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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.8 no.1 Porto Alegre Apr. 2009

 

RESENHAS E NOTA TÉCNICA

 

Devolução de dados por correio eletrônico: uma alternativa para pesquisas quantitativas

 

 

Vicente Cassepp-Borges*

Universidade de Brasília

 

 

A maioria das pesquisas com seres humanos não realiza a devolução dos resultados de pesquisa aos(às) participantes. Os poucos relatos encontrados se referem a pesquisas de caráter mais qualitativo, como pesquisa-ação, grupo-focal, dentre outros (Carrasco, 2003; Coelho, Castro, Campos, Campos, Priore, & Franceschini, 2005; Lisboa & Koller, 2000). A legislação brasileira estabelece que os resultados de pesquisa (favoráveis ou não) devem ser tornados públicos, mas não obriga o pesquisador a fazer devolução dos dados de pesquisa diretamente aos participantes nem estabelece isso como um direito do pesquisado (Conselho Nacional de Saúde, 1996). Porém, muitas vezes, as instituições fecham as portas para novas pesquisas sob alegação de nunca terem recebido um retorno dos resultados. A falta deste tipo de valorização aos participantes acaba tirando a credibilidade da ciência.

As pesquisas com grandes amostras são bastante comuns na área da Avaliação Psicológica. Se, por um lado, isso facilita a obtenção de dados mais representativos, por outro cria uma distância do participante. Esta relação vem sendo unilateral, ou seja, apenas o(a) participante fornece dados ao pesquisador. Devolver os resultados é uma maneira de aproximação, pois assim existe uma troca de informações (tanto o pesquisador quanto o participante se beneficiam dos dados), que pode deixar o processo de responder questionários mais agradável e inclusive tornar o participante mais cooperativo com a investigação. Esta nota técnica tem por objetivo descrever a devolução dos resultados na adaptação da Escala Triangular do Amor de Sternberg (ETAS) para o Brasil, com a finalidade de incentivar este procedimento entre pesquisadores de diversas áreas.

Descrição da pesquisa e da devolução dos resultados

A pesquisa contou com 362 participantes (131 homens, 36,2%; e 231 mulheres, 63,8%), todos estudantes de diferentes cursos em três universidades gaúchas (média de idade = 24,93 anos; D.P. = 6,03). Consistiu no preenchimento coletivo, em sala de aula, da ETAS, do Teste da Identificação Familiar (FIT), de um questionário criado pelos autores e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os objetivos foram conhecer as propriedades psicométricas da ETAS e o sentimento de amor na população alvo. Um melhor relato da pesquisa é feito no Anexo A e em outras publicações (Cassepp-Borges, Balbinnotti & Teodoro, no prelo, Cassepp-Borges & Teodoro, 2007, Cassepp-Borges & Teodoro, 2009).

No TCLE os participantes foram convidados a preencher um campo com o endereço de correio eletrônico. Este campo tornou-se útil para a localização dos mesmos. Após o término do semestre, quando todos os dados da pesquisa foram tabulados e analisados, tornou-se inviável localizar os participantes nas turmas onde os dados foram coletados. Porém, o correio eletrônico acompanha as pessoas. Dificilmente encontraremos um estudante universitário que não possua endereço de correio eletrônico. Pode-se perceber que 249 participantes (69%) foram atingidos por esta forma de comunicação (Figura 1). Alguns correios eletrônicos (n = 45; 12%) voltaram (muitos participantes não os escreveram de maneira legível) alguns participantes (n = 68, 19%) optaram por não preencher o campo com seu E-mail, abstendo-se de receber a devolução.

Confecção da mensagem aos participantes

Embora o objetivo do estudo tivesse sido descobrir as propriedades psicométricas de uma escala, espera-se que poucos participantes tenham interesse em ler dados complexos como a descrição da análise fatorial ou os valores de Alpha de Cronbach do instrumento (Cassepp-Borges & Teodoro, 2007). Portanto, o texto direcionado aos participantes foi simples. Por outro lado, não perdeu o caráter de informar objetivamente os resultados da pesquisa.

O texto foi iniciado com um agradecimento ao auxílio do participante. Deve-se levar em consideração que eles dispuseram o seu tempo para participar de um estudo no qual eles não terão nenhum benefício direto além de agradecimentos e da devolução dos resultados. Mesmo que houvesse recursos para isso, no Brasil é vedada qualquer forma de remuneração (CNS, 1996), portanto devemos procurar outras formas de retribuir pela participação para que a população mantenha o interesse em contribuir com a ciência.

A devolução dos resultados foi individualizada. Foi possível individualizar este texto de maneira automática colocando a base de dados utilizada para as análises em softwares como o Microsoft Excel®. Por exemplo, através da função "se", pode-se optar por colocar a letra "o" para um participante do sexo masculino ou a letra "a" para uma participante do sexo feminino. Ao final, dados individuais dos participantes puderam ser mesclados com texto através da função "concatenar". No anexo A, as partes em negrito e sublinhadas representam dados individuais de cada participante. Assim, um texto semelhante foi copiado e colado em cada e-mail enviado. Apesar de parecer um processo trabalhoso e complexo, foi um trabalho menor do que a digitação da base de dados, por exemplo. Devemos lembrar que o esforço de cada participante para responder ao questionário é menor do que o esforço para devolver os resultados. A devolução dos dados deve ser considerada uma parte da pesquisa.

