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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.3 Porto Alegre dic. 2009

 

ARTIGOS

 

Desenvolvimento e validação da Escala de Comportamento Proativo nas Organizações - ECPO

 

Development and validation of an Organizational Proactive Behavior Scale - OPBS

 

 

Meiry KamiaI, *; Juliana B. PortoII, **

I Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil
II Universidade de Brasília, Brasília, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pesquisas sobre proatividade ganharam força nos últimos quinze anos em função do aumento da competitividade e complexidade da economia global. Comportamento proativo é um conjunto de comportamentos em que o trabalhador busca espontaneamente por mudanças no seu ambiente de trabalho, solucionando e antecipando-se aos problemas, visando metas que beneficiam a organização. O objetivo deste trabalho foi desenvolver e validar um instrumento de medida de Comportamento Proativo nas Organizações. Para a validação, a escala desenvolvida a partir de entrevistas e do levantamento de instrumentos anteriores foi aplicada em 346 funcionários de diversas organizações. Os resultados da análise fatorial exploratória apontaram para um fator com Alpha de Cronbach de 0,95. Os resultados das ANOVAs e testes t apontaram para diferenças significativas entre ocupantes de cargos de chefia e demais funcionários, bem como entre empresários e outras categorias profissionais. Conclui-se que os testes iniciais apontam para a validade da escala.

Palavras-chave: Iniciativa, Comportamento proativo, Validade do teste.


ABSTRACT

Researches on proactivity have gained strength over the past fifteen years as a result of the increasing competitiveness and complexity on the global economy. Proactive behavior is a set of behaviors that the employee spontaneously looks for changes at his working environment, anticipating and solving problems, aiming at targets that benefit the organization. The purpose of this study was to develop and validate an instrument for measuring Proactive Behavior within Organizations. In order to be validated, the scale was developed based on interviews and former instruments. This scale was applied in 346 employees from several organizations. The results of the exploratory factor analysis point to one factor with Cronbach's Alpha of 0,95. The results of ANOVAs and t tests revealed significant differences between supervisors and other employees, as well as between entrepreneurs and other professional categories. The conclusion is that the initial tests indicate the validity of the scale.

Keywords: Initiative, Proactive behavior, Test-validity.


 

 

Introdução

A inovação assumiu um papel de destaque no final do século XX em função dos múltiplos benefícios para as organizações e por ser considerada uma vantagem competitiva das organizações (Baer & Frese, 2003). Apesar dos avanços nos estudos dentro desses temas, Rank, Pace e Frese (2004) apontam que várias questões significativas para a compreensão desse fenômeno ainda não foram suficientemente exploradas. Uma dessas questões refere-se à integração de conceitos como iniciativa pessoal/proatividade e apresentação de sugestões às pesquisas sobre inovação. Frese, Fay, Hilburger, Leng e Tag (1997) afirmam que a proatividade é cada vez mais necessária para os trabalhadores na atualidade, seja pela redução do nível de supervisão pelos gestores, seja pelo aumento da efetividade no trabalho ou pela necessidade de melhoria dos processos de trabalho.

O comportamento proativo pode trazer resultados benéficos tanto para o indivíduo como para a organização. No nível individual, a proatividade está relacionada com realização pessoal, potencial para liderança transformacional, e atividades cívicas e extracurriculares de estudantes (Bateman & Crant, 1993). No nível organizacional, a proatividade pode ser um importante elemento da performance de serviços da empresa (Jong & Ruyter, 2004) que pode ter um impacto positivo no faturamento da empresa (Bateman & Crant, 1999).

A proatividade da organização também pode ser medida por meio do número e da freqüência de introdução de novos produtos, serviços e processos; na quantidade de recursos dedicados à inovação, e em que freqüência a firma é a primeira ou a segunda a se posicionar no mercado. O nível de proatividade da firma reflete sua capacidade de criar demandas e dirigir mercados, e diferencia empresas líderes e seguidoras em sua indústria (Bateman & Crant, 1999). Face a importância do conceito e às dificuldades lançadas para sua definição e, por conseguinte, sua mensuração, este artigo tem por objetivo descrever o processo de desenvolvimento e validação da Escala de Comportamento Proativo nas Organizações - ECPO.

