SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Inventário de Resolução de Problemas Sociais - Revisado: evidências de validade e precisãoMemory índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.2 Porto Alegre ago. 2009

 

NOTA TÉCNICA E RESENHAS

 

Propriedades psicométricas da Escala Fatorial de Neuroticismo e do Questionário de Ruminação e Reflexão

 

 

Cristian Zanon *; Claudio Simon Hutz **

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

 

A Escala Fatorial de Neuroticismo (EFN) é um teste psicométrico que, de forma geral, mede o desajustamento emocional das pessoas no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF) da personalidade (Hutz & Nunes, 2001). O modelo dos CGF considera que a personalidade humana pode ser dividida em cinco grandes dimensões: Neuroticismo, Extroversão, Socialização, Realização e Abertura para Experiência. Estes fatores, por sua vez, subdividem-se em facetas que medem construtos específicos. Por exemplo, o fator Neuroticismo é composto por quatro sub-dimensões que avaliam sintomas e predisposições a: depressão, ansiedade, vulnerabilidade e desajustamento psicossocial.

A EFN (Hutz & Nunes, 2001) é um instrumento auto-administrável que avalia de forma rápida e objetiva características de ajustamento e instabilidade emocional. Ela é composta de 82 itens, dispostos em escalas Likert ancoradas nas extremidades em que "1" significa que a pessoa discorda completamente que a sentença descreva uma característica sua e "7" significa que o participante concorda plenamente que a sentença o descreve bem. Os itens da EFN foram construídos na forma de frases que descrevem atitudes, crenças e sentimentos dos participantes como, por exemplo, "Sinto-me muito mal quando recebo alguma crítica"; "Gosto de envolvimentos sexuais incomuns"; "Sou uma pessoa irritável"; "Não tenho nenhum objetivo a buscar na vida".

O Questionário de Ruminação e Reflexão (QRR; Trapnell & Campbell, 1999) foi desenvolvido pela necessidade de se avaliar a maneira com que os sujeitos pensavam sobre si próprios. Nos anos 70, Fenigstein, Scheier e Buss (1975) desenvolveram a Escala de Auto-Consciência (EAC) que permitiu estudar a auto-atenção, pensamentos individuais e reflexões sobre o self através de um instrumento padronizado. Porém, esta escala não distinguia pensamentos motivados por ansiedade, medo e insegurança de motivações epistêmicas relacionado à busca por auto-conhecimento. Com este intuito, Trapnell e Campbell (1999), desenvolveram o QRR. Segundo eles, o pensar sobre si mesmo, motivado pela busca de maior auto-conhecimento, seria uma forma bem-adaptada de contemplação do self chamada reflexão. Por outro lado, pensamentos repetitivos de caráter negativo que se perpetuam por longo tempo seria uma forma mal-sucedida de auto-reflexão chamada ruminação. A ruminação é o tipo característico de pensamento de pessoas depressivas e também está associada a sintomas de ansiedade. Trapnell e Campbell (1999) verificaram que estes tipos distintos de pensamento são estáveis e que apresentam correlação com os fatores Neuroticismo e Abertura à Experiência dos CGF. Enquanto ruminação está associada ao fator Neuroticismo, reflexão correlaciona-se com o fator Abertura à Experiência. Estes achados foram corroborados também por Fleckhammer, (2004), Teasdale e Green (2004) e Zanon e Teixeira (2006).

O presente estudo teve como objetivo reavaliar as propriedades psicométricas da EFN e do QRR.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 361 estudantes universitários em Porto Alegre (RS), 48,5% dos quais eram do sexo feminino, com média de idade de 19,9 anos (DP=3,6). A amostra foi de conveniência e a participação dos alunos foi voluntária.

Procedimento

Os participantes responderam, coletivamente, aos questionários em suas salas de aula. No primeiro momento, foi realizado um rapport de apresentação da pesquisa e dos procedimentos, explicitando o caráter voluntário e não obrigatório da mesma, e que as informações obtidas seriam mantidas em anonimato. Os estudantes que concordaram em fazer parte do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este procedimento foi realizado em diversas turmas até completar a amostra.

Logo após a assinatura do consentimento, foi solicitado aos participantes que lessem atentamente o questionário e respondessem aos itens de acordo com suas opiniões. A coleta de dados foi realizada em uma única sessão para cada turma de estudantes e o total de tempo utilizado para a realização do estudo foi de, aproximadamente, 45 minutos por turma.

 

Resultados

Inicialmente, foram calculadas estatísticas descritivas (médias e desvios-padrão) e consistências internas (alfa de Cronbach) dos testes. Esses resultados são apresentados na Tabela 1. Foram também realizados testes t para verificar diferenças de sexo no QQR e em cada uma das facetas de Neuroticismo. Como apresentado na Tabela 2, apenas ruminação e vulnerabilidade não apresentaram diferenças significativas entre sexos.

