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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.2 Porto Alegre ago. 2010

 

 

Propriedades psicométricas do Parental Bonding Instrument e associação com funcionamento familiar

 

Psychometrics properties of Parental Bonding Instrument and association with family functioning

 

 

Maycoln Leôni Martins Teodoro1,I; Silvia Pereira da Cruz BenettiII; Cristian Baqui SchwartzII; Bruna Gomes MônegoIII

IUniversidade Federal de Minas Gerais
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


Resumo

Este artigo investiga algumas propriedades psicométricas do Parental Bonding Instrument (PBI) em uma amostra de adultos jovens da região metropolitana de Porto Alegre. Este instrumento avalia a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos durante a infância e adolescência. Participaram desta pesquisa 195 universitários (127 mulheres, 65,1%) com idade entre 17 a 30 anos (Média=22,45, DP=3,82). Os participantes responderam ao PBI e o Familiograma. O PBI apresentou resultados de validade e fidedignidade satisfatórios para o modelo bi-fatorial. Escores de Cuidado materno e paterno correlacionaram positivamente com a Afetividade e negativamente com o Conflito familiar. Já os escores da Superproteção/Controle correlacionaram-se significativamente com o Conflito. Os resultados apontam para a existência de indícios de validade e fidedignidade do PBI, ressaltando sua importância em pesquisas sobre relações familiares.

Palavras-chave: Relações Familiares; Relacionamento Pais-Crianças; Avaliação Psicológica.


Abstract

This article presents some psychometrics properties of the Parental Bonding Instrument (PBI) in a sample of young adults from the metropolitan region of Porto Alegre, RS. The instrument evaluates the quality of parent-child bonding in childhood and adolescence. A hundred and ninety-five university students participated (127 female, 65, 1%) ages between 17 to 30 (M=22,45, SD=3,82). Participants answered the PBI and the Familiogram instruments. The PBI validity and reliability were satisfactory in a two factor model. Maternal and Paternal Care scores were positively correlated to Affection and negatively correlated to Conflict. However, Overprotection and Control scores correlated positively with Conflict. The results point out to validity and reliability to the PBI in this sample, and it is highlighted the instrument´s importance to research about family relations.

Keywords: Family Relations; Parent Child Relations; Psychological Assessment


 

 

Introdução

As características e a qualidade do relacionamento entre pais e filhos são apontadas como fatores associados à presença de transtornos emocionais na infância e adolescência (Chambers, Power, Loucks, & Swanson, 2000). Deste modo, diversas escalas que investigam as características destas relações têm sido desenvolvidas com o objetivo de identificar situações associadas ao surgimento de psicopatologias ao longo do desenvolvimento (Holden, 1995). O Parental Bonding Instrument (PBI) (Parker, Tupling, & Brown, 1979) é um destes instrumentos que avalia, a partir da percepção de adolescentes e adultos, o vínculo estabelecido com os pais durante a infância e adolescência, tendo sido traduzido e adaptado em diversos países (Chambers, Power, Loucks, & Swanson, 2000; Melis & cols., 2001; Mohra, Preisig, Fenton, & Ferrero, 1999).

Existem duas dimensões principais acerca da atitude parental no processo de socialização da criança avaliada pelos instrumentos da área. São elas as atitudes frente à disciplina e controle e atitudes relativas ao afeto, que refletem os constructos apoio emocional versus hostilidade/coerção (Lovejoy, Weis, O'Hare, & Rubin, 1999). Em relação ao PBI, Parker e cols. (1979) investigaram dois componentes associados à percepção da relação com os pais. O primeiro, denominado Cuidado, é caracterizado num extremo por afeição e carinho e, no outro, por frieza e rejeição. O segundo, Superproteção/Controle, informa a intensidade de vigilância dos pais em um extremo e a promoção de autonomia no outro. A avaliação destas dimensões permite a identificação do vínculo parental incluindo desde situações de cuidado ótimo àquelas de negligência. Neste sentido, o instrumento baseia-se na teoria do apego de Bowlby (Bowlby & Ainsworth, 1991), a qual considera que as características do vínculo estabelecido com as figuras parentais na primeira infância organizam-se como padrões interativos que se reproduzem ao longo do desenvolvimento em diversos aspectos relacionais do indivíduo.

