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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.2 Porto Alegre ago. 2009

 

ARTIGOS

 

Construção de escalas de diferencial semântico: medida de avaliação de sons no interior de aeronaves

 

Construction of semantic differential scales: a measure for the evaluation of aircraft interior sound

 

 

Alexsandro Luiz De Andrade I, *; Roberto Moraes Cruz II, **; Stephan Paul II, ***; Raquel Fava de Bitencourt II, ****

I Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil
II Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo relata a construção de uma medida psicométrica, baseada na técnica do diferencial semântico, para avaliação de propriedades acústicas no interior de aeronaves. Dois estudos compuseram o trabalho: um primeiro estudo da semântica de descritores, e um segundo de construção da medida. Participaram da pesquisa 590 pessoas; o primeiro estudo contou com 298 participantes, sendo 175 do sexo masculino (58,7%). A média de idade foi 23,2 anos (DP = 5,2 anos). No segundo estudo participaram 292 pessoas, 172 do sexo masculino (58,9%); a média de idade foi de 24,2 anos (DP = 6,6 anos). Os resultados do primeiro estudo constituíram uma lista de descritores aptos para caracterização de fenômenos acústicos no interior de aeronaves. O segundo estudo, após análise fatorial, cálculo do coeficiente de confiabilidade alfa de Cronbach e MANOVA, apresentou parâmetros de validade e confiabilidade satisfatórios. A escala final mensurou quatro fatores: Avaliação, Adequação, Estabilidade e Intensidade.

Palavras-chave: Psicometria, Diferencial semântico, Aviação, Psicoacústica.


ABSTRACT

This study reports the construction of a psychometrical measure, based on the semantic differential technique, for acoustic properties' evaluation in aircraft interiors. Two studies composed the research: a first study of semantic descriptors, and a second one for measure construction. Five hundred and ninety people took part on the research. The first study had 298 participants, 175 were male (58,7%). The mean age was 23,2 years old (SD = 5,2 years). On the second study 292 people participated, 172 of whom were male (58,9%), and the mean age was 24,2 years old (SD = 6,6 years). The results of the first study provided a list of descriptors able to describe acoustic phenomena in aircraft interiors. The second study, after factor analysis and determination of Cronbach's alpha reliability index and MANOVA, presented satisfactory validity and reliability parameters. The final scale measured four factors: Appreciation, Adequacy, Stability and Intensity.

Keywords: Psychometrics, Semantic differential, Aviation, Psychoacoustics.


 

 

Introdução

Conhecer as propriedades constituintes da saúde humana é uma necessidade social, científica e tecnológica. O campo da aviação, especialmente no que diz respeito à atual condição do transporte aéreo brasileiro, encontra-se marcado por um universo de crise e insegurança, aliado também o aspecto da crescente popularização desse meio de transporte, exigências ainda maiores relativas à prevenção e manutenção de boas condições para aqueles que voam se fazem cada vez mais necessárias. Trimmel (2006) salienta que o ruído e outros aspectos como umidade, temperatura e duração de vôos são variáveis de influência negativa sob as condições fisiológicas e psicológicas tanto da tripulação quanto dos passageiros. Pesquisas sobre as características perceptuais, cognitivas e afetivas relacionadas à experiência de voar além de um diferencial competitivo no campo industrial, tornam-se um meio de implementação e melhoria de qualidade global dos novos produtos e serviços.

Elementos da sonoridade, as chamadas propriedades vibro-acústicas, referem-se aos aspectos do som e vibração produzidos pelo produto; neste estudo, das aeronaves. O som, como estímulo puro, é um fenômeno físico, originado da vibração das moléculas. Na compreensão do significado e efeito que os sons de natureza tão específica adquirem, como os produzidos no interior de uma aeronave, a tarefa de medir e avaliar as suas propriedades constituintes por métodos convencionais adotados pela acústica física nem sempre são suficientes para a captura da realidade percepto-afetiva à qual o indivíduo está submetido. Neste caso sistemas de avaliação avançados que aliem métodos psicológicos (também chamados de métodos subjetivos) tornam-se uma solução aplicada, utilizando a avaliação do usuária como um meio aprimorar o processo de apreciação do objeto (De Andrade, 2007).

Este estudo é parte de um projeto de desenvolvimento tecnológico, envolvendo a temática qualidade sonora no interior de aeronaves como eixo central. A pesquisa é produto de uma parceria conjunta entre uma empresa de capital privado do ramo da aviação e os pesquisadores responsáveis pelo projeto. O objetivo tecnológico desta pesquisa reside na criação de uma medida para avaliação da percepção de aspectos acústicos no interior de aeronaves. A técnica psicológica adotada para a construção desta medida foi o diferencial semântico (DS), proposto por Osgood, Suci e Tannenbaum (1957).

Qualidade sonora (QS)

Para Otto, Amman, Eaton e Lake (2001) qualidade pode ser entendida como um atributo elementar da sensação, tendo como resultante um estado de agrado ou desagrado. O estudo sobre qualidade sonora possui um foco interdisciplinar, interesse sobretudo, da engenharia acústica e de produtos. Seu objetivo visa a melhoria de ruídos em ambientes internos e externos (Lacerda, Magni, Morata, Marques & Zannin, 2005), incluindo o desenvolvimento de produtos mais sofisticados em termos de sua sonoridade.

