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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.7 no.2 Porto Alegre Aug. 2008

 

ARTIGOS

 

Estudo epidêmico dos transtornos mentais

 

Epidemic research on mental disorders

 

 

Christiane Albuquerque de Miranda *; Carla Ventura Tarasconi **; Silvana Alba Scortegagna ***

Universidade de Passo Fundo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse estudo estatístico-descritivo investigou a incidência dos distúrbios mentais em serviços de saúde mental entre 1997/2001. Participaram seis instituições públicas, sendo cinco que oferecem serviços ambulatoriais a ambos os sexos nas categorias infantil (0-12) e adulto (13-80) e uma instituição hospitalar psiquiátrica de adultos. Utilizou-se um protocolo de pesquisa considerando idade, sexo e diagnóstico (CID-10). Foram analisados os dados de 3.877 registros, 674 (17,38%) pertencentes à categoria infantil e 3.203 (82,62%) à categoria adulto. Na infância, a maior incidência ocorreu em meninos com diagnóstico de Transtornos de conduta. As reações a estresse grave e transtornos de ajustamento prevaleceram nas meninas. Nos adultos, os episódios depressivos constituíram o diagnóstico de maior incidência, predominando em mulheres. Nos homens, se constatou os Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de álcool. Os resultados desse estudo contribuíram para nortear os serviços e políticas de saúde mental na prevenção e terapêutica.

Palavras-chave: Epidemiologia, Distúrbios mentais, Psicodiagnóstico.


ABSTRACT

This descriptive-statistic paper investigated the incidence of mental disorder occurring in some public services, between 1997/ 2001. Six public institutions took part of this study, five of which offer first aid station services to both genders in the categories: child (0-12) and adult (13 - 80) and a mental hospital institution for adults. A research protocol was used and took into account age, sex and diagnosis (CID-10). 3,877 records had their data analyzed, 674 (17,38%) belonging to the child category and 3,203 (82,62%) belonging to the adult category. In children, the highest incidence happened in boys diagnosed with conduct disorders. Reactions to acute stress and adjustment disorders were the most occurring in girls' diagnoses. In adults the depressive disorders were the most common diagnosis, being predominant in women. In men, mental and behavioral disorders caused by alcohol use were predominant. The results from this study contributed to guide the services and mental health policies in the prevention and therapeutic areas.

Keywords: Epidemiology, Mental disorders, Psychodiagnosis.


 

 

Introdução

Dos estudos epidemiológicos emergem relações numéricas entre eventos, processos e fenômenos, fornecendo um panorama baseado em dados estatísticos. Seus objetivos referem-se ao diagnóstico da situação de saúde, à investigação etiológica, à determinação de riscos e prognóstico, à identificação de síndromes e classificação de doenças, ao planejamento e organização de serviços, bem como à avaliação das tecnologias, programas e serviços em saúde (Sarriera & cols., 2003).

Nas últimas décadas registraram-se avanços na padronização da avaliação clínica e o aumento da confiabilidade dos diagnósticos. Os esquemas estruturados e uniformizados de entrevistas e os critérios de diagnóstico padronizados permitem a confiabilidade e a validade no diagnóstico, além de possibilitar aos profissionais de saúde mental o levantamento de informações acerca dos transtornos mentais. Estes implicam em condições clinicamente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e do humor, ou por comportamentos associados com angústia pessoal e/ou deterioração do funcionamento. Tais transtornos caracterizam-se por sintomas e sinais específicos, seguindo um curso natural mais ou menos previsível, a menos que ocorram intervenções (Organização Panamericana da Saúde - OMS - ONU, World Health Report, 2001).

Estudos americanos também reconhecem a relevância na atribuição do diagnóstico. Kapczinski e Margis (2003) salientam a importância do adequado reconhecimento do diagnóstico na clínica diária, considerando fundamental a divulgação destes conhecimentos, para que possa ser fornecido um melhor atendimento aos pacientes e aos seus familiares.

