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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.9 no.3 Porto Alegre Dec. 2010

 

 

Desenvolvimento e investigação de propriedades psicométricas da escalamotivacional para porte de arma (EMPA)

 

Development and investigation of psychometric features of the motivational scale for a license to carry a gun (MSLCG)

 

 

Cristiana Rezende Gonçalves CanedaI; Maycoln Leôni Martins Teodoro1, II

IUniversidade Luterana do Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais

 

 


Resumo

Esta investigação teve como objetivo desenvolver e investigar algumas propriedades psicométricas da Escala Motivacional para Porte de Arma (EMPA). O instrumento foi elaborado a partir de escalas existentes na literatura internacional juntamente com grupos focais com civis e militares sobre a motivação para o uso de armas. A primeira versão da EMPA foi formada por 51 itens e aplicada em 550 respondentes, com idades de 18 a 86 anos (Média= 28 anos, DP= 13,75 anos). Os dados foram analisados por meio de análise fatorial exploratória com o método dos componentes principais e rotação Varimax. A versão final da EMPA possui 36 itens, com 48% da variância explicada e índices adequados de consistência interna.

Palavras-chave: Arma de Fogo; Psicometria; Autoavaliação (Psicologia)


Abstract

This study aimed to develop and investigate some psychometrics properties of The Motivational Scale for a License to Carry a Gun (MSLCG). The instrument was elaborated from international scales and focus groups with civil and militaries participants about the motivation for using guns. MSLCG was composed by 51 items and was responded by 550 participants, aged 18 to 86 (Mean= 28 years, SD = 13.75 years). Data were analyzed using the exploratory factor analysis with the main components method and Varimax rotation. The final solution has 36 items with 48% of the variance explained and good scores of internal consistence.

Keywords: Firearms; Psychometrics; Self Assessment (Psychology).


 

 

Introdução

Desde a edição do Estatuto do Desarmamento (Brasil, Lei 10.826 de 2003) no Brasil, o controle de armas tornou a posse, e especialmente o porte de armas, mais restrito. A partir desse momento o porte passou a ser outorgado aos policiais, militares, responsáveis pela segurança e casos funcionais previstos em legislação específica. Portar armas tornou-se em regra proibido. A posse, em residência ou local de trabalho, passou a exigir avaliação psicológica, idade superior a 25 anos e, principalmente, declaração de motivação para se ter uma arma. Desde então, o assunto da avaliação psicológica vêm preocupando psicólogos e pesquisadores, principalmente devido à inexistência de um perfil e também de instrumentos capazes de contribuir efetivamente para a concessão do porte de arma. Tendo em vista a importância e a necessidade da avaliação psicológica neste processo e a falta de instrumentos específicos existentes na literatura, este artigo apresentará o desenvolvimento e o estudo de algumas propriedades psicométricas da Escala Motivacional para o Porte de Armas (EMPA).

O trabalho do psicólogo no processo de porte de arma no Brasil foi reconhecido pelo Poder Legislativo, quando regulamentou a Lei 10.826, através do Decreto 5.123 de 2004 e o definiu como necessário para concessão do porte de arma. A comprovação de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo passou ser necessária mediante laudo conclusivo fornecido por psicólogos dos quadros da Polícia Federal ou por esta credenciada, considerando o candidato “apto” ou “inapto” (Brasil, Lei Federal 9.437 do SINARM, 1997; CRP/SP, 1997; CRP/SP, 2000).

A Instrução Normativa 23/2005, que trata da aferição de avaliação psicológica para aquisição e porte de arma de fogo, ampara o Sistema Nacional de Armas (Brasil, Lei Federal 9.437 de 1997). Este tem como finalidade estabelecer critérios para definição do perfil psicológico do candidato à aquisição e/ou porte de arma de fogo, assim como a avaliação psicológica e emissão de laudo para os candidatos. Segundo a instrução, o candidato deverá ser submetido a uma bateria de instrumentos de avaliação psicológica composta de inventário de personalidade, questionário, testes projetivos e expressivos, dinâmica de grupo e informações complementares. No entanto, não existe uma especificação sobre quais técnicas ou testes deveriam ser utilizados no processo.

