SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 issue2Life values in technologies and humanities college studentsAdaptação e validação da Escala de Bem-estar Espiritual (EBE): Adaptation and validation of Spiritual Well-Being Scale (SWS) author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.8 no.2 Porto Alegre Aug. 2009

 

ARTIGOS

 

Analises confirmatória da Escala de Atitudes para o Perdão - EFI

 

Confirmatory analysis of the enright forgiveness inventory - EFI

 

 

Júlio Rique Neto I, *; Cleonice P. S. Camino I, **; Walberto S. Santos II, ***; Valdiney V. Gouveia I, ****

I Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
II Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo efetuou múltiplas analises confirmatórias para verificar a estrutura fatorial da escala de Atitudes para o Perdão - The Enright Forgiveness Inventory - EFI. Foi utilizada uma amostra de 271 adolescentes, de ambos os sexos, com idade média de 15 anos, residentes na cidade de João Pessoa-PB. Seguindo a teoria de Robert D. Enright sobre o perdão interpessoal, as análises fatoriais confirmatórias testaram três modelos de atitudes para o perdão. Os resultados mostraram que o modelo que considerou o perdão constituído por seis fatores de primeira ordem foi o que melhor se ajustou aos dados. Embora os resultados confirmem as expectativas teóricas sobre o perdão interpessoal, os resultados empíricos levantaram discussões em relação a teoria e a respeito do perdão na prática de pesquisa e na clínica terapêutica.

Palavras-chave: Perdão, Avaliação Psicológica, Atitudes, EFI.


ABSTRACT

This study verified the factorial structure of the Enright Forgiveness Inventory - EFI in Brazilian-Portuguese version. A total of 271 adolescents, 15 years old in average, males and females, participated in the study. Multiple confirmatory factorial analyses tested three models for interpersonal forgiveness. Findings showed that a model with six-first-order factors for forgiveness (positive affect, negative affect, positive behavior, negative behavior, positive cognition, negative cognition) was the best fit for the data. The results supported Enright's view of forgiveness and a multidimensional structure for the EFI. Implications of this finding for clinical practice and research were discussed.

Keywords: Forgiveness, Psychological Assessment, Moral Attitudes, EFI.


 

 

Introdução

No âmbito da psicologia, o perdão pode ser visto como uma atitude, uma virtude ou um valor moral. Perdoar como uma atitude moral demonstra um julgamento pela eqüidade e é centrado na benevolência (Piaget, 1932/1994). Robert D. Enright e o Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento Humano (Enright & The Human Development Study Group, 1991) conceberam uma teoria sobre o desenvolvimento moral do perdão e, diante da necessidade de pesquisas na área, criaram uma medida de avaliação: The Enright Forgiveness Inventory -EFI (Subkoviak e cols., 1995). Esse instrumento de avaliação foi traduzido para o português, com o nome de Escala de Atitudes para o Perdão-EFI (Rique, 1999).

Com o objetivo de ampliar os estudos sobre o perdão, este estudo procurou verificar a estrutura fatorial da EFI. Segundo a teoria de Enright, existem três modelos de perdão:

Modelo 1. O perdão é constituído por um fator único;

Modelo 2. O perdão é constituído por seis fatores de primeira ordem (afetos positivos, afetos negativos, comportamentos positivos, comportamentos negativos, julgamentos positivos e julgamentos negativos) e três fatores de segunda ordem (afetos, comportamentos e julgamentos);

Modelo 3. O perdão é constituído por seis fatores de primeira ordem (afetos positivos, afetos negativos, comportamentos positivos, comportamentos negativos, julgamentos positivos e julgamentos negativos), que são positivamente correlacionados.

O perdão interpessoal: definição e processo psicológico

Apresentando a teoria de forma resumida, Enright definiu o perdão interpessoal a partir da perspectiva da vítima, em um contexto específico de injustiça (Enright, Freedman & Rique, 1998):

(...)perdoar é uma atitude moral na qual uma pessoa considera abdicar do direito ao ressentimento, julgamentos negativos, e comportamentos negativos para com outra pessoa que a ofendeu injustamente. E, ao mesmo tempo, nutrir a compaixão, a misericórdia, e possivelmente o amor para com o outro que ofendeu (pp. 46-47, tradução nossa).