Os estudos na área de comportamento proativo apresentam dois grandes desafios. O primeiro refere-se à definição desse construto e o segundo a sua operacionalização. Segundo Crant (2000), esta dificuldade em diferenciar o conceito ocorreu pelo fato dos pesquisadores terem adotado diferentes enfoques na tentativa de identificarem antecedentes e conseqüentes do comportamento proativo, e isso trouxe certa confusão para encontrar uma definição única do conceito Proatividade nos diversos estudos.

Na literatura são encontrados três conceitos que se referem a aspectos da proatividade: a iniciativa pessoal, a personalidade proativa e os comportamentos proativos que serão discutidos a seguir. Segundo Frese e colaboradores (1997), a iniciativa pessoal é um conjunto de comportamentos extra-papel em que o indivíduo tem uma abordagem ativa e auto-gerada (fazer algo sem ser solicitado ou sem requerimento explícito da tarefa) em relação ao trabalho. Os comportamentos proativos, segundo eles, fazem parte da iniciativa pessoal que se caracteriza pela identificação de problemas de longo prazo, desenvolvimento de metas de longo-prazo e implementação de idéias geradas. Assim, o conceito de iniciativa pessoal envolve os seguintes aspectos: "1) é consistente com a missão da organização, 2) tem foco de longo prazo, 3) é direcionado a metas e orientado a ações, 4) é persistente face a barreiras e reveses, e 5) é auto-gerado e proativo" (Frese, Kring, Soose & Zempel, 1996, p. 38).

Bateman e Crant (1993) e Crant (2000) defendem que a proatividade possui um aspecto disposicional (tendência a se comportar de forma relativamente estável) que identifica diferenças entre pessoas em relação ao quanto elas agem para influenciar o seu ambiente. Assim, Bateman e Crant (1993) cunham o termo personalidade proativa como sendo um protótipo de pessoa que altera o ambiente não se deixando limitar pelas forças situacionais. Enquanto pessoas proativas afetam as mudanças no seu contexto, mudam a missão da sua organização ou descobrem e resolvem problemas, indivíduos não-proativos reagem, se adaptam e se moldam ao ambiente, bem como falham em identificar e aproveitar a oportunidade para mudar o ambiente.

Parker, Williams e Turner (2006) analisam os conceitos existentes na literatura como iniciativa pessoal e comportamento proativo e afirmam que esses conceitos se referem a um mesmo objeto que eles denominam de comportamentos proativos no nível individual e os definem como comportamentos iniciados pelo próprio indivíduo, com orientação para ações futuras que visam mudar e melhorar a situação atual e que são persistentes. Os autores identificaram duas dimensões para comportamentos proativos que são a implementação de idéias e a resolução de problemas (Parker, e colaboradores, 2006).

Frese e colaboradores (1997) analisam os conceitos de personalidade proativa proposto por Bateman e Crant (1993) e o de iniciativa proposto por Frese e colaboradores (1996) e assumem a existência de uma coincidência entre eles. A semelhança entre os conceitos também é defendida por Crant (2000). A pesquisa realizada por Fay e Frese (2001) traz evidências sobre isso. Eles utilizaram uma medida de iniciativa e a escala de personalidade proativa. Os resultados reforçaram a existência de um alto grau de variância comum entre as escalas e os autores concluem que essas são "medidas de um mesmo construto básico" (p.111). Portanto, pode-se considerar personalidade proativa, iniciativa pessoal e comportamento proativo como denominações diferentes para um mesmo construto.