A partir das resoluções sobre o porte de arma, o processo de avaliação psicológica passou a assumir uma importância cada vez maior sobre a decisão final de um cidadão portar ou não uma arma de fogo. Contudo, a carência de instrumentos psicológicos específicos e de estudos na área dificulta a elaboração de um perfil psicológico adequado. Poucos estudos mencionam à avaliação psicológica para porte de arma na área de psicologia (CRP/SP, 1997; Pellini, 2006, 2008).

As pesquisas brasileiras que abordam o tema do porte de arma e avaliação psicológica estão concentradas em estudos conduzidos com testes projetivos de personalidade. Silva, Duarte e Mariuza (1998) investigaram sobre a escolha profissional inconsciente de policiais e o significado que adquire para eles a arma de fogo como instrumento de trabalho. As autoras utilizaram a forma reduzida do Teste de Apercepção Temática (TAT) e encontraram que os traços agressivos das pessoas investigadas contribuem para a escolha da atividade de policial civil, além de confirmar que a arma de fogo permite que eles expressem de forma socialmente aceita sua agressividade.

Pellini (2000) propôs investigar alguns indicadores no teste de Rorschach que orientam a avaliação psicológica e assim, o fornecimento do porte de arma de fogo no contexto da lei. Posteriormente, o trabalho de Pellini foi revisado por Vagostello e Nascimento (2002), que ampliaram o estudo sobre o porte de arma por meio do Sistema Compreensivo de Exner e revisaram os índices do Método de Rorschach contra-indicados para a concessão do porte de arma de fogo. Utilizando-se deste método de correção, Vagostello, Silva e Nascimento (2004) investigaram 13 profissionais da segurança pública que portavam arma de fogo no município de São Paulo. Os autores observaram altos níveis de estresse nesses profissionais, porém os participantes apresentaram mais recursos de manejálos. Além disso, foi encontrado um grande número de participantes com índices de depressão.

Em contraposição às pesquisas nacionais, existe na literatura internacional, principalmente, a americana, maior utilização de escalas sobre o porte de arma (Caneda, 2009). Ainda assim, destaca-se o baixo número de estudos referentes à avaliação psicológica e armas de fogo. Foram encontradas na literatura duas escalas para a avaliação de aspectos psicológicos do porte de arma, ambas desenvolvidas nos Estados Unidos.

A primeira escala foi chamada de Scale of Atitudes Toward Guns (ATGS, Branscombe, Weir, & Crosby, 1991) e tem como objetivo investigar as atitudes com relação ao porte de arma por meio de três fatores. O primeiro componente, chamado “Crime”, oferece escores sobre a percepção de que as armas estimulam ou causam o crime que não aconteceria de outra forma. O segundo, “Proteção”, avalia a percepção da arma como forma de proteger um indivíduo da vitimização criminal. O terceiro, “Direito”, investiga a idéia de que a posse de arma deveria ou não ser considerada um direito básico americano. A estrutura fatorial da escala desenvolvida por Branscombe, Weir, e Crosby continha 59 itens e foi analisada em uma amostra de universitários constituída por 108 homens e 168 mulheres. Os três fatores apresentaram autovalores maiores que 1,9 e explicaram juntos 60,5% da variância. Os coeficientes alfa de Cronbach para subescalas individual oscilaram de 0,78 para o fator “Proteção” a 0,90 para o fator “Direito”.

