SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 issue2Adaptação e validação da Escala de Bem-estar Espiritual (EBE): Adaptation and validation of Spiritual Well-Being Scale (SWS)Construction of semantic differential scales: a measure for the evaluation of aircraft interior sound author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.8 no.2 Porto Alegre Aug. 2009

 

ARTIGOS

 

Questionário do Comportamento do Motorista - QCM: adaptação e validaçÃo para a realidade brasileira

 

Validation of the Driver Behavior Questionnarie (DBQ) to Brazil

 

 

Heila Magali da Silva Veiga I, II *; Luiz Pasquali I, **; Narla Ismail Akel Silva I, ***

I Universidade de Brasília, Brasil
II Centro Universitário de Brasília, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi realizar uma adaptação do DBQ (Driver Behavior Questionnarie) para o Brasil, e verificar se a estrutura fatorial do estudo original se confirmava. O questionário composto de 67 itens, nomeado Questionário do Comportamento do Motorista (QCM) foi aplicado a uma amostra não probabilística de 504 motoristas do Distrito Federal, sendo 154 homens e 348 mulheres, com idade média de 23 anos, portadores da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A análise fatorial mostrou a existência de três fatores, mantendo-se a estrutura fatorial do estudo original, sendo o primeiro denominado de erros (13 itens, alfa=0,80), os fatores lapsos e violações com 13 itens cada (alfa=0,79). O instrumento final ficou composto por 39 itens e explicou 26,8% da variância total. Destaca-se a relevância social deste estudo, pois o mesmo fornece dados que podem auxiliar os profissionais e psicólogos do trânsito, na obtenção de ferramentas voltadas para a área do planejamento e da educação para o trânsito.

Palavras-chave: Validação, Questionário do Comportamento do Motorista, Erros, Lapsos e Violações.


ABSTRACT

The goal of this study was to make an adaptation of DBQ (Driver Behavior Questionnaire) to Brazil and verify if the factorial structure of the original study would be confirmed. The questionnaire, comprised by 67 items, named Questionário do Comportamento do Motorista in Portuguese (abbreviation QCM), was applied to a non-probabilistic sampling of 504 drivers from the Federal District, 154 men and 348 women, average age 23, bearing the National Driving License (Carteira Nacional de Habilitação, abbreviation CNH in Portuguese). The factorial analysis showed the existence of three factors, keeping the original study's factorial structure. These factors were named errors (13 items, alpha = 0,80), and the lapses and violations factors (13 items each, alpha = 0,79). The final instrument was comprised by 39 items and explained 26,8% of total variance. We highlight the social relevance of this study, since it provides data that may assist traffic professionals and psychologists in the obtention of tools geared towards the area of traffic planning and education.

Keywords: Validation, Driver Behavior Questionnaire, Errors, Lapses and Violations.


 

 

Introdução

Os acidentes de trânsito, em diversos estudos demográficos e epidemiológicos, têm sido apontados como um dos principais causadores de mortalidade no Brasil (Lima & Vasconcelos, 1998). Em 2006, foram registradas 18.836 vítimas fatais de acidentes de trânsito, sendo 14.623 homens, 3.326 mulheres e 887 não informaram (DENATRAN). Segundo dados do IPEA (2007) o custo médio de um acidente na estrada, que tenha vítimas fatais, pode chegar até a R$ 421 mil. No caso de feridos, o custo fica em R$ 90 mil, em média.

Os acidentes de trânsito podem ser causados por um ou mais de seus quatro protagonistas: o veículo, a estrada, o ambiente e o motorista. Essa multiplicidade de causas dificulta na elaboração de uma metodologia para investigar tal fenômeno (Groeger,1990). No que diz respeito ao fator humano, as causas, em geral, são mais complexas e amplas. As razões de natureza humana podem ser inatas, congênitas, ou decorrentes do despreparo e da inexperiência do condutor ou de outros fatores, como a sua personalidade. As inatas só em alguns casos podem ser corrigidas, já os requisitos de preparo e da experiência, esses dependem do atendimento das exigências quando da habilitação. Na interação entre o fator humano com o veículo, a via e o meio ambiente, todos podem influenciar no comportamento do condutor, criando situações irregulares. Em todos os casos verifica-se a presença do fator humano, enquanto os outros fatores podem, ou não, participar.

