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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.2 Porto Alegre ago. 2009

 

NOTA TÉCNICA E RESENHAS

 

Uma proposta de discussão na área de avaliação psicológica no Brasil

 

 

Lucas de Francisco Carvalho *; Rodolfo Augusto Matteo Ambiel **

Universidade São Francisco, Itatiba, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

Atualmente, não há dúvidas sobre a importância da avaliação psicológica enquanto área de conhecimento da Psicologia. Sendo essa uma atribuição específica do psicólogo, pode-se inferir um grande leque de possibilidades de utilização de procedimentos de avaliação, nos mais variados contextos de atuação e utilizando-se uma variedade de técnicas e procedimentos. Nesse sentido, vários trabalhos foram publicados visando discutir diferentes questões, tais como o uso e construção dos testes, características científicas e perspectivas futuras, muitas das quais ainda continuam polêmicas e atuais. Dentre esses trabalhos, podem ser citados alguns publicados, como os de Hutz e Bandeira (1993, 2003), Noronha e Alchieri (2005), Wechsler e Guzzo (1999), Pasquali (1999), o texto "Em Defesa da Avaliação Psicológica" de Noronha e cols. (2002), entre outros.

Algumas tentativas de promover discussões, visando contribuir com o avanço da área, já foram realizadas no âmbito nacional, e algumas delas continuam disponíveis para aqueles que se interessarem em participar. Exemplo disso é o grupo de e-mail intitulado Grupo de discussão sobre temas relacionados à avaliação psicológica brasileira (avalpsi), no ar desde outubro de 2000, com 546 associados atualmente. As discussões realizadas nesse grupo proporcionaram um movimento dos profissionais interessados em avaliação no sentido de se pensar as práticas desenvolvidas e teve como uma de suas conseqüências práticas um documento, organizado por um dos membros, que foi enviado ao Conselho Federal de Psicologia com algumas das questões levantadas no grupo, e que gerou um documento oficial do órgão, disponível no endereço eletrônico www.ibapnet.org.br/avalpsi.html.

Além disso, a fundação de uma entidade que conglomera os profissionais e pesquisadores interessados na área de avaliação, o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), em 1997, e a criação de uma revista científica especializada (Avaliação Psicológica), em 2002, também propiciaram maior visibilidade da área, além de ter promovido um aumento considerável na produção científica sobre avaliação em seus diversos contextos. A formação de grupos de trabalho e a promoção de eventos científicos também contribuíram para um implemento de pesquisas e reflexões sobre área.

Nesse mesmo sentido, isto é, na tentativa de promover discussões na área de avaliação psicológica, foi criado em Abril de 2009 o Grupo de Estudantes de Pós-Graduação em Avaliação Psicológica (GEPAP). Este grupo tem como proposta a realização de discussões acerca de questões atuais e controversas em avaliação psicológica. Além disso, como objetivo mais amplo, espera-se que as sugestões e críticas produzidas pelas discussões do grupo contribuam de maneira ativa para mudanças na avaliação psicológica no Brasil, indicando uma preocupação com futuro da área, tanto com relação aos recursos humanos, quanto nos aspectos técnicos e de formação.

O GEPAP é um grupo de e-mail, composto unicamente por estudantes vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu, que realizam projetos na área de avaliação psicológica, interessados nas discussões de questões relativas à area. Inicialmente, a diretoria do IBAP foi contatada, na tentativa de elaborar estratégias para que os estudantes de pós-graduação tivessem um espaço para realizar discussões pertinentes na área. A partir disso, foi sugerida a criação do grupo de e-mail, bem como o apoio do IBAP na realização desse grupo.

O passo seguinte para a criação do GEPAP foi o envio de convites para professores (N = 41) de programas de pós-graduação stricto sensu nas diferentes regiões do Brasil. No convite, havia esclarecimentos sobre os objetivos do GEPAP e uma solicitação para que os professores sugerissem alunos que poderiam se interessar em participar do grupo. Alguns professores responderam (N = 10), sendo que nem todos indicaram algum aluno. Como resultado, houve a indicação de e-mails de 15 alunos. Cabe ressaltar também que outros 14 alunos, inicialmente incluídos, não foram indicados por professores, mas sim por outros meios (por exemplo, por contato informal com os moderadores do grupo).

Na seqüência, os 29 alunos receberam o convite, sendo que 21 aderiram ao grupo (10 indicados por professores e 11 por outros meios). Assim, para a primeira discussão, contou-se com um total de 231 integrantes, todos alunos de pós-graduação com projetos vinculados na área da avaliação psicológica.

