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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.8 n.3 Porto Alegre dez. 2009

 

NOTAS TÉCNICAS E RESENHAS

 

Avanços e polêmicas em avaliação psicológica

 

 

Fernanda Ottati*

Universidade São Francisco

 

 

Hutz, C. S. (org..) (2009). Avanços e polêmicas em avaliação psicológica. São Paulo: Casa do Psicólogo. 318 p.

 

A área de Avaliação Psicológica no Brasil vem num contínuo crescimento há alguns anos. Questões referentes à formação, uso de instrumentos, ética, prática profissional, ensino, entre outras, são objetos de pesquisas, discussões e até mesmo de congressos. É nesse contexto que o livro Avanços e polêmicas em avaliação psicológica foi editado, com objetivo de trazer os temas mais atuais da área e, especialmente, prestar homenagem a uma importante figura da avaliação psicológica no Brasil, Jurema Alcides Cunha.

O livro é organizado por Claudio Simon Hutz, renomado profissional que iniciou as pesquisas em avaliação psicológica e se interessou pela carreira docente, por influência de Jurema Cunha. São 12 capítulos escritos por 17 importantes profissionais na atualidade, de diversas regiões do Brasil.

O capítulo 1, intitulado "A tradição em avaliação psicológica no Rio Grande do Sul: a liderança e a referência de Jurema Alcides Cunha" é de autoria de Willian B. Gomes, que faz um breve resgate histórico do desenvolvimento da avaliação psicológica no Brasil, evidenciando a importância de alguns pesquisadores, com destaque para Jurema Cunha. Sua trajetória na Psicologia é detalhada, com informações sobre sua vida pessoal também. Por fim, uma entrevista realizada com Jurema no início dos anos 1990 é transcrita, na qual ela relatou importantes eventos que marcaram sua vida profissional, bem como suas opiniões sobre a área.

"Teoria de resposta ao item: conceitos e aplicações na psicologia e na educação" é o título do capítulo 2, de Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes e Ricardo Primi, que tem como proposta apresentar brevemente os princípios básicos da TRI, discutir algumas vantagens em relação à Teoria Clássica dos Testes (TCT) e também apresentar o uso da TRI em quatro contextos específicos: certificação ocupacional, avaliação educacional em larga escala, avaliação psicológica e testagem adaptativa computadorizada. Para cada contexto há a sua definição, situação atual de pesquisas e quais recursos da TRI tem sido utilizados. Os autores fecham o capítulo com duas considerações importantes, a primeira é que mesmo com a TRI sendo amplamente utilizada em diversas áreas, os modelos ainda estão se aperfeiçoando e que, apesar dos avanços, há pouca incorporação da técnica por pesquisadores brasileiros.

O terceiro capítulo "Testes psicológicos: conceito, uso e formação do psicólogo" foi escrito por Ana Paula Porto Noronha, que apresenta diferentes definições para teste psicológico e todas as críticas que estes receberam desde os primórdios da avaliação psicológica. A questão da formação do psicólogo é evidenciada a partir dessas críticas, e a autora explora a formação brasileira, apresentando dados de pesquisa sobre a utilização e conhecimento de avaliação psicológica por psicólogos.

"Avaliação da criatividade: possibilidades e desafios" é o quarto capítulo, escrito por Solange Muglia Wechsler, que faz uma ampla revisão do fenômeno criatividade e a possibilidade de avaliá-lo e destaca a importância que essa avaliação tem no contexto internacional. Dois diferentes agrupamentos de estudos são apresentados: avaliação do processo e da pessoa criativa e avaliação do produto e ambiente criativos, sendo que para ambos são descritos os princípios teóricos e como as pesquisas tem sido realizadas. Por fim, a autora traz as questões referentes à avaliação da criatividade no Brasil, com a descrição detalhada de dois instrumentos padronizados, normatizados e com parâmetros psicométricos para a população do nosso país, quais sejam Avaliação da Criatividade por Figuras e Palavras e Estilos de Pensar e Criar.

O capítulo 5 foi escrito por Valdiney V. Gouveia, Walberto S. Santos e Taciano L. Milfont e tem como título "O uso da estatística na avaliação psicológica: comentários e considerações práticas". Partindo da premissa que a estatística é uma ferramenta útil e necessária à psicologia, especialmente para a avaliação psicológica, os autores procuraram explicar quatro técnicas bastante utilizadas para verificação dos parâmetros psicométricos dos instrumentos psicológicos. Coeficiente de correlação, análise fatorial, consistência interna e escalonamento multidimensional, são conceituados e as suas aplicações práticas e limitações discutidas. Os autores concluem que apesar da importância da estatística, ela não substitui nem resolve uma questão fundamental, a carência de boas teorias para se basear os instrumentos de medidas.

O sexto capítulo, "Métodos projetivos em avaliações compulsórias: indicadores e perfis" é de autoria de Anna Elisa de Villemor-Amaral, que faz uma importante discussão e reflexão sobre o uso das técnicas projetivas como Rorschach, Zulliger, Pfister e TAT, em contextos onde a avaliação é compulsória como nos exames para obtenção de CNH, porte de arma, seleção e decisões judiciais. A grande crítica a utilização desses instrumentos nessas situações refere-se à quantidade de informações que pode ser obtida e que não são necessárias nesses contextos. A questão da validade para diferentes demandas é destacada e a autora descreve várias pesquisas realizadas com diferentes populações e situações, e conclui que a complexidade da avaliação psicológica reside não apenas na qualidade dos instrumentos, mas também na qualidade da atuação do profissional.

