticas, na tentativa de eliminar a lacuna entre psicodiagnóstico e psicoterapia. Essa prática, tem trazido resultados positivos, tanto para o aluno quanto para aos pacientes das instituições que possuem forte demanda e exige uma prática psicoterapêutica mais breve. Assim, o paciente vai percebendo, gradativamente, aspectos desconhecidos de sua personalidade tendo a possibilidade de trabalhar com eles.

Encontram-se dados semelhantes quando Yehia (2004) relata a prática dos alunos de um curso de aperfeiçoamento em psicodiagnóstico colaborativo, oferecido no Serviço de Aconselhamento Psicológico da Universidade de São Paulo (USP). A autora relata que quando o psicodiagnóstico é infantil, faz-se necessário desenvolver um trabalho com os pais, no sentido de auxiliá-los a se apropriarem da demanda, explorando o significado da queixa trazida, dos sintomas apresentados e, se há compreensão da relação que têm com os filhos assim como da situação em que se encontram. Na medida em que os pais conseguem rever a maneira que se relacionam com o filho, reformulam sua forma de exercer seu papel, até mesmo seu desenvolvimento enquanto pessoas. Então, o psicodiagnóstico colaborativo apresenta características terapêuticas.

A Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), também trabalha com o psicodiagnóstico interventivo para pais e crianças na Clínica-Escola. Essa prática inaugurou uma forma de exercer a psicologia que contribuiu para mudanças na instituição e na relação do psicólogo com seu cliente (Advíncula & Gomes, 1999).

Tardivo (2006), nos últimos anos, vem realizando estudos no campo de psicodiagnóstico interventivo, através de pesquisas, nas quais tem aliado diagnóstico e intervenção na prática clínica. A autora destaca que, cada vez mais vai se consolidando essa nova vertente que valoriza uma maior abrangência do psicodiagnóstico, à medida que reitera seu caráter intervencionista.

Como a pesquisa abordou as mudanças ocorridas no comportamento de crianças e adolescentes após a realização do psicodiagnóstico faz-se necessário entendermos sobre os estágios de mudanças propostos por Prochaska, Di Clemente & Norcross (1993) e abordados também por Yoshida (2002) que assinalam etapas caracterizados por padrões de respostas distintos que foram elencados da seguinte forma: 1) pré-comtemplação: quando a pessoa não aceita que precisa mudar, mesmo que outros procurem alertá-la; 2) contemplação: tornar-se ciente do problema, porém ainda não há mudança; 3) preparação: verifica-se tentativa de mudança, mas não chega a ser bem-sucedida; 4) ação: tomada de decisões para modificar os comportamentos, atitudes ou padrões relacionais; 5) manutenção: persistir nas atividades adotadas, por certo tempo, para impedir recaídas e consolidar ganhos e 6) estágio de término: quando os padrões de conduta resultantes da mudança encontram-se estáveis, sem recaídas.

Prochaska (1995) refere que o terapeuta deve agir conforme o estágio em que o paciente se encontra, a exemplo, na pré-contemplação: o terapeuta seria mais ativo, questiona sobre as dúvidas do paciente e cria ambiente seguro, manifestando compreensão; na contemplação: o terapeuta auxilia o paciente na configuração da situação-problema; na ação: o terapeuta investiga como o paciente vem enfrentando suas dificuldades. Desta forma, o terapeuta influencia para mudanças almejadas através da terapia e acompanhando os estágios pode observar a evolução do paciente para que siga com os estágios de manutenção e de término.