Pesquisas recentes apontam que os comportamentos proativos são afetados por fatores ambientais, p.ex. variáveis organizacionais (Frese & colaboradores, 1997). Segundo Sonnetag (2003), isso implica que a proatividade possui componente situacional e não é um traço completamente estável. Além disso, ela complementa que existe variabilidade individual nos comportamentos proativos através do tempo e os resultados de sua pesquisa demonstram isso. Assim, o pressuposto de Bateman e Crant (1993) de que se trata de um construto disposicional é questionado.

Dessa forma, a definição apresentada por Frese e colaboradores (1997) parece caracterizar bem o construto. Eles definem iniciativa como comportamentos extra-papel que beneficiam o sistema organizacional e que se caracterizam por uma abordagem de longo prazo para identificar e solucionar problemas organizacionais e implementar novas idéias. Porém, os autores utilizam a palavra iniciativa para representar este construto. Esta palavra possui um aspecto disposicional em sua definição na língua portuguesa como pode ser observado na definição do dicionário (Houaiss, 2006) "traço de caráter que leva alguém a empreender alguma coisa ou tomar decisões por conta própria; disposição natural; ânimo pronto e enérgico para conceber e executar antes que outros". Por outro lado proativo é definido como alguém "que visa antecipar futuros problemas, necessidades ou mudanças; antecipatório". Portanto, o termo Comportamentos Proativos parece representar melhor esta definição por destacar ação e não traço de personalidade.

Assim, propõe-se, a partir da definição de Frese e colaboradores (1996), que Comportamento Proativo nas Organizações é um conjunto de comportamentos dirigidos a metas em que o trabalhador busca espontaneamente por mudanças no seu ambiente de trabalho que visam solucionar problemas e implementar idéias que beneficiam a organização. Esses comportamentos são restritos à organização, e podem se manifestar de diferentes formas no contexto de trabalho e envolvem três dimensões básicas: 1) Busca ativa por oportunidades de mudança (Bateman & Crant, 1999); 2) Planejamento e execução de idéias (Frese, e colaboradores, 1996; Parker, e colaboradores, 2006); e, 3) Enfrentamento de obstáculos (Frese, e colaboradores, 1997).

Construtos correlatos são encontrados na literatura a esse respeito, tais como: cidadania organizacional (Porto & Tamayo, 2003; Smith, Organ & Near, 1983) e necessidade de realização (McClelland, 1987). Cidadania Organizacional refere-se a "atos espontâneos dos trabalhadores que envolvem dedicação ao sistema organizacional" e são compostos por cinco dimensões: 1) atividades de cooperação com os demais membros da organização, 2) ações protetoras ao sistema, 3) sugestões criativas para melhoria organizacional, 4) autotreinamento e 5) criação de clima favorável a organização no ambiente externo" (Porto & Tamayo, 2003, p.394). Assim como os comportamentos proativos, os comportamentos de cidadania também são extra-papel e contribuem para a efetividade organizacional. Entretanto, os comportamentos de cidadania têm um aspecto de seguir regras e de manter o status quo, principalmente nas dimensões de ações protetoras ao sistema e de criação de clima favorável à organização. Outros aspectos de diferenciação dos conceitos referem-se à perspectiva temporal de longo prazo, à superação de obstáculos, à implementação de idéias e à persistência dos comportamentos proativos (Frese & colaboradores, 1997).

Apesar dessas diferenças, Moon, Van Dyne e Wrobel (2005) defendem que o conceito de cidadania organizacional deve ser entendido como multidimensional e engloba comportamentos de ajuda, comportamentos de prevenção de eventos negativos, comportamentos de aquiescência às regras e normas da organização e comportamentos de inovação. Portanto, as abordagens anteriores no estudo de cidadania enfatizaram as dimensões de comportamento de ajuda, prevenção de eventos negativos e aquiescência à regra. Ao estudar comportamentos proativos, inicia-se o desenvolvimento das pesquisas sobre a dimensão de inovação que foi pouco explorada. Assim, os comportamentos proativos podem ser entendidos como uma das dimensões de comportamentos de cidadania. Isso amplia o conceito de cidadania, mas permite a unificação de uma série de pesquisas sobre comportamentos extra-papel que beneficiam o sistema organizacional.