A segunda escala encontrada na literatura foi chamada de Measure of Youth Attitudes Toward Guns and Violence (AGVQ, Shapiro e cols., 1997; Shapiro, Dorman, Burkey, & Welker, 1998). Este instrumento busca fornecer uma avaliação das atitudes que favorecem o comportamento violento. O AGVQ consiste de 23 itens, sendo cada um uma sentença relacionada a algum aspecto da violência, armas, ou comportamento conflitante. A análise fatorial revelou quatro construtos principais. O primeiro fator, “Excitação”, mede se armas são intrinsecamente estimulantes e divertidas. O fator “Poder/Segurança” avalia a visão de que a violência e armas trazem sensações de poder e segurança para as pessoas que as usam. O terceiro diz respeito à violência individual e a falta de incômodo com a violência no meio. O último fator investiga a crença de que o perigo à auto-estima resultante do desrespeito pode não ser causado por meio de violência. O instrumento apresentou índices satisfatórios de consistência interna (alfa de Cronbach = 0,94) e mostrou-se útil para estudos das atitudes relacionadas à violência como uma construção multidimensional eficiente para pesquisas com populações jovens.

O objetivo da presente pesquisa é desenvolver e investigar algumas propriedades psicométricas (validade e fidedignidade) da Escala Motivacional para o Porte de Arma (EMPA). Pretende-se com este instrumento oferecer um recurso que possa ser utilizado no futuro como parte da avaliação psicológica do porte de arma.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 550 respondentes adultos, provenientes de universidades e organizações militares de Santa Maria e São Leopoldo/RS, sendo 258 homens (46,90%) e 292 mulheres (53,10%). A idade variou de 18 a 86 anos (Média = 28 anos, DP = 13,75 anos). Dezenove participantes (3,5%) tinham concluído ou estavam cursando o ensino fundamental, 13 (2,4%) possuíam o ensino médio incompleto enquanto 105 (19,1%) já tinham concluído. Duzentos e noventa e três (53,3%) possuíam o superior incompleto e 119 (21,6%) o completo. Dentre os participantes, 419 (76%) eram civis, 103 (18,7%) militares e 28 (5,3%) não responderam a esta questão. O número de mulheres militares participantes neste estudo foi de duas (1,94%).

Desenvolvimento da Escala Motivacional para o Porte de Arma (EMPA)

O desenvolvimento dos itens da Escala Motivacional para o Porte de Arma (EMPA) foi baseado em duas escalas americanas (ATGS, Branscombe, Weir, & Crosby, 1991 e AGVQ, Shapiro e cols., 1997) e em grupos focais, realizados com civis e militares. A realização dos grupos focais buscou examinar motivações relacionadas ao porte de arma em nossa cultura.

Durante a realização do grupo focal, foi solicitado que cada integrante indicasse vantagens e desvantagens em se ter uma arma, além de solicitar o perfil de alguém de seu conhecimento que possua uma arma de fogo. A partir da categorização das falas e da literatura, foram identificados quatro agrupamentos que explicassem as motivações para se ter uma arma. Foram eles “Proteção”, “Risco”, “Direito/Tradição” e “Exposição”.

A partir dos grupos focais e das escalas já existentes, foram criados 54 itens. Esta primeira versão da EMPA foi submetida a um processo de análise de conteúdo e o número de itens foi reduzido a 51 itens (Caneda, 2009). A EMPA deve ser respondida por meio de uma Escala Likert de cinco pontos, relacionadas com expressões que variam de um (nunca/não concordo) a cinco (sempre/concordo totalmente). O primeiro conceito foi nomeado “Proteção” e expressa a idéia de que a posse ou o porte de arma aumenta a segurança pessoal e das pessoas próximas (ex.: “Arma em casa significa mais segurança pra mim e minha família”, “Arma impõe respeito”). O segundo conceito, “Direito/Tradição” avalia a idéia de que o uso ou não da arma de fogo é um direito de escolha do cidadão. Do mesmo modo, relaciona o seu uso às tradições locais e de família (ex.: “O cidadão tem o direito de ter uma arma em casa”, “O direito de portar uma arma independe do motivo para o seu uso”). O terceiro conceito foi chamado “Arma como risco” e possui itens que tratam o uso da arma de fogo como um fator de risco para a criminalidade e uso ilegal, além de estimular crimes que não ocorreriam se as pessoas não as tivessem (ex.: “O porte de arma favorece o crime”, “Arma de fogo significa maior risco a vida”). O quarto conceito, “Exposição”, faz referencia ao comportamento do uso de armas relacionado ao exibicionismo, ostentação, poder e insegurança (ex.: “Carregar uma arma transmite a idéia de poder”, “O prazer de usar uma arma está no fato de exibi-la”). Além das informações sobre as motivações para o porte de arma, os participantes completavam um pequeno questionário sociodemográfico, informando o sexo, idade, status civil ou militar e opinião sobre o porte de arma.