O perdão ocorre entre pessoas. Compete à vítima perdoar e ao ofensor pedir o perdão. Para a vítima, perdoar é uma atitude voluntária e um processo que pode levar tempo. O perdão ocorre em graus e implica um processo psicológico: os afetos negativos (ex., raiva e ressentimento), os comportamentos negativos (ex., buscar vingança) e os julgamentos negativos (ex., condenar moralmente) devem diminuir com relação ao ofensor. E, os afetos positivos (ex., compaixão e amizade), os comportamentos positivos (ex., tratar bem o outro) e os julgamentos positivos (ex., ele ou ela é uma boa pessoa), devem aumentar com relação ao ofensor (Enright, Freedman & Rique, 1998).

A construção da EFI

Diante das necessidades práticas existentes na clínica e nos setores de pesquisa na área, tornou-se essencial o desenvolvimento de uma medida confiável, que operacionalizasse o conceito do perdão em sua totalidade e, ao mesmo tempo, permitisse a visualização das dimensões de afeto, comportamento e julgamento, com relação ao grau do perdão. Nos anos 80, quando ressurgiu o interesse por estudos sobre o perdão na psicologia, já existiam três medidas para o perdão interpessoal. A primeira delas era a escala Forgiveness of Others (Mauger e cols., 1992), que versa sobre a vingança e o ressentimento. A segunda medida era a Interpersonal Relationship Resolution Scale (Hargrave & Sells, 1997), que focaliza a resolução de conflitos na família, sendo validada para o uso na psicoterapia de família. A terceira escala era a Wade Forgiveness Scale-WFS (Wade, 1989), que é uma medida do grau do perdão interpessoal e identifica a pessoa que ofendeu. Dessas medidas, apenas a WFS se refere a uma injustiça específica, identifica o ofensor e avalia o perdão em termos de graus. Entretanto, embora represente algumas variáveis da teoria de Enright, a medida de Wade não considera as dimensões internas do perdão. Em função disso, decidiu-se criar a EFI, visando preencher a necessidade de avaliação psicológica sobre o perdão interpessoal, segundo Enright.

A construção da EFI obedeceu aos seguintes critérios conceituais e estatísticos, definidos a priori:

- A EFI foi criada como uma medida do grau pelo qual uma pessoa que foi ofendida perdoa seu ofensor em um contexto específico de mágoa;

- A partir da literatura em filosofia, sociologia, psicologia e teologia, um grupo multidisciplinar de profissionais elaborou, inicialmente, um conjunto de 150 ítens, agrupados em seis escalas internas, com 25 ítens cada. Esses itens tratavam de: ausência de afetos negativos, presença de afetos positivos, ausência de comportamentos negativos, presença de comportamentos positivos, ausência de julgamentos negativos e presença de julgamentos positivos;

- Considerando os resultados do uso da escala com 150 ítens, uma seleção de ítens foi efetuada, para a escolha dos ítens finais do instrumento. Foram considerados os ítens que atenderam a dois critérios de qualidade estatística: (1) uma correlação positiva de no mínimo 0,65 com o escore total da escala interna à qual o ítem pertence e com o escore total da EFI; e (2) uma correlação não significativa de 0,17 com a medida Crowne-Marlowe de desejabilidade social (Crowne & Marlowe, 1960);

- A palavra perdão não foi utilizada na EFI, nem nas instruções, escritas ou verbais, que foram dadas durante as aplicações da escala. Esse cuidado foi necessário, para evitar atitudes pré-concebidas dos(das) participantes, no momento em que estivessem avaliando seus afetos, comportamentos e julgamentos com relação à pessoa que os ofendeu;

- Para efeito de análise, os escores das escalas positivas devem ser interpretados como a presença de julgamentos, comportamentos e sentimentos positivos para com o ofensor. Em contrapartida, os escores das escalas negativas devem ser vistos como a ausência de julgamentos, comportamentos e sentimentos negativos para com o ofensor;

- A soma dos escores das escalas internas constitui o escore final da EFI. O escore total da EFI deve correlacionar-se positivamente com uma escala independente chamada de "Ítem do Perdão". Esse ítem deve ser administrado como um último ítem ou mesmo em separado da EFI. A escala foi intitulada e deve ser apresentada apenas como uma Escala de Atitudes.

Finalmente, foram escolhidos 60 ítens para compor a escala de atitudes para o perdão. Os ítens são divididos em seis escalas internas, de 10 ítens cada: afeto negativo, afeto positivo, comportamento negativo, comportamento positivo, julgamento negativo e julgamento positivo. A seqüência final dos ítens e das escalas internas da EFI foi feita de forma aleatória. A EFI ainda apresenta uma Folha de Rosto, na qual se verificam informações sociais e demográficas sobre o contexto da injustiça e uma última questão, separada do inventário, que é o Ítem do Perdão.