 

 

Posteriormente, foram realizadas cinco Análises Fatoriais: uma com o QRR e as demais com os itens correspondentes às facetas do fator Neuroticismo. O conjunto de 24 itens do QRR foi submetido a uma Análise Fatorial para verificar se emergiriam os dois componentes esperados relacionados à reflexão e ruminação. Optou-se, como no estudo original de Trapnell e Campbell (1999) por utilizar uma rotação oblíqua (Oblimin). Os resultados indicaram a presença de dois componentes mais relevantes (scree plot), que explicaram 44,4% da variância total. O primeiro componente (Ruminação), com eigenvalue de 6,91 explicou 28,8% da variância. O segundo componente (Reflexão), com eigenvalue de 3,74 explicou 15,6% da variância. O índice Kayser-Meyer-Olkin (KMO) observado, que avalia a adequação dos dados para a realização desse tipo de análise, foi 0,90. O teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p<0,001), também indicando adequação dos dados para a análise. Por fim, as comunalidades observadas variaram entre 0,23 e 0,71. As cargas componenciais da subescala ruminação variaram de 0,51 a 0,77 e da subescala reflexão de 0,48 a 0,84. Essas cargas foram no componente esperado. A carga dos itens no outro fator foi sempre muito baixa (no máximo 0,33 no caso de um único item), indicando que a solução de dois fatores, coerente com as expectativas teóricas, é pertinente.

As subescalas da EFN foram avaliadas para verificar se a solução de um componente seria a mais adequada. Foi utilizada uma rotação Oblimin. O resultado dos 23 itens da subescala "vulnerabilidade" indicaram a presença de um componente (scree plot), que explicou 32,46% da variância total (eigenvalue=7,46). O índice KMO foi 0,91 e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p<0,001), o que indica adequação dos dados. As comunalidades observadas ficaram entre 0,11 e 0,59. Os itens apresentaram carga componencial entre 0,34 e 0,70.

Os resultados dos 14 itens da subescala "desajustamento psicossocial" revelaram a presença de um componente principal (scree plot) que explicou 51,45% da variância total (eigenvalue=7,20). O índice KMO foi 0,91 e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p<0,001). As comunalidades observadas ficaram entre 0,29 e 0,75 e os itens apresentaram carga componencial entre 0,54 e 0,87.

Os resultados dos 20 itens da subescala "depressão" revelaram a presença de um componente principal (scree plot) que explicou 47,2% da variância total (eigenvalue=9,44). O índice KMO foi 0,94 e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p<0,001). As comunalidades observadas ficaram entre 0,10 e 0,71 e os itens apresentaram carga componencial entre 0,32 e 0,84.

Os resultados dos 25 itens da subescala "ansiedade" revelaram a presença de um componente principal (scree plot) que explicou 28% da variância total (eigenvalue=7,00). O índice KMO foi 0,88 e o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultado significativo (p<0,001). As comunalidades observadas ficaram entre 0,06 e 0,50 e os itens apresentaram carga componencial entre 0,30 e 0,71 (exceto para os itens 78 e 5 que apresentaram cargas componenciais de 0,25 e 0,27 respectivamente).

 

Conclusão

De forma geral, a EFN e o QRR apresentaram propriedades psicométricas satisfatórias, já que as consistências internas, médias e desvios-padrão verificados neste estudo são muito próximos aos dados dos estudos originais. As análises fatoriais indicaram que a estrutura fatorial proposta originalmente para os construtos avaliados pelo QRR e pela EFN é adequada e replica os resultados dos estudos originais.

 

Referências

Fenigstein, A., Scheier, M. F. & Buss, A. H. (1975). Public and private self-counsciousness: Assessment and theory. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 43(4), 522-527.        [ Links ]

Fleckhammer, L. (2004). Insight into the self-absorption paradox: The development of multi-faceted model of self-conscious ruminative and reflective thought. Unpublished doctoral dissertation. Swinburne University of Tecnology. Hawthorn, Austrália.        [ Links ]

Hutz, C. S. & Nunes, C. H. S. S. (2001). Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Teasdale, J. D., & Green, H. A. C. (2004). Ruminative self-focus and autobiographical memory. Personality and Individual Differences, 36, 1933-1943.        [ Links ]

Trapnell, P. D., & Campbell, J. D. (1999). Private self-consciousness and the Five-Factor Model of Personality: Distinguishing rumination from reflection. Journal of Personality and Social Psychology, 76(2), 284-304.        [ Links ]

Zanon, C., & Teixeira, M. A. (2006). Adaptação do Questionário de Ruminação e Reflexão (QRR) para estudantes universitários brasileiros. Interação em Psicologia, 10(1), 75-82.        [ Links ]

 

 

Sobre os autores:

* Cristian Zanon: graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (2006) e doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Avaliação Psicológica, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia positiva, traços de personalidade, ruminação, reflexão e psicometria.
** Claudio Simon Hutz: graduado em Psicologia pela Universidade de Haifa (1973), mestre em Psicologia - University of Iowa (1979) e doutor em Psicologia - University of Iowa (1981). Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Creative Commons License