Em abril de 2009 a primeira temática para a discussão foi enviada para todos os integrantes do grupo, qual seja, "Segundo o § 1 do Art. 13 da Lei n 4.119/62, o uso de métodos e técnicas psicológicas se restringe ao psicólogo. Ao lado disso, a Resolução nº 002/003 define um teste psicológico como 'procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de comportamentos e respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e processos psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas áreas emoção/afeto, cognição/ inteligência, motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória, percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões definidos pela construção dos instrumentos.'. Exponha sua opinião em relação ao que é proposto no § 1 do Art. 13 da Lei n 4.119/62 em relação à definição de teste psicológico, descrita na Resolução nº 002/2003".

A partir do envio da temática, alguns integrantes enviaram suas idéias, sugestões e críticas. Dos 23 integrantes do grupo, seis participaram das discussões, enviando e-mails ao grupo. Desses, um havia sido indicado por um professor e cinco por outros meios (de acordo com o que já foi dito anteriormente). A intensidade da participação dos integrantes do grupo será discutida mais adiante; antes, será apresentada uma síntese da discussão realizada pelo grupo.

Basicamente, foram três pontos os mais citados pelo grupo: especialização/qualificação para uso dos testes; abertura dos testes para outros profissionais; e, sugestões de reformulação para a definição de testes psicológicos. O primeiro ponto, especialização/qualificação para uso dos testes, diz respeito à necessidade de qualificação adequada e especializada para o psicólogo que trabalha com testes, na tentativa de assegurar a qualidade profissional para o uso dessas ferramentas. Além disso, como complemento, segundo os participantes do GEPAP, disciplinas voltadas para avaliação psicológica e psicometria devem ser ministradas na graduação, e devem ser aplicados critérios mais rigorosos para abertura de cursos de psicologia, com o intuito de evitar que alguns deles sejam mantidos sem que tais disciplinas sejam aplicadas.

O segundo ponto, abertura dos testes para outros profissionais, refere-se à abertura dos testes considerados como psicológicos para outros profissionais, desde que esses profissionais estejam qualificados para o uso. Assim, sugeriu-se que a construção e a busca por evidências de validade sejam realizadas por psicólogos, bem como o treinamento e acompanhamento do uso de testes psicológicos por outros profissionais. Além disso, foi proposto que o objetivo e a finalidade do instrumento é que deve apontar se o uso deve ou não ser restrito a um determinado profissional.

E, o terceiro e último ponto, sugestões de reformulação para a definição de testes psicológicos, concerne à abrangência muito ampla da definição de teste psicológico, que segundo os integrantes do GEPAP, é uma problemática inerente à definição dessas ferramentas. Sugeriu-se que o objetivo e a finalidade dos instrumentos devam ser incorporados à definição dos testes psicológicos. Além disso, entendeu-se que seria relevante a definição do que é construto psicológico, para, então, definir o que é teste psicológico, e assim, possibilitar definir qual a formação necessária para o uso de grupos específicos de testes.

Como pode ser observado, para além das críticas realizadas pelos participantes do grupo, foram dadas também sugestões relacionadas à temática proposta para a discussão do grupo. Desse modo, as informações apresentadas neste trabalho, também disponibilizadas no site do IBAP2, podem ser utilizadas como estímulos eliciadores de discussões pelos órgãos responsáveis na área, culminando assim em mudanças práticas, na tentativa de aumentar a qualidade da prática profissional atrelada à avaliação psicológica.

Ao lado disso, por meio dos dados quantitativos presentemente apresentados, verifica-se que a maior parte dos integrantes do GEPAP não participou da discussão que caracterizou a primeira temática do grupo. A partir disso, algumas hipóteses e fatores foram elencados, na tentativa de responder porque alguns integrantes não teriam participado de maneira ativa do grupo. São eles: falta de tempo; evitar a exposição da opinião; crença de que as discussões não são relevantes; crença de que as discussões não levariam a algo mais concreto e prático; intuito não de contribuir com o grupo, e sim de ser um integrante; e, sentimento de incapacidade para contribuir com o grupo.