Melhorar o conhecimento sobre os processos psicológicos que resultam em mal-funcionamento do motorista é uma tarefa importante para a pesquisa de segurança no trânsito; pois, estudos indicam que as ações humanas atuam como um fator que contribuem de 90 a 95% nos acidentes trânsito (Aberg & Rimmo, 1998). Um aspecto que vem sendo muito estudado no que diz respeito ao conhecimento sobre as variáveis relacionadas ao comportamento inadequado por parte dos motoristas, diz respeito ao erro humano e seus processos psicológicos envolvidos (Groeger, 1990).

Reason, Manstead, Stradling, Baxter e Campbell (1990), desenvolveram um amplo estudo sobre o erro humano. Com base em suas pesquisas eles apresentam uma taxonomia dos erros humanos, classificando-os em violações (violations), erros (errors) e lapsos (lapses). Nas violações existe a intenção deliberada de infringir uma norma e um planejamento dessa ação. Os erros, por outro lado, ocorrem devido a falhas no processamento da informação. Os lapsos, por sua vez, são pequenos deslizes com conseqüências apenas para o condutor que os cometeu. Essas duas categorias de comportamento inadequado são mediadas por diferentes mecanismos psicológicos. As violações podem ser explicadas por fatores motivacionais e do contexto social enquanto que os erros e os lapsos se referem ao campo perceptual.

Ao se discutir o erro humano, um aspecto importante para delimitar os diferentes tipos de erros é a idéia de ação deliberada. Diversos autores (Parker, Reason, Manstead e Stradling, 1995; Reason,1990) subdividem os atos inseguros em duas categorias, erros e violações. Os erros são definidos como uma falha no planejamento da ação para se atingir um resultado, seriam um desvio da ação planejada, ao passo que as violações dizem respeito a infringir deliberadamente algum código legal. O componente mais característico da violação é a intenção do comportamento, dessa forma, se não houver a intenção de comportamento, a violação se torna um erro.

Os erros, por sua vez, podem ser subdivididos em duas categorias, os erros (mistake) e os lapsos (lapse). "Se a intenção não é apropriada, tem-se um erro e, se a ação não foi intencional ocorreu um lapso" (Reason, 1990, p. 8). Os erros envolvem uma inadequação entre a intenção e a conseqüência esperada, ou seja, uma escolha inadequada de ação, ao passo que no lapso a discrepância é entre o que ocorreu e o que era esperado, envolve falhas de memória, atenção. Os erros emergem de processos mais complexos que os lapsos.

Conforme sintetizado por Macedo (2004), os lapsos são comportamentos potencialmente embaraçosos que envolvem problemas de atenção e memória que normalmente não decorrem em risco, como por exemplo, trancar o carro com as chaves dentro. Os erros se referem a falhas nas ações para se atingir algum resultado intencional e podem incluir falhas de observação e de julgamento de ações, como por exemplo, subestimar a velocidade de um veículo que vem em sua direção quando está ultrapassando. As violações são os desvios deliberados, como por exemplo, seguir diante de um sinal vermelho. As distinções entre os erros e as violações são sumarizadas na Tabela 1.

 

 

Com o objetivo de investigar a distinção entre os diferentes erros humanos ao dirigir, Reason e colaboradores (1990) desenvolveram um questionário, chamado Driver Behavior Questionnarie (DBQ). Este instrumento formado por 50 itens foi aplicado a uma amostra de 520 motoristas da Inglaterra, onde estes eram solicitados a julgar a freqüência com que cometiam vários tipos de erros e violações enquanto dirigiam. A análise fatorial dos dados resultou em três fatores, a saber: violação deliberada explicando 22,6% da variância, erros perigosos explicou 6,5% da variância e por fim lapsos inofensivos explicando 3,9% da variância. Verificou-se que as violações declinam com a idade, enquanto os erros não. Os homens de todas as idades relataram mais violações do que as mulheres. Os achados corroboraram a visão dos autores de que as violações são explicadas em termos motivacionais e sociais, ao passo que os erros e lapsos referem-se às falhas no processamento de informações.

Parker, Reason, Manstead e Stradling (1995), aplicaram uma versão reduzida do DBQ. Para obter tal versão eles selecionaram os oito itens com as melhores cargas fatoriais de cada um dos três fatores, o que resultou num instrumento de 24 itens, a uma amostra de 2187 sujeitos da Grã-Bretanha. Após submeter os dados à análise fatorial obtiveram uma solução com três fatores confirmando aquela anteriormente feita por Reason e colaboradores (1990), os três fatores juntos explicavam 37% da variância. Para calcular a fidedignidade da versão reduzida, utilizou-se o teste-reteste. O DBQ foi enviado para 80 pessoas sete meses após a primeira aplicação. Foram devolvidos 54 (67,5%) dos questionários e o coeficiente de fidedignidade obtido foi de 0,78.