A prevalência de distúrbios psiquiátricos associados à utilização de serviços de saúde, verificada por Dias da Costa e cols. (2002), aponta que estudos epidemiológicos com delineamento transversal podem ser utilizados em saúde pública, tanto para determinar a freqüência de distúrbios psiquiátricos, como para avaliar a efetividade de políticas e ações desenvolvidas. Acerca do perfil de pacientes atendidos em um ambulatório de psicoterapia, o estudo de Enk e cols. (2000) revela que as mulheres representam 70% dos indivíduos que buscaram atendimento. São adultos jovens, com idade entre 18 e 35 anos que apresentam como principal diagnóstico de triagem os transtornos de humor, representando 72,8% dos casos. Os transtornos mentais e de comportamento decorrente do uso de substâncias psicoativas representam 53,3%.

Achados de outros estudos assemelham-se quanto à investigação da clientela de serviços em saúde mental. Galão e Ballester (1995), pesquisando o diagnóstico na busca de atendimento em saúde mental, constataram um predomínio de 26,8% de Transtornos afetivos e 19,8% de Fóbico-ansiosos. Dias da Costa e cols. (2002) citam o estudo coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), relacionado aos distúrbios mentais apresentados durante a vida. Os resultados atestam que 17,4% dos indivíduos apresentavam ansiedade, 15,5%, distúrbios do humor e 16% fazem uso de substâncias psicoativas.

Almeida Filho e cols. (1992) conduziram um estudo multicêntrico sobre morbidade psiquiátrica em áreas metropolitanas em diferentes estados brasileiros, numa amostra de casas aleatoriamente selecionadas, buscando estimar as prevalências globais de distúrbios psiquiátricos (EPG) na população e as prevalências de demanda potencial (DPE) de serviços destinados ao tratamento de distúrbios psiquiátricos. A análise dos grupos diagnósticos revelou que os distúrbios neuróticos, especialmente ansiedade e fobias são, em termos numéricos, os principais problemas de saúde mental da população urbana, com EPG variando de 8% a 18% e estimativas de DPE de 5% a 12%; as depressões não-psicóticas afetam particularmente o sexo feminino, com prevalências de até 14%, enquanto que o alcoolismo acomete principalmente o sexo masculino, atingindo prevalências globais e estimativas de demanda de até 9%.

Estudos epidemiológicos têm demonstrado diferenças de gênero na incidência, prevalência e curso de transtornos mentais e do comportamento. Os resultados indicam que as mulheres apresentam maiores taxas de prevalência de transtornos de ansiedade e do humor que homens. Estes apresentam maior prevalência de transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas, incluindo álcool, transtornos de personalidade anti-social e esquizotípica, transtornos do controle de impulsos e de déficit de atenção e hiperatividade na infância e na vida adulta. Nos transtornos em que a prevalência é semelhante em homens e mulheres, são observadas diferenças na idade de início, perfil sintomatológico e resposta ao tratamento. Ainda têm sido identificados diferentes padrões de comorbidade psiquiátrica e psiquiátrica/física em mulheres e homens (Andrade, Viana & Silveira, 2006).

Um estudo realizado por Andrade e cols. (2002) avaliou 1.464 indivíduos, uma amostra representativa da população geral, a partir de 18 anos. Como resultado, as mulheres apresentaram maior freqüência de transtornos afetivos, com exceção de episódios psicóticos de exaltação maníaca e distimia; transtornos ansiosos, exceto transtorno obsessivo-compulsivo, ansiedade generalizada e fobia social; transtornos dissociativos, transes e perdas de consciência; e transtornos alimentares. Os homens apresentaram maiores taxas de uso nocivo ou dependência de drogas, incluindo tabaco e álcool. Excluindo a dependência de tabaco, o risco de sofrer um transtorno mental durante a vida foi 1,5 vezes maior para as mulheres que para os homens.

Diferenças entre os gêneros foram encontradas em estudos prospectivos visando determinar a incidência de transtornos mentais por Andrade e cols. (2006). O uso de substâncias, particularmente o abuso de álcool, foi o transtorno com maior incidência em homens, seguido por depressão, fobia simples e dependência ao álcool. Nas mulheres, o transtorno com maior incidência foi depressão, seguida por fobia simples.

