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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.3 Porto Alegre dic. 2009

 

NOTAS TÉCNICAS E RESENHAS

 

Avaliação da memória

 

 

Marlene Alves da Silva*

Universidade São Francisco

 

 

Rueda, F. J. M., & Sisto, F. F. (2007). Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) Manual. São Paulo: Vetor, 67 p.

 

O construto Memória foi definido por vários pesquisadores e nas mais diversas correntes teóricas. A primeira grande corrente foi a empírica, introduzindo a teoria de associação por contigüidade. Nessa corrente, as idéias complexas seriam formadas na mente, conectando na memória idéias simples baseada em sensações que seriam vivenciadas simultaneamente em tempo e/ou espaço. Porém, na atualidade, existem duas classes de estudiosos, a classe que defende a memória unitária, essa classe utiliza de termos como medida de memória direta ou indireta, e a que acredita em memórias múltiplas, nessa, argumenta-se que diferentes aspectos dos diversos tipos de memória podem ser mensurados de maneiras distintas, e que isso pode ser feito com respeito às mudanças na informação armazenada originada em um dado evento.

Seja de qual for o tipo de memória, esse construto pode ser avaliado por um teste, quais sejam, lembrança livre, contexto de memória, memória de reconhecimento, episódica, semântica, entre outros. Os autores Rueda e Sisto optaram pela construção de um instrumento para avaliar a memória de reconhecimento.

Memória de reconhecimento ou memória de curta duração refere-se à informação que é enviada para a memória de curto prazo, na qual essa informação seria analisada e codificada. Essa aquisição depende da atenção, da percepção e da codificação do material a ser apreendido. Se esta informação não for utilizada pela pessoa após a fase de aquisição, pode ser perdida após um tempo que varia de 15 segundos a um minuto, ou ainda, algumas dessas informações podem ser transferidas para a memória de longo prazo, que é considerada um depósito permanente da informação.

Na área da avaliação psicológica, mas especificamente na avaliação da memória de curto prazo existe a necessidade de testes psicológicos de qualidade e aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia. Dessa forma, esta nota técnica tem como objetivo apresentar o Teste Pictórico de Memória Visual (TEPIC- M). Este teste foi desenvolvido pelo psicólogo Fabián Javier Marín Rueda e pelo pedagogo Fermino Fernandes Sisto, no ano de 2007. Os autores são docentes do Programa de Pós Graduação em Psicologia e pesquisadores pela Universidade São Francisco.

O objetivo do Teste Pictórico de Memória Visual (TEPIC-M) é avaliar a capacidade do indivíduo em recuperar uma informação num curto espaço de tempo, ou seja, a memória visual da pessoa por meio de estímulos figurais. O teste é composto por um cartão contendo vários desenhos e detalhes que foram agrupados em três categorias, quais sejam, itens na categoria água, céu e terra, em que o examinando deverá memorizar em um minuto e após, escrever na folha de resposta os nomes dos desenhos e detalhes que lembrar. A aplicação pode ser individual ou coletiva, com tempo total de 3 minutos. Para a avaliação é atribuído um ponto para cada item lembrado, após a somatória, deve-se consultar a tabela de percentil mais adequada. O instrumento é destinado a jovens e adultos com idade variando de 17 e 97 anos.

A justificativa dos autores por um teste pictórico foi que esse tipo de estímulo pode ser adequado para uma gama de pessoas. Dessa forma, o teste atinge desde crianças até adultos, com ou sem problemas de deterioração cognitiva.

Em seu manual, os autores trazem uma revisão teórica do construto memória, referindo aos vários modelos teóricos, desde o primeiro investigador experimental da memória humana, Ebbinghaus (1885) até a atualidade com a memória de trabalho (1980). Descreve ainda, a relação da memória com outras variáveis, como, o desempenho em matemática relacionada à memória de trabalho, a influência do ruído na memória, a atenção que para alguns autores é a "chave" para uma codificação bem sucedida e a variável inteligência, outro construto estudado junto com memória.

Ao falar da inteligência, os autores destacam a teoria bifatorial de Spearman, elaborada com base na análise fatorial, para tentar explicar um fator geral (g). Os testes de Inteligência com cargas baixas de fator g envolvem operações cognitivas menos complexas, como, a memória comum.

Ainda, dedicaram um capítulo para descrever a definição e as diferentes formas de memória. Entre os significados atribuídos a memória, estava memória como capacidade neurocognitiva de codificar, armazenar e devolver informação, memória como um depósito hipotético, memória como a informação nesse depósito. Logo após, eles descreveram sobre a memória unitária, memória múltiplas, memória de curto prazo, memória de longo prazo, memória de trabalho, entre outros.