Outra replicação do estudo do Driver Behavior Questionnnarie foi feita na Austrália por Blockey e Hartley (1995). Eles aplicaram o DBQ a uma amostra de 135 motoristas, as análises revelaram três fatores, mas não idênticos àqueles do estudo original. Na pesquisa australiana, foram encontrados erros gerais, erros perigosos e o terceiro fator, violações perigosas. A variância total explicada foi de 27,7%. Uma possível explicação para a diferença na estrutura dos fatores diz respeito ao tamanho da amostra, somente 135 sujeitos participaram desta pesquisa, este dado pode ter interferido na solução fatorial, autores como Tabachinick e Fidell (1996), afirmam serem necessários pelo menos 300 casos para se realizar a análise fatorial.

Outra replicação do DBQ foi realizada na Suécia por Aberg e Rimmo (1998), eles aplicaram o instrumento a mais de 1400 motoristas. Para essa pesquisa, novos itens foram anexados ao instrumento a fim de adequá-lo à realidade daquele país, principalmente com relação ao inverno que é muito longo e durante grande parte do ano as estradas ficam cobertas de gelo e neve. A amostra foi selecionada randomicamente do registro oficial de proprietários de carros daquele país. Um quarto da amostra foi constituído por motoristas com idade entre 18 e 24 anos e o restante da amostra com idade de 25 a 70 anos. Os questionários foram enviados as pessoas pelo correio e destes 69% (N=1429) retornaram respondidos completamente. A análise fatorial realizada com os itens originais de Reason e colaboradores (1990) confirmou a estrutura de três fatores. Quando os novos itens foram incluídos, a análise fatorial apresentou como mais satisfatória a solução com quatro fatores. Dos quatro fatores encontrados neste estudo dois permaneceram os mesmos do estudo original, são eles as violações e os erros perigosos; enquanto o terceiro fator lapsos-inofensivos foi dividido em dois novos fatores: erros de atenção e erros de inexperiência.

Ao replicarem o estudo na Grécia com 1425 condutores, Kontogiannis, Kossiavelou e Marmaras (2002) constataram que os erros e as violações são os principais determinantes dos comportamentos inadequados de dirigir, ficando evidenciado também que erros e lapsos foram as principais formas de comportamentos inadequados. Tais autores consideraram bastante significativo o fato de que os resultados dos estudos realizados anteriormente fossem válidos, mesmo para um país como a Grécia, onde as vias são estreitas havendo dificuldade de espaços para estacionamento adequado, má visibilidade dos sinais viários e diferentes condições sócio-culturais.

No Brasil, foram encontrados três instrumentos que avaliam o comportamento do motorista. Em 2000, Veiga e Flores apresentaram uma validação inicial do DBQ. A escala foi aplicada a uma amostra de conveniência de 146 motoristas do Distrito Federal. Os resultados revelaram uma estrutura de três fatores, violações, erros e lapsos, os quais explicaram 27% da variância total. O segundo trabalho foi desenvolvido por Sousa e Clark (2001), os quais fizeram uma versão do DBQ. Os autores afirmam que o instrumento afere erros, lapsos e infrações, entretanto não relatam como foi feita a construção da escala nem discorreram sobre as suas qualidades psicométricas. Após consulta ao currículo Lattes na plataforma do CNPq de cada um dos autores, não foram encontradas outras publicações que se referissem ao instrumento. Outra adaptação do DBQ para o Brasil foi feita por Monteiro e Günther (2006) usando uma amostra de 923 motoristas do DF. O instrumento proposto é formado por quarenta itens distribuídos em quatro fatores, erro (alfa=0,58), violação (alfa=0,54), violação agressiva (alfa=0,70) e violação agressiva interpessoal (alfa=0,73). A estrutura encontrada confirma apenas parcialmente aquela de Reason e colaboradores (1990); além disso, a confiabilidade das escalas é merititória (Pasquali, 2008). Os três trabalhos apresentam importantes avanços no estudo do comportamento inadequado no trânsito, entretanto, verificam-se algumas lacunas, os dois primeiros utilizam amostras muito pequenas e são resumos de trabalhos apresentados em congressos, assim, não há uma explicação detalhada do processo de validação. O terceiro estudo por sua vez, não confirma totalmente a estrutura fatorial proposta por Reason e colaboradores (1990).