Necessidade de Realização é definida como uma preocupação para fazer melhor as coisas e possui as seguintes características comportamentais: 1) busca por atividades desafiadoras de forma confiante e resiliente, 2) busca elevada por feedback em relação ao desempenho, 3) preferência por trabalhar de forma auto-determinada (Koestner, Weinberger & McClelland, 1991; McClelland, 1987). Portanto, esse construto possui o caráter de superação de obstáculos, persistência e responsabilidade pessoal pelo desempenho. Entretanto, ele não apresenta a característica de longo prazo dos comportamentos proativos, nem a contribuição para efetividade organizacional, além de se caracterizar como uma característica individual e não um comportamento situacional.

Outros conceitos também apresentam semelhança com comportamentos proativos, tais como comportamento de dar voz às idéias (LaPine & Van Dyne, 2001) e inovação (Parker, e colaboradores, 2006). O primeiro construto seria um aspecto dos comportamentos proativos e o segundo envolve a implementação de novidades no trabalho, o que não é necessariamente o caso dos comportamentos proativos.

Em resumo, considera-se que os comportamentos proativos são um componente do modelo multidimensional de cidadania organizacional. A definição de comportamento proativo nas organizações engloba as definições encontradas na literatura para comportamento proativo e para iniciativa pessoal. Cabe ressaltar que proatividade não se caracteriza como uma disposição pessoal, mas como comportamentos emitidos pelas pessoas em função da situação e de suas características pessoais.

Para operacionalizar comportamentos proativos, na literatura acadêmica são encontradas duas medidas principais que serão descritas a seguir, a Escala de Comportamentos Proativos desenvolvida e validada por Bateman e Crant (1993) e as técnicas desenvolvidas por Frese e colaboradores (1997). A Escala de Bateman e Crant (1993; Claes, Beheydt & Lemmens, 2005) é uma auto-avaliação composta por 17 itens que medem a predisposição geral do indivíduo para emitir comportamentos proativos. A validação em amostras estadunidense revelou índices de consistência interna que variaram de 0,87 a 0,89. Itens que ilustram a escala são: Eu gosto de desafiar o status quo; Estou sempre procurando formas de fazer melhor as coisas; Onde quer que eu vá, eu sempre sou uma força poderosa para construir mudanças; Quando tenho um problema, eu ataco de frente. Em conformidade com o conceito defendido pelos autores, essa medida avalia intenções de comportamento ou preferências do indivíduo.

Frese e colaboradores (1997) criticam medidas que usam apenas questionários, pois há forte influência da desejabilidade social nos comportamentos proativos. Assim eles desenvolvem um conjunto de sete escalas que integradas avaliam os comportamentos de iniciativa e são medidas por meio de questionários e entrevistas. A primeira é uma medida geral de iniciativa no trabalho que avalia ações passadas em que o funcionário foi além do exigido formalmente por meio de entrevista (a = 0,74). A segunda é uma entrevista situacional sobre a superação de barreiras que avalia a tenacidade da pessoa na busca de metas quando confrontada com situações difíceis (a = 0,60). A terceira é uma avaliação sobre a abordagem ativa na resolução de problemas e julga se o indivíduo usou uma abordagem ativa ou se apenas delegou as soluções (a = 0,70). A quarta é uma estimação global feita pelo entrevistador sobre todos os aspectos da iniciativa e utiliza-se de escalas de diferencial semântico (a = 0,93). A quinta é uma entrevista baseada em uma área específica que foi a continuidade dos estudos. A sexta é um questionário de auto-avaliação parecido com o desenvolvido por Bateman e Crant (1993), porém as questões foram modificadas para se tornarem mais comportamentais (a = 0,84). A sétima medida foi provida pelo cônjuge do participante que fazia uma avaliação do indivíduo com a mesma escala utilizada na auto-avaliação (a = 0,80). Cabe ressaltar que as escalas foram respondidas por uma amostra aleatória de trabalhadores alemães ocidentais e orientais em dois períodos de tempo, totalizando 689 participantes.

