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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.2 Porto Alegre Aug. 2010

 

 

Estabilidade temporal da escala fatorial de neuroticismo

 

 

Ana Claudia Vazquez; Cristian Zanon; Claudio Simon Hutz1

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

Introdução

A Escala Fatorial de Neuroticismo (EFN) é um instrumento de auto-relato que avalia de forma rápida e objetiva características de ajustamento e instabilidade emocional (Hutz & Nunes, 2001). Este teste foi elaborado no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF) que concebe a personalidade humana a partir de cinco grandes dimensões: Neuroticismo, Extroversão, Socialização, Realização e Abertura à Experiência. O fator Neuroticismo é composto por sub-fatores ou facetas que agrupam sintomas e predisposições à impulsividade, hostilidade, depressão, ansiedade, vulnerabilidade entre outros (McCrae & John, 1992). Na EFN, especificamente, foram identificadas quatro facetas: Vulnerabilidade, Desajustamento Psicossocial, Ansiedade e Depressão (Hutz & Nunes, 2001).

Vulnerabilidade agrupa itens que descrevem medo de críticas, insegurança, dificuldade em tomar decisões, entre outros. Alguns exemplos de itens são: “Não gosto de expressar as minhas idéias, pois tenho medo de ser ridicularizado” e “Sou uma pessoa insegura”. Desajustamento Psicossocial é composta de itens que descrevem descaso com regras sociais, comportamentos sexuais de risco e consumo exagerado de álcool. Alguns itens são: “Os meus amigos dizem que bebo demais” e “Adoro ter envolvimentos sexuais que são diferentes daqueles que as pessoas em geral têm”. Ansiedade contém itens que tratam de transtornos relacionados com ansiedade, irritabilidade e hostilidade. Itens que compõem esta faceta são: “Sou uma pessoa irritável” e “Às vezes sinto um medo súbito de morrer”. A última faceta, Depressão, agrupa itens que descrevem ideação suicida, pessimismo e falta de objetivos na vida. Alguns exemplos de itens são: “Já tentei cometer suicídio” e “Não tenho nenhum objetivo a buscar na vida”.

A EFN é composta de 82 itens dispostos em escalas Likert ancoradas nas extremidades. O número “1” significa que a pessoa discorda completamente que a sentença descreva uma característica sua e o número “7” significa que o participante concorda plenamente que a sentença o descreve adequadamente. Os itens da EFN foram elaborados na forma de frases que descrevem atitudes, crenças e sentimentos. Esta pesquisa teve por objetivo verificar a estabilidade temporal da Escala Fatorial de Neuroticismo em três momentos distintos, sendo um deles marcado por situação específica de elevação do nível de estresse dos participantes.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada em uma universidade privada de grande porte distribuída geograficamente em oito cidades de quatro estados brasileiros. Compuseram a amostra de estudo 88 trabalhadores do corpo técnico-administrativo (46,6% homens e 53,4% mulheres) originários de setores que atuavam diretamente no atendimento a alunos. A média de idade dos participantes foi de 28,4 anos (dp=8,3).

Procedimento

Os participantes responderam aos questionários em grupos de no máximo 10 pessoas. Os funcionários que concordaram em fazer parte do estudo assinaram o TCLE.

Para verificar alterações ao longo de um período considerado como de mais alto nível de estresse para os funcionários (matrícula de alunos) a aplicação do EFN foi realizada em três momentos: 30 dias antes da matrícula, durante os sete primeiros dias subseqüentes ao encerramento definitivo do período de matrícula e 45 dias após a aplicação anterior. Para cada etapa, o número total de participantes foi diferente em função da disponibilidade dos funcionários, sendo que 88 participantes realizaram as três etapas.

 

Resultados e Discussão

Foram realizadas quatro ANOVAs de medidas repetidas que revelaram diferenças significativas entre as médias de Vulnerabilidade [F(2,86)=14,17; p<0,001], Desajustamento Psicossocial [F(2,86)=3,17; p<0,05] e Ansiedade [F(2,86)=9,84; p<0,001]. Não houveram diferenças significativas entre as médias de Depressão [F(2,86)=0,19; p<0,83].

Como pode ser visto na Tabela 1, as médias de Vulnerabilidade, Desajustamento Psicossocial e Ansiedade diminuíram ao longo das três coletas. Testes post hoc (Bonferroni) demonstraram as seguintes diferenças significativas para: Vulnerabilidade entre o momento 1 e momento 2 (p<0,006; d=0,3), momento 1 e 3 (p<0,001; d=0,5) e momento 2 e 3 (p=0,01; d=0,3); para Desajustamento Psicossocial, entre o momento 1 e 3 (p<0,05; d=0,2); para Ansiedade, entre o momento 1 e 3 (p<0,01; d=0,3) e momento 2 e 3 (p<0,01; d=0,3). O “d” é uma estimativa de tamanho de efeito em percentagem de desvio-padrão (Cohen, 1988).

 

 

Duas razões podem ter contribuído para as diferenças de médias encontradas entre as facetas, bem como a diminuição nos escores de Vulnerabilidade, Desajustamento Psicossocial e Ansiedade. Primeiro, a preocupação dos trabalhadores com o evento estressor futuro (matrículas dos alunos) explicaria a apresentação de escores mais elevados no momento 1. Segundo, a consequente redução do nível de estresse situacional com o fim do evento estressor (término definitivo do período de matrículas), o que levaria a uma diminuição dos escores subsequentes.

Para avaliar a estabilidade (teste-reteste) das variáveis medidas pela EFN, foram realizadas correlações de Pearson entre os três momentos da coleta. Esses dados são apresentados na Tabela 2.

 

 

As correlações encontradas variaram de 0,31 a 0,76, sendo que quatro delas foram menores que 0,50 (o que significa que uma grande parcela das variâncias observadas podem ser devido a erro aleatório). A variável Desajustamento psicossocial apresentou a menor estabilidade temporal e sugere-se que seja interpretada com cautela quando avaliada ao longo do tempo em avaliações clínicas.

Espera-se que características de personalidade sejam estáveis e, consequentemente, seria esperado encontrar correlações mais elevadas em estudos de teste-reteste. Porém, este estudo envolve uma situação específica em que variáveis situacionais podem ter interferido nos resultados. Na verdade, o estudo foi delineado para aferir a possível interferência dessas variáveis na ansiedade e depressão dos participantes em função de condições específicas de trabalho. Portanto, este estudo traz apenas algumas indicações sobre a estabilidade temporal da EFN e ainda são necessários estudos em situações típicas da vida cotidiana para estabelecer com maior confiança a fidedignidade teste-reteste da EFN.

 

REFERÊNCIAS

Cohen, J. (1988). Statistical power analysis for the behavioral sciences (2nd ed.). Hillsdale, NJ: Erlbaum.         [ Links ]

Hutz, C. S., & Nunes, C. H. S. S. (2001). Escala Fatorial de Ajustamento, Emocional/Neuroticismo. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

McCrae, R. R., & John, O. P. (1992). An introduction to the Five-Factor Model and its applications. Journal of Personality, 60, 175- 216.         [ Links ]

 

 

SOBRE A AUTORA:

Ana Claudia S. Vazquez: Psicóloga, Doutoranda em Administração na UFRGS; Professora Assistente da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Cristian Zanon: Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Áreas de interesse: Psicometria, Avaliação Psicológica e Psicologia Positiva.
Claudio S. Hutz: Psicólogo, Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Coordenador do Laboratório de Mensuração do PPG Psicologia.

1Contato:
E-mail: claudio.hutz@terra.com.br

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