No primeiro estudo com o PBI, Parker e cols. (1979) encontraram correlação negativa entre os fatores de Cuidado e Superproteção/Controle, indicando que estes não são independentes. Outros estudos, porém, não identificaram esta associação, apontando o fator Superproteção/Controle como menos consistente e sugerindo uma solução de três fatores. Neste caso, o fator Superproteção/Controle representaria duas dimensões, uma associada ao encorajamento e promoção de autonomia e outra identificada como controle intrusivo (Chambers & cols., 2000).

Independente da estrutura dos fatores, diversos estudos têm apontado para uma discriminação adequada do instrumento quanto às práticas parentais em diferentes situações e manifestações clínicas (Chambers & cols., 2000; Overbeek, Have, Vollebergh & Graaf, 2007; Uji, Tanaka, Shono & Kitamura 2006). Sendo assim, as características das relações parentais associam-se não só à percepção, mas ao cuidado real vivenciado ao longo do desenvolvimento. Em geral, as investigações apontam que as mães são descritas como exercendo mais Cuidado e Controle que os pais tanto para os filhos quanto para as filhas e que as características de alto Controle e pouco Cuidado estão freqüentemente associadas entre si (Mellis & cols., 2001; Mohra & cols., 1999).

Alguns autores abordaram a associação entre o baixo cuidado parental e depressão, expandindo para outros quadros clínicos como ansiedade, abuso de drogas e transtornos de personalidade (Enns, Cox, & Clara, 2002). Nesse caso, o estudo envolveu uma amostra de 5877 sujeitos entre 15 e 54 anos de idade proveniente da investigação nacional norteamericana sobre comorbidades, sendo investigada a associação entre o vínculo parental, avaliado pelo PBI, e a presença diagnóstico de transtornos mentais (transtornos de humor, ansiedade, abuso de substâncias e personalidade anti-social). A dimensão com maior consistência na associação com transtornos mentais foi a de pouco Cuidado parental. Em relação ao gênero, tanto em homens como em mulheres os escores maternos associaram-se a treze diagnósticos de transtorno mental, sendo que somente em homens os escores paternos associaram-se associaramse a presença de agorafobia. Além disto, para comportamentos externalizantes nos homens (abuso de substâncias e personalidade anti-social), a dimensão Superproteção/Controle Paterno serviu para reduzir o risco desses transtornos.

No Brasil, a adaptação do PBI foi realizada por Hauck e cols. (2006), que investigaram a equivalência conceitual, semântica e funcional e operacional do instrumento. A equivalência conceitual foi avaliada por meio de um comitê de juízes que analisaram a adequação do item para a nossa cultura. A equivalência semântica dos itens foi feita por meio de duas traduções independentes, sendo a versão final aplicada em um estudo piloto. Finalmente, a equivalência funcional e operacional consistiu de uma padronização das instruções e formatação da apresentação do PBI à amostra brasileira. Esta padronização foi avaliada em um estudo piloto e, posteriormente, retraduzida para o inglês, sendo apresentada ao autor do instrumento. Os resultados encontrados para a versão final em português foram satisfatórios demonstrando boa compreensão dos itens pelos participantes. No entanto, os autores ressaltaram e sugeriram a necessidade de investigações com diferentes grupos nacionais a fim de se verificar as propriedades psicométricas do instrumento como a análise fatorial e de consistência interna. Neste sentido, o presente estudo pretende investigar algumas propriedades de validade fatorial e de consistência interna do PBI em relação às percepções maternas e paternas em adultos universitários jovens. Além disto, procurou-se investigar a relação dos escores do PBI com a idade e sexo dos participantes e sua associação com as características de Afetividade e Conflito no sistema familiar. Espera-se, com isto, contribuir para o aprimoramento do instrumento e também oferecer parâmetros avaliativos sobre as relações familiares seguindo uma abordagem contextualizada de investigação.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 195 universitários, sendo 127 do sexo feminino (65,1%) e 68 do sexo masculino (34,9%). A idade variou de 17 a 30 anos (Média=22,45, DP=3,82). O critério de seleção amostral utilizado foi o de conveniência.