Na tentativa de validar ou não as hipóteses apresentadas, foi enviado um e-mail para cada um dos integrantes do GEPAP que participaram da primeira discussão do grupo, individualmente, com a seguinte colocação: "Por favor, comente sua atuação no grupo, listando os fatores que influenciaram sua participação.". Dos 21 e-mails enviados3, apenas dois foram respondidos (todos por pessoas que contribuíram ativamente) e, de modo geral, os seguintes pontos podem ser destacados em relação aos fatores que contribuíram: discussões e opiniões do grupo foram interessantes; relevância de troca de idéias na área; considerar o grupo como uma medida para mudanças na área no Brasil; e, sobre os fatores que podem ter contribuído para uma não participação ativa, foi ressaltado que poucos integrantes participaram da discussão, o que pode ter desestimulado os demais a emitirem suas opiniões.

É relevante também a tentativa de hipotetizar porque alguns dos integrantes foram mais ativos no grupo. Basicamente dois pontos são destacados: são mais engajados e preocupados com a temática proposta pelos moderadores do grupo; e, apresentam algum laço afetivo ou de convívio com os preponentes do GEPAP. Essa segunda hipótese foi levantada, pois, como já foi comentado previamente, parte significativa dos participantes foi oriunda de contatos pessoais dos moderadores.

Os dados apresentados não possibilitam responder os fatores que contribuíram para a maior ou menor atividade na primeira discussão do GEPAP. Contudo, é de extrema relevância que tais fatores sejam mais investigados futuramente, possibilitando que intervenções sejam realizadas com o objetivo de propiciar aos profissionais da área estímulos para que haja o maior engajamento possível por parte desses profissionais. Essa afirmação decorre do pressuposto de que a avaliação psicológica enquanto área de estudo e prática, tal como outras áreas da psicologia, tende a crescer de maneira mais significativa à medida que os profissionais atrelados participem de maneira ativa das discussões realizadas.

Por fim, cabe ressaltar que o GEPAP não tem como objetivo abarcar todos os temas necessários à área. Nesse sentido, configura-se como uma das possibilidades interventivas visando sempre a melhoria da qualidade dos cursos e profissionais atrelados à avaliação psicológica, sobretudo quando se considera que os participantes, alunos de pós-graduação em avaliação psicológica, representam o futuro da área no país. Sendo uma das propostas de intervenção, por um lado, espera-se mudanças efetivas e que possam ser reconhecidas na prática profissional; por outro, deve servir de incentivo para que outras modalidades interventivas sejam elaboradas.

 

Referências

Hutz, C. S., & Bandeira, D. R. (1993). Tendências Contemporâneas no Uso de Testes: uma Análise da Literatura Brasileira e Internacional. Psicologia: Reflexão e Crítica, 6(1/2), pp. 85-101.        [ Links ]

Hutz, C. S., & Bandeira, D. R. (2003). Avaliação Psicológica no Brasil: situação atual e desafios para o futuro. Em O. H. Yamamoto & V. V. Gouveia (Orgs.), Construindo a psicologia brasileira: desafios da ciência e prática psicológica (pp. 261-275). São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

Noronha, A. P. P, & Alchieri, J. U. C. (2005). Reflexões sobre os instrumentos de avaliação psicológica. In: Primi, R. (Org.). Temas em Avaliação Psicológica. IBAP / Porto Alegre e Casa do Psicólogo / São Paulo.        [ Links ]

Noronha, A. P. P., Ziviani, C., Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Custódio, E. M., Alves, I. C. B., Alchieri, J. C., Borges, L. O., Pasquali, L., Primi, R., Domingues, S. (2002). Em defesa da avaliação psicológica. Avaliação Psicológica, 1, 173-174.        [ Links ]

Pasquali, L. (1999). Instrumentos Psicológicos: Manual Prático de Elaboração. Brasília: LabPAM.        [ Links ]

Wechsler, S., & Guzzo, R. S. L. (2005). (org). Avaliação psicológica: perspectiva internacional. 2ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Casa do Psicólogo.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mails: lucas@labape.com.br

Recebido em Maio de 2009
Reformulado em Junho de 2009
Aceito em Agosto de 2009

 

 

Sobre os autores:

* Lucas de Francisco Carvalho: Psicólogo, Mestre e Doutorando em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP.
** Rodolfo Augusto Matteo Ambiel: Psicólogo, Mestrando em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Psicologia da Universidade São Francisco. Bolsista FAPESP.
1 Somou-se dois integrantes, os moderadores do grupo, aos 21 convidados.
2 http://www.ibapnet.org.br/congresso2009/
3 Os moderadores do grupo não foram incluídos.

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