Pesquisas iniciais

O primeiro estudo sobre a EFI, publicado por Subkoviak e colaboradores (1995), utilizou uma amostra de 197 universitários (média de idade de 22 anos, DP = 4,7) e 197 adultos (média de idade de 50 anos, DP = 9,6) americanos. Os autores usaram medidas de ansiedade (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg & Jacobs, 1983), depressão (Beck & Steer, 1987) e desejabilidade social (Crowne & Marlowe, 1960) como avaliação externa da EFI. Conforme o esperado, os resultados mostraram uma correlação próxima de zero com a medida de desejabilidade social (r = - 0,0001). O escore total da EFI e os escores das escalas internas correlacionaram positivamente com o Item do Perdão (r = 0,68 para a EFI total, r = 0,68 para a subescala de afeto, r = 0,64 para a subescala de comportamento e r = 0,60 para a subescala de julgamento). Os índices Alfas de Crombach sobre a confiabilidade interna da EFI (n = 10 para cada escala interna e n = 60 para a escala total) foram bastante elevados, variando de = 0,93 a = 0,96 para as escalas internas e = 0,98 para a EFI total. Em uma nota de rodapé, os autores comentaram que, pelo design, esperavam que os ítens da EFI fossem altamente correlacionados, o que justificava encontrar uma consistência interna muito forte, sugerindo que a EFI era estruturalmente unidimensional. Mas também justificavam que as diferenças significativas entre as médias internas da EFI, ou seja, as diferenças nos conteúdos das escalas internas, validavam empiricamente as dimensões internas da EFI. No entanto, nenhuma análise confirmatória sobre a estrutura da EFI foi apresentada.

Com o interesse de validar a EFI em português, Rique (1999) administrou-a em uma amostra de 100 universitários (50 homens e 50 mulheres), com média de idade de 23 anos (DP = 3,84) e 100 adultos (50 homens e 50 mulheres), com média de idade de 50 anos (DP = 7,70) e comparou os dados brasileiros com os encontrados por Subkoviak e colaboradores (1995). Por uma questão de espaço e coerência, os resultados detalhados das análises descritivas da EFI em amostras brasileiras e a comparação transcultural (Rique 1999) serão apresentados em outros artigos. Para efeito do presente estudo, é importante mencionar que os resultados da EFI, considerando a amostra brasileira total, corroboraram os resultados encontrados por Subkoviak. O escore total da EFI correlacionou positivamente e significativamente com o Item do Perdão (r = 0,74, n = 200, p < 0,001), apresentou correlação não significativa com a medida de desejabilidade social (r = 0,10) e os índices Alfas de Crombach sobre a confiabilidade interna da EFI (n = 10 para cada escala) foram bastante elevados: variaram de a = 0,87 a a = 0,95 para as escalas internas e a = 0,98 para a EFI total. Considerando que o leitor possa achar estranho os resultados não demonstrarem um efeito da desejabilidade social em uma medida sobre o perdão, vale relembrar aqui que no sentido de minimizar o efeito da desejabilidade social, a palavra perdão não é mencionada na EFI, mas apenas no Item do Perdão que é uma escala independente.

Desde então, a EFI vem sendo uma das medidas mais usadas na área. Uma revisão da literatura em PsycINFO mostrou que existem 144 artigos e cinco livros sobre o assunto, sendo que 38,9% dessas referências citam a escala EFI. A Tabela 1 lista alguns desses estudos e apresenta uma visão geral dos resultados de validade da EFI. Conforme o esperado, estudos com amostras de diferentes áreas de aplicação (aconselhamento psicoterápico, desenvolvimento humano e estudos transculturais), mostram que a EFI apresenta correlações positivas com o Item do Perdão (r = 0,64 - 0,74), como mostra a Tabela 1. Note-se que também nessa Tabela 1, os índices de confiabilidade interna, encontrados nas diversas amostras, foram bastante elevados (Alfas de Crombach 0,94 - 0,98). Dados semelhantes foram encontrados em outros cinco países e reportados por Enright e Fitzgibbons (2000, pág. 311): Áustria (a = 0,98), Israel (a = 0,98), Coréia (a = 0,97), Noruega (a = 0,98) e Taiwan (a = 0,97).

Esses resultados apresentam um problema para a teoria, que define o perdão como uma estrutura multidimensional composta por afetos positivos, afetos negativos, comportamentos positivos, comportamentos negativos, julgamentos positivos e julgamentos negativos. Desta forma, geram a questão de pesquisa do presente trabalho, no sentido de procurar determinar qual a estrutura fatorial mais adequada para a EFI, a unidimensional ou a multidimensional. Trata-se, em suma, de investigar a adequação de um dos três possíveis modelos postulados pela teoria de Enright e The Human Development Study Group (1991): o Modelo 1, constituído por um fator único; o Modelo 2, formado por seis fatores de primeira ordem e três fatores de segunda ordem; e o Modelo 3, constituído por seis fatores de primeira ordem.