Instrumentos

Parental Bonding Instrument (PBI, Parker & cols., 1979)

O questionário é constituído por 25 itens que compõem as escalas que avaliam Cuidado (12 itens) e Superproteção/Controle (13 itens). O participante deve eleger qual alternativa que melhor descreve sua relação com cada um dos pais separadamente através da escala Likert que varia de zero a três pontos. Deste modo, a pontuação máxima é de 36 e 39 pontos na escala de Cuidado e de Superproteção/Controle, respectivamente. Altos escores na escala de Cuidado representam percepções de carinho e proximidade, enquanto que, na escala de Superproteção/Controle, representam percepções de proteção excessiva, vigilância e infantilização.

A partir dessas duas escalas, é possível obter quatro classificações de vínculos entre pais e filhos. Na primeira, chamada de Cuidado Ótimo, estão os pais que obtém alta pontuação em Cuidado e baixa em Superproteção/Controle. O segundo grupo, Controle Afetivo, engloba pais com alta pontuação em Cuidado e em Superproteção/Controle. O terceiro, Controle sem Afeto, possui pais com baixa pontuação em Cuidado e alta em Superproteção/Controle e o último, chamado de Negligente, engloba os pais com baixa pontuação em Cuidado e em Superproteção/Controle.

A versão utilizada no presente estudo foi a adaptada por Hauck e cols. (2006), que investigaram as equivalências conceitual, dos itens, semântica, operacional e funcional do PBI. Segundo os autores, a versão final resultou em um instrumento criteriosamente adaptado cuja versão foi aprovada pelo autor original.

Familiograma (Teodoro, 2006)

Este instrumento avalia a Afetividade e o Conflito nas díades familiares. Afetividade refere-se a um conjunto de emoções positivas existentes no relacionamento interpessoal. Por outro lado, Conflito é caracterizado como uma gama de sentimentos negativos que podem ser tanto uma fonte geradora de estresse como de agressividade dentro do sistema familiar. Para esta pesquisa, investigaram-se as díades participante-mãe e participante-pai. Para cada uma destas díades, o participante tinha que dizer, por meio de uma escala Likert variando de um a cinco, como era o relacionamento. Para o construto Afetividade foram usados os adjetivos carinhoso, alegre, agradável, verdadeiro, afetivo, protetor, amoroso, acolhedor, harmonioso, atencioso, precioso. Já o Conflito foi avaliado por meio dos adjetivos confuso, nervoso, estressante, baixo-astral, ruim, sufocante, tenso, frio, difícil, agressivo, chato. Estudos anteriores com o Familiograma demonstraram a existência de uma estrutura bifatorial e alphas de Cronbach variando de 0,87 até 0,97 (Teodoro, 2006), assim como bons índices de validade convergente (Baptista & cols., 2009). No presente estudo, as análises de consistência interna foram de 0,94 (Afetividade) e 0,91 (Conflito) para a díade participante-mãe e 0,96 (Afetividade) e 0,93 (Conflito) para a díade participante-pai, indicando que o instrumento manteve a consistência interna na amostra estudada.

Procedimentos de Pesquisa

O contato com os universitários foi feito por meio de visitas às salas de aula dentro da universidade. Os pesquisadores explicaram o conteúdo da pesquisa e deixaram claro que as informações pessoais seriam mantidas em sigilo na divulgação dos resultados. Os participantes poderiam deixar qualquer pergunta em branco ou se retirar da pesquisa se assim desejassem. O projeto foi aprovado pelo comitê de ética da universidade dos autores. A avaliação foi feita coletivamente e durou aproximadamente 40 minutos, sendo que o PBI foi o primeiro instrumento aplicado e o Familiograma o segundo.