Fadel e cols. (2001), após identificar ao pacientes que buscaram um serviço de psicoterapia breve numa clínica-escola, num período de seis meses, concluem que a clientela da mesma caracteriza-se pela predominância de busca por mulheres (71%), sendo que os homens perfazem 29%. Nas mulheres a média de idade situa-se nos 43 anos, enquanto que nos homens a idade média recai nos 41 anos. As principais queixas que motivaram a busca por atendimento, considerando ambos os sexos, referem-se a problemas afetivos e emocionais, dificuldade em lidar com situações cotidianas, insegurança e auto-estima rebaixada. Tais queixas foram classificadas como conflitos crônicos.

Dentre as causas dos transtornos mentais em mulheres, Gastal e cols. (2006) citam as exigências feitas atualmente à mulher, tendo ela que lidar com as tarefas domésticas, maternagem dos filhos e mercado de trabalho, o que motiva contradições e conflitos. Tais fatores podem estar envolvidos na psicogênese e no desencadeamento dos transtornos mentais. Nas internações psiquiátricas de mulheres, segundo os autores, predomina o diagnóstico de transtornos afetivos, sendo que as psicoses esquizofrênicas apresentam-se como o segundo grupo nosológico mais significativo. A faixa etária entre 26-35 anos é predominante no caso de internações.

Ao comparar a população de mulheres e homens associando depressão e alcoolismo, Laranjeiras (2004) constatou que, em ambos os sexos, quando a depressão e o abuso do álcool se associam, o quadro tende a ser mais severo, com maior número de recaídas, gravidade da dependência, maior número de hospitalizações e aumento do risco de suicídios. Os resultados evidenciam que 78% dos homens iniciaram com abuso do álcool, antes da depressão, em oposição às mulheres, pois 66% destas iniciaram com a depressão e depois manifestaram a dependência do álcool.

Já o estudo de Martins e cols. (2005) acerca da incidência de depressão em 37 pacientes masculinos alcoolistas institucionalizados conclui que nem todo alcoolista possui depressão. Menezes e Nascimento (2000), por sua vez, apontam uma forte associação entre transtornos depressivos e alcoolismo.

As bebidas alcoólicas foram o principal motivo de internação psiquiátrica envolvendo usos de substâncias, com 39.186 internações de um total de 51.787, ocorridas em 367 hospitais psiquiátricos no Brasil, em 2004. Dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas/CEBRID revelaram, em estudo com uma população de 48.155 estudantes que, dessa amostra, 65,2% das pessoas consultadas haviam experimentado álcool ao menos uma vez na vida. O levantamento destacou que 41,2% dos jovens de 10 a 12 anos já haviam experimentado bebidas alcoólicas (Carlini, 2006).

Em concordância com esses estudos, os achados de Spader e cols. (2000) evidenciaram que a principal causa da busca por atendimento foram os transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoafetivas (F 10 - F 19), responsável por 47% das ocorrências, sendo o álcool a mais freqüente, totalizando 38% dos pacientes. Além disso, constataram um predomínio da população masculina na busca por atendimentos no serviço de pronto-socorro psiquiátrico, sendo que de um total de 698 pacientes, 494 eram do sexo masculino.

Em estudo clínico epidemiológico (Tarasconi, Miranda & Scortegagna, 2007) sobre a ocorrência e classificação diagnóstica da população infantil de zero a 12 anos em serviços públicos de atendimento a saúde mental entre 2002 a 2004, os resultados revelam que, dos 543 cadastros analisados, 59,6% eram meninos e 40,3% meninas. O diagnóstico de maior incidência em meninos enquadrou-se em Transtornos hipercinéticos (F90) e, nas meninas, em Transtornos mistos de conduta e emoções (F92). A idade de maior incidência nos meninos ocorreu aos sete anos enquanto que, nas meninas, a maior procura ocorreu na faixa dos 11 anos, destacando-se a escola nos encaminhamentos na categoria infantil. Considerando ambos os sexos, os problemas oriundos de vivências familiares adversas (Z63) perfazem o diagnóstico de maior incidência, seguidos de F92.

No estudo de Santos (2006), em amostra composta por 129 crianças e adolescentes atendidos em um serviço público de psicologia infantil, os resultados evidenciam que as queixas mais relatadas foram agressividade (32,6%), dificuldades de aprendizagem (30,2%), baixa tolerância à frustração e/ou dificuldade de controle de impulsos (24,8%). Os resultados deste estudo apontam que os meninos utilizam mais o serviço de psicologia, sendo que a faixa etária predominante é entre seis e 11 anos.