 

 

Método

Amostra

O presente estudo contou com a participação de 271 adolescentes, dos quais 57% eram homens e 43% eram mulheres. As idades variaram de 13 a 19 anos (M = 14,9; DP = 1,08). Quanto ao nível de escolaridade, os participantes eram da 8ª e da 9ª série do ensino fundamental e do 1º e do 2º ano do ensino médio.

Instrumentos

Foi utilizada a Escala EFI, na versão em português feita por Rique (1999). A EFI tem uma Folha de Rosto, onde se encontram informações sociais e demográficas sobre os participantes e o contexto da injustiça. Após preencherem a Folha de Rosto, os participantes foram convidados a responder um inventário de 60 itens, distribuídos equitativamente em seis escalas internas, compostas por 10 ítens cada: afetos positivos (ex., bondade, cuidado, carinho), afetos negativos (ex., repulsa, hostilidade, ressentimento), comportamentos positivos (ex., mostrar amizade, ajudar, ter consideração), comportamentos negativos (ex, evitar, ignorar, negligenciar), julgamentos positivos (ex., afetuoso, uma boa pessoa, merecedor de respeito) e julgamentos negativos (ex., uma pessoa má, fraca, uma pessoa difícil). Cada ítem devia ser respondido por meio de uma escala de seis pontos, com os extremos 1 = discordo fortemente e 6 = concordo fortemente. Para a análise dos dados, o grau de concordância com os ítens negativos são invertidos e os ítens em cada escala são somados para obter os escores internos. A soma dos escores das escalas internas constitui o escore total da EFI, ou seja, o grau do perdão.

Considerando-se que a EFI não inclui a palavra perdão em seu inventário, ao final do instrumento os participantes eram instados a pensar na pessoa avaliada nessa escala e responder a uma última questão: Por favor, indique o quanto que você perdoou a pessoa que você avaliou na Escala EFI. Essa questão devia ser respondida em uma escala de 5 pontos (1 = não perdoei e 5 = perdoei completamente). O escore do ítem do perdão é utilizado como uma medida independente de validade externa da EFI.

Procedimentos

a) Para a tradução da EFI. Foi utilizado o método de tradução reversa dos ítens. Cada ítem foi traduzido por um grupo de quatro profissionais e, depois, uma pessoa que não participou da tradução do inglês para o português efetuou uma tradução reversa, do português para o inglês. Em seguida, o grupo comparou a versão original em inglês com a tradução reversa, corrigindo as distorções e os erros. Rique (1999) reporta que a versão em português seguiu todos os critérios conceituais e estatísticos para a seleção dos 60 ítens finais da EFI. Os ítens da EFI possuem correlação de no mínimo 0,34 e no máximo 0,97, com o escore total da escala à qual o ítem pertence e correlação de no máximo 0,19 com a escala de desejabilidade social Crowne-Marlowe (1960). Como houve direito a uma escolha de ítens, optou-se por manter, em português, os ítens idênticos aos da EFI em inglês.

A coleta de dados foi realizada em conjunto com os alunos, em sala de aula. Inicialmente, obteve-se a permissão do diretor de uma escola privada da cidade de João Pessoa-Pb e o consentimento dos pais e dos alunos participantes da pesquisa. Os participantes foram informados, verbalmente, que o estudo era sobre atitudes frente a injustiças, que não havia respostas certas ou erradas e que eles seriam solicitados a pensar em uma situação real na qual foram magoados por outra pessoa. A participação durou 45 minutos em média.

b) Para a análise dos dados. O objetivo principal deste estudo foi analisar o modelo fatorial da EFI em uma amostra de adolescentes. Para tanto, realizaram-se múltiplas análises fatoriais confirmatórias. Tais análises foram realizadas por meio do AMOS 7, considerando-se a matriz de covariância e empregando-se o método de estimação ML (Maximum Likelihood). O ajuste dos modelos foi verificado em função dos seguintes indicadores: x² (Qui-quadrado). Neste índice, valores altos funcionam como um indicativo de um modelo insatisfatório. Mesmo não funcionando adequadamente com grandes amostras (n > 200), a diferença do qui-quadrado e seu respectivo grau de liberdade [ X² (df)] tem sido utilizada como um critério útil para comparar o nível de ajuste de modelos alternativos (Garson, 2003); Razão X² / gl (graus de liberdade), ainda que não exista um valor crítico exato para decidir sobre a adequação ou não do modelo, na prática, são recomendáveis valores entre 2 e 3, podendo-se aceitar até 5 (Byrne, 2001); Goodness-of-Fit Index (GFI) e Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI), refletem uma medida de variabilidade explicada pelo modelo, podendo-se observar valores entre zero (ajuste ruim) e um (ajuste perfeito), sendo aceitáveis valores iguais ou superiores a 0,90 (Marsh, Hau & Wen, 2004).