Em relação aos estudos psicométricos na construção do instrumento, como primeiro passo, os autores elaboraram um desenho com várias figuras de tamanhos diferentes e submeteram ao estudo de conteúdo por três psicólogos com experiência sobre o tema. Os juízes sugeriram a retirada de alguns itens e o acréscimo de outros.

Essa versão foi testada em 80 estudantes universitários, o que gerou novas modificações, como retirada de itens e mudanças em itens que estavam repetidos, como exemplo, no desenho constava a figura de três flores. Foi verificado que os respondentes anotavam na folha de resposta, flores, flor, 3 flores e duas flores, o que dificultou a correção do teste. Essa versão ficou com 51 itens, caracterizada como uma paisagem de campo em preto- e- branco.

Nessa segunda versão, participaram 511 indivíduos, com idade entre 12 e 60 anos (M=20,83, DP=6,38) que cursavam desde a quarta série do ensino fundamental até o ensino superior dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Da amostra total, 220 (43,1%) eram de homens e 291 (56,9%) eram mulheres.

Foram realizados três estudos de evidência de validade de construto pelo processo de resposta de acordo com os pressupostos teóricos, no primeiro, os estudiosos informaram que a memória para localização seria melhor perto dos cantos e bordas de uma página; no segundo, apontaram que cenas organizadas seriam lembradas melhor e outros teóricos, indicaram que alguns elementos de uma cena pictórica seriam mais salientes na paisagem e serviriam como pontos de referência cognitivos na organização de espaço, o que determinaria a lembrança de determinados detalhes. Os autores realizaram pelas médias ponderadas uma análise de variância para verificar possíveis diferenças entre os três agrupamentos e a prova de Tukey para diferenciação dos mesmos. Foram diferenciados os três grupos, água, terra e céu, o que favoreceu a evidência de validade em relação ao processo de resposta. Com base nesses resultados, os autores realizaram uma reconfiguração do teste com o objetivo de equalizar a quantidade de itens pertencentes a cada agrupamento do desenho, foram retirados itens do agrupamento terra e acrescentado itens no agrupamento água, a proporção dos itens ficaram, um item na água para três na terra e dois no céu.

No segundo estudo, participaram 642 pessoas, sendo 176 do estado de Minas Gerais e 466 de São Paulo. Sendo que 91 estavam cursando pós-graduação em MBA, 64 eram pessoas aposentadas e 486 eram estudantes universitários. Com idades variando entre 17 e 97 anos (M=29,98, DP=15,24), com concentração dos sujeitos até os 24 anos.

Continuando com o foco nos estudos psicométricos, os autores apresentaram ainda, em seu manual, evidência de validade de construto pelo processo de resposta por meio da análise de variância e da prova de Tukey. Agruparam os itens pertencentes à água, ao céu e à terra das seguintes formas, 16 respostas fazem parte do ambiente água, 17 do céu e 22 da terra. Em seguida, apontaram evidência de validade relativa à estrutura interna dos itens, funcionamento diferencial do item (DIF), foi usado o programa estatístico Winsteps, o interesse estava no viés interno que se refere às propriedades psicométricas dos itens do teste. A análise foi em função do sexo do respondente. Dos 55 itens, apenas cinco indicaram diferenciar o sexo, sendo três para os homens e dois para as mulheres, como houve equilíbrio no viés, os autores julgaram desnecessária a substituição dos itens. Para essa análise, fizeram parte da amostra 594 participantes, foram excluídos aqueles que não informaram o sexo ao responderem o teste.

A terceira evidência de validade foi relativa ao desenvolvimento, utilizaram a prova de correlação de Pearson. A correlação foi negativa para as associações entre a memória e as idades estudadas. O resultado negativo é indicativo de evidência de validade desenvolvimental. Verificaram ainda, os pontos de variações significativas das médias na pontuação do TEPIC-M nas diferentes idades, perceberam grande variação das médias de idade e uma variabilidade aumentada a partir dos 40 anos. Com base nesse resultado, realizaram vários estudos para o agrupamento das faixas etárias, os agrupamentos foram, de 17 a 36 anos, dos 37 aos 59 anos e pessoas com 60 anos ou mais. Após a separação por faixa etária, realizaram a prova de análise de variância para a verificação das diferenças significativas entre os grupos, confirmando assim a evidência de validade desenvolvimental para o Teste Pictórico de Memória.