Análise dos Dados

A investigação das propriedades psicométricas dos dados do PBI foi realizada por meio de análise fatorial exploratória e de consistência interna (Alpha de Cronbach). A escolha do ponto de corte, que dividiu os construtos em duas metades (baixo e alto), foi feita por meio da mediana. Finalmente, para a comparação dos fatores do PBI (Cuidado e Superproteção/Controle) com a Afetividade e Conflito, foram utilizadas Correlação de Pearson e Análise de Variância One way (ANOVA). Toda a análise estatística foi realizada no Programa Estatístico SPSS 16.

 

Resultados

Os resultados serão descritos em três etapas. Primeiramente, serão apresentados os dados psicométricos e descritivos do PBI. Em seguida, serão mostradas análises relativas ao gênero, idade e uma comparação entre os escores dos fatores entre os relacionamentos com a mãe e com o pai. Por fim, serão comparados os escores fatoriais com a Afetividade e o Conflito percebidos pelo participante.

Análise Psicométrica do Parental Bonding

Os dados do PBI foram submetidos a análises fatoriais exploratórias com o Método dos Componentes Principais e rotação Oblimin separadamente para as relações com a mãe e com o pai. Tanto os resultados do método de Kaiser (autovalor maior do que 1) quanto os do Gráfico de Sedimentação sugeriram uma estrutura com quatro fatores, diferentemente do modelo bi-fatorial descrito por Parker, Tupling e Brown (1979). No entanto, para ambas as análises, surgiram apenas dois fatores com autovalores maiores do que dois, apontando para uma maior estabilidade nestes componentes. Os outros fatores apresentaram autovalores próximos do limite inferior aceitável pelo método de Kaiser. Tendo em vista esta indicação de estabilidade e a estrutura bi-fatorial teórica original do instrumento, decidiu-se por refazer as análises fatoriais para dois fatores. Os resultados psicométricos do instrumento assim como as médias e desvio-padrão de cada fator estão descritos na Tabela 1.

 

 

Os resultados das análises fatoriais apresentaram escores do Kaiser-Meyer-Olkin de 0,88 para a relação materna e de 0,88 para a paterna. O Teste de Esfericidade de Bartlett foi significativo para as relações materna (χ²=2342,84, gl=300, p<0,001) e paterna (χ²=2280,40, gl=300, p<0,001), indicando adequação das análises fatoriais. A disposição dos itens dentro dos dois fatores (vide Tabela 1) aponta para uma estrutura fatorial idêntica à do instrumento original nas relações com a mãe e com o pai. Deste modo, os nomes dos fatores originais foram mantidos em Cuidado e Superproteção/Controle. As duas análises fatoriais explicaram em torno de 46% da variância cada uma.

Os cálculos de consistência interna para os fatores mostraram escores satisfatórios para ambas as análises. Os Alphas de Cronbach foram de 0,91 e 0,87 para Cuidado e Superproteção/Controle na relação materna e de 0,91 e 0,85 na relação paterna.

Análise de correlação entre Cuidado e Superproteção/Controle para a relação materna mostrou um escore significativo positivo de 0,25 (p<0,01). Por outro lado, não houve associação significativa entre os dois fatores na relação paterna. Foram realizadas correlações dos fatores do PBI entre as relações materna e paterna. Medidas de Cuidado materno e paterno apresentaram correlações significativas positivas de 0,31 (p<0,01). Da mesma forma, também foi encontrada correlação significativa positiva entre Superproteção/Controle materna e paterna (r=0,42, p<0,01).