Ainda há muito a percorrer quanto ao conhecimento e compreensão dos distúrbios mentais, conforme estes se apresentam na população. Segundo Sarriera e cols. (2003), a epidemiologia tem um papel importante nas políticas de saúde pública - e não apenas em indivíduos ou doenças, pois ao se conhecer do ponto de vista epidemiológico como ocorrem as doenças, é possível alocar recursos na saúde pública. Neste sentido, o objetivo desse estudo é investigar a incidência dos distúrbios mentais em serviços de saúde mental entre 1997/2001.

 

Método

Participantes

Participaram desse estudo seis instituições públicas de atendimento à saúde mental à população de ambos os sexos, de nível socioeconômico baixo, no interior do estado do Rio Grande do Sul. Cinco delas oferecem serviços ambulatoriais a crianças entre zero a 12 anos de idade e adultos entre 13 e 89 anos, sendo que uma delas presta atendimento específico a portadores de retardo mental. A sexta instituição oferece internação hospitalar psiquiátrica a indivíduos adultos, sendo que os prontuários analisados referem-se a sujeitos em condição de internação hospitalar.

Instrumentos

Como instrumento de investigação utilizou-se um protocolo de pesquisa, concebido a partir do prontuário médico das instituições com dados referentes à idade, sexo, motivo da consulta, história clínica e diagnóstico segundo a CID 10 (1993).

Procedimentos

Após a concordância dos responsáveis pelas instituições, mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, iniciou-se a análise quantitativa dos dados dos prontuários explorando idade, sexo, motivo da consulta, história clínica e diagnóstico, segundo a CID-10. Esta análise foi realizada pelas pesquisadoras nas dependências das instituições, considerando o período de 1997 a 2001. Foram analisados 3.877 prontuários, tendo sido excluídos 549, pois os dados registrados não permitiram um enquadre diagnóstico. Nos casos sem registro diagnóstico, o enquadre foi feito a partir dos dados registrados no motivo da consulta e na história clínica. Os resultados foram gerados pela soma quantitativa dos dados, em tabelas de freqüência e sistematizados no programa Excel.

 

Resultados

Categoria Infantil

Na categoria infantil, os dados obtidos em quatro instituições participantes referem-se a 674 (17,3%) cadastros, dos quais 404 (59,9%) pertencem ao sexo masculino e 270 (40%) ao sexo feminino. A escola é responsável pelo maior número de encaminhamentos nesta categoria.

A faixa etária de maior incidência de casos, considerando ambos os sexos, corresponde ao período entre 11 e 12 anos de idade, com 131 (19,4%) casos, seguida dos sete anos com 81 (12%) casos. Nos meninos, a segunda maior incidência de casos por idade corresponde aos 10 anos, com 48 (11,8%) casos, seguido dos nove anos, com 47 (11,6%) casos. Nas meninas, a segunda faixa etária de maior procura refere-se à idade de sete anos, com 34 (15,6%) casos, seguida dos dois e três anos, com 33 (12,2%) casos.

Quanto ao diagnóstico, conforme a Tabela 1, os dados de quatro instituições de atendimento as crianças revelaram que a maior incidência, em ambos os sexos, recebeu diagnóstico de Reação a estresse grave e Transtornos de ajustamento (F 43) em 107 (15,8%) casos, sendo que 52 (12,8%) pertencem ao sexo masculino e 55 (20,3%) ao sexo feminino. Considerando-se ambos os sexos, predominaram os Transtornos de conduta (F 91) em 89 (13,2%) casos e os Transtornos mistos de conduta e emoções (F 92), com 64 (9,4%) casos.

Nos meninos predominaram os Transtornos de conduta (F 91) em 56 (13,8%) casos, seguidos das Reações a estresse grave e Transtornos de ajustamento (F 43), em 52 (12,8%) casos, e das Doenças do Sistema Nervoso - Lesão cerebral por anóxia (G 93.1), em 33 (8,1%) casos. Nas meninas, os quadros de Reação a estresse grave e Transtornos de ajustamento (F43) diagnosticados em 55 casos (20,3%) apresentaram maior incidência, seguidos dos quadros de Transtornos de conduta (F 91), em 33 casos (12,2%) e dos Transtornos mistos de conduta e emoções - Transtorno depressivo de conduta (F 92.0), com 33 casos (12,2%).