Blauert (2003), parte do conceito sound quality, referenciando o processo cognitivo de julgamento, embasado em aspectos individuais e sociais, tendo por objetivo principal a avaliação da adequação do som à sua finalidade. Como exemplos de aplicação dos trabalhos de qualidade sonora encontram-se os diversos tipos de sonoridade presentes na indústria automotiva; em alguns casos aparentam ser desnecessários a um ouvido leigo, mas existentes devido ao fim e o significado adquirido para o consumidor principal. Exemplos claros são os sons de sinalização de automóveis modernos, como as campainhas de seta e o ruído das janelas elétricas, acrescentados eletronicamente em alguns veículos como sinais de qualidade e identidade do produto.

No campo da indústria automobilística e aeronáutica, qualidade sonora tem adquirido uma dimensão importante no desenvolvimento de novos produtos (Quehl, 2001). Conforme revela levantamento recente sobre os principais aspectos de conforto durante um vôo (Bittencourt, Paul, De Andrade & Gerges, 2006), o aspecto sonoridade emerge como quarto aspecto mais importante na avaliação de conforto em situação de vôo aeronáutico.

A medida psicológica aplicada à avaliação de estímulos acústicos

O processo de avaliação dos fenômenos vibro-acústicos baseado nos métodos físicos e psicoacústicos, conhecidos como os métodos objetivos, permitem a caracterização do som em termos de suas propriedades físicas e psicoacústicas. Estes métodos não são totalmente capazes de avaliar as propriedades essenciais do estímulo acústico em termos de sua percepção e sensação para o indivíduo. Na compreensão dos aspectos afetivos e cognitivos relativos ao fenômeno, sistemas tradicionais de avaliação em conjunto com métodos psicológicos tornam-se um excelente recurso ao processo de avaliação.

As técnicas de origem psicológica, conhecidos como métodos subjetivos no campo da engenharia acústica (Otto & cols., 2001; Fastl, 2006), permitem avaliações capazes de determinar as representações e julgamentos que as pessoas atribuem aos sons (Leite & Paul, 2006). Técnicas psicométricas aplicadas à construção de instrumentos de medida de percepção de fenômenos acústicos ampliam o processo de avaliação, apreensão de significados e julgamentos dos sons para as pessoas (Otto & cols., 2001).

As principais técnicas psicométricas utilizadas em pesquisas no campo acústico são: ordenamento (rank order), escalas de resposta (rating scales), comparação pareada (paired comparison), estimação de magnitude (magnitude estimation) e diferencial semântico (semantic differential) (Bisping, 1997; Fastl, 2006; Gusky, 1997; Quehl, 2001).

O diferencial semântico para medir afetos mobilizados por fenômenos físicos

O DS encontra-se embasado num referencial teórico que discute questões pertinentes à formação do significado e às atitudes do indivíduo em relação ao objeto. Criado por Osgood, Suci e Tannenbaum (1957), o diferencial semântico possibilita medir a reação das pessoas expostas a palavras e conceitos por meio de escalas bipolares, definida com adjetivos antônimos em seus extremos. A técnica possibilita o registro, quantificação e comparação das propriedades inerentes a um ou mais conceitos (Osgood & cols., 1957; Pasquali, 1999a).

Os conceitos ou expressões que se destinam à investigação por meio do DS são localizados num espaço semântico, composto por um número de "n" dimensões, que retratam o significado afetivo do objeto (Pereira, 1986; Quehl, 2001). A natureza estrutural de um conceito, bem como o caráter multidimensional no qual esse se insere, não é de uma ordem universal; cada conceito depende da estrutura lingüística, aspectos da cultura e população na qual o diferencial semântico se aplica para estudo (Gusky, 1997; Osgood, Suci & Tannenbaum, 1957; Pereira, 1986). Os patamares da técnica do diferencial semântico são: o modelo condutista, o modelo espacial e o modelo métrico.

O modelo condutista, composto pelo processo de mediação representacional e a hipótese da mediação são baseados nos pressupostos teóricos inicias de Hull (1930), Osgood e colaboradores (1957) propõem uma re-elaboração do conceito de "ato estímulo puro" - na perspectiva de Hull, estes atos seriam a "base orgânica explicativa da conduta simbólica" (Pereira, 1986, p. 3). O componente condutista no seu escopo geral, busca explicar o processo de codificação e decodificação, no qual um conceito signo de um objeto, adquire significado e representação interna de uma parte das características totais do objeto real (Pereira, 1986). A hipótese mediacional, por sua vez, pode ser entendida como a caracterização de um signo em termos da presença ou não do processo de mediação. Havendo esta, uma fração ou parte de um comportamento total evocado pela percepção de um signo, acaba por funcionar como um estímulo eliciador do processo mediacional (Osgood & cols., 1957; Pereira, 1986).