Clarissa Marceli Trentini e Denise Balem Yates são as autoras do sétimo capítulo, intitulado "Avaliação psicológica e genética", que detalha uma possibilidade de integração profissional ainda pouco explorada no nosso meio. As autoras descrevem as possibilidades de uso da avaliação psicológica em alguns contextos como aconselhamento genético, investigação genética, endofenótipos no transtorno do humor bipolar, evidenciando as práticas de avaliação cognitiva, avaliação dos aspectos familiares, diagnóstico de retardo mental e especialmente nas pesquisas sobre doenças mentais complexas como esquizofrenia, por exemplo. Destaque é dado ao final do capítulo para que exista um empenho contínuo na interação entre avaliação psicológica e genética, na busca do desenvolvimento teórico e prático das duas áreas.

"Avaliação psicológica do dependente de substâncias psicoativas" é o título do oitavo capítulo, escrito por Irani de Lima Argimon e Margareth da Silva Oliveira, que enfoca especialmente a necessidade de integrar as informações advindas dos instrumentos psicológicos com aspectos como conhecimento de critérios diagnósticos, comorbidades e tratamentos disponíveis para os dependentes. O uso da avaliação psicológica pode auxiliar no diagnóstico e levantar tipos de problema de comportamento, intensidade de sintomas de depressão e ansiedade, gravidade do uso da substância psicoativa, nível de motivação para mudança, bem como examinar as condições cognitivas. As autoras apresentam os instrumentos disponíveis para cada um desses aspectos, relatando as pesquisas desenvolvidas nacional e internacionalmente.

O capítulo 9, "Reflexões sobre o ensino da avaliação psicológica na formação do psicólogo" é de autoria de Irai Cristina Boccato Alves, que faz um resgate histórico sobre a chegada e regulamentação da Psicologia no Brasil e consequentemente das práticas de avaliação psicológica e as críticas recebidas ao longo do tempo. No que se refere ao ensino de avaliação psicológica, são apresentadas as diversas perspectivas de autores que discutiram e ainda discutem essa temática, com dados de pesquisa sobre os problemas mais freqüentes, como a qualidade dos instrumentos, quais instrumentos ensinar, quantas disciplinas devem compor o rol de formação, quais conteúdos devem ser contemplados, entre outros aspectos. Por fim a autora propõe algumas alternativas para melhorar a qualificação dos profissionais da área: exigência de um título de especialista, criação de um exame para os formandos em psicologia para obtenção do registro de classe, aumentar a duração dos cursos de graduação ou implantação de um sistema de três níveis de qualificação para o uso dos testes.

Ricardo Primi, Monalisa Muniz e Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes escreveram o décimo capítulo que tem como título "Definições contemporâneas de validade de testes psicológicos", no qual discorrem sobre a questão da cientificidade dos instrumentos psicológicos, especialmente o conceito de validade, que passou por reformulações ao longo do tempo. Importantes pesquisadores internacionais são citados, levando ao entendimento da mais recente conceituação, fontes de evidências de validade, que podem ser: evidências baseadas no conteúdo, no processo de resposta, na estrutura interna, nas relações com variáveis externas e nas consequências da testagem. Os autores destacam que estas definições propostas em 1999 devem ser divulgadas e discutidas para que os profissionais se apropriem desse conhecimento e assim contribuam para o aumento do nível de cientificidade da psicologia.

O capítulo 11, "Leonardo da Vinci, o Rorschach e o movimento" é de autoria de Latife Yazigi e aborda três diferentes assuntos, mas que se relacionam, a especialização cerebral hemisférica, o método de Rorschach e Leonardo da Vinci. A partir da explicação de que o hemisfério cerebral direito é o responsável pelas integrações sensoriomotoras e perceptivas e o esquerdo pelo processamento da linguagem, a autora traz informações sobre o Rorschach e as codificações de resposta, indicando que é uma técnica sob domínio do hemisfério direito. A história de vida de Leonardo da Vinci é apresentada, com riqueza de detalhes, havendo o reconhecimento de que ele foi o primeiro rorschachista.

E, por fim, o capítulo 12 de autoria de Claudio Simon Hutz tem como título "Ética na avaliação psicológica", que traz uma importante discussão sobre a ética na prática profissional do psicólogo, especialmente na avaliação psicológica, e na pesquisa com seres humanos. Os três princípios éticos fundamentais utilizados na pesquisa são apresentados e discutidos pelo autor, que os considera subsídios para a prática da avaliação psicológica, são eles Beneficência (e não maleficência), Respeito e Justiça.

Destaca-se ao final do capítulo a constatação de que com a melhora na formação profissional, avanços significativos na avaliação psicológica devem ocorrer, trazendo benefícios e contribuições para a melhora na qualidade de vida e, conseqüentemente, se tornará uma prática socialmente relevante.

O livro traz importantes temáticas na área de avaliação psicológica, algumas ainda muito pouco conhecidas e pesquisadas no Brasil, como a relação entre avaliação e genética, por exemplo. Os capítulos são objetivos, o que torna a leitura fácil e acessível a profissionais e estudantes, as referências são bastante atuais e os temas diversificados. Ainda que o livro não esgote todos os campos possíveis de inserção da avaliação psicológica, até porque este não era o objetivo do organizador, sua leitura é fundamental para o psicólogo e estudantes, visto que a avaliação psicológica ainda é a nossa única tarefa exclusiva, porém, tão carente de pesquisas e profissionais qualificados.

 

 

Sobre a autora:

* Fernanda Ottati: Psicóloga. Mestre em Avaliação Psicológica pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Docente do curso de Psicologia da Universidade São Francisco. E-mail: fernanda_itb@yahoo.com.br.

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