Como indicadores adicionais, ainda foram considerados o Comparative Fit Index (CFI), que, à semelhança dos anteriores, admite valores iguais ou superiores a 0,90 e o Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), cujo ajuste do modelo é indicado por valores inferiores a 0,08 (Joreskög & Sörbom, 1989).

Ainda, para atenuar problemas comuns em análises de instrumentos com um número elevado de itens, optou-se por agrupar os itens em parcelas (Hau & Marsh, 2004; Kishton & Widaman, 1994). Segundo Kishton e Widaman (1994), os itens agrupados em cada parcela devem ser selecionados aleatoriamente e apresentar consistência interna satisfatória, sendo recomendado entre cinco a seis itens por parcela. Contudo, no presente estudo foram selecionados para cada fator da EFI uma parcela constituída por três itens, uma vez que este tem sido o número de indicadores (variáveis observáveis) recomendados para que um construto (variável latente) seja adequadamente identificado (Anderson & Gerbing, 1988; Bentler & Chou, 1987). Assim, em cada fator que passou a ser composto por três itens, observaram-se os seguintes índices de consistência interna alfa de Cronbach (a): Afeto Positivo a = 0,85 (foram usados os itens: 1. Afeto, 17. Bem-estar e 18. Afeição); Afeto Negativo a = 0,78 (foram usados os itens: 9. Repulsa, 12. Raiva e 14. Antipatia); Comportamento Positivo a = 0,88 (foram usados os itens: 35. Estabelecer boas relações com ele(a), 37. Fazer um favor e 38. Ajudá-lo(a) quando estiver com um problema); Comportamento Negativo a = 0,64 (foram usados os ítens: 22. Evitar, 23. Ignorar e 24. Negligenciar); Julgamento Positivo a = 0,83 (foram usados os itens: 44. De boas qualidades, 45. Merecedor de respeito e 50. Uma boa pessoa); e Julgamento Negativo a= 0,81 (foram usados os itens: 42. Maligno, 49. Imoral e 53. Uma pessoa má). Como se pode constatar, em todos os fatores os alfas se encontram dentro de parâmetros considerados aceitáveis.

 

Resultados

Foram testados três modelos: o primeiro (Modelo 1) reuniu os 18 ítens aleatoriamente selecionados em torno de um fator geral, o perdão; o segundo (Modelo 2) distribuiu os 18 ítens em seis fatores de primeira ordem (afetos positivos, afetos negativos, comportamentos positivos, comportamentos negativos, julgamentos positivos e julgamentos negativos), agrupados em três fatores de segunda ordem (afetos, comportamentos e julgamentos); e o último (Modelo 3) considerou uma estrutura multidimensional, mas composta apenas por seis fatores de primeira ordem. Os índices de ajuste para cada um destes modelos podem ser verificados na Tabela 2.

 

 

O Modelo 2 e o Modelo 3 foram os modelos que mais se ajustaram aos dados e compartilharam uma estrutura multifatorial para o perdão. O Modelo 2 corroborou a existência de seis fatores específicos de primeira ordem e três fatores de segunda ordem, sendo observados os seguintes índices: goodness of fit, X² (126) = 244,42, p < 0,001, X² / g.l. = 1,94, GFI = 0,910, AGFI = 0,879, CFI = 0,955 e RMSEA = 0,059 (intervalo de confiança 90% = 0,048-0,070). Quando comparado ao Modelo 1, o Modelo 2 foi mais apropriado [X² (9) = 363,05, p < 0,001]. Entretanto, os índices de ajuste do Modelo 3 permitiram concluir por sua melhor adequabilidade frente ao Modelo 2 [X² (6) = 51,15, p < 0,001] e, conseqüentemente, ao Modelo 1. O Modelo 3 estimou a existência de seis fatores de primeira ordem, sendo observados os seguintes índices: goodness of fit X² (120) = 193,27, p < 0,001, X² / g.l. = 1,61, GFI = 0,930, AGFI = 0,900, CFI = 0,972 e RMSEA = 0,048 (intervalo de confiança 90% = 0,035-0,060). A Figura 1 apresenta os parâmetros estimados para este modelo.