Outro patamar teórico base da técnica do DS é o modelo espacial, o qual pressupõe que um dado conceito se localiza num espaço, composto por 'n' dimensões ou fatores (Omar, 1984; Pereira, 1986). Dessas dimensões, destacam-se três, tidas como dimensões universais do conceito (Osgood & cols., 1957). São elas: avaliação (evaluation), potência (potency) e atividade (activity), nomeadas pela sigla em inglês EPA. A estrutura espacial EPA do significado foi estudada em diversas culturas, anexando colaborações na afirmação da hipótese tridimensional do conceito (Osgood & cols., 1957). Um estudo realizado por Pereira (1986) no Rio de Janeiro confirmou a estrutura fatorial do significado afetivo de conceitos do idioma português.

O terceiro modelo, o métrico, diz respeito à dimensão operacional da técnica do diferencial semântico. Corresponde à estrutura formal das escalas ou apresentação da medida propriamente dita, composto por um conjunto de escalas com intervalos ímpares, na maioria dos casos sete intervalos, ancorados por pares de adjetivos antagônicos em suas extremidades (Osgood & cols., 1957). Seu objetivo consiste em quantificar e estimar as dimensões do conceito. Os adjetivos dentro do modelo métrico funcionam como estruturas de mediação entre o significado do objeto e o seu conceito (Omar 1984; Quehl, 2001). A escolha de palavras da classe adjetiva é sugerida por Osgood e colaboradores (1957), sendo que elas devem exprimir as dimensões e propriedades do objeto investigado. Para Guski (1997), a elaboração de um diferencial semântico para medida de fenômenos de modalidade acústica exige que se adentre o campo semântico especifico do fenômeno, buscando palavras ou adjetivos que expressem realmente as dimensões próprias do fenômeno acústico.

A técnica do DS apresenta um repertório vasto de estudos e aplicações que extrapolam os tradicionais estudos do campo de pesquisa em psicologia. Uma variedade de pesquisas utilizando a técnica no campo do marketing e desenvolvimento de produtos, bem como na área da engenharia, ergonomia e saúde também são encontradas (Hsiao & Chen, 2006; Llinares & Page, 2007; Nekolaichuk, Jevne & Maguire, 1999). Na engenharia civil, visando mensurar a resposta a estímulos arquitetônicos, Graça, Cheng e Petreche (2001) utilizaram uma escala de DS para avaliar fachadas de moradias urbanas. A escala neste estudo foi constituída por adjetivos usuais na arquitetura. Graça, Scarazzato e Kowaltowski (2001), em estudo sobre métodos de avaliação de luminosidade em escolas, usaram o artifício metodológico de um diferencial semântico na mensuração de conforto ambiental (funcional, térmico, acústico e visual) de prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo.

Para avaliar a percepção de produtos, Hsu, Chuang e Chang (2000), aplicaram a técnica do DS na avaliação de modelos diferentes de telefones residenciais. O procedimento de análise fatorial apontou a solução com três fatores (atividade, potência e avaliação) explicando 90,4 % da variância. Em Mondragón, Company e Vergara (2005) o DS foi utilizado na avaliação da forma de máquinas e ferramentas industriais. Como estes estudos revelam, diversas são as variações de campo e aplicação para o DS, a técnica torna-se uma ferramenta auxiliar quando o objetivo é conhecer os fatores relacionados à percepção e ao significado que objetos distintos adquirem para as pessoas que avaliam.

No campo dos fenômenos acústicos, os primeiros trabalhos envolvendo a aplicação da técnica do diferencial semântico para avaliar fenômenos desta natureza são encontrados nas pesquisas de Solomon (1958, 1959a), tendo centro a correlação de dimensões físicas do evento sonoro com dimensões psicológicas do som, acessadas por meio do DS. Na engenharia de qualidade sonora, pesquisas utilizam a técnica do DS com objetivo de medir aspectos conotativos do significado, ou seja, as qualidades de eventos acústicos e as percepções do ouvinte frente às características do som (Muller & Schutte, 2006; Quehl, 2001). Como técnica de investigação nestes estudos, o DS possibilita uma compreensão multidimensional das características perceptivas e subjetivas da experiência auditiva.

Os resultados da pesquisa foram divididos em duas partes: Estudo 1: Estudo da Semântica; e Estudo 2: Construção e Validação da Medida.

Estudo 1: Estudo da Semântica

 

Método

Nesta etapa do estudo realizou-se um levantamento de palavras descritoras para sons no interior de aeronaves, seu objetivo foi embasar a construção da medida psicológica apresentada neste artigo e servir de auxilio para construção de futuros instrumentos de medida subjetiva para avaliação de propriedades acústicas no interior de aeronaves.

Participantes do estudo

Para condução da pesquisa um banco de potenciais participantes foi formado. Estes eram estudantes universitários ou funcionários de cursos de graduação e pós-graduação de uma Universidade Federal no sul do Brasil. Os inscritos neste banco tinham a possibilidade de serem chamados para mais de uma etapa do estudo, mas apenas uma vez por etapa, fato que aconteceu no estudo 2 da pesquisa. Os participantes foram indivíduos de ambos os sexos, convidados por meio de cartazes de divulgação e convites em salas de aula realizados pelos pesquisadores. No total 590 pessoas participaram da pesquisa.