 

 

Considerações sobre a devolução por correio eletrônico

A devolução em questão mostrou a cada participante seus dados particulares, e sua representação com relação a parâmetros populacionais. Pode surgir o questionamento sobre o risco de estes dados serem erroneamente interpretados. Por este motivo, foram ressaltadas as restrições dos resultados. Por outro lado, este risco não deve ser um impeditivo para que a devolução omita dados. Devemos considerar que, nesta pesquisa em específico, todos os participantes eram universitários. Pode-se partir do pressuposto que eles possuem nível cognitivo para interpretar corretamente estes resultados.

Outra discussão se dá com relação à frieza ou superficialidade que uma devolução eletrônica pode possuir. Porém, os participantes que preenchem um questionário possuem um envolvimento com a pesquisa inferior ao de participantes de uma extensa pesquisa qualitativa, por exemplo. Assim, não seria viável uma devolução de dados desproporcional ao que ocorreu no processo da pesquisa. Apesar disso, o convite para uma palestra é uma alternativa que pode aproximar quem se interessou pelo assunto. Diferentemente de devoluções à chefia das instituições pesquisadas, o correio eletrônico é uma alternativa que realmente atinge o participante. Na prática, o pesquisador brasileiro não vem devolvendo seus resultados de pesquisas com grande número de sujeitos, e a simplificação deste procedimento pode ser uma alternativa para reverter esta realidade.

Embora não solicitados, alguns participantes responderam de forma elogiosa ao correio eletrônico com os resultados (sic.). Estes exemplos mostram o quanto uma devolução de dados pode ser especial tanto para o pesquisador quanto para o pesquisado:

"Olá, Vicente!

Em primeiro lugar gostaria de lhe dar os parabéns pela pesquisa. É um assunto novo e também muito interessante.

Achei muito boa sua devolução. E por isso tenho que lhe dar os parabens mais uma vez.

E quanto a palestra la na UFRGS.. eu ja iria mesmo sem saber que se se tratava desta pesquisa... agora que sei, concerteza nao perderei.

Um abraço e até la, L. K."

"Oi Vicente,

Agradeço a retribuição dos resultados da pesquisa. Desejo boa sorte na tua vida profissional e na palestra. Parabéns pela seriedade do teu trabalho !!!

Abs,

F. C."

Uma boa aproximação entre o participante e o pesquisador é uma troca na qual ambos saem ganhando e se sentem valorizados pelo seu trabalho. Portanto, a devolução dos dados de pesquisa não precisa ser vista como um dever, mas como um momento prazeroso do trabalho. Todavia, a devolução é uma parte importante do processo. Ela pode ser planejada pelo pesquisador mesmo antes da realização da investigação. Mais do que uma rigidez nos cuidados éticos previstos em lei, a credibilidade da ciência depende deste tipo de respeito aos participantes.

 

Referências

Carrasco, L. K. (2003). Violência conjugal: um estudo de caso. Aletheia, (17/18), 21-30.        [ Links ]

Cassepp-Borges, V., Balbinotti, M. A. A., & Teodoro, M. L. M. (no prelo). Tradução e validação de conteúdo: Uma proposta para a adaptação de instrumentos. Em L. Pasquali (org.). Instrumentação de avaliação do comportamento humano: Fundamentos e aplicação. Porto Alegre, Brasil: Artmed.        [ Links ]

Cassepp-Borges, V. & Teodoro, M. L. M. (2007). Propriedades Psicométricas da Versão Brasileira da Escala Triangular do Amor de Sternberg. Psicologia: Reflexão & Crítica, 20, 513-522.        [ Links ]

Cassepp-Borges, V., & Teodoro, M.L.M. (2009). Versión reducida de la Escala Triangular del Amor: características del sentimiento en Brasil. Revista Interamericana de Psicología, 43(1), 30-38.        [ Links ]

Coelho, F. M. G.; Castro, T. G.; Campos, F. M.; Campos, M. T. F. de S.; Priore, S. E.; & Franceschini, S. do C. C. (2005). Educação para promoção da saúde infantil: relato de experiência em um assentamento de reforma agrária, Vale do Rio Doce (MG). Ciênc. Saúde Coletiva;10(3), 739-747.        [ Links ]

Conselho Nacional de Saúde (1996) Resolução 196 de 10 de outubro de 1996.        [ Links ]

Lisboa, C. S. de M. & Koller, S. H. (2000). Questões de ética na pesquisa com crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Aletheia, (11), 59-70.        [ Links ]

 

 

Recebido em Janeiro de 2009
Aceito em Março de 2009

 

 

Sobre o autor:

* Vicente Cassepp-Borges: graduou-se em Psicologia pela UNISINOS. Atualmente é estudante de doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UnB, vinculado ao LabPAM.

 

 

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