Assim, o objetivo do presente estudo é fazer uma adaptação do DBQ (Driver Behavior Questionnarie) para o Brasil e verificar se a estrutura fatorial do estudo original se mantém. Vale ressaltar que tal pesquisa não pretende estabelecer uma relação entre comportamentos inadequados e suas responsabilidades em acidentes, mas sim, possibilitar uma possível distinção entre comportamentos vistos como não desejáveis em uma parcela de motoristas do Distrito Federal. O nome dado ao questionário foi Questionário do Comportamento do Motorista - QCM.

 

Método

Participantes

O instrumento foi aplicado a uma amostra de conveniência de 504 motoristas com Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Distrito Federal. O tempo médio de habilitação dos sujeitos foi de quatro anos (desvio padrão = 4,69). A idade média foi de 23 anos (desvio padrão = 6,66); sendo 154 homens e 348 mulheres. Do total de sujeitos, 73,7% possuíam o terceiro grau incompleto, 12,3% o segundo grau completo e 11,3% o terceiro grau completo, o restante dos participantes (2,7%) não informou a escolaridade. A maior parte da amostra foi constituída de solteiros (82,9%) e estudantes (74%).

Instrumento

Questionário do Comportamento do Motorista (QCM): Primeiramente foi realizada a tradução do instrumento por três profissionais paralelamente, em seguida foram comparadas as três versões, por fim realizou-se a análise semântica com 12 sujeitos com escolaridade de segundo e terceiro grau. A partir desta análise, alguns itens foram re-elaborados e chegou-se a versão final do instrumento. Alguns itens do instrumento original foram eliminados, pois apresentavam questões próprias de outro sistema rodoviário. O questionário final ficou com 67 itens. Para que os itens fossem respondidos foi utilizada uma escala do tipo Likert de cinco pontos, sendo (1) nunca, (2) raramente, (3) às vezes, (4) freqüentemente, (5) sempre.

Procedimento de coleta e análise de dados

O instrumento era auto-administrável e foi aplicado coletivamente em sala de aula. O tempo médio para respondê-lo foi de 15 minutos. Antes de responder ao instrumento, os participantes leram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinaram afirmando concordar em participar da pesquisa. Para a análise de dados foi utilizado o programa estatístico SPSS versão 15.

 

Resultados

Antes de se tentar realizar a análise fatorial do instrumento alguns aspectos foram considerados. O primeiro passo para se realizar a extração de fatores foi verificar se a matriz de correlações realmente apresentava covariâncias, ou seja, observar se existia fatorabilidade. Se as variáveis analisadas forem independentes, então não existem fatores comuns e não se ganha muito fazendo a análise fatorial. Para se analisar a fatorabilidade da matriz R pode-se utilizar o teste de adequação da amostra de Kayser-Meyer-Olkin (KMO). O teste de Kayser-Meyer-Olin (KMO) trabalha com as correlações parciais, isto é, a correlação entre duas variáveis entre si, retirando a influência das outras variáveis. No questionário pesquisado o valor do KMO encontrado foi de 0,848 considerado meritório segundo a classificação apresentada por Pasquali (2008). Além disso, o teste de Barlett foi de 9017,543 (gl= 2211, p<0.001).

Depois de se decidir realizar a análise fatorial o passo seguinte foi definir o número de fatores a serem extraídos. Para definição do número de fatores foram considerados alguns critérios. Primeiramente, foi realizada uma análise dos componentes principais e foram considerados os seguintes critérios para se estabelecer o número de fatores:

- Eigenvalue maior que 1 (Guttman, 1954): segundo este critério devem ser extraídos 14 fatores.

- O método da análise paralela (Enzmann, 1997): esse método utiliza dados randômicos com o mesmo número de casos e variáveis do conjunto de dados. "Calculando eingenvalues baseados nos dados randômicos, são criados critérios para julgar o grau de randomicidade dos eigenvalues empiricamente determinados" (p. 232). Com base nesse critério são extraídos 12 fatores.

- O critério de Harman (1967, citado por Pasquali, 2008) afirma que cada fator deve explicar pelo menos 3% da variância da matriz R. Por este critério extrai-se 3 fatores.

- O Scree test: Cattell (1966) sugere que se utilize o gráfico scree para decidir o número de componentes importantes a serem retidos. Com base neste critério, pode-se dizer que o conjunto de dados analisados apresenta 3 fatores (Figura 1).