No primeiro estudo da pesquisa participaram 298 pessoas, sendo 175 (58,7%) delas do sexo masculino e 123 (41,3%) do feminino, a média de idade foi de 23,2 anos (DP = 5,2 anos). Nenhum outro dado demográfico dos participantes foi coletado nesta etapa. Do total de participantes, 130 participaram da coleta de descritores de som e 168 da coleta de descritores antônimos.

Ambientes da pesquisa

O estudo 1, bem como o estudo 2, foram realizados num simulador do interior de uma aeronave chamado de mock-up. Esta estrutura encontrava-se instalada no interior de uma sala, e recriava as condições vibro-acústicas reais do interior de uma aeronave. As dimensões do simulador eram de quatro metros de largura e cinco de comprimento, com dois metros de altura aproximadamente. Diversos equipamentos como seis poltronas de avião, um laptop, auto falantes para criação de vibração, equalizadores e fones de ouvido encontravam-se instalados no seu interior, todos buscando a reprodução mais fidedigna de um ambiente vibro-acústico de vôo real. O estudo 1, foi realizado em duas etapas, a primeira no mock-up, e a segunda, uma coleta de descritores antônimos, conduzida em salas de aula de cursos de graduação e pós-graduação da instituição sede dos pesquisadores.

Instrumentos

Para execução desta etapa estruturou-se dois questionários para coleta de dados, um para coleta de descritores de som, e outro para coleta de descritores antônimos. O primeiro questionário possuía um formato simples com perguntas estímulo do tipo "descreva palavras para qualificar o som que você acabou de ouvir", e espaços em branco para que o participante preenchesse de 5 à 10 palavras a informação solicitada. O segundo questionário para coleta de descritores antônimos foi organizado com os principais descritores levantados anteriormente, este tinha com pergunta estímulo a seguinte sentença "procure identificar os melhores antônimos para lista de palavras abaixo", na seqüência uma lista de palavras era exposta e espaços em branco eram disponibilizados ao participante para que respondesse as perguntas.

Procedimentos

Primeiramente foi a realizada a coleta individual de descritores para som, o participante selecionado para pesquisa recebia todas as explicações sobre o estudo e esclarecimentos éticos. Na seqüência, acomodado no simulador, o mesmo era exposto a um conjunto de gravações de trechos de viagem de avião, e orientado a responder simultaneamente o questionário que lhe fora entregue no início da tarefa. O participante na tarefa elucidava adjetivos ou palavras para descrição e caracterização dos ruídos ouvidos na situação simulada. Tal atividade teve a duração média de 20 minutos por participante. Para coleta dos descritores antônimos, questionários contendo as palavras mais citadas no momento anterior foram distribuídos de maneira coletiva aos participantes em sala de aula. Este questionário foi entregue pelo pesquisador, que fornecia uma explicação breve sobre o projeto e a tarefa a ser realiza pelos alunos. Finalizados os esclarecimentos, os participantes recebiam um questionário e preenchiam os antônimos que melhor identificassem características opostas das palavras apresentadas, ao término o questionário era entregue ao pesquisador e a atividade finalizada. A atividade teve uma duração média de 25 minutos.

 

Resultados

Descrever objetos de natureza física, no caso sons e vibrações, é uma tarefa marcada por um grau elevado de dificuldade e imprecisão. Devido à variedade de etapas e aos mais de 400 descritores levantados (mais detalhes ver De Andrade, 2007) uma lista com as principais palavras (ver tabela 1) foi elaborada e utilizada como referência na construção da escala de DS. Como critérios para seleção dos descritores foram tomados aqueles com freqüência de ocorrência superior a 10 aparições, e também o julgamento da pertinência e importância pelos pesquisadores dos que tiveram menor ocorrência.

Na escolha dos descritores antônimos foi tomado o critério de concordância superior a 80 % de convergência ou freqüência de resposta maior que 30 ocorrências para definição do par. Para aqueles descritores utilizados na formação da escala que não obtiveram um antônimo consenso entre os participantes adotou-se o critério de adicionar partículas formadoras de antônimo, como por exemplo, "não" e "a" conforme sugere Nunnally (1970).

 

 

Estudo 2: Construção e Validação da Medida

 

Método

Esta etapa da pesquisa foi relacionada ao processo de construção e validação da medida psicológica. Foram contemplados um estudo piloto para o desenvolvimento da medida, um estudo de avaliação da pertinência dos itens, e uma etapa final para o procedimento de validação da escala.

Participantes do estudo

O estudo 2, contou no seu total com a participação de 292 pessoas, sendo 172 (58,9%) do sexo masculino e 120 (41,1%) do sexo feminino, a média de idade destes foi de 24,2 anos (DP = 6,6 anos). Deste total de participantes 54 participaram da etapa piloto de aplicação da medida, 32 da avaliação da pertinência dos itens e 292 do estudo de validação da medida, ressaltando que alguns indivíduos participaram de mais de uma etapa da pesquisa. Para condução do estudo 2, adotou-se as variáveis critério de o participante já haver vivenciado uma experiência de vôo na vida e apresentar boa saúde auditiva, verificada via avaliação audiométrica pela fonoaudióloga de equipe.