Estes resultados demonstram que o perdão pode ser adequadamente representado por seis fatores. Como se observa na Figura 1, as saturações (lambdas, v) variaram de 0,60 a 0,80, todas estatisticamente diferentes de zero (z > 1,96, p < 0,001).

 

Discussão

Este trabalho buscou verificar a estrutura fatorial da escala de Atitudes para o Perdão - EFI em português, em uma amostra de adolescentes. Três modelos foram testados, de acordo com as propostas da teoria de Enright sobre o desenvolvimento moral do perdão. Os resultados mostraram que dois modelos eram satisfatoriamente ajustados aos dados. O Modelo 2, que considerou seis fatores de primeira ordem (afeto negativo, afeto positivo, comportamento negativo e comportamento positivo, julgamento negativo e julgamento positivo) e três grandes fatores de segunda ordem (afeto, comportamento e julgamento), se ajustou satisfatoriamente. No entanto, o Modelo 3, que considerou apenas os seis fatores de primeira ordem, se ajustou melhor aos dados.

Em termos empíricos e considerando a validade e a independência dos fatores, o Modelo 3 confirma as expectativas teóricas de Enright sobre o perdão interpessoal. Ou seja, segundo Enright, o perdão interpessoal se constitui pelo somatório final dos seis escores internos da EFI. Por outro lado, estatisticamente, o somatório se constitui pela suposição de independência dos fatores. Porém, os resultados deste trabalho apontam que o perdão é constituído por seis fatores de primeira ordem fortemente correlacionados entre si. Essa controvérsia, entre a suposição teórica de independência de fatores e resultados empíricos que indicam fatores fortemente correlacionados, também foi encontrada nos estudos dos autores da EFI (Subkoviak e cols., 1995), quando informaram que a despeito da forte consistência interna indicar que não existem subescalas válidas na EFI, comparações efetuadas por meio de testes-t para medidas repetidas, em amostras de adolescentes e adultos americanos, mostraram resultados significativos para todas as nove comparações entre os pares de subescalas. Nesse sentido, os autores informam que as pessoas discriminam os conteúdos das subescalas significativamente ao responder a EFI. Antecipamos também que em outro artigo tratando de uma comparação transcultural com uma amostra de estudantes universitários brasileiros e americanos (Rique & Camino, no prelo) os resultados confirmam a forte consistência interna da EFI e foram encontradas diferenças significativas entre as subescalas da EFI. Se as razões apresentadas justificam ou não os dados empíricos é matéria para discussão em futuros artigos. Sugere-se que os resultados deste trabalho sejam replicados por outros autores utilizando a EFI.

Ainda relacionado à estrutura da atitude para o perdão, é preciso também que futuros trabalhos possam melhor esclarecer diferenças entre a atitude de perdoar e o desenvolvimento do pensamento do perdão. Teoricamente, para uma pessoa perdoar, é necessário modificar os afetos negativos de ressentimentos em afetos positivos de compaixão e amor, os comportamentos de vingança em comportamentos de amizade e os julgamentos de rancor em julgamentos de cuidado e carinho por outra pessoa, que a ofendeu injustamente. Esse processo indica mudanças qualitativas no pensamento que são representadas por algo maior do que o somatório de escores internos da EFI. Nesse sentido, o desenvolvimento do pensamento moral do perdão possui estrutura diferente da atitude para o perdão. Fica aqui a recomendação para futuras comparações entre dois aspectos no estudo do perdão: a estrutura da atitude de perdoar (ou grau do perdão) e o desenvolvimento do pensamento do perdão (ou por que devemos perdoar?).

 

 

Por ultimo, no âmbito da prática, pesquisadores e clínicos possuem diferentes objetivos ao avaliar as pessoas em suas atitudes para com o perdão. Para os pesquisadores, os três grandes fatores de segunda ordem (Modelo 2), afeto, comportamento e julgamento, parecem atender satisfatoriamente às expectativas teóricas de Enright para serem utilizados, a despeito de minúcias entre os aspectos negativos e positivos de cada dimensão do desenvolvimento humano e assumindo-se que a discussão colocada anteriormente, ou seja, a medida pela qual os fatores de primeira ordem mostram-se independentes, mas correlacionados, seja melhor esclarecida.