- A teoria: de acordo com o Reason e colaboradores (1990) o questionário é formado por 3 fatores.

- A variância total explicada: deve-se estabelecer o número de fatores a partir da variância total explicada. Retendo-se 3 fatores tem-se 26,8% de variância explicada.

A partir dos critérios acima se decidiu realizar a análise fatorial com três fatores, utilizando-se rotação promax. A estrutura com três fatores foi considerada satisfatória, em outras palavras, interpretável.

A maior carga fatorial encontrada no primeiro fator (erros) foi de 0,68; no segundo fator (lapsos) a maior carga foi de 0,51 e no último fator (violações) a maior carga fatorial encontrada foi de 0,58. A descrição de cada um dos fatores é apresentada nas tabelas 2, 3 e 4. O índice de confiabilidade (alfa de Cronbach) encontrado para o fator erros foi de 0,80 e para os fatores lapsos e violações foi de 0,76 cada. Cada um dos fatores ficou com 13 itens.

 

 

 

 

 

Foi considerado o critério de uma carga fatorial de no mínimo 0,35 para a inclusão do item, a única exceção foi o item cinco no fator violação que apresentou carga fatorial de 0,34. Decidiu-se pela manutenção desse item, pois ele constitui uma violação gravíssima segundo o código de trânsito brasileiro. Tal item traz a seguinte afirmação: "dirige, após ter bebido acima do limite legal de álcool permitido". Além disso, considera-se importante a manutenção desse item, pois diversos estudos mostram a correlação entre ingestão de bebidas e acidentes de trânsito (Rehm, 1993; Yunes & Rajs, 1994; Albery & Guppy, 1995; Marin-Léon & Queiroz, 2000; Marin-Léon & Vizzoto, 2003).

A estrutura fatorial encontrada é interpretável, contudo alguns itens carregaram em fator diferente do hipotetizado. No fator erros, verificou-se que o item 39 (Propositalmente desrespeita o pedestre que está atravessando a faixa ou tentando atravessar) diz respeito a uma violação, e os itens 58 (Tranca o carro com as chaves dentro) e 26 (Ao tentar ligar os faróis, você liga o limpador de vidros) referem-se a lapsos. No fator lapsos, os itens 35 (Julga erroneamente a superfície da pista e quando freia, o carro pára mais longe do que o esperado) e 7 (Planeja de forma inadequada o caminho a ser percorrido e por isso encontra um congestionamento que poderia ter sido evitado) são erros. O fato de alguns itens de erros terem carregado no fator lapsos e vice-versa reforça a literatura que afirma ser a distinção entre ambos tênue (Norman, 1981); em função disso, há a necessidade de aprimoramento de tais fatores da escala. Quanto ao item 39, são necessárias novas investigações para verificar se de fato as pessoas estão entendendo-o como um erro. Os demais itens apresentaram carga fatorial nos mesmos fatores que os da pesquisa de Reason e colaboradores (1990).

A análise fatorial mostra uma distinção entre os erros/lapsos e as violações. No fator violação todos os itens tratam de ações intencionais, conforme levantado pela literatura (Reason, 1990; Parker & cols., 1995). O fator erros trata de falhas no processamento da informação, há uma escolha inadequada da ação. Já o fator lapsos é caracterizado por deslizes que, de maneira geral, trazem mais inconveniência que risco para outros motoristas. Do total de itens, os de número 36, 14, 37, 62, 52, 2 e 7 não trazem riscos para outros motoristas, e os itens 67, 50, 35, 54, 61 e 9 podem vir a ser causadores de risco, de acordo com categorização de Reason e colaboradores (1990).

Observando-se os escores dos sujeitos nos fatores percebe-se que o escore dos homens foi maior nos fatores erros e violações, sendo que apenas neste último a diferença foi significativa (t=3,32, gl=398, p= 001), ao passo que as mulheres tiveram um escore maior que o dos homens no fator lapsos (t=2,32, gl=398, p=,021). As diferenças nos escores em função da idade não foram significativas.

 

Discussão e Conclusão

Esse estudo atingiu o seu objetivo, pois a adaptação do Questionário do Comportamento do Motorista apresentou resultados satisfatórios. Destaca-se, ainda, que a estrutura de três fatores, violações, erros e lapsos, a qual foi defendida, primeiramente, por Reason e colaboradores (1990), e replicada em diversos países, foi encontrada nesse trabalho. Apesar de a estrutura fatorial ter se confirmado um item chama a atenção, o de número 39 (Propositalmente desrespeita o pedestre que está atravessando a faixa ou tentando atravessar), o qual no estudo original correspondia ao fator violações, neste estudo este item é parte do fator erros esse dado revela a importância de novos estudos serem empreendidos a fim de se compreender melhor esse dado. Por ser esse um estudo seminal, são necessários novos trabalhos com a escala ora apresentada, afim de que a mesma seja aprimorada, especialmente para a distinção entre os fatores erros e lapsos.