Instrumentos

No processo de desenvolvimento da escalas de diferencial semântico foram utilizados três instrumentos para obtenção dos dados:

1) Escala piloto de diferencial semântico: uma versão preliminar da medida contando com os 35 pares de adjetivos, interpostos por escalas de intervalo de sete pontos entre os antônimos. A seguinte instrução de preenchimento era dada ao participante: "Após ouvir o som de uma viagem de avião, avalie de acordo com a sua opinião utilizando a escala abaixo".

2) Questionário para avaliação da pertinência dos itens: os descritores presente na escala piloto de DS, foram avaliados em termos de sua pertinência para descrição de estímulos acústicos por meio de uma escalas de 5 pontos, que variavam de "nem um pouco pertinente" a "totalmente pertinente".

3) Escala de diferencial semântico final (versão informatizada): O DS utilizado na etapa de validação foi adaptado num software criado pelo grupo de pesquisa. Este possuiu um número de 37 pares de adjetivos, dispostos individualmente por escalas de 7 intervalos. O instrumento iniciava num programa de computador o qual acessava uma tela de identificação, na qual eram solicitados dados como sexo, idade, escolaridade, experiência em vôo e número de viagens dos últimos 12 meses do participante. Uma tela de treinamento sobre o uso da escala de DS era apresentada a seguir, posterior apresentavam-se todos os sons por um período de exposição de 30 segundos. Após o software informava o participante sobre o início da avaliação do primeiro som, e cada par de adjetivos separadamente era exposto, por meio do qual o participante julgava o som que escutava.

Procedimentos

Iniciou-se com a condução do estudo piloto de construção da medida, primeiramente os participantes individualmente recebiam explicações sobre o projeto e cumprimento dos procedimentos éticos recomendados. Na seqüência, o participante acomodado no simulador escutava uma gravação de um trecho de viagem de avião por um período de até 10 minutos, no simulador. Após, era avaliado as características do estímulo por meio da escala de DS.

Para avaliação da pertinência dos descritores utilizados na medida piloto, 20 participantes foram recrutados. A avaliação ocorreu fora do simulador e de maneira individual. Os participantes recebiam um questionário contendo todos os descritores presentes na medida piloto e eram convidados a responder uma avaliação sobre os descritores. Concluída a avaliação dos descritores os questionários eram retornados ao pesquisador.

Após uma análise geral da pertinência dos itens, alguns itens foram modificados para versão final da escala de DS. O procedimento desta etapa final foi iniciado com uma explicação do projeto e cumprimento dos aspectos éticos em pesquisa com humanos, posteriormente o participante era acomodado individualmente no simulador, onde dava entrada com seus dados de identificação no software. Após, o ensaio conduzia com um período de três minutos para ambientação e familiarização com os estímulos acústicos a serem avaliados. Posteriormente, cada estímulo isoladamente era exposto e avaliado pelo participante. No total três estímulos independentes e diferentes foram avaliados num mesmo ensaio, o ensaio teve duração de 30 minutos.

 

Resultados

Sobre o estudo piloto e as avaliações de pertinência dos itens iniciais da escalas, ambos serviram de base para que os pesquisadores alterassem o formato do ensaio, bem como a quantidade de itens e estrutura final da escala. Os itens alterados para versão final em relação ao diferencial semântico piloto foram os seguintes: abafado/aberto, áspero/suave, intenso/suave e monótono/variado. Esses itens foram desmembrados e acrescidos da partícula negativa "não" para formação de seu antônimo.

O DS final respondido por um total de 292 pessoas; teve a exclusão de 38 participantes nos procedimentos finais de análise, pelo fato do participante não atender ao critério de saúde auditiva, não possuir o idioma português como língua pátria (participantes de outra nacionalidade); e pelo motivo do participante ser considerado outlier (caso discrepante) em pelo menos uma das 37 variáveis, após uma análise dos diagramas de caixa (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1999).

Da perspectiva da análise dos dados primeiramente procedeu-se à análise dos componentes principais para verificar a adequação dos dados à análise fatorial e à quantidade de fatores a serem extraídos. O KMO teve o valor de 0,87, e o teste de esfericidade de Barlett teve o resultado de 5201,53 (gl = 666; p<0,001), valores considerados aptos para o procedimento fatorial ( Pasquali 2005a). O gráfico de sedimentação sugeriu uma solução com 3 ou 4 fatores como mais adequada. Para decisão final do número de fatores a serem extraídos adotou-se a análise paralela (Enzmann, 1997; Pasquali, 2005a), optando-se por uma solução com 4 fatores, explicando 51,6 % da variância total dos dados.

Definido o número de fatores, procederam-se à realização da extração dos fatores pelo método de fatoração dos eixos principais (principal axis factoring), com método de rotação do tipo varimax e cálculos de confiabilidade. A rotação ortogonal do tipo varimax foi escolhida pelo fato desta permitir maior simplicidade à matriz de dados e reaplicação dos resultados encontrados em estudos futuros, aspecto importante a ser considerado nos estudos de desenvolvimento de medidas psicométricas (Costello & Osborne, 2005). Foram excluídos da solução fatorial final os índices com cargas fatoriais inferiores a 0,40 (Dancey & Reidy, 2006; Hair & cols., 1999).