Embora a prática do psicodiagnóstico venha sendo discutida há vários anos, ela ainda é concebida em sua forma tradicional, e vista como uma prática de atendimento, que tem como resultado final uma avaliação que poderá propiciar a uma indicação terapêutica (Yehia, 2004). A partir das práticas e pesquisas em relação ao psicodiagnóstico, por meio das quais vem sendo discutido o quanto este pode ser considerado como um processo de intervenção, com fins terapêuticos, esse estudo teve como objetivo investigar a percepção dos pais em relação a mudanças ocorridas após o processo psicodiagnóstico, da forma que vem sendo realizado pelos alunos de Psicologia, no Centro de Psicologia Aplicada (CPA), da URI Campus de Erechim que, a princípio, se caracteriza como psicodiagnóstico não interventivo, efetivado através de entrevista de anamnese com os pais, seguida de entrevistas lúdicas e de aplicação de testes (psicométricos e projetivos) às crianças. São realizados contatos com professores e outros profissionais (se necessário) e entrevista devolutiva aos pais, sendo que neste momento são realizadas orientações e algumas intervenções terapêuticas. Desta forma o psicodiagnóstico não interventivo é entendido como uma etapa diagnóstica inicial, para posteriormente indicar um processo de intervenção terapêutica.

 

Método

Delineamento

O delineamento configurou-se como um estudo qualitativo.

Participantes

Foram incluídos na pesquisa 13 mães de crianças ou adolescentes de 7 a 15 anos, (8 do sexo masculino e 5 do sexo feminino), com nível socioeconômico e cultural baixo, os quais foram atendidos no CPA. As participantes tinham idade variável entre 27 a 53 anos, com o nível de escolaridade distribuído da seguinte forma: 5 cursaram Ensino Fundamental Incompleto; 2, Ensino Fundamental Completo, 5, Ensino Médio e 1, Ensino Superior. Suas profissões eram: cabeleireira, empregada doméstica (2), do lar (5), auxiliar de serviços gerais (2), auxiliar de produção, secretária e comerciante. Embora tenha-se convidado os pais (pai e mãe) compareceram nas entrevistas somente as mães. O processo psicodiagnóstico foi realizado no CPA, no período compreendido entre agosto a novembro de 2006. Todas as crianças e adolescentes dessa amostra tiveram indicação de tratamento psicológico, sendo que aguardam o início do Estágio Profissionalizante em Psicologia Clínica, para darem seqüência ao atendimento terapêutico na instituição. O CPA presta atendimento gratuito à comunidade.

Instrumentos

O estudo foi realizado com base em entrevistas semi-estruturadas, gravadas. A entrevista semi-estruturada caracteriza-se por um conjunto de temas preparados anteriormente à entrevista, para vir a ser explorado com cada entrevistado. Apresenta-se sob a forma de um roteiro preliminar de perguntas. O entrevistador tem liberdade de acrescentar novas perguntas, com o objetivo de aprofundar e clarificar pontos que considere relevantes ao estudo (Monra, Ferreira & Paine, 1998; Nunes, 2005).

Na entrevista, os aspectos abordados foram: percepção das mães em relação ao processo psicodiagnóstico realizado com seu (sua) filho (a); mudanças observadas no comportamento durante, ou após a avaliação psicológica, bem como as repercussões observadas na família e na escola.

Procedimentos

Para realizar a pesquisa, preliminarmente contatou-se a coordenação do Curso de Psicologia, solicitando autorização para a coleta de dados no CPA. A pesquisadora (primeira autora do trabalho, psicóloga, pós-graduanda em Psicologia Clínica, sem vínculo com a instituição CPA, sob orientação da segunda autora), após a autorização da Coordenação de Curso e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade, realizou contato telefônico com os pais, seguido de uma explanação dos objetivos e procedimentos do estudo. Esses, então, foram convidados a participar da pesquisa. A coleta de dados foi realizada nas dependências do CPA, pela primeira autora após um mês do término do psicodiagnóstico realizado pelos acadêmicos. Antes de iniciar a entrevista, foi apresentado o documento denominado "Consentimento Livre Esclarecido", em que clarificava os procedimentos a serem realizados na pesquisa, bem como a garantia do sigilo de confidência. Em relação à análise de dados, foi percorrido o caminho metodológico operacionalmente proposto por Bardin (1979), que conta com pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Para que essas seqüências fossem viáveis, as entrevistas gravadas foram transcritas na íntegra, e as gravações, conservadas para manter intacta toda a informação, o que possibilitou analisar os conteúdos verbalizados pelos os entrevistados (Nunes, 2005).