Constatou-se ainda que, na infância, em ambos os sexos, a faixa etária predominante corresponde à idade entre zero e seis anos, sendo que as Doenças do Sistema Nervoso - Lesão cerebral por anóxia (G 93.1), diagnosticadas em 42 casos (6,2%), apresentou-se em maior número. Em ambos os sexos, a idade de maior incidência ocorreu na faixa de 11 e 12 anos, com 69 casos (25,5%) nas meninas e 62 casos (15,3%) em meninos.

 

 

Quanto ao diagnóstico nas meninas, em ordem de incidência, verificaram-se as Reações a estresse grave e transtornos de ajustamento (F 43), em 55 (20,3%) casos. Nos meninos prevaleceram os Transtornos de Conduta, com 56 casos (13,8%) entre os sete e 12 anos, nas meninas prevaleceram as Reações a estresse grave e transtornos de ajustamento (F 43) em 37 casos (13,7 %). Nos meninos prevaleceram os Transtornos de conduta (F 91), com 36 casos (8,9%).

Categoria Adulto

Nesta categoria, conforme a Tabela 2, foram obtidos 2.848 (88,9%) prontuários em cinco instituições. Deste total, 1.342 (47,1%) pertenciam ao sexo masculino e 1.506 (52,8%) ao sexo feminino. A busca por atendimento é essencialmente espontânea, seguida por encaminhamento médico, sendo que a busca espontânea predominou nas mulheres (52,8%).

 

 

A faixa etária de maior incidência correspondeu ao período entre 30 e 39 anos de idade, com 762 (26,7%) sujeitos, seguida da faixa etária entre 19 e 29 anos, com 593 (20,8%) sujeitos e entre os 40 e 49 anos, com 581 (20,4%) sujeitos.

Como diagnóstico de maior incidência, em ambos os sexos, conforme a tabela 2, prevaleceram os Transtornos do Humor - Episódio depressivo (F 32), com 455 casos (14,2%), seguidos dos quadros de Esquizofrenia (F 20), com 379 casos (11,8%), e dos Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso do álcool (F10), com 300 casos (9,3%). No sexo feminino, como maior incidência prevaleceram os Transtornos do Humor - Episódio depressivo (F 32), com 353 casos (23,4%), seguido dos Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes ansiosos (F 41), com 177 casos (11,7%), e dos quadros de Reação ao estresse grave e transtornos de ajustamento (F 43), com 162 casos (10,7%).

Na população masculina os Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de álcool (F 10), com 276 casos (20,5%), seguidos dos quadros de Esquizofrenia (F 20), com 255 casos (19%), e dos quadros de Transtornos do Humor - Episódio depressivo (F 32), com 102 casos (7,6%) foi predominante.

Quanto à faixa etária, os dados revelaram que a maior procura por atendimento ocorreu entre 30-39 anos de idade com 762 casos (26,7%), seguida da faixa entre 19 e 29 anos em 593 casos (20,8%) e de 40-49 anos, em 581 casos (20,4%).

Considerando-se diagnóstico e faixa etária, observou-se que os quadros de Esquizofrenia (F20) prevaleceram entre 30-39 anos, com 144 casos (18,8%). Os Transtornos de humor-episódio depressivo (F32) predominaram entre 40-49 anos em 126 casos (21,6%), e entre 30-39 anos, com 104 casos (13,6%). Os Transtornos mentais e de comportamento decorrente do uso do álcool (F10) preponderaram entre as idades de 30-39 anos, totalizando 103 casos (13,5%).

Os casos de internação psiquiátrica ocorreram em 1.389 indivíduos, sendo 920 homens (66,2%) e 469 mulheres (33,7%). A faixa etária de maior incidência ocorreu entre 30 e 49 anos (41,8%), revelando que a doença mental incidiu na etapa mais produtiva da vida dos indivíduos adultos, etapa esta que se caracteriza pela constituição e consolidação da vida familiar e profissional.