A definição do ponto de corte para separação dos grupos em Cuidado e Superproteção/Controle baixo e alto seguiu os escores da mediana. Deste modo, foi definido como Cuidado materno baixo todo participante que obteve escore inferior ou igual a 30 pontos, sendo que acima deste valor foi classificado como Cuidado materno alto. Foram classificados como tendo Cuidado paterno baixo aqueles com valores inferiores a 25 pontos. A Superproteção/Controle materna e paterna receberam ponto de corte de 14 e 13 pontos, respectivamente. Utilizando-se estes valores de referência, foram criados quatro grupos de acordo com a literatura (Cuidado Ótimo, Controle Afetivo, Controle sem Afeto e Negligente). As categorias Cuidado Ótimo e Controle sem Afeto receberam um total de 52 participantes (28,10%) para cada grupo na relação materna. Por outro lado, 35 participantes (18,90%) tiveram seu relacionamento classificado como sendo caracterizado por Controle Afetivo e 46 (24,90%) como Negligente. Já para a relação paterna, 50 participantes (27,80%) descreveram seu relacionamento como sendo de Cuidado Ótimo, 52 (28,90%) como Controle sem Afeto, 38 (21,10%) como Controle Afetivo e 40 (22,20%) como Negligente.

Gênero e Idade e Comparação entre Vínculo Parental

Comparações das percepções de Cuidado e Superproteção/Controle entre os participantes masculino e feminino mostraram resultados significativos somente para a relação paterna. O grupo feminino apresentou escores de Cuidado (t=2,73, gl=182, p<0,01) e Superproteção/Controle paterna (t=2,60, gl=183, p<0,01) significativamente maior que o grupo masculino.

No intuito de verificar diferenças de percepção de Cuidado e Superproteção/Controle nas relações materna e paterna, foram realizadas Análises de Variância para Medidas Repetidas controlada para os grupos masculino e feminino. Com relação à primeira dimensão, foram encontrados escores significativamente superiores para o cuidado materno em comparação com o paterno (F=33,35, gl=135, p<0,001) tanto para o grupo masculino quanto para o feminino. Já para a segunda dimensão, os participantes masculinos percebiam mais Superproteção/Controle na relação materna em comparação com a paterna, não sendo encontrada diferença significativa para o grupo feminino (F=3,85, gl=139, p<0,05).

A investigação da relação entre a idade e os fatores Cuidado e Superproteção/Controle foi feita por meio de correlações de Pearson. De todas as possibilidades analisadas, foi significativa a correlação entre idade e cuidado materno (r=-0,18, p<0,05).

Relação Familiar e Vínculo Parental

As análises entre os escores de Cuidado e Superproteção/Controle (PBI) e a Afetividade e Conflito (Familiograma) foram realizadas de duas maneiras. A primeira com correlação de Pearson entre os escores brutos de cada escala. A segunda forma de comparação foi feita por meio das categorias criadas a partir das combinações de Cuidado e Superproteção/Controle baixos e altos e os escores de Afetividade e Conflito, por meio de Análise de Variância One-way e análises post hoc de Bonferroni.

Cuidado materno se correlacionou positivamente com a Afetividade (r=0,63, p<0,001) e negativamente com o Conflito familiar (r=-0,40, p<0,001). Já os escores da Superproteção/Controle materno apresentaram correlações não significativa com a Afetividade (r=-0,13, ns) e significativa com o Conflito (r=0,17, p<0,05). Na relação paterna, Cuidado correlacionou-se positivamente com a Afetividade (r=0,72, p<0,001) e negativamente com o Conflito (r=-0,53, p<0,001). Assim como na relação materna, a Superproteção/Controle paterno apresentou correlações não significativas com a Afetividade (r=-0,06, ns) e fraca com o Conflito (r=0,23, p<0,01). Os resultados podem ser visualizados na Tabela 2.

 

 

Comparações dos escores de Afetividade e Conflito na relação materna entre os grupos advindos do PBI (Negligência, Controle sem afeto, Cuidado ótimo e Controle Afetivo) foram realizadas por meio de ANOVA. Os resultados indicaram a existência de diferenças significativas entre as médias de Afetividade (F=22,46, gl=172, p<0,001) e Conflito (F=13,31, i=173, p<0,001). Análises de post hoc mostraram que os participantes classificados como tendo uma relação Negligente ou Controle sem Afeto percebem menores índices de Afetividade do que os classificados como Cuidado Ótimo e Controle Afetivo. Por outro lado, os participantes do grupo Negligente percebem maior Conflito do que os do Cuidado Ótimo e Controle Afetivo. Da mesma forma, os universitários do grupo Controle sem Afeto indicaram maior Conflito do que Cuidado ótimo.