Um aspecto importante encontrado no presente estudo diz respeito à diferença no comportamento de homens e mulheres ao dirigir, onde os primeiros demonstraram cometer mais erros e violações, enquanto que as mulheres informaram cometer mais lapsos. Diversos autores (Reason,1990; Kontogiannis & cols., 2002; Yinon & Levian, 1988), apontam que em seus achados homens de todas as idades registraram mais violações do que as mulheres. Andrade, Soares, Braga, Moreira e Botelho (2003), com o intuito de investigar os comportamentos de risco para acidentes de trânsito entre os jovens, constataram haver uma diferença estatística entre os jovens do sexo masculino e feminino, onde estes relataram envolver-se com maior freqüência que as mulheres pesquisadas em comportamentos como os de conduzir automóveis, ingestão de bebida alcoólica previamente à direção e realizações de ultrapassagens perigosas. Marin-Léon e Vizzoto (2003), ao realizarem um estudo com 2.116 estudantes universitários de dezoito a vinte e cinco anos, encontraram um maior risco de acidentes de trânsito em jovens do sexo masculino, sendo as diferenças significativas para os comportamentos de exceder os limites de velocidade e transgressão dos sinais de circulação. Harré (2000), também enfatiza que os jovens de sexo masculino possuem uma maior tendência a subestimar os riscos e a conduzir de forma aparentemente mais perigosa do que as condutoras do sexo feminino.

Ledesma, Poó e Peltzer (2007) conduziram um estudo para investigar a relação entre busca impulsiva por sensações e condutas de risco no trânsito. A busca impulsiva por sensações diz respeito à busca de experiências e sensações novas e variadas, tendência a agir de maneira impulsiva, sem avaliar as conseqüências e riscos. As pessoas com alto grau de busca impulsiva de sensações necessitam de elevada estimulação para manter o equilíbrio. Esses autores ao revisar a literatura dos países nórdicos e anglo-saxões verificaram que há uma correlação moderada entre busca de sensações e condutas de risco ao dirigir, como velocidade elevada e não-uso do cinto de segurança. Nesse levantamento bibliográfico, eles verificaram que havia uma lacuna na área, a saber, analisar se haveria diferenças nas relações entre busca de sensações e conduta de risco em função do gênero e da idade. Além disso, pontuaram a necessidade de verificar se tais relações também eram observadas em países latinos. Assim, para preencher tais lacunas eles conduziram um estudo com 204 motoristas argentinos, selecionados não probabilisticamente por cotas de idade e sexo. Os resultados mostram que de maneira geral, há um decréscimo em ambas as variáveis com a idade e, as maiores médias estão no grupo dos homens. Foi encontrada diferença significativa na busca impulsiva de sensações apenas função da idade [F (1)= 23,03, p<0,01]. Em relação aos comportamentos de risco na condução foram observadas diferenças significativas em função da idade [F (1)= 5,40, p<0,01] e do gênero [F (1)= 10,93, p<0,01]. Por fim, observou-se correlação positiva entre busca impulsiva de sensações e conduta de risco ao dirigir (r= 0,31, p< 0,01).

Sugere-se para estudos futuros que o QCM (Questionário do Comportamento do Motorista) seja aplicado a uma amostra maior, que novos itens sejam construídos nos fatores de erros e lapsos para a obtenção de fatores com coeficiente de fidedignidade superior aos obtidos. Recomenda-se outras estratégias para o cálculo da fidedignidade como o teste-reteste. Além disso, indica-se que o QCM seja aplicado conjuntamente com outras escalas, sendo que uma variável importante a ser investigada em estudos posteriores, estaria relacionada aos valores individuais dos condutores, pretendendo-se realizar a avaliação de aspectos relacionados ao próprio comportamento do sujeito, tais como os erros e violações de motoristas, com o sistema cognitivo de valores que estes possuem. Rocha (2005) ressalta a existência de uma relação entre valores individuais e comportamento do condutor, ao apontar que este tem vários aspectos motivacionais como qualquer indivíduo e desta forma tende a expressar seus valores ao emitir comportamentos como o de conduzir um veículo, por exemplo.