Procedimentos

O contato com os participantes foi feito por meio das coordenações de cursos de graduação e organizações militares. Após a permissão das instituições, os participantes foram informados sobre o conteúdo da pesquisa e aqueles que desejaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A EMPA foi aplicada de forma coletiva. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Análise de dados

As análises fatoriais exploratórias foram realizadas com o método dos componentes principais e rotação Varimax. A seleção do número de fatores foi orientada tanto pelo desenvolvimento teórico da escala (modelo de quatro fatores) quanto pelo Método de Kaiser (autovalor superior a 1) e Gráfico de Sedimentação. Os itens que não alcançaram uma carga fatorial ou uma comunalidade maior do que 0,30 ou que estivessem reduzindo os índices de consistência interna da escala foram retirados da análise. Os índices de consistência interna foram analisados por meio do Alfa de Cronbach. Os itens selecionados para cada dimensão da versão final da Escala Motivacional para Porte de Arma (EMPA) foram somados para constituir o valor de cada fator. Os resultados foram comparados com relação gênero e experiências prévias com arma de fogo do participante por meio do Teste t para amostras independentes.

 

Resultados

Os resultados da investigação psicométrica da EMPA serão apresentados em duas seções. A primeira descreverá a análise fatorial exploratória e os dados de consistência interna. A segunda explorará as comparações entre os resultados da EMPA com variáveis sociodemográficas da amostra.

Análise Fatorial Exploratória da EMPA

As primeiras Análises Fatoriais Exploratórias (AFE) foram calculadas com o método dos componentes principais e rotação Varimax. Os resultados desta primeira análise indicaram um total de 13 fatores, de acordo com o método de Kaiser. Por outro lado, o Gráfico de Sedimentação apresentou um total de cinco de fatores. Tendo em vista a disparidade entre o número de fatores esperados teoricamente (quatro) e o alto número de fatores sugeridos pelo método de Kaiser, optou-se por desconsiderar esta estratégia de análise e calcular uma nova análise fatorial para cinco fatores, seguindo o Gráfico de Sedimentação.

Os resultados da AFE para cinco fatores mostraram-se de difícil compreensão teórica, já que continha os quatro fatores definidos teoricamente e um que possuía uma miscelânea de itens de difícil explicação. Além disso, dos itens analisados, três não alcançaram a carga fatorial superior ou igual a 0,30 e, por isso, não contribuíram efetivamente para nenhum dos fatores. Tendo em vista este resultado, optou-se por realizar uma AFE para quatro fatores.

Os resultados da AFE para quatro fatores apresentaram índice KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) de 0,90 e Teste de Esfericidade de Bartlett significativo. Dos 51 itens analisados, quatro não alcançaram a carga fatorial igual ou superior a 0,30. O primeiro fator contava com 18 itens e se aproximava do conceito teórico de “Arma como Risco”. O segundo fator possuía semelhanças do conceito de “Proteção” e possuía 20 itens. O terceiro fator tinha seis itens que foram categorizados dentro do conceito de “Direito”. O quarto fator tinha três itens ligados a aspectos da “Exposição”. Este modelo explicava 38,50% da variância da escala.