ANOVAs comparando os diferentes grupos do PBI na relação paterna indicaram a existência de diferenças significativas entre as médias de Afetividade (F=25,06, gl=168, p<0,001) e Conflito (F=15,72, gl=170, p<0,001). Análises de post hoc mostraram que os participantes classificados como tendo uma relação de Negligência ou de Controle sem Afeto com o pai percebem menores índices de Afetividade do que os classificados como Cuidado Ótimo e Controle Afetivo. Por outro lado, os participantes dos grupos Negligente e Controle sem Afeto percebem maior Conflito com o pai do que os do Cuidado Ótimo e Controle Afetivo.

 

Discussão

O objetivo deste trabalho foi apresentar algumas propriedades psicométricas do Parental Bonding Instrument, instrumento que avalia a qualidade do vínculo estabelecido entre pais e filhos durante a infância e adolescência, em uma amostra de adultos jovens da região metropolitana de Porto Alegre. Além disto, foram analisados os principais resultados encontrados em relação às percepções maternas e paternas de uma amostra de adultos jovens da região metropolitana de Porto Alegre, identificando-se a associação da qualidade do vínculo parental com as características de afetividade e conflito no sistema familiar.

Inicialmente, considerando os aspectos psicométricos do instrumento, os resultados da análise fatorial exploratória indicam índices de adequação satisfatórios para o modelo bi-fatorial. Esta solução difere de estudos que identificaram um modelo fatorial de três dimensões, sendo a terceira relacionada à promoção de autonomia (Cubis, Lewin, & Dawes, 1989). No estudo de Cubis e cols., por exemplo, a solução de três fatores permitiu identificar diferenças na percepção parental de adolescentes australianos. Os participantes perceberam as mães como mais cuidadosas e os pais como mais intrusivos, e aqueles que identificaram os pais como negligentes e as mães como intrusivas, apresentaram os perfis psicológicos mais negativos.

Em relação ao número de dimensões do PBI, Parker e cols. (1979) optaram pela solução de dois fatores, pois, além de facilitar a classificação dos estilos parentais, consideraram que a diferença entre os valores da variância explicada pela solução de três fatores era pequena. Neste sentido, em um estudo com 85 mulheres no Paquistão (Qadir, Stewart, Khan, & Prince, 2005) foi encontrado que a solução de dois fatores explicava 43,8% da variância, enquanto que a solução de três fatores explicava 50,2%. Entretanto, para os autores, a solução de dois fatores apresentava distribuição de itens teoricamente mais clara, portanto, a solução de dois fatores mantinha-se como opção de escolha.

Desta forma, ainda que seja possível uma maior discriminação dos aspectos de Cuidado e de Superproteção/Controle das relações parentais conforme a estrutura fatorial, os resultados das investigações têm demonstrado uma importante associação entre práticas parentais e saúde mental. Características de alto Controle e pouco Cuidado são freqüentemente mencionadas nos casos de manifestações depressivas, abuso de drogas, transtornos alimentares e delinqüência (Enns & cols., 2002).

No presente trabalho, observou-se que os aspectos que contribuem para o vínculo parental foram distintos para as relações materna e paterna. Na relação paterna não foi encontrada relação significativa entre as dimensões do PBI. Por outro lado, o Cuidado materno associou-se à percepção de Superproteção/Controle materno, indicando que o vínculo com as mães incluía uma relação cuidadosa, porém controladora. Este resultado é similar ao estudo chileno de Melis e cols. (2001) que também identificou vínculo materno como sendo mais superprotetor que o paterno. Além disto, Melis e cols. não encontraram diferença entre os sexos dos respondentes quanto à maneira que percebiam o cuidado parental.