Após a transcrição e releitura do material pelas pesquisadoras, realizou-se o processo de agrupamento por semelhança de significados, a partir das falas dos participantes onde estão contidas as idéias centrais dos entrevistados. O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, referem-se à síntese das entrevistas depuradas em categorias, de forma coerente com o referencial teórico eleito (Bardin, 1979; Nunes, 2005).

 

Resultados e discussão

Através das verbalizações das mães pôde-se depreender aspectos em comum no que se refere às percepções do psicodiagnóstico realizado com seus filhos, bem como às mudanças ocorridas com os mesmos. Abaixo são descritas essas categorias:

O processo psicodiagnóstico

Mesmo sendo o psicodiagnóstico estruturado com um tempo limitado, as mães verbalizaram a gratificação em ver o (a) filho (a) agindo de modo diferente e atribuíram à avaliação essas mudanças, bem como relataram que foi com esse processo que passaram a entender melhor o sintoma ou comportamento apresentado pelo seu filho (a), pois referiram que se sentiram aliviadas e orientadas quanto a aspectos que até então faziam-nas sentirem-se culpadas pela formação do sintoma do filho (a).

Ajudou bastante, porque foi na avaliação que a gente passou a entender um pouco mais a cabecinha dela de adolescente. Que até então é difícil lidar com adolescente. Mãe de Deus! Eu tenho uma dificuldade imensa de lidar com a A2. Mas a partir daquele tempinho que ela ficou com a psicóloga já deu pra gente, sabe, começar a ajudar a A2 e a entender a cabecinha dela de adolescente. Nossa ajudou um monte. Foi bem legal. (A2)

Como foi realizada entrevista devolutiva, acredita-se ter sido um dos momentos em que ocorreram algumas intervenções que, por sua vez, tiveram efeito na diminuição da ansiedade presente ou no sentimento de culpa. Essas intervenções visavam mudança de postura interna ou externa, tanto por parte do avaliando como dos familiares, facilitando uma introjeção de aspectos saudáveis. Houve famílias que além de se reorganizarem internamente, tiveram também mudanças externas, como estrutura da casa para melhor atender às necessidades do filho, respeitando o seu crescimento e sua individualidade. Especificamente as mães, conseguiram mudar suas próprias atitudes, em alguns casos, deram-se conta de que também necessitavam de tratamento psicológico.

Ahhh, não sei se pelo fato de ela estar mais calma eu também consegui ficar mais calma com ela [...] Nossa nos tivemos que mudar tudo. A gente mudou um monte. Mudamos o quarto, mudamos cama, mudamos guarda-roupa prestamos/procuramos prestar mais atenção no que a A2 queria, aceitamos mais a idéia que a A2 cresceu. (A2)

Que nem ela(acadêmica) disse, até ela comentou que de repente a família toda deveria fazer, né. Só que eu acho que não tem necessidade, o negócio da A4 é comigo. Acho que na verdade quem tem que fazer um tratamento sou eu. (A4)

Nas entrevistas as mães recolocaram as queixas e sintomas apresentados como motivo para a procura do atendimento psicológico, e entenderam que o processo psicodiagnóstico gera gradativas mudanças comportamentais sendo esse visto como uma intervenção positiva. As mães relataram que a mudança foi percebida no dia-a-dia, pois as crianças que apresentavam comportamento agressivo, como brigas e reclamações, passaram a apresentar um humor estável, mostrando-se mais felizes.

De acordo com Prochaska (1995), não foi encontrado uma teoria de mudança que explicasse como as pessoas mudam por si mesmas, pois a maioria dessas pessoas que nunca chegam a realizar psicoterapia e mesmo as que fazem, observa-se que a mudança se dá nos intervalos entre as sessões e, uma mínima parte, no decorrer delas, sendo que em vários casos, a melhora está relacionada à qualidade de vida da pessoa. Desta forma, pudemos conferir que as mudanças ocorridas com as crianças e adolescentes, pode estar vinculada ao tempo em que foi realizado o psicodiagnóstico, do investimento parental, de mudanças externas e internas, ocorridas nesse período nos avaliandos.