Os resultados da pesquisa de Frese e colaboradores (1997) apontaram que a auto-avaliação e as escalas baseadas em entrevistas se correlacionaram significativamente, e que as avaliações dos cônjuges foram muito similares às avaliações por entrevistas. Porém, as relações com variáveis preditoras foram diferentes entre as auto-avaliações e as hetero-avaliações. Os autores concluem que a validade das escalas auto-avaliativas é mais baixa, e o uso de entrevistas em medidas de avaliação de desempenho pode oferecer contribuições importantes para compreensão do fenômeno. Entretanto, eles ressaltam que o uso de questionários deve ser considerado dentro de certas circunstâncias (p.ex. quando uma medida menos dispendiosa é necessária) e que novos estudos devem ser realizados sobre a relação entre o uso de entrevistas e questionários para detectar se as técnicas funcionam de forma similar com relação aos seus conseqüentes.

Ao fazer uma análise dos instrumentos encontrados na literatura, é possível observar que ambos não atendem à definição apresentada neste trabalho. O instrumento de Bateman e Crant (1993) avalia tendências comportamentais, mas não o comportamento proativo em si. Já a medida de Frese e colaboradores (1996) é interessante por utilizar uma abordagem multimétodo que garante maior validade ao estudo, entretanto, esta medida avalia aspetos não relacionados às organizações. Além de todos esses aspectos, não foi encontrada no Brasil outra medida sobre proatividade nas organizações. Esses motivos justificam a construção de uma escala cujo objetivo é medir o comportamento proativo nas organizações e não traços de personalidade.

 

Método

Participantes

Para este estudo foi utilizada uma amostra de conveniência, entretanto, buscou-se garantir a maior heterogeneidade de participantes, incluindo funcionários de todos os setores da economia e de diferentes organizações, com o objetivo de aumentar o poder de generalização. Participaram deste estudo 346 funcionários de empresas do ramo de serviços (72,8%), indústria (12,7%) e comércio (14,5%). Com relação ao sexo, 56,1% dos participantes eram do sexo feminino. A média de idade foi de 35,7 anos (SD=9,87) e 61,6% não possuíam cargos de chefia. Cerca de 27% da amostra foi composta por empresas públicas. A média de tempo de serviço foi de 7,67 anos (SD=7,53). Quanto à escolaridade, a maioria, 88,2% possuía grau superior completo, 9,8% superior incompleto, 1,7% grau médio completo, e 0,3% grau médio incompleto.

Construção da Escala de Comportamento Proativo nas Organizações

A construção da escala seguiu as três etapas propostas por Wegener e Fabrigar (2004) para medidas quantitativas. A primeira etapa refere-se à especificação das metas dos itens e formulação de uma suposição teórica que guiará a construção. Entretanto, os autores chamam a atenção para o fato de que somente delimitar o construto não é o suficiente, é preciso considerar:

a) Itens para cada componente do construto: no caso do Comportamento proativo, foram considerados itens para "planejamento e ações de mudanças orientadas por metas organizacionais de longo prazo", "busca por oportunidades de mudanças" e "enfrentamento de obstáculos/resolução de problemas".

b) População: a população será formada por profissionais com, no mínimo, o grau médio de escolaridade;

c) Contexto no qual a medida será usada: este questionário foi desenvolvido para avaliar o grau de comportamento proativo de funcionários que trabalham em organizações públicas e privadas de qualquer setor da economia.

A segunda etapa diz respeito ao conjunto de itens potenciais que precisa ser gerado. É ressaltada a importância da interdependência entre a medida e a teoria, pois é só a partir desta relação que é possível delinear as suposições fundamentais antes de construir a medida em questão. Para isso, é preciso ter uma definição precisa do construto e escrever os componentes do construto em forma de comportamento, a partir dos quais o respondente optaria entre escores mais altos ou baixos dependendo do comportamento que o mesmo apresenta. Esta segunda etapa foi cumprida por meio de levantamento de instrumentos já existentes.