Para os clínicos, ainda com relação ao Modelo 2, terapeutas podem lançar mão, com mais propriedade, das diferenças entre os escores internos da EFI, afetos, julgamentos e comportamentos, para avaliarem melhor o avanço das terapias para o perdão. Embora o perdão seja uma atitude pessoal e voluntária, perdoar não é uma atitude intuitiva. É esperado que as pessoas sejam informadas sobre o processo e precisem de apoio terapêutico durante o processo do perdão. Embora a psicologia de orientação cognitiva para o perdão não defenda divisões estruturais na interação dos afetos com os comportamentos e os julgamentos, no apoio terapêutico a relação entre esses fatores pode ser considerada. Os terapeutas podem orientar seu trabalho a partir das variações no grau pelo qual os afetos, comportamentos e julgamentos se desenvolvem durante o processo. Desta forma, para os clínicos, o Modelo 2 é parcimonioso e também fornece a justificativa necessária para verificar distinções entre os escores das escalas internas.

Para concluir, pode-se dizer que tanto o Modelo 2 como o Modelo 3 corroboram a suposição de que a EFI é uma escala multidimensional, que respalda as atividades de pesquisa e clínicas. Entretanto, é importante reafirmar que, embora as análises confirmatórias tenham utilizado apenas 18 ítens aleatoriamente escolhidos, a EFI deve ser usada na sua totalidade, isto é, com 60 itens, para evitar uma distorção da teoria proposta por Enright. Seria errôneo se clínicos e pesquisadores passassem a usar apenas uma seleção de itens, assumindo que o perdão é oferecido somente através do aumento dos afetos positivos (ex., amor) ou da redução dos julgamentos negativos (ex., ressentimento). A EFI foi concebida a partir da definição do perdão interpessoal e deve ser utilizada no seu conjunto de 60 ítens e correlacionada ao ítem do perdão.

 

Referências

Anderson, J. C. & Gerbing, D. W. (1988). Structural equation modeling in practice: a review and recommended two-step approach. Psychological Bulletin, 103, 411-423.        [ Links ]

Ashleman, K. A. (1996). Forgiveness as a resiliency factor in divorced or permanently separated families. Unpublished master's thesis, University of Wisconsin, Madison.        [ Links ]

Beck, A. T., & Steer, R. A. (1987). Beck Depression Inventory. San Antonio, CA: Psychological Corporation.        [ Links ]

Bentler, P. M. & Chou, C. (1987). Practical issues in structural modeling. Sociological Methods & Research, 16, 78-117.        [ Links ]

Byrne, B. M. (2001). Strutural equation modeling with Amos: Basic concepts, applications, and programmimg. New York: Springer - Verlag.        [ Links ]

Coyle, C. T., & Enright, R. D. (1997). Forgiveness intervention with post-abortion men. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 24, 394-354.        [ Links ]

Crowne, D. P., & Marlowe, D. (1960). A new scale of social desirability independent of psychopathology. Journal of Consulting Psychology, 24, 349-354.        [ Links ]

Enright, R.D., & Fitzgibbons, R. P. (2000). Helping clients forgive. An empirical guide for resolving anger and restoring hope. Washington, D.C.: American Psychological Association.        [ Links ]

Enright, R. D., Freedman, S., & Rique, J. (1998). The psychology of interpersonal forgiveness. In R.D. Enright & J. North (Eds.), Exploring forgiveness (pp.46-47). Madison, WI: University of Wisconsin Press.        [ Links ]

Enright & Human Development Study Group (1991). The moral development of forgiveness. In W. Kurtiness & J. Gewirtz (Ed.), Handbook of moral behavior and development (Vol. 1, pp. 123-152). Hillsdale, NJ: Erlbaum.        [ Links ]

Garson, G. D. (2003). PA 765 Statnotes: An online textbook. Disponível na página web: http://www2.chass.ncsu.edu/garson/pa765/statnote.htm (consultado em 3 de maio de 2008).        [ Links ]

Gassin, E. A. (1995). Social cognition and forgiveness in adolescent romance: An intervention study. Unpublished doctoral dissertation, University of Wisconsin, Madison.        [ Links ]

Hargrave, T. D., & Sells, J. N. (1997). The Development of a forgiveness scale. Journal of Marital and Family Therapy, 23, 1, 41-62.        [ Links ]

Hau, K. & Marsh, H. W. (2004). The use of item parcels in structural equation modeling: Non-normal data small sample sizes. British of Mathematical Statistical Psychology, 57, 327-351.        [ Links ]

Holeman, V. T. (1994). Relationship between forgiveness of a perpetrator and current marital adjustment for female survivors of childhood sexual abuse. Unpublished doctoral dissertation, Kent State University, Kent, Ohio.        [ Links ]