Seria importante que novas pesquisas fossem realizadas, pois o comportamento inadequado do motorista não está relacionado, exclusivamente, à falta de conhecimento das regras e do que é necessário para dirigir, mas sim, o que ele faz ou deixa de fazer e porque o faz. Evans (1991) ressalta para as evidências de que acidentes de trânsito possuem relação com aspectos da personalidade do sujeito como: instabilidade emocional, impulsividade, comportamento anti-social, agressividade e estresse. Monteiro e Günther (2006), por sua vez, apontam que raiva na direção pode vir a atuar como uma variável mediadora, entre agressividade e comportamentos indesejados de motoristas.

Panichi e Wagner (2006) apontam para a importância da realização de intervenções que enfoquem a direção segura. Sendo importante destacar os tipos de conduta que colocam em risco a saúde física, social e mental do jovem no trânsito, com a finalidade de se promover as estratégias de enfrentamento destes jovens em relação aos riscos da direção perigosa. Assim sendo, o profissional psicólogo deveria atuar também, na área de conscientização. Pois, além das habilidades e condições psicológicas, é preciso que estes jovens adquiram a consciência dos riscos de se dirigir de maneira arriscada.

Veiga (2000) pontua que o psicólogo tem um importante papel no processo de seleção de novos motoristas; pois a avaliação psicológica é obrigatória no país. Além disso, destaca que a atuação do psicólogo na área de trânsito não deve se restringir apenas à avaliação psicológica, sendo também essencial sua atuação na área de planejamento e educação para o trânsito.

 

Referências

Aberg, L. & Rimmo. P.A. (1998). Dimensions of aberrant behavior. Ergonomics, 41 (1), 39-56.        [ Links ]

Albery, I. P. & Guppy, A., (1995). The interactionist nature of drinking and driving: A structural model. Ergonomics, 38,1805-1818.        [ Links ]

Andrade, S.M, Soares, D.A, Braga, G.P, Moreira, J.H; Botelho, F.M.N. (2003). Comportamentos de risco para acidentes de trânsito. Um inquérito de Estudantes de Medicina na Região Sul do País. São Paulo. Revista Associação Medica Brasileira. 49 (4) 439-444.        [ Links ]

Blockey, P.N. & Hartley, L.R. (1995). Aberrant driving behavior: errors and violations. Ergonomics, 38(9), 1759-1771.        [ Links ]

Cattell, R.B. (1966) The scree test for the numbers of factors. Multivariate Behavioral Research, 1, 245-276.        [ Links ]

DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito -. Registro Nacional de Acidentes de Trânsito [on-line] Disponível em: http//www.infoseg.gov.br/renaest/inicio.do        [ Links ]

Enzmann, D. (1997) Ran Eigen: a program to determine the parallel analysis criterion for the number of principal components. Applied Psychological Measurement, 21(3), 232-233.        [ Links ]

Evans, L. (1991). Traffic safety and the driver. New York: Van Nostrand Reinhold.        [ Links ]

Groeger, J.A. (1990). Driver's errors in, and out of, context. Ergonomics, 33(10/11), 1423-1429.        [ Links ]

Guttman, L. (1954) Some necessary conditions for common-factor analysis. Psychometrika, 19, 146-161.        [ Links ]

Harré, N. (2000). Risk evaluation, driving and adolescents: A typology. Developmental Review, 20, 206-226.        [ Links ]

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em http://www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=1362        [ Links ]

Kontogiannis, T. Kossiavelou, Z. & Marmaras, N. (2002). Self - reports of aberrant behaviour on the roads: errors and violations in a sample of Greek drivers. AccidentAnalysis & Prevention, 3, 381-399.        [ Links ]

Ledesman, R.; Poó, F. & Peltzer, R. (2007) Búsqueda impulsive de sensaciones y comportamiento de riesgo en la conducción. Avaliação Psicológica, 6 (2), 117-125.        [ Links ]

Lima, D.D & Vasconcelos, A.M.N (1998). A Mortalidade por acidentes de trânsito no Brasil. Anais do XI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Belo Horizonte, p.2109-30.