 

Discussão e considerações finais

Os achados do presente estudo revelam que, na infância, os Transtornos do sistema nervoso constituem o diagnóstico de maior incidência nas idades entre zero e seis anos. Salienta-se que, como uma das instituições participantes atendia exclusivamente crianças com retardo mental, esta condição pode ter interferido nos resultados encontrados. Entende-se que o diagnóstico precoce destes transtornos possa auxiliar tanto na terapêutica quanto num prognóstico mais favorável, bem como no desenvolvimento destas crianças. A adequada e precoce atenção, às dificuldades por elas apresentadas, pode implicar na redução dos danos em seu desenvolvimento.

Na faixa etária entre sete e doze anos revelaram-se, principalmente, quadros manifestados no âmbito escolar. Estas crianças apresentaram, em sua maioria, problemas de aprendizagem, de adaptação e de conduta, caracterizados por impulsividade e agressividade.

Nas meninas predominou uma sintomatologia decorrente de fatores estressores, revelando que as mesmas buscam, através de seu sintoma, ajustar-se à nova situação ambiental. Já os meninos manifestaram uma sintomatologia basicamente na conduta, indicando o uso do corpo e da via motora como descarga de tensão (Papalia & Olds, 2000). A maior procura de atendimento por meninos revela a presença de sintomas ao nível da conduta, o que caracteriza maior evidência da problemática externalizada no ambiente.

Os resultados obtidos no presente estudo, em relação à maior procura por meninos, bem como à sintomatologia evidenciada, corrobora os dados apresentados nos estudos de Tarasconi e cols (2007) e Santos (2006).

Quanto à faixa etária de maior busca, os resultados do presente estudo diferem minimamente daqueles encontrados em Santos (2006), que apontam as idades entre seis e 11 anos como a idade na qual incide a maior procura por tratamento. Entretanto, constata-se que os resultados da presente pesquisa, assim como os resultados dos estudos de Tarasconi e cols. (2007) e Santos (2006), revelam a grande incidência de busca por atendimento na faixa etária de sete a 11 anos, período de escolarização.

Observa-se que a população infantil demanda atendimento especializado. As queixas por dificuldades de aprendizagem denotam a necessidade de uma investigação específica de seus determinantes, buscando adequadas estratégias de ação para a resolução destas questões.

Analisando as categorias adulto e infantil, constatou-se a grande diferença numérica na busca de atendimento por crianças e adultos, uma vez a procura por adultos é cinco vezes maior do que a busca por parte da população infantil. Pensando nas razões desta grande diferença, acredita-se que o próprio estatuto do ser criança faça com que determinados comportamentos por elas apresentados fiquem protegidos pelo estatuto da infância e não sejam reconhecidos como sinais de desajuste pelas famílias. Tal afirmação é fundamentada no estudo de Tarasconi e cols. (2007), que aponta a escola como a responsável pelo maior número de encaminhamentos na categoria infantil. Este fato permite pensar que os comportamentos indicativos de desajuste são identificados num primeiro momento pela escola e posteriormente pela família que, por sua vez, revela apresentar certa tolerância aos sintomas.

Na categoria adulto, a maior procura de atendimento por mulheres evidencia que as mesmas parecem sensibilizar-se mais com a doença, e que os homens têm maior dificuldade em buscar atendimento em saúde mental, corroborando com os achados do estudo de Enk e cols. (2000) e Fadel e cols. (2001). A busca por atendimento em adultos é essencialmente espontânea, seguida por encaminhamento médico. A procura espontânea revela o reconhecimento, por parte dos próprios sujeitos, de que este sofrimento é psíquico e que a superação deste sofrimento requer o auxílio de um profissional em saúde mental.

Como diagnóstico de maior incidência, em ambos os sexos, os dados dos prontuários de adultos registraram os Transtornos do humor - episódio depressivo (F 32). As características principais deste transtorno são o sofrimento por rebaixamento do humor, a redução de energia e atividade diminuída, bem como a incapacidade de sentir prazer e motivação marcadamente diminuída. Tais resultados são condizentes com os estudos de Almeida, Garrido e Tamai (1998) e Fadel e cols. (2001).