Jöreskog, K.G., & Sörbom, D. (1989). LISREL 7 user's reference guide. Mooresville, Inc.: Scientific Software.        [ Links ]

Kelman, H. C. (2007). The Israeli-Palestinian peace process and its vicissitudes. American Psychologist, 62, 4, 287-303.        [ Links ]

Kishton, J. M. & Widaman, K. F. (1994). Unidimensional versus domain representative parcelling of questionnaire items: An empirical example. Educational and Psychological Measurement, 54, 757-765.        [ Links ]

Lin, Wei-Fen, Mack, D., Enright, R. D., Krahn, D., Baskin, T. W. (2004). Effects of forgiveness therapy on anger, mood, and vulnerability to substance use among impatient substance-dependent clients. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 72, 6, 114-1121.        [ Links ]

Marsh, H. W., Hau, K. T. & Wen, Z. (2004). In search of golden rules: Comment on hypothesis-testing approaches to setting cutoff values for fit indexes and dangers in overgeneralizing Hu and Bentler's (1999) findings. Structural Equation Modeling, 11, 320-341.        [ Links ]

Mauger, P. A., Perry, J. E., Freeman, T., Grove, D. C., McBride, A. G. McKinney, K. E. (1992). The measurement of forgiveness: Preliminary research. Journal of Psychology and Christianity, 11, 2, 170-180.        [ Links ]

North, J. (1998). The ideal of forgiveness. A philosopher's exploration. In R. D. Enright & J. North (Eds.). Exploring Forgiveness. Madison, WI: University of Wisconsin Press.        [ Links ]

Nousse, V. E. (1997). Forgiveness as related to post-abortion healing. Unpublished master's thesis, University of Wisconin-Madison.        [ Links ]

Park, Y., & Enright, R. D. (1997). The development of forgiveness in the context of adolescent friendship conflict in Korea. Journal of Adolescence, 20, 393-402.        [ Links ]

Piaget, J. (1932/1994). O juízo moral na criança. São Paulo: Editora Summus.        [ Links ]

Reed, G. L., & Enright, R. D. (2006). The effects of forgiveness therapy on depression, anxiety and posttraumatic stress for women after spousal emotional abuse. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 74, 5, 920-929.        [ Links ]

Rique, J. & Camino, C. (no prelo). O perdão interpessoal em relação a variáveis psicossociais e demográficas. Psicologia Reflexão e Critica.        [ Links ]

Rique, J. (1999). A cross-cultural study on the Enright Forgiveness Inventory (EFI): A measure for Interpersonal Forgiveness. Samples from Brazil and the United States. (Doctoral dissertation, University of Wisconsin, Madison, 1999). Dissertation Abstracts International, 61(2-A), 512.        [ Links ]

Sarinopoulos, I. (1996). Forgiveness in adolescence and middle adulthood: Comparing the Enright Forgiveness Inventory with the Wade Forgiveness Scale. Unpublished master's thesis, University of Wisconsin, Madison.        [ Links ]

Spielberger, C. D., Gorsuch, R. L., Lushene, R., Vagg, P. R., & Jacobs, G. A. (1983). The state-trait anxiety inventory (STAI). Consulting Psychologists Press Inc.: Palo Alto, CA.        [ Links ]

Subkoviak, M. J., Enright, R. D., Wu, C., Gassin, E., Freedman, S., Olson, L, & Sarinopoulos, I. (1995). Measuring interpersonal forgiveness in late adolescence and middle adulthood. Journal of Adolescence,18, 641-655.        [ Links ]

Wade, S. H. (1989). The development of a scale to measure forgiveness. Unpublished doctoral dissertation, Fuller Theological Seminary.        [ Links ]

Wilson, H. P. (1994). Forgiveness and survivors of sexual abuse: relationships among forgiveness of the perpetrator, spiritual well-being, depression, and anxiety. Dissertation Abstracts International, 55 (03), 616.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: julio.rique@uol.com.br

Recebido em Agosto de 2008
Reformulado em Abril de 2009
Aceito em Junho de 2009

 

 

Sobre os autores:

* Júlio Rique Neto: Doutor. Professor da Universidade Federal da Paraíba -UFPB.
** Cleonice P. S. Camino: Doutora. Professora da Universidade Federal da Paraíba -UFPB.
*** Walberto S. Santos: Doutor. Professor da Universidade Federal do Ceará - UFCE.
**** Valdiney V. Gouveia: Doutor. Professor da Universidade Federal da Paraíba-UFPB.

Os autores agradecem a contribuição dos revisores anônimos, cujos comentários contribuíram para o trabalho.

 

 

Creative Commons License