Tendo em vista o surgimento dos fatores teóricos, optou-se por manter a solução exploratória com quatro fatores e realizar novas análises retirando-se itens que não possuíam carga fatorial nem comunalidade maior ou igual a 0,30. Deste modo, foram realizadas sete análises até chegar à versão final com 34 itens. O resultado do modelo final para quatro fatores está descrito na Tabela 1. Os resultados descritos na Tabela 1 apresentaram índice KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) de 0,91 e Teste de Esfericidade de Bartlett significativo. O primeiro fator “Arma como Proteção” conta com 12 itens e o segundo fator “Arma como Risco” possui 11 itens. O terceiro fator “Arma como Direito” é formado por quatro itens e o fator “Exposição” ficou com sete itens. O modelo final explicou 48,08% da variância e apresentou Alfas satisfatórios para todas as escalas.

 

 

Análises Comparativas da EMPA

Após a definição sobre a estrutura fatorial da EMPA, procedeu-se à soma dos itens pertencentes a cada fator. Os escores dos fatores “Proteção”, “Risco”, “Direito” e “Exposição” foram analisados segundo os dados sociodemográfico. As análises do escores da EMPA com relação ao sexo do participante foram realizadas somente para o grupo civil, devido ao baixo número de mulheres no grupo de militares. Foram encontradas diferenças significativas nas comparações dos fatores da EMPA entre os grupos masculino e feminino, com exceção da dimensão “Exposição” (t=0,85, ns). Os participantes masculinos pontuaram mais nos fatores “Proteção” (t=5,73, p<0,001) e “Direito” (t=4,72, p<0,001), enquanto que a mulheres tiveram escores significativamente mais altos no fator “Risco” (t=4,99, p<0,001).

Comparações entre os grupos de homens civis e militares indicaram diferença para o fator “Exposição” (t=2,25, p<0,05). Para os outros fatores não houve diferença significativa.

A amostra total foi dividida entre aqueles que são a favor e contra o porte de arma. Comparações entre estes dois grupos apontaram para diferenças significativas com relação a todos os fatores da EMPA. Os participantes a favor do porte pontuaram mais em “Risco” (t=13,25, p<0,001) e “Exposição” (t=4,85, p<0,001) e menos em “Proteção” (t=14,98, p<0,001) e “Direito” (t=15,63, p<0,001).

 

Discussão

Neste artigo foram investigadas algumas propriedades psicométricas de validade fatorial e fidedignidade da Escala Motivacional para Porte de Arma (EMPA) e comparados os escores obtidos com alguns dados sociodemográficos dos participantes. Os dados do estudo foram analisados através da estatística descritiva (média desvio padrão, variância) e inferenciais.

Os primeiros resultados obtidos pela análise fatorial revelaram uma estrutura com 13 fatores, segundo o método de Kaiser e outra com cinco, de acordo com o Gráfico de Sedimentação. Essa disparidade reforça a crítica de alguns autores (Reise, Waller, & Comrey, 2000; Zwick & Velicer, 1986), ao mencionar a tendência do método de Kaiser por superestimar ou subestimar o número de fatores. Por outro lado, o modelo de cinco fatores indicou uma solução pouco viável teoricamente, já que o quinto fator era uma miscelânea de itens. Diante da difícil compreensão teórica do modelo com cinco fatores, mostrou-se necessário desconsiderar tal estratégia de análise e calcular uma nova, seguindo o número de fatores teóricos.

O modelo inicial com quatro fatores apresentou boa adequação teórica com os dados analisados. No entanto, alguns itens não contribuíram efetivamente para nenhum dos fatores. Tendo em vista esta situação, optou-se por manter a solução exploratória com quatro fatores e realizar novas análises fatoriais, retirando-se itens que não possuíam carga fatorial nem comunalidade maior ou igual a 0,30 até chegar à versão final da Escala Motivacional Para Porte de Arma (EMPA).