Ótima avaliação, até a gente comentou, eu e a minha irmã, que ele tava mais calmo, ele chegava do colégio sempre muito agressivo, brigão, reclamão, ultimamente ele chega assim sabe - E aí A9 como é que foi? - Ah, tava bom, chega contente, muito difícil chega reinando em casa. E isso era todos assim, sempre mau humorado, nada tava bom... Foi uma conseqüência, foi do dia a dia né, ele começou a participar assim ele, não vou dizer que ele está 100%, porque estaria mentindo, mas ajudou, ajudou bastante. (A9)

Segundo as mães os examinandos gostavam de ir e esperavam com ansiedade para que chegasse o dia do atendimento. Demonstraram terem tido uma relação próxima com o acadêmico e se sentiram acolhidos e apegados a esse, assim como, o viam enquanto profissional. Aguirre (2000), afirma que se o aluno puder entrar em contato e aceitar suas próprias ansiedades, certamente irá poder acolher as ansiedades do cliente. Acolher o cliente significa, também, reconhecer e dar continência às preocupações e angústias que esse, talvez, não consiga expressar ou mesmo perceber. Outro aspecto significativo nos relatos, foi o fato dos pais já entenderem o processo avaliativo como tratamento propriamente dito pois, para esses, o fato de serem ouvidos, tornou-se relevante e, a partir da escuta, desde a primeira entrevista possibilitou que se sentissem beneficiados desde o primeiro encontro.

Acordava cedo para ir no psicólogo [...] porque antes eu levei ela no outro psicólogo ela não conseguia diz ela que não conseguia se abrir, falar, [...] o diagnóstico conseguiu dar ela esse gosto. (A13)

[...] esse ano depois que ela começou tratamento ela melhorou, não digo 100% mas ela deu uma melhorada [...] Aí, a M. começou a tratar, trabalhar com ela e eu em casa também, né. Eu tô surpresa porque eu nunca vi minha filha dormir sozinha no quarto, eu nunca vi ela levantar e ir sozinha no banheiro, na cozinha, ficar olhando televisão na sala sozinha! (A12)

Com relação a esse aspecto, Ancona-Lopez (2002) afirma que o psicodiagnóstico, na maioria das vezes, não é considerado como prática de intervenção, pois se dá com número de encontros limitados, sendo entendido somente como prática de investigação, avaliação ou seleção. Desse modo, pode não ser percebido como um momento que possibilite mudanças positivas para o cliente. Caso ocorram, são creditadas à relação estabelecida com o profissional, mas não assumidas por ele como uma intenção ativa naquele momento. Infere-se que, nessa pesquisa, a forma como os acadêmicos conduziram o psicodiagnóstico com comprometimento, estabelecendo um bom vínculo terapêutico, possibilitou que a seqüência de mudanças, apresentadas pelos examinandos, no decorrer ou após a avaliação, fosse significativa, o que contribuiu para que os pais entendessem o psicodiagnóstico como tratamento. Desse modo, pondera-se que o psicodiagnóstico e a psicoterapia não foram vistos, pelo paciente, como etapas diferenciadas.

Mudanças de comportamento da criança na família

As mães perceberam mudanças no comportamento dos filhos, durante o período de avaliação ou após, ao relatar que ficaram mais atentos, calmos, diminuíram os sintomas de agressividade e de ansiedade, ocorrendo assim uma repercussão positiva no relacionamento familiar e no relacionamento interpessoal, já que, passaram a expressar mais o que sentiam e pensavam, ficaram mais vinculados, prestativos aos familiares e demonstraram-se mais seguros e independentes. Nos casos das crianças que, em situações ansiogênicas manifestavam sintomas somáticos e outros casos de enurese noturna, após a avaliação, houve um esbatimento desses sintomas.

