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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.10 no.1 Porto Alegre abr. 2011

 

 

Características de personalidade de mulheres que se submeteram à cirurgia bariátrica

 

Personality Characteristics of women who underwent bariatric surgery

 

 

Flávia LangaroI; Ana Paula Kroeff VieiraII; Letícia Carol PoggereII,1; Clarissa Marceli TrentiniII;

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar características psicológicas de mulheres que realizaram cirurgia bariátrica mediante a elaboração de um perfil de médias construído com base no Inventário Fatorial de Personalidade (IFP), no Inventário de Depressão de Beck (BDI) e no Inventário de Ansiedade de Beck (BAI). Participaram 24 mulheres submetidas a cirurgia bariátrica há pelo menos 90 dias, com idades entre 20 e 56 anos. Os traços de personalidade mais característicos encontrados incluem alta deferência e baixa agressão. As participantes obtiveram escores de intensidade de depressão e ansiedade mínimos e nenhuma delas apresentou níveis de intensidade considerados graves. A relevância do estudo consiste em analisar os perfis de personalidade de mulheres que realizaram cirurgia bariátrica, o que pode auxiliar no preparo pré-cirúrgico e indicar uma melhor adesão das pacientes às recomendações da equipe multiprofissional após o procedimento.


ABSTRACT

This manuscript aims to investigate the psychological characteristics of women that had bariatric surgery through the construction of a mean profile made from IFP, Beck Depression Inventory (BDI), and Beck Anxiety Inventory (BAI). Twenty four women, aged between 20 and 56, that underwent bariatric surgery not more than 90 days before participated in this study. The outstanding personality traits found include high deference and low aggression. The participant’s depression and anxiety intensity were minimum and none of them presented intensity levels considered severe. The relevance of this study lies in analyzing the personality profile of women that underwent bariatric surgery and it can help in the pre-surgery preparation and also indicate a better contribution of the patients with the professional team after the procedure.


 

 

Introdução

A obesidade é considerada uma doença de prevalência crescente e representa, atualmente, um dos maiores problemas de saúde pública mundial em razão dos riscos associados (Anderi Jr., Araújo, Fuhro, Godinho & Henriques, 2007; Magdaleno Jr., Chaim & Turato, 2009; Oliveira, Linardi & Azevedo, 2004; Vasconcelos & Neto, 2008), tais como: fatores de risco cardiovascular (Feliciano- Alfonso, Mendivil, Ariza & Pérez, 2010), hipertensão sistêmica, diabetes (Cercato, Mancini, Arguello, Passos, Villares & Halpern, 2004) e doenças cardíacas, entre outros (Buchwald & cols., 2004; Li & cols., 2006). Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2006), no ano de 2015, haverá 700 milhões de adultos obesos no mundo. No Brasil, a obesidade vem crescendo – cerca de 8% dos adultos são obesos –, causando complicações à saúde de seus portadores, sendo considerada a doença metabólica mais comum (Matos, Aranha, Faria, Ferreira, Bacaltchuck & Zanella, 2002; Pinheiro, Freitas, & Corso, 2004) em adultos no todo o mundo (Buchwald & cols., 2004; Magdaleno Júnior, Chaim & Turato, 2010; Papelbaum, Moreira, Gaya, Preissler & Coutinho, 2010). Definida como uma doença crônica, que envolve o acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo, fruto de uma ingestão calórica que supera o gasto energético, a obesidade acarreta prejuízos à saúde dos indivíduos e pode desencadear outras doenças associadas (Anderi Jr., Araújo, Fuhro, Godinho & Henriques, 2007; Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Pinheiro, Freitas & Corso, 2004), como já citado anteriormente.

O Índice de Massa Corpórea (IMC) é uma das formas objetivas de classificar a obesidade e, quando considerado normal, varia de 19 a 24,9 kg/m2 (Oliveira, Linardi & Azevedo, 2004; Segal & Fandino, 2002). Ele é decorrente do resultado da divisão do peso (kg) pela altura ao quadrado (m2) (Papelbaum, Moreira, Gaya, Preissler & Coutinho, 2010; Vasconcelos, Cordeiro, Rech & Petroski, 2010). Esse índice indica obesidade quando estiver entre 30 e 40 e pessoas com IMC acima de 40 são consideradas portadoras de obesidade mórbida ou obesos tipo III (Oliveira, Linardi & Azevedo, 2004).