Nas comparações, tanto o grupo masculino quanto o feminino descreveram o Cuidado materno como superior ao paterno. Entretanto, o grupo feminino percebeu maior Cuidado e Superproteção/Controle paterno do que os participantes masculinos indicando que a superproteção feminina constitui-se como uma característica que pode estar associada a um elemento cultural vinculado a questões de gênero. No caso, os pais agiriam de forma mais controladora em relação às filhas mulheres e de forma mais autônoma em relação aos homens. Portanto, estas características refletem aspectos particulares da socialização nos diferentes grupos sociais e culturais. Conforme Qadir e cols. (2005), as nuances culturais nas percepções de Cuidado e Superproteção/Controle atestam a validade do instrumento no sentido de que é possível identificar as características das práticas de socialização dos grupos culturais.

Outro aspecto importante no presente estudo foram as associações entre sistemas familiares que apresentaram maior Afetividade e menor Conflito e a presença de Cuidado e Superproteção/Controle tanto materno como paterno. Ao contrário, identificou-se que relações conflituosas na esfera parental indicavam condutas de superproteção e pouco afeto. Relações maternas e paternas Negligentes e/ou de Controle sem Afeto apresentaram menor Afetividade e maior Conflito, apontando para um padrão interacional associado a manifestações de depressão e ansiedade em adultos jovens segundo Safford, Alloy e Pieracci, (2007).

As dimensões do PBI refletem também aspectos do ambiente familiar, associando situações de conflito aos vínculos parentais mais frágeis e intrusivos. O impacto do conflito familiar expõe a criança e o adolescente a situações estressantes, afetando a disponibilidade parental para com os filhos e interferindo na qualidade do vínculo estabelecido (Benetti, 2006). Neste sentido, Oliveira e cols. (2002), numa investigação com 50 crianças entre quatro e cinco anos de idade e suas respectivas mães, verificaram que o conflito conjugal mediava situações de estilo materno autoritário e associava-se a comportamentos de externalização das crianças.

Estudos como os realizados por Enns e cols. (2002) e, mais recentemente, por Overbeek, Have, Vollebergh e Graaf (2007) mencionam que as relações parentais avaliadas pelo PBI assinalam a associação entre vínculos de Negligência ou Superproteção/Controle e a presença de psicopatologia. Porém, esta associação não se apresenta de forma robusta, sendo sugerida a ampliação dos estudos sobre o papel das experiências familiares nas manifestações de problemas emocionais.

No presente trabalho foram apresentadas associações entre o vínculo parental e aspectos do funcionamento familiar como afetividade e conflito. Ainda assim, há outros fatores envolvidos na formação e desenvolvimento dos vínculos afetivos entre pais e filhos. Neste sentido, sugere-se que a utilização de instrumentos complementares seja uma possibilidade de identificação dos problemas emocionais. Entretanto, os resultados encontrados no presente trabalho contribuem para a verificação da validade da utilização do PBI em estudos nacionais voltados para a investigação das características dos vínculos estabelecidos entre pais e filhos. Igualmente, os dados também apontam para a importante relação entre o funcionamento familiar e a formação dos vínculos familiares, indicando que ambientes mais conflitivos interferem na qualidade do vínculo. Estes aspectos são fundamentais para o desenvolvimento de estudos com populações clínicas e não clínicas, voltados para a promoção e prevenção em saúde mental, bem como para o desenvolvimento de pesquisas na área da psicologia.

 

Referências

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Recebido em julho de 2009
Reformulado em março de 2010
Aceito em Maio de 2010

 

 

Sobre os autores:

Maycoln Leoni Martins Teodoro:Professor Adjunto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Silvia Pereira da Cruz Benetti:Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Cristian Baqui Schwartz:Discente do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Bruna Gomes Mônego:Mestranda em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

1Contato:
E-mail:mlmteodoro@hotmail.com
Apoio: CNPq e UNISINOS.

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