[...] ficou mais assim acho que aquela conversa que ele teve ali, ele chega, ele abraça todo mundo, ele cumprimenta ele faz amizade, ele faz amizade fácil. E ele era muito briguentinho e ele não ta mais assim. Está mais calminho. (A10)

Meu Deus, eu que digo olha uma coisa que ela tá feliz, ela engordô, ah, sabe o que acontecia? Até é um fato muito importante, toda véspera de prova, 2, 3 dias antes, começa dá febre alta, febre alta, não era febre, 39 e meio quase 40 de febre, dor, dor,dor, dor, dor na barriga, dor no corpo. Eu ia pro plantão, várias vezes eu baixei e aquela febre assim que não tinha o que. Aí, agora nunca mais deu. Depois que ela começou o tratamento, ela nunca mais[...] Nunca mais ela se queixou de dor. (A12)

[...]até que ele tá se controlando até fazer o xixi já, está normalizando[...] era todas as noites [...] Sério assim que não tinha mais o que fazer [...] Agora ele tá até uma semana sem fazer...tem noites assim que é difícil ele levantar para fazer xixi [...] Depois da avaliação. Eu não dei remédio[...] Porque fiquei com medo que viciasse o corpo dele, né. Daí, agora não tô dando nada e tá um bom resultado. (A1)

As mudanças de comportamento da criança na família podem estar vinculadas também a outros fatores, porém como apareceram em várias verbalizações, a manisfestação destas mudanças pode-se relacioná-las também ao processo de avaliação. Assim constatou-se que o psicodiagnóstico também pode ser um fator de promoção de mudanças, que auxiliou tanto a família, quanto o avaliando a entender a situação na qual estão inseridos.

Repercussões na escola

As mães relataram várias mudanças de comportamento de seus filhos na escola, os mesmos apresentaram progressos na aprendizagem, melhoraram o relacionamento com os colegas e professores, sendo que expressam e argumentam suas idéias. Os pais sentem-se mais próximos dos filhos, há mais diálogo entre ambos.

[...] E tá mais querido em sala de aula, porque as professoras me falaram [...] porque vivia tendo reclamação. Me chamavam lá, porque ele isso, porque ele aquilo, ele não levava os trabalhos, ele reclamava, ele discutia, sabe. E agora, não. Ele tá calmo, ele, se precisa, conversa ele debate, se ele acha que tá certo, ele vai conversa com a pessoa. Ele chega em casa: - Mãe aconteceu isso, isso e isso, eu digo chega e fala para a pessoa, ele vai conversa. Há bastante diálogo. (A9)

As mães perceberam que as crianças passaram a se dedicar aos estudos, organizaram-se de tal forma que, por vontade própria, executam as tarefas da escola e só após vão brincar, demonstraram mais alegria por melhorar seu rendimento na escola. Passaram também, a sentir-se mais seguras nas atividades que exigiam concentração maior, como por exemplo, no caso das provas, conseguiram superar o medo que sentiam, controlando a ansiedade e assim, obtiveram notas melhores.

Mais atenta, porque antes ela não era, não prestava atenção, nem tinha aquela preocupação em fazer os deveres dela de casa, agora não. Ela senta primeiro ela faz o dever para depois ir brincar, isso não existia antes. E agora ela faz. [...]Ela ficou assim mais prestativa. (A6)

Pode-se discutir as mudanças apresentadas pelo examinando e pela família face aos diferentes estágios de mudança apresentados por Prochaska, Di Clemente & Norcross (1993), e Yoshida (2002), quando no processo de avaliação se expressaram de forma diversa nos seguintes estágios: 1) pré-contemplação: quando os pais não viam o problema do filho e recebiam sugestões de encaminhamento psicológico para este por outros profissionais; 2) contemplação: as mães tornaram-se cientes da necessidade de avaliação psicológica para os filhos; 3) preparação: o próprio fato de levar o filho para a realização do psicodiagnóstico, a entrevista de anamnese quando os pais são ouvidos e também ouvem-se foi um dos momentos em que puderam dar-se conta da real situação em que se encontram, passando a perceber possibilidades de mudança; 4) ação: examinandos deixam de apresentar sintomas iniciais como: deixam de ser agressivos, controlam de modo significativo por exemplo a enurese, dedicam-se mais aos estudos entre outras mudanças já apontadas no texto. As outras duas fases que são manutenção (5), que consiste em verificar se a mudança permanece, se não houve recaídas, piora dos sintomas inicialmente apresentados e a fase do término (6) que ocorre quando a mudança está suficientemente estável, não foram concluídas, pois como a pesquisa foi realizada um mês após o término do psicodiagnóstico e não foi possível verificar tais fases.