A obesidade mórbida é uma doença crônica de alto risco, que pode apresentar impacto negativo à qualidade de vida e à autoestima pelos danos físicos e psicológicos causados e que requer abordagens eficientes para promover uma redução do peso (Fandino, Benchimol, Coutinho & Appolinário, 2004; Segal & Fandino, 2002). Uma das ferramentas para a redução do peso corporal é a cirurgia bariátrica, que, além de minimizar as falhas que podem ocorrer com outras técnicas terapêuticas para a obesidade, como nutricionais ou clínicas, pode auxiliar na resolução de comorbidades causadas pelo excesso de gordura acumulada (Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Magdaleno Jr., Chaim & Turato, 2009), tais como hipertensão, dificuldades na respiração e risco de infarto cardíaco (Oliveira, Linardi & Azevedo, 2004; Sanches, Gazoni, Konishi, Guimarães, Vendrame & Lopes, 2007). Esse procedimento, em muitos casos, representa o último recurso para os obesos mórbidos (Delin & Anderson, 1999). Alguns estudiosos defendem que a cirurgia bariátrica seria capaz de recuperá-los física, psicológica e socialmente, controlando a obesidade a longo prazo (Garrido Jr., 2000; Vantini & Van Haute, 2005).

Em decorrência de o procedimento cirúrgico bariátrico caracterizar-se por um processo de repercussão a curto, médio e longo prazo, com a necessidade de consideráveis alterações no dia a dia dos pacientes em questão, a cooperação de uma equipe interdisciplinar na avaliação dos candidatos à cirurgia bariátrica torna-se imprescindível (Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Leal & Baldin, 2007). Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM, 2005), a equipe precisa ser capacitada para assistir ao paciente antes, durante e após a cirurgia e deve ser composta por cirurgião com formação específica, clínico, nutrólogo e/ou nutricionista, psiquiatra e/ou psicólogo, fisioterapeuta, anestesiologista, enfermeiros e auxiliares de enfermagem familiarizados com o manejo desses pacientes, garantindo, assim, não só a segurança do procedimento, mas também o êxito do processo. Além disso, a Portaria do Ministério da Saúde nº 628/GM, de 26 de abril de 2001, determina as diretrizes nacionais para a cirurgia bariátrica. Dentre as obrigatoriedades que o médico responsável técnico deverá responder ao Sistema Único de Saúde (SUS), que promove e regulamenta essa modalidade de intervenção cirúrgica, está a avaliação psicológica. O item 6 do anexo I dessa Portaria refere que, mediante a avaliação psicológica, devem ser excluídas psicopatias graves, adição de drogas e álcool. O psicólogo realiza, então, a avaliação psicológica e, conforme Arenales-Loli e Preto (2006), o médico responsável técnico pelo serviço de cirurgia indica ou não o procedimento cirúrgico.

Quanto aos fatores que se configuram contraindicações à cirurgia bariátrica, apesar de não haver consenso na literatura, alguns estudos apontam fatores físicos e psiquiátricos como possíveis preditores de maus prognósticos. Entre eles estão pneumopatias graves, insuficiência renal, lesão acentuada do miocárdio, cirrose hepática, dependência de álcool e drogas, psicose em atividade, situação de vida caótica, inabilidade para cooperar com o tratamento pós-cirúrgico e a presença de transtornos depressivos e afetivos (Fandino, Benchimol, Coutinho & Appolinário, 2004; Hsu & cols., 1998; Leal & Baldin, 2007; Oliveira, Linardi & Azevedo, 2004; Segal & Fandino, 2002).

Após a cirurgia bariátrica, alguns pacientes têm apresentado não apenas alterações fisiológicas (Sanches & cols., 2007), mas também alterações psicológicas, como depressão, ansiedade, alcoolismo, gastos excessivos, dentre outras (Leal & Baldin, 2007). Alguns autores, entretanto, referem que foi evidenciado abrandamento em traços, tais como dependência, submissão e insegurança, além de melhora no quadro emocional (Leal & Baldin, 2007; Oliveira & Yoshida, 2009). Outro estudo (Magdaleno, Chaim & Turato, 2008 citados por Magdaleno, Chaim & Turato, 2009) demonstrou que as modificações impostas pela cirurgia bariátrica proporcionam significativa melhora na qualidade de vida dos pacientes.

Para Belfort (2006), a intervenção para redução do estômago apresenta algumas especificidades, como risco e desconforto intrínsecos à técnica cirúrgica e a necessidade de acompanhamento clínico no período pós-cirúrgico (Silva & Kawahara, 2005) e, portanto, deverão ser consideradas durante o processo. Almeida, Loureiro e Santos (2002) afirmam que diversos fatores psicológicos internos, relacionais, comportamentais e psicossociais resultam na obesidade, como, por exemplo, estilos alimentares e dificuldades de postergar seus desconfortos com tendência a buscar no alimento uma fonte de alívio. Assim, estudos que contribuam para o entendimento desses fatores que estão associados à obesidade e que interferem no período pós-operatório da cirurgia bariátrica são importantes para expandir a compreensão sobre essas questões.

As variáveis psicológicas, nomeadamente as de personalidade, parecem ter um importante papel na obesidade (Grana, Coolidge & Merwin, 1989). Personalidade, nesse sentido, pode ser compreendida por meio do conceito de necessidade de Murray (1938, citado por Hall, Lindzey, & Campbell, 2000), que se refere a uma força que organiza a percepção, a apercepção, a intelecção, a conação e a ação de modo a modificar em certa direção uma situação insatisfatória existente.

Apesar de os