Com o objetivo de identificar amostras de comportamento a serem utilizados na construção dos itens, 20 entrevistas contendo sete perguntas sobre proatividade foram realizadas. As perguntas realizadas são descritas a seguir: 1) Pense em um colega de trabalho que seja proativo. Cite três comportamentos que o faz ser considerado proativo no ambiente de trabalho; 2) Agora, pense em um colega de trabalho que você considera não-proativo no trabalho. Cite três comportamentos que o faz não ser considerado proativo no trabalho; 3) O que é proatividade no trabalho? 4) O que as pessoas fazem para alcançar objetivos de longo prazo que beneficiam a organização? 5) Como enfrentar os obstáculos do dia-a-dia? 6) O que as pessoas fazem para prevenir o aparecimento de problemas futuros no trabalho? 7) Que tipo de mudanças as pessoas fazem para alterar o ambiente de trabalho para melhor? Aos entrevistados que não sabiam o que era proatividade, foi explicado que eles poderiam pensar em "iniciativa no trabalho" como sinônimo nessa pesquisa. A análise permitiu identificar 3 categorias de comportamento proativo: 1) Busca ativa por oportunidades de mudança; 2) Planejamento e execução de idéias; e 3) Enfrentamento de obstáculos.

A partir daí, a construção da escala entrou na terceira etapa relacionada à performance dos itens individuais e seleção dos itens finais da escala. Os itens foram submetidos à etapa de análise de juízes, na qual seis mestres e doutores na área da Administração e Psicologia verificaram a adequação dos itens ao conceito. Os 50 itens receberam notas de 0 a 10 sobre clareza e pertinência e enquadramento em uma das três dimensões propostas. Foram eliminados os itens com média inferior a 8, e itens com boa pontuação, mas que eram redundantes. Após a avaliação de juízes, foi adicionado aos itens uma escala de resposta de 5 pontos, que variava de "nunca" a "sempre". A escala com 29 itens foi submetida à análise semântica, na qual uma amostra de 20 pessoas participou. Esta última análise mostrou que os respondentes tendiam a responder nos pontos superiores da escala, dessa forma, optou-se em aumentar a escala de resposta para 7 pontos, com o intuito de capturar a sutileza da avaliação e aumentar a variabilidade.

Procedimento de coleta e análise de dados

O questionário foi disponibilizado em um site na internet e a coleta de dados foi feita pelo mesmo veículo. Assim, os funcionários foram informados dos objetivos da pesquisa e aqueles que aceitaram participar tiveram a liberdade de responder o questionário quando tivessem disponibilidade. Os respondentes foram contatados através de um e-mail-convite e utilizou-se o sistema de multiplicadores, ou seja, foi solicitado aos participantes que repassassem o e-mail contendo o link para a página da pesquisa para outras pessoas que se adequassem ao perfil da pesquisa (funcionários de empresas). O projeto não foi submetido a um comitê de ética, mas todas as recomendações éticas foram atendidas.

Para análise dos dados foi utilizado o procedimento de Análise Fatorial Exploratória (AFE) para testar a validade de construto. Foi realizada a AFE pelo método de fatoração dos eixos principais. Para determinação do número de fatores foi utilizada a análise paralela, conforme sugere Horn (1965). Para testar a qualidade da medida também foi avaliado o grau de confiabilidade da medida. Neste estudo foi usado o alfa de Cronbach. Também foram realizadas testes t e análises de variância (ANOVA) para testar a discriminação da escala entre grupos.