Após a análise fatorial, 13 itens foram excluídos da escala final de DS: repetitivo/não-repetitivo, intenso/não-intenso, familiar/não-familiar, lento/rápido, agudo/grave, tonal/atonal, abafado/não-abafado e monótono/não-monótono, por possuírem carga fatorial com um dos fatores menor que 0,40. Fino/grosso e perturbador/não-perturbador foram excluídos por possuírem cargas fatoriais semelhantes em mais de um fator; e por último suportável/insuportável, contínuo/descontínuo e cômodo/incômodo por possuírem semântica e carga no fator, semelhante com outros itens (Pasquali, 2005b).

É necessário destacar ainda que outros três itens que possuíam cargas fatoriais significativas (> 0,40) em mais de um fator foram mantidos no fator de maior carga e excluídos do conjunto de itens da escala do outro fator. Tal ação teve como objetivo preservar uma quantidade razoável de itens por fator e propiciar maior confiabilidade para escala resultante. Os itens enquadrados neste critério foram alarmante/não-alarmante (carga 0,67 no fator 2 e -0,45 no fator 3), o item confortável/desconfortável (com carga -,43 no fator 1 e -0,61 no fator 2) e por último o item leve/pesado (com carga -0,42 no fator 1 e -0,54 no fator 4). A Tabela 2 traz os itens com suas respectivas cargas e distribuição nos fatores já devidamente ajustados (a letra I refere-se aos itens invertidos no momento da análise).

Após os procedimentos de análise, os fatores receberam as seguintes nomeações: Fator 1 - Avaliação; Fator 2 - Adequação; Fator 3 - Estabilidade; e Fator 4 - Intensidade. Os dois primeiro fatores obtiveram coeficientes de confiabilidades alfa de Cronbach considerados ótimos (F1 = 0,90 e F2 = 0,83), o terceiro fator obteve um alfa satisfatório por ser maior que 0,70 (F3 = 0,75), e o por fim o alfa do quarto fator foi considerado apenas moderado (F4 = 0,65), porém apto de utilização segundo Nunnally (1978).

O fator Avaliação, no seu conjunto, mensura características inerentes tanto à percepção da qualidade quanto da relação de agrado que o indivíduo mantém com o objeto. O segundo fator, Adequação, relacionou-se com avaliação da adequação dos estímulos acústicos. Os itens deste fator avaliam o grau de adequação e aceitabilidade do estímulo percebido. O terceiro fator, Estabilidade, relaciona-se com aspectos técnicos das propriedades físicas dos estímulos acústicos, ligadas à percepção de estabilidade do estímulo. O último fator, Intensidade, relaciona-se com aspectos perceptivos da intensidade e potência percebida em relação ao estímulo acústico. Os itens que compuseram o fator mensuravam aspectos ligados à força percebida do estímulo.

Definidos os fatores e o conjunto de itens constituintes das escalas para avaliação de cada fator, calculou-se o grau de correlação entre as dimensões da medida: o fator Avaliação e Adequação obtiveram uma correlação de 0,49, o fator Avaliação e Intensidade -0,36, o fator Intensidade e Avaliação -0,47 e por fim o fator Adequação e Estabilidade uma fraca correlação de 0,18; todas significativas no nível de 0,01. Um entendimento para essas correlações poderia ser o seguinte: um som percebido como adequado, necessariamente possui uma avaliação positiva que é inversa à percepção de intensidade e diretamente, porém não tão fortemente ligada à percepção de estabilidade. No entanto é preciso parcimônia no que tange a sua interpretação, pois, o modelo toma como base apenas um estímulo acústico. Novos estudos são necessários para que se possa afirmar sobre a capacidade de generalização deste possível modelo.

Com o objetivo de verificar a capacidade discriminante da escala de DS para diferentes tipos de som, foi realizada uma análise da variância multivariada (MANOVA). Como variável independente foi tomado o tipo de som e como variáveis dependentes, a média do escore somatório das quatro dimensões do DS (Avaliação, Adequação, Intensidade e Estabilidade), calculada considerando-se os itens invertidos (I) quando necessário.

Cada estimulo referiu-se a sons de diferentes modelos de aeronaves, e gravados em posições diferentes da mesma. Isso determinou características particulares em termos físicos e perceptivos para o fenômeno. Os dados relativos ao modelo de aeronave utilizado, bem como o padrão físico do som (intensidade, freqüência e outros) ficam omitidos no corpo desta pesquisa devido a normas internas da empresa participante do projeto.