 

Considerações finais

Entende-se que tanto as mães quanto os examinandos sentiram-se mais seguros e confiantes após e ou durante o período de avaliação psicológica, pois os genitores fizeram um investimento no filho, desde o momento em que procuraram avaliação psicológica. Desse modo, percebeu-se que o psicodiagnóstico ajudou as mães a reverem a maneira de se relacionar com o filho, redimensionando aspectos do exercício do seu papel parental.

O psicodiagnóstico da forma como vem sendo aplicado pelos acadêmicos de Psicologia, que embora não objetive ser desenvolvido como um psicodiagnóstico interventivo, trouxe mudanças nos examinandos percebidas pelas mães, como sendo terapêuticas. Segundo posicionamentos já referidos, ocorreram mudanças no comportamento e nos sintomas inicialmente apresentados. Os examinandos manifestaram melhora da atenção e do rendimento escolar, maior senso de responsabilidade e organização com atividades escolares, o vínculo afetivo entre pais e filhos tornou-se mais eficaz, melhorando relacionamento pessoal e interpessoal, melhor expressão da afetividade, diminuição da ansiedade e agressividade. Houve uma promoção da saúde e da qualidade de vida do examinando e de sua família.

Observou-se que no psicodiagnóstico o paciente mostra-se estimulado a compartilhar as suas ansiedades, trazendo uma quantidade significativa de material. Nesse momento, o fato do paciente (e familiares) falarem de si, realizarem as entrevistas e testes propostos, propicia a ocorrência de mudanças e, conjuntamente, a escuta continente do acadêmico, contribui para tal. "Se o profissional pode oferecer um holding e uma escuta, num enquadre diferenciado, logo o paciente começa a sentir que a compreensão de sua problemática e de seu sofrimento psíquico pode ser acessível, a comunicação passa a ser em nível mais profundo e a relação pode se desenvolver de forma a propiciar efeitos terapêuticos" (Paulo & Turna, 2006, p.336).

Considerando os resultados, tem-se consciência de que oferecer a escuta e acolhimento de maneira adequada, contribuiu para que ocorresse um bom psicodiagnóstico, o que desencadeou repercussões positivas, trazendo benefícios ao paciente. A forma com que as mães se referiam aos acadêmicos, em muitas vezes foi como de profissionais, assim como, ao falarem da avaliação, referiam como o início do tratamento. Pelas colocações das mães, o processo foi conduzido com seriedade e, devido às mudanças comportamentais apresentadas pelas crianças e adolescentes, essas contribuíram para reforçar a idéia de que o psicodiagnóstico fosse entendido como terapêutico. Também podem ter ocorrido a influência de outras variáveis, mas não há como mensurá-las, pois relacionam-se a mudanças internas e externas do avaliando e da família em si.

Um aspecto importante a considerar em relação aos resultados encontrados nesta pesquisa, crê-se que foram extremamente positivos e, decorre daí a reflexão. Ao se referirem ao processo diagnóstico, as mães não teceram críticas negativas em relação ao trabalho. Na análise dos dados denotaram-se repetições nas verbalizações, onde mesclavam-se falas de gratidão o que leva a reflexão de que talvez o resultado da pesquisa possa ter sofrido a influência de outros elementos tais como: o fato dos examinandos e família estarem aguardando a chamada para atendimento psicoterapêutico, o CPA realizar um trabalho gratuito; a clientela ser de baixo nível sócio-econômico e cultural. Da mesma forma, é importante analisar que, provavelmente só compareceram as mães que tinham aspectos positivos a relatar do processo psicodiagnóstico, podendo-se questionar que outras, não compareceram por não terem vivenciado essas mudanças. Como resposta a essa questão pode-se sugerir que um próximo estudo utilize outro instrumento de investigação, como por exemplo, um questionário, ou que estas mudanças sejam investigadas no início do processo psicoterápico.