 

Resultados

Inicialmente foi verificada a pertinência do uso do método para os dados obtidos, analisando-se o tamanho da amostra, normalidade, linearidade das variáveis, multicolinearidade e singularidade e a fatorabilidade do R. Com relação ao tamanho da amostra e dados omissos, verificou-se um tamanho da amostra favorável uma vez que se obteve 11,93 casos por item, quando Hair e colaboradores (2005) recomenda que a partir de 5 casos por item já é possível realizar a análise fatorial, sendo o mais aceitável 10 casos por item. Como o questionário aplicado via internet não permitia que o respondente passasse para a próxima página sem ter preenchido todos os itens, não houve casos omissos.

Com relação à normalidade das variáveis, as distribuições dos 29 itens da escala foram examinadas. Todas as variáveis apresentaram assimetria negativa. Seria indicada a transformação nesse caso, entretanto isso afetaria a interpretação dos fatores na escala, aumentando o nível de complexidade da escala. Assim, optou-se por prosseguir, ressaltando-se que isto pode afetar os resultados das análises.

Com relação à linearidade, também foram observadas pequenos desvios no teste de linearidade. Entretanto, novamente, as transformações foram desfavoráveis considerando o conjunto de variável e as metas das análises. Com relação à multicolinearidade e singularidade, não foi observada multicolinearidade e houve correlações significativas entre as variáveis, o que favorece a análise fatorial.

Para analisar a fatorabilidade da matriz foi realizado o teste de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin que teve valor 0,94 demonstrando haver homogeneidade entre as variáveis. O quadrado do coeficiente de correlação múltipla (MAS) apresentou coeficientes acima de 0,93, indicando que as variáveis partilham de um fator comum. E o teste de esfericidade de Bartlett - AIC foi significativo (qui-quadrado aproximado = 5448,70; p<0,01). Desta forma, concluiu-se que a hipótese nula foi rejeitada, uma vez que as variáveis apresentaram-se significativamente relacionadas. A análise da Matriz Anti-Imagem também apontou para a fatorabilidade já que foram encontradas correlações inferiores a 0,30.

Para a extração dos fatores, foi realizada uma análise dos componentes principais e os resultados dos eigenvalues foram comparados com os resultados da análise paralela. A análise apontou para apenas 1 fator. O fator explicou 43% da variância total. Optou-se por manter nos fatores somente itens com carga fatorial acima de 0,50 porque seriam melhores representantes do fator. A Tabela 1 apresenta a carga fatorial, comunalidade, variância explicada e o alfa de Cronbach. Desta forma, foram eliminados dois itens da escala, ficando a escala final composta por 27 itens.

 

 

Depois de realizada a análise fatorial, procedeu-se a testes de comparação de média para verificar diferenças nos comportamentos proativos para as variáveis demográficas e se a escala discriminaria entre grupos supostamente mais proativos, ou seja, empresários e chefes de forma a ampliar as evidências de validade da escala. Foi testada a normalidade da variável Proatividade (média para os 27 itens) e a normalidade foi atingida. Assim, foram realizados Testes t e ANOVAs para as variáveis categóricas e correlação para as contínuas.

As correlações entre Proatividade e tempo de serviço e idade não foram significativas. O teste t para sexo também não foi significativo. Esses resultados apontam que os comportamentos proativos não parecem ser afetados por essas variáveis demográficas.

Para a variável chefia (estar em cargo de chefia), o resultado do teste foi t(344) = 5,22, p<0,01, indicando que os chefes apresentam mais comportamentos proativos do que os não chefes. Para vínculo empregatício foram comparados três grupos: autônomos e profissionais liberais, funcionários de empresas públicas e privadas, e empresários. Os resultados apontaram para uma diferença significativa no nível de proatividade, sendo os empresários mais proativos que os outros grupos (F(2,134)=14,77, p<0,01). Veja os dados descritivos para cada grupo na Tabela 2.