Nesta análise e com o conhecimento que o tamanho dos grupos de participantes não foram iguais segundo o tipo de som avaliado, e ciente de que isto poderia inferir na confiabilidade dos resultados encontrados, procedeu-se com uma verificação da adequação dos dados para realização do procedimento. Para tal recorreu-se ao teste M de Box, como aponta Dancey e Reidy (2006). Este se mostrou significativo com o valor de 91,56 [F(30,275) = 2,83 p < 0,001], fato que confirmou a violação da condição de homogeneidade das variâncias. O teste de Levene também utilizado para verificação da adequação dos dados mostrou violação nas dimensões Avaliação [F(7,246) = 5,06; p < 0,001], Adequação [F(7,246) = 2,6; p < 0,01] e Estabilidade [F(7,246) = 8,417; p < 0,001]. O fator Intensidade não mostrou violação da condição [F(7,246) = 1,5; p < 0,1].

 

 

Com objetivo de contornar as violações nos critérios relacionados acima e considerando o procedimento multivariado importante para confirmação da capacidade operante da escala, um ajustamento nos dados foi realizado. Formaram-se grupos por tipo de som avaliado com o mesmo número de participantes, fato que tornaria a MANOVA mais robusta a violações (Dancey & Reidy, 2006). Tomando como base o menor grupo (N=26), os grupos que possuíam mais de 26 indivíduos por tipo de som foram subtraídos no número de participantes de maneira aleatória até atingir-se a quantidade desejada (Barbetta, 2001). Nesta análise trabalhou-se com quatro tipos de sons, estes receberam como nomeação som 1, som 2, som 3 e som 4.

Pelas análises constatou-se uma diferença multivariada entre os grupos, improvável de ter ocorrido pelo erro amostral [F(12,256) = 12,284; p < 0,001; lambda de Wilks = 0,301]. As análises de variância univariadas (ANOVA) realizadas para cada variável dependente, mostraram que os fatores Avaliação [F(3,100) = 20,654; p < 0,001]; Adequação [F(3,100) = 28,408; p < 0,001]; Estabilidade [F(3,100) = 29,372; p < 0,001]; e Intensidade [F(3,100) = 8,859; p < 0,001] obtiveram diferenças significativas entre os grupos organizados por tipo de som.

A Tabela 3 traz as análises subseqüentes (post hoc) do tipo comparação entre os grupos (pairwise comparisons, ajustadas pelo método de Bonferroni) com respectivas médias e desvios padrões por tipo de estímulo avaliado.

 

 

A partir dos dados da tabela pode-se aferir que a medida discrimina as caracteristicas do estímulo acústico em termos dos fatoreres da escala. Cada letra a, b ou c, refere-se a uma faixa de intervalos indicados com diferenças significativas pela análise. A partir dos resultados é possível observar, no fator Avaliação, três faixas de avaliação, por ordem gradual na primeira faixa som 3, na segunda faixa o som 1 e 4, e na terceira faixa o som 2. No fator Adequação, seguindo a mesma orientação do fator anterior observa-se o som 3 na primeira faixa, o som 1 na segunda faixa e sons 2 e 4 na terceira faixa. Em relação ao fator Estabilidade, na primeira faixa são observados o som 1 e 3 e na segunda faixa o som 2 e 4. Por fim no fator intensidade, encontra-se na primeira faixa o som 2 e o som 4, na segunda faixa o som 3 e na terceira faixa o som 1.

 

Discussão

Seguindo o foco principal de construção e validação e de uma medida psicológica para avaliação do significado de sons no interior de aeronaves, esta pesquisa atinge seu objetivo apresentando um produto com padrões de validade e fidedignidade adequados do ponto de vista psicométrico. Além disso, há também o avanço operacional do estudo mostrando os principais passos para construção de escalas de diferencial semântico e seu uso para avaliação e mensuração do significado de conceitos de natureza acústica.

Sobre os dados do primeiro estudo e corroborando um primeiro trabalho versando sobre o estudo de descritores para fenômenos acústicos de Paul (2005), é possível constatar, frente número extensivo de descritores coletados para som e a lista final com apenas 35 pares descritores, a dificuldade e imprecisão na qualificação de fenômenos acústicos pela população consultada. Como menciona a pesquisa Paul (2005), a estrutura lingüística do idioma português do Brasil não possui adjetivos e expressões precisas para descrição dos fenômenos acústicos, diferente do que ocorre em sistemas lingüísticos de outros países, como no caso da Alemanha e Itália. No que concerne os descritores antônimos utilizados na construção do DS acrescidos de algum prefixo ou expressão de negação, apesar de imprecisos, foram a melhor estratégia no momento da condução deste estudo conforme indicavam pesquisas sobre o assunto.

No que diz respeito a medida desenvolvida tomando inicialmente os parâmetros teóricos de base do DS, é primeiramente necessário delimitar qual a sua função nos estudos sobre acústica. Na reunião de colaborações de diversas pesquisas (Fastl, 2006; Muller & Schutte, 2006; Nunnally, 1970; Osgood & cols., 1957, Otto & cols., 2001; Quehl, 2001), o DS, enquanto instrumento psicométrico, é uma medida de atitude: reflete as cognições e afetos que o indivíduo tem em relação ao objeto. Enquanto medida de significado, o mesmo é usual apenas para descrição de aspectos conotativos do objeto som, possibilita a mensuração das qualidades do evento acústico, bem como o tipo de percepção dos indivíduos em relação a este evento. Além deste estado, o DS permite avaliar a intensidade do estado, tanto quando a medida é aplicada para um nível de mensuração ordinal quanto intervalar.