Após algumas análises com sucessivas retiradas de itens, chegou-se a uma solução fatorial de quatro fatores satisfatória, na qual todos os itens contribuíam com comunalidades e cargas superiores a 0,30 e os fatores com consistência interna adequada. A solução final apresentou bons índices de adequação do modelo aos dados e os quatro fatores encontrados correspondiam praticamente ao modelo teórico hipotetizado. O modelo final explicou 48,08% da variância e apresentou Alfas satisfatórios para todas as escalas.

Durante a análise da versão final da EMPA, percebeu-se que os itens que compunham a dimensão “Tradição” do fator original “Direito/Tradição” desapareceram. Deste modo, o nome final do fator na EMPA foi diferentemente do planejado após a realização do grupo focal, ficando apenas “Direito”. A razão para o desaparecimento desta dimensão pode estar relacionada a questões geográficas. Os grupos focais foram realizados na região central do Estado, onde a população na sua maioria é proveniente de cidades do interior, inclusive da região de fronteira. Nestas regiões, o porte de arma é uma característica marcante, que sofre influência de gerações. Por outro lado, a coleta da EMPA foi realizada também na região metropolitana de Porto Alegre, com características culturais distintas da região central do estado do Rio Grande do Sul.

Após a definição sobre a estrutura fatorial da EMPA os escores dos fatores Proteção, Risco, Direito e Exposição foram analisados segundo os dados obtidos no questionário sociodemográfico relativo ao sexo, estado civil ou militar e posição quanto ao porte de arma (a favor ou contra). Os participantes masculinos apresentaram atitudes mais favoráveis ao porte, pontuando mais nos fatores “Proteção” e “Direito” e menos nos “Risco” e “Exposição” do que o grupo feminino. Estes resultados são semelhantes aos descritos por Branscombe, Weir e Crosby (1991), que encontraram uma maior percepção da arma como proteção e direito e menor como promotora para o crime entre homens.

As análises em relação aos grupos a favor e contra o porte de arma mostraram diferenças significativas. O grupo a favor apresentou maiores escores no fator “Proteção” e “Direito”, enquanto que o grupo contra teve escores significativamente mais altos nos fatores Risco e Exposição. Deste modo, os participantes que se revelaram a favor o porte de arma percebem a arma como segurança e direito do cidadão. Esses dados reforçam o estudo de Szwarcwald e Castilho (1998) quando comentam que o crescente índice de porte de armas por parte da população civil está relacionado ao sentimento de insegurança diante dos crescentes índices de criminalidade.

 

Considerações Finais

De acordo com o objetivo deste estudo, que foi desenvolver e investigar algumas propriedades psicométricas da Escala Motivacional para o Porte de Arma (EMPA), pode-se concluir que o instrumento demonstrou índices de validade e fidedignidade adequados e foi capaz de discriminar alguns grupos (masculino e feminino, civis e militares, contra e a favor o porte etc.) da amostra avaliada. A utilização de grupos focais mostrou-se útil para o levantamento das motivações para o uso de armas de fogo e o processo de análise de conteúdo foi satisfatório. A análise fatorial final chegou a uma solução de quatro fatores considerada satisfatória, de acordo com o modelo teórico.

No intuito de aprimorar a EMPA, são necessárias outras pesquisas que investiguem diferentes populações e regiões do país, como por exemplo, grupos de presidiários ou infratores que utilizaram arma de fogo. Pretende-se com este instrumento oferecer um recurso que possa ser utilizado no futuro como parte da avaliação psicológica do porte de arma.

 

Referências

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Recebido em setembro de 2009
1ª Reformulação em março de 2010
2ª reformulação em maio de 2010.
Aceito em junho de 2010

 

 

Sobre os autores:

Cristiana Rezende Gonçalves Caneda: Professora da Universidade Luterana do Brasil- Campus de Santa Maria, Mestre em Psicologia (Unisinos), Psicóloga Clínica do Hospital Militar da Guarnição de Santa Maria.
Maycoln Leôni Martins Teodoro: Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

1Contato:
E-mail: mlmteodoro@hotmail.com

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