Outro dado significativo foi o fato de nenhum pai ter comparecido, embora tenham sido convidados, o que pode refletir que para os participantes desta pesquisa, a educação e a parte emocional dos filhos, mostrou-se vinculada ao papel e função maternos. Ainda na perspectiva de novos estudos, como surgiram várias mudanças de comportamento e reações das crianças e adolescentes no ambiente e desempenho escolar, seria também interessante investigar a percepção dos professores em relação a mudanças, após o processo diagnóstico.

Contudo, a partir dos dados investigados nessa amostra, pôde-se considerar que o psicodiagnóstico da forma como vem sendo realizado, de acordo com as percepções das mães, promoveu, principalmente, mudanças comportamentais nos seus filhos. Embora tenha-se a compreensão que especialmente crianças e adolescentes que estão em desenvolvimento sofrem influências psíquicas, ambientais, culturais, econômicas e históricas, o que denota que a mudança é multidimensional e está vinculada a variáveis de diferentes níveis, pode-se pensar que o processo psicodiagnóstico foi uma forma de contribuição para essas mudanças. Dessa forma através desse estudo pode-se pensar que um processo psicodiagnóstico mesmo não sendo desenvolvido nos moldes do psicodiagnóstico interventivo pode ser gerador de mudanças.

Outro aspecto a salientar é que a dicotomia, entre psicodiagnóstico e psicoterapia é realizada pelo profissional, assim pôde-se constatar que através dessa pesquisa, para o paciente o importante é dividir suas angústias, seu sofrimento psíquico, vendo nos acadêmicos alguém que poderia ajudá-lo. De acordo com Prochaska (1995), o processo de mudança inclui diferentes dimensões que são consideradas como um todo para entender a complexidade dos fenômenos envolvidos, podendo corresponder às atividades encobertas ou explícitas, que se relacionam a problemas particulares no qual as pessoas se engajam para alterar afeto, pensamento, comportamento ou relacionamento.

Entendeu-se que se o trabalhado desenvolvido pelos acadêmicos fosse estruturado no modelo do psicodiagnóstico interventivo, poderia-se realizar intervenções breves, que ajudariam ainda mais o paciente num curto espaço de tempo. A exemplo das intervenções psicológicas realizadas em serviços onde há uma demanda expressiva, e que exigem uma prática psicoterapêutica mais breve, o encontro terapêutico juntamente com as intervenções psicanalíticas ajudariam o paciente a entrar em contato com aspectos desconhecidos de sua personalidade tendo, então, oportunidade de trabalhar com eles.

Dessa forma, reforça-se a visão de que o psicodiagnóstico não existe só como um processo de prática de investigação, avaliação ou seleção, mas que além disso, podem ocorrer outras intervenções que o levam a ser terapêutico. Assim, em concordância com o que é referido na literatura, o psicodiagnóstico se for bem realizado, pode gerar mudanças para o paciente tanto quanto o processo psicoterápico. Isso não quer dizer que deva se igualar a psicoterapia, mas que não se perca a oportunidade de tornar aquele momento um encontro significativo e singular para o paciente. Ainda a partir da revisão da literatura percebeu-se que o psicodiagnóstico interventivo é desenvolvido com o objetivo de promover mudanças no paciente e na família. Contudo os resultados deste estudo levam a discussão de que o psicodiagnóstico "não-interventivo" também é um processo que pode conduzir a mudanças tanto na criança ou adolescente, como nas relações familiares.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: janete@clicalpha.com.br

Recebido em Outubro de 2007
Reformulado em Março de 2008
Aceito em Maio de 2008

 

 

Sobre as autoras:

* Janete Márcia Waszczcuk Lazzari, psicóloga, pós-graduanda em Psicologia Clínica pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim/RS.
** Eluisa Bordin Schmidt, psicóloga, mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS, professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim/RS.

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