Sob a noção específica de validade, a escala desenvolvida atinge, mesmo que em nível exploratório, o que teoricamente é considerado validade de construto. Os itens constituintes de cada fator podem ser considerados representantes de quatro grandes aspectos ou também dimensões, as quais são base do fenômeno avaliativo do estímulo acústico. Cada escala pode ser entendida como um sistema de operacionalização de um traço latente, relacionado estritamente à avaliação deste fenômeno. Esta colocação ainda é incipiente, contudo é uma informação empírica baseada no resultado deste estudo, novas pesquisas são necessárias para que se afirme, ou refute tal colocação. Sobre a validade prática ou critério, o DS criado é considerado válido na medida em que permite distinguir qualidades e parâmetros de estímulos acústicos diferentes, quando tomando por critério as características dos estímulos percebidos para aqueles que avaliam. Isso foi constado com os resultados derivados da MANOVA.

Sobre a pertinência e a formação do significado do evento acústico, existe ainda uma falta de consenso e clareza no que tange o modelo da estrutura espacial do significado dos fenômenos acústicos. Em Quehl (2001) são encontradas referências sobre pesquisas que revelam de duas a até oito dimensões percebidas em relação ao evento acústico, como encontrado nos primeiros trabalhos de Solomon (1958; 1959a; 1959b) e mais recentemente em Buss, Schulte-Fortkamp e Muckel (2000). A omissão dos detalhes metodológicos e analíticos empregados em outros estudos faz permanecer a dúvida diante de formas às vezes tão divergentes de se compreender o significado do fenômeno acústico.

Este desencontro de resultados revela que o significado do evento acústico não é facilmente explicado ou passível de redução a modelos oriundos de outros campos. Acima de tudo, os modelos que se resumem a explicar a qualidade de um evento em ambientes mais complexos, como numa aeronave, tendem ao reducionismo ao não considerarem outras variáveis, pois nessas situações o evento sonoro não possui um julgamento puro: sua avaliação fica diretamente ligada a outros aspectos tanto de ordem afetivo-cognitiva do indivíduo, como fatores sócio-psicológicos, e também variáveis da própria condição de vôo, como temperatura, pressão e duração do vôo.

 

Considerações finais

Nos últimos anos a população usuária de transporte aéreo assistiu dois eventos de proporção catastrófica no cenário da aviação brasileira, no ano de 2006, houve o choque de duas aeronaves numa região de floresta no estado do Mato Grosso, e no ano de 2007 a tragédia no aeroporto da região central da cidade de São Paulo. Eventos que no seu conjunto contabilizaram a perda de diversas vidas e construíram uma posição de medo e insegurança diante do transporte aéreo. Tal fato, aliado a outros que constituíram no Brasil o chamado "caos aéreo", corroboram a necessidade de melhoria da qualidade do serviço prestado em termos de saúde e bem estar para o passageiro e tripulação.

Partindo desta perspectiva, quaisquer alterações que se façam no interior de uma aeronave para este fim serão bem vindas. Alterar a qualidade acústica de um avião a princípio pode parecer pouco; no entanto, basta pensar numa situação de vôo com alguns ruídos diferentes do habitual que se entenderá o quanto este aspecto é determinante de sentimentos e cognições favoráveis ao objeto ou empresa com a qual o consumidor está voando.

Este estudo no seu conjunto contribui fortemente a dois campos de pesquisa bastante distintos - o campo da ciência psicológica e o campo aplicado da engenharia acústica. No campo da engenharia acústica, este estudo responde a uma demanda por sistemas de avaliação onde a informação perceptiva do usuário é vital para o aprimoramento e até mesmo modificações no artefato aeronave. Do ponto de vista da ciência psicológica, talvez ainda mais fortemente no Brasil, esta pesquisa traz um exemplo da importância dos conhecimentos desta ciência para execução de um empreendimento tecnológico e sua interface com áreas aplicadas na indústria.

No que refere à particularidade da técnica do Diferencial Semântico, esta é uma ferramenta importante e útil quando o objetivo é descobrir o tipo e a qualidade da relação que o indivíduo mantém com o objeto. A afirmação de Nunnally (1970) de que o DS seria a medida mais válida para os estudos no campo da atitude, parece ainda atual quando se reconhecem a diversidade de aplicações da técnica nos mais diversos campos.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: alexsandro.deandrade@yahoo.com

Recebido em agosto de 2008
Reformulado em maio de 2009
Aceito em junho de 2009

 

 

Sobre os autores:

* Alexsandro Luiz De Andrade: doutorando pelo curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Psicólogo e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. No momento da realização do trabalho, o autor era pesquisador e aluno do programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina.
** Roberto Moraes Cruz: professor do curso de graduação e pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
*** Stephan Paul: engenheiro acústico e aluno do curso de pós-graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina.
**** Raquel Fava de Bitencourt: é fonoaudióloga e aluna do curso de pós-graduação em Engenharia de Produção e Ergonomia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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