Macedo, G.M. (2004) Estudo das relações entre o nível de habilidade e direção segura, a irritabilidade e o cometimento de violações e erros do motorista e o seu potencial envolvimento em acidentes de trânsito. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo.        [ Links ]

Marin-Léon. & Queiroz, S.M, (2000). A atualidade dos acidentes de trânsito na era da velocidade: Uma visão geral. Cadernos de Saúde Pública, 16, 7-22.        [ Links ]

Marín-Léon, L. & Vizzoto, M. M. (2003). Comportamento no trânsito: um estudo epidemiológico com estudantes universitários. Cadernos de Saúde Pública, 15, 515-523.        [ Links ]

Monteiro, C. A. S. & Günther, H. (2006). Agressividade, raiva e comportamento de motorista. Psicologia: Pesquisa & Trânsito, 1(2), 9-17.        [ Links ]

Norman, D.A. (1981) Categorization of action slips. Psychological Review, 88, 1-15.        [ Links ]

Panichi, R.M. & Wagner, A. (2006). Comportamento de Risco no Trânsito: Revisando a Literatura sobre as Variáveis Preditoras da Condução Perigosa na População Juvenil. Revista Interamericana de Psicologia, 40 (2), 159-166.        [ Links ]

Parker, D., Reason, J.T., Manstead, A.S.R. & Stradling, S.G. (1995). Driving errors, driving violations and accident involvement. Ergonomics, 38(5) 1036-1048.        [ Links ]

Pasquali, L. (2008). Análise Fatorial para Pesquisadores. 1 ed. Brasília: LabPAM, v. 1.        [ Links ]

Reason, J. (1990). Human Error. New York: Cambridge University Press.        [ Links ]

Reason, J., Manstead, A., Stradlling, S., Baxter, J. & Campbell, K.(1990). Errors and violations on the roads: a real distinction? Ergonomics, 33(10/11), 1315-1332.        [ Links ]

Rehm, C. G.(1993). Failure of the legal system to enforce drunk driving legislation effectively. Annals of Emergency Medicine, 22, 1295-1297.        [ Links ]

Rocha, J.B.A. (2005). Infrações no trânsito: uma necessária distinção entre erros e violações. Interação em Psicologia, 9(1), 177-184.        [ Links ]

Sousa, L.M. & Clark, C. (2001) Erros, lapsos e infrações no trânsito. Sociedade Brasileira de Psicologia. Resumos de Comunicações Científicas da XXXI Reunião Anual de Psicologia da SBP. Rio de Janeiro:         [ Links ] SBP

Tabachinick, B.G. & Fidell, L.S. (1996). Using multivariate statistics. Third edition. New York: Harper Collins Publishers.        [ Links ]

Veiga, H.M.S. (2000). Estudo Exploratório da Bateria K-2 de Aptidão Para Dirigir. Dissertação de Mestrado. Pós Graduação em Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília - DF.        [ Links ]

Veiga, H.M.S. & Flores, L. G. (2000). Validação de um questionário para avaliar o comportamento do motorista. Em: Anais do Congresso Mineiro de Avaliação Psicológica e VIII Conferência internacional de Avaliação Psicológica. Belo Horizonte, MG.        [ Links ]

Yinon, Y. & Levian, E. (1988). Presence of other drivers as a determinant of traffic violations. Em T. Rothengatter & R. Bruin (Eds.) Road User Behaviour: Theory and Research. (pp.274-278). Wolfeboro USA: Van Gorcum.        [ Links ]

Yunes, J. & Rajs, D., (1994). Tendencia de la mortalidad por causas violentas en la población general y entre los adolescentes y jóvenes de la región de las Américas. Cadernos de Saúde Pública, 10, 88-125.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: heila.veiga@uniceub.br / heila.veiga@gmail.com

Recebido em Maio de 2008
Reformulado em Novembro de 2008
Aceito em Abril de 2009

 

 

Sobre os autores:

* Heila Magali da Silva Veiga: psicóloga e mestre em psicologia social e do trabalho pela Universidade de Brasília (UnB), doutoranda em Psicologia da Organizações e Trabalho na UnB. Atua como docente no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), no curso de Psicologia. Dentre os seus temas de interesse, destacam-se Medidas em Psicologia, ensino de Técnicas de Exame Psicológico e Comportamento Organizacional.
** Luiz Paquali: professor pesquisador associado da Universidade de Brasília, possui doutorado pela Universite Catholique de Louvain na Bélgica (1970). É Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Avaliação e Medidas, e tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Fundamentos e Medidas da Psicologia.
*** Narla Ismail Akel Silva: psicóloga graduada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Atualmente é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB). Dentre os seus temas de interesse destacam-se Medidas em Psicologia e Comportamento Organizacional.

Creative Commons License