Verificaram-se ainda, diferenças de sexo e de faixa etária nas pontuações do teste de memória por meio da prova de t de Student. As mulheres apresentaram uma pontuação média maior e em relação à faixa etária, somente a faixa etária dos 37 aos 59 anos, apresentaram diferença estatística significativa.

Outro estudo foi à relação entre memória e inteligência, construtos medidos pelo Teste Pictórico de Memória e o Teste de Raciocínio Inferencial, em uma amostra de 204 estudantes dos estados de Minas Gerais e de São Paulo, com idades entre 17 e 56 anos (M=24,91), por meio da prova de Pearson. O Teste de Raciocínio Inferencial - RIn, é um teste de inteligência não verbal que avalia o fator "g" proposto por Spearman e, em seu manual apresenta várias evidências de validade, seja referente à estrutura interna, seja em relação a outras variáveis; e a precisão pelo alfa de Cronbach e pelo método das duas metades. Os resultados das análises foram significativos e positivos, com os coeficientes moderados. Dados que levaram os autores a interpretarem que quando aumentou a memória, aumentou também a pontuação no teste de raciocínio. Calculou ainda, o efeito da idade sobre essas correlações, as correlações parciais com controle da idade indicaram que independentemente da idade, existe uma associação entre a memória e a inteligência, medidas pelo TEPIC-M e RIn. Dados que indicaram evidência de validade para o Teste Pictórico de Memória em relação à inteligência.

Analisaram ainda, os itens pelo modelo Rasch, utilizaram todos os itens indistintamente. Os valores encontrados demonstravam bom ajuste, assim, os autores interpretaram que os itens foram respondidos de acordo com o padrão esperado. As variabilidades do infit dos itens estiveram entre os níveis esperados, assim como, em relação ao outfit com valores que sugeriram boa adequação ao modelo. Em relação às pessoas, no que concerne ao infit, apenas 09 pessoas forneceram escolhas desajustadas, ou seja, as respostas não foram compatíveis com o esperado na escala em razão de suas habilidades para se lembrar. Por outro lado, os dados do outfit, foram 32 pessoas com respostas inesperadas. Em relação à amostra total, o percentual de desajustes foi baixo. No geral, as pessoas apresentaram infit e outfit abaixo da média dos itens, o que significa que a quantidade de itens lembrados foi baixa.

Para concluir o capítulo dos estudos psicométricos, os autores apresentaram o estudo de precisão do instrumento por faixa etária. A precisão indica a estabilidade dos resultados, ou seja, refere-se ao fato de os resultados serem reproduzidos por um teste em diferentes ocasiões e com condições similares. O instrumento deve proporcionar medida confiável, de forma que se obtenha resultado aproximado quando se voltar a medir as características sob as mesmas condições do sujeito em questão. Dessa forma, a precisão foi realizado pelo método de duas metades (par-ímpar) de Spearman-Brown. Os resultados indicaram, que independentemente da faixa etária, os coeficientes encontrados foram considerados bons.

Os autores dedicaram um capítulo para as normas de aplicação, no qual descreveram a população alvo, idades entre 17 e 97 anos, os materiais necessários para a aplicação do teste, o rapport e as instruções para a aplicação individual e coletiva. Apresentaram uma folha de resposta, normas para correção e interpretação do teste de memória. Nesse item de correção do instrumento, apontaram quatro tabelas normativas, sendo três por faixa etária, dos 17-36, 37-59 e 60 anos ou mais e uma tabela para amostra total. Essas tabelas deverão ser usadas de acordo a necessidade e o objetivo do profissional.

Após, apresentaram dois exemplos de interpretação de protocolos, duas participantes do sexo feminino, nível de escolaridade de segundo grau e superior, com idades de 45 e 34 respectivamente. Cópia da folha de resposta da participante de nível superior, com a correção e interpretação do testes. Por fim, apresentaram as referências utilizadas, em que consta vasta literatura internacional.

Tanto o manual, como os estudos trazem uma importante contribuição para nós, os profissionais da área, por se tratar de um instrumento que apresenta consistência teórica e várias evidências de validade. Principalmente, por ser aprovado pelo CFP e por existir poucos instrumentos que avaliam a memória. É recomendado para psicólogos que se interessam por instrumento de fácil aplicação e com vários estudos psicométricos.

 

 

Sobre a autora:

* Marlene Alves da Silva: Especialista em Psicologia do Trânsito pelo Conselho Federal de Psicologia. Mestre e doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. E-mail: alvesmarlene2002@yahoo.com.br.

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