Um aspecto relevante quanto aos resultados encontrados no presente estudo diz respeito ao elevado número de casos diagnosticados como Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de álcool (F 10), que são semelhantes aos achados de Andrade e cols. (2006). O uso do álcool, considerado um problema crônico, com sérias repercussões clínicas e familiares, demanda grande parte dos serviços públicos. O número de casos encontrados nesta pesquisa, com este diagnóstico, sugere a necessidade de haver um direcionamento específico em relação ao preparo dos profissionais, bem como na organização dos atendimentos nas instituições de saúde mental. Realizados os diagnósticos e terapeuticamente bem encaminhados os casos, é possível intervir no abuso de substâncias nocivas e de outros transtornos psicológicos e sociais, de forma a possibilitar alívio ao sofrimento do indivíduo.

Os casos de internação psiquiátrica revelaram que a incidência masculina é duas vezes superior à feminina. As patologias mais severas incidiram nos homens, em sua maturidade, revelando que a doença mental manifestou-se na etapa mais produtiva da vida. Os resultados do presente estudo revelam que a busca de procura espontânea por atendimento foi verificada mais em mulheres (52,8%), como tentativa destas em desenvolverem recursos para a readaptação. Como na vida adulta o número de homens que busca atendimento ambulatorial é inferior ao número de mulheres, acredita-se que eles não busquem auxílio nos estágios iniciais de sofrimento psíquico, o que pode contribuir no agravamento dos quadros psicopatológicos, culminando na necessidade de internação psiquiátrica. A utilização de mecanismos de defesa como negação e a busca de paliativos como o álcool e drogas psicoativas, que proporcionam alívio imediato da tensão, pode gerar nestes sujeitos um funcionamento parcialmente adaptativo. Assim, os homens nem sempre podem estar conscientes de que algo em si mesmo provoca sofrimento, e que tem uma origem psíquica. Tais achados são concordantes com os resultados encontrados por Laranjeiras (2004).

A grande disparidade no número de sujeitos que buscaram atendimento na população masculina adulta, 1.342 casos, e masculina infantil, 404 casos, revelou que maior atenção deva ser dada à infância, a fim de evitar a gravidade dos quadros que se apresentaram na população adulta, onde 52,7% dos casos de internação psiquiátrica ocorreram em sujeitos masculinos. Enquanto na população infantil o maior número de casos ocorreu no sexo masculino, em adultos a maior procura ocorreu no sexo feminino. Estes dados evidenciam a necessidade de uma maior reflexão em termos de políticas públicas para a saúde mental na infância e adolescência, uma vez que as condições já identificadas na infância podem representar um risco para a saúde mental futura, como também aponta Santos (2006).

Diferentemente dos resultados apresentados nos estudos de Almeida Filho e cols. (1992), Galão e Ballester (1995) e Andrade e cols. (2006), o presente estudo não revelou incidência relevante de Transtornos fóbico-ansiosos. Entretanto, quanto ao predomínio em homens do uso de substâncias psicoativas, entre elas o álcool, os resultados apontados por Almeida Filho e cols. (1992), Andrade e cols. (2002; 2006) e Laranjeiras (2004) são coincidentes aos da presente pesquisa.

Acredita-se que os resultados deste estudo possam nortear não só os trabalhos na área de saúde mental, mas também as políticas de saúde, econômicas e sociais a serem adotadas na prevenção e terapêutica em saúde mental, tornando mais incisiva a luta por melhores condições de vida na população. Para uma maior eficácia desta luta, certamente contribui a reflexão dos profissionais acerca de sua prática clínica, bem como a reflexão dos gestores quanto às políticas públicas estabelecidas para a saúde mental.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: cmiranda@annex.com.br

Recebido em Março de 2007
Reformulado em Junho de 2008
Aceito em Agosto de 2008

 

 

Sobre as autoras:

* Christiane Albuquerque de Miranda: Psicóloga. Docente na Universidade de Passo Fundo/RS. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS. Endereço eletrônico: cmiranda@annex.com.br.
** Carla Ventura Tarasconi: Psicóloga. Docente na Universidade de Passo Fundo/RS Mestre em Psicologia do Desenvolvimento/UFRGS. Endereço eletrônico: carla@tpo.com.br.
*** Silvana Alba Scortegagna: Psicóloga. Docente na Universidade de Passo Fundo/RS. Mestre em Educação UFF/RS. Aluna do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Endereço eletrônico: silvanalba@upf.br.

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