 

Discussão

Os resultados apresentados apontam que o construto Comportamento Proativo é unidimensional como apontado por Bateman e Crant (1993). Este construto reúne comportamentos relacionados com o planejamento e implementação de ações de mudança, busca ativa e solução de problemas. O fator apresentou boa consistência e explicou 43% da variância total. A estabilidade do fator foi constatada através do alpha de Cronbach e indicou uma boa confiabilidade. O fator também apresentou boas cargas fatoriais indicando que os itens são bons representantes do conceito. Portanto, este instrumento pode ser utilizado com certa segurança para pesquisas e para intervenções organizacionais. Estudo futuros, entretanto, deveriam desenvolver medidas utilizando outros métodos, conforme propõe Frese e colaboradores (1997). Assim, seria possível uma medida mais completa do construto.

 

 

As análises sobre a relação entre Proatividade nas Organizações e variáveis demográficas demonstraram que a idade, o tempo de serviço e o sexo não influenciaram na emissão desse tipo de comportamento para a amostra pesquisada. Porém, observou-se que ocupar cargos de chefia ou ser empresário influencia na emissão do comportamento. Esses dados reforçam a validade preditiva do construto, uma vez que teoricamente se espera que esses profissionais apresentem maior proatividade em função de suas atuações e estão em sintonia com o estudo de Crant (1996).

Esses resultados devem ser destacados, uma vez que lança novos desafios para os pesquisadores na área, pois não é possível afirmar que tais comportamentos são preditores do exercício da chefia ou da carreira de empresário, apesar de que uma hipótese viável é que pessoas mais proativas tendem a buscar esse tipo de trabalho. Por outro lado, também é possível supor que as pessoas nesses cargos necessitam apresentar mais comportamentos proativos. Assim, estudos futuros deveriam investigar essas relações por meio de outros delineamentos de pesquisa como, por exemplo, a pesquisa longitudinal.

O objetivo deste trabalho foi o de desenvolver e validar a Escala de Comportamento Proativo no Trabalho. Este objetivo foi alcançado com sucesso e os resultados apontam para uma estrutura unifatorial conforme apontado na literatura. Os índices de confiabilidade apontam para a boa precisão da escala sendo adequada tanto para o uso em pesquisa.

Cabe ressaltar como limitações deste estudo a amostra utilizada. Como a amostra foi por conveniência pode haver vieses, em especial as pessoas mais proativas ou mais interessadas pelo assunto podem ter respondido o questionário. Assim, seria interessante que estudos futuros verificassem a adequação da estrutura para outras amostras. Além disso, a amostra selecionada é composta principalmente por indivíduos com grau superior completo e pós-graduados, sendo necessária uma validação com amostra com menor grau de escolaridade.

Conclui-se que a escala foi validada e que possui um bom grau de confiabilidade. O seu uso poderá aprofundar o conhecimento sobre a proatividade nas organizações e permitir avanços teóricos nos estudos de Comportamento Organizacional.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mails: porto.juliana@gmail.com

Recebido em outubro de 2008
Reformulado em agosto de 2009
Aceito em outubro de 2009

 

 

Sobre as autoras:

* Meiry Kamia: possui graduação em Psicologia e mestrado em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2003). É consultora na área de Psicologia, com ênfase em Análise Institucional, atuando principalmente em Comportamento Organizacional, Valores Humanos, Valores Organizacionais.
** Juliana Barreiros Porto: possui graduação em Psicologia pela Universidade de Brasília (1995), mestrado em Psicologia pela Universidade de Brasília (1998) e doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília (2004). Atualmente é professora adjunta do Departamento de Administração da Universidade de Brasília. É líder do Núcleo de Pesquisa em Cultura, Valores e Comportamento. É 1ª tesoureira da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho. Tem experiência na área de Psicologia Organizacional e atua principalmente nos seguintes temas: valores pessoais, organizacionais e culturais e comportamentos extra-papel. Possui publicações em Psicologia Social e Organizacional nos principais periódicos científicos da área.

Agradecimentos: Apoio MackPesquisa - Universidade Presbiteriana Mackenzie e CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Agradecemos aos comentários do Prof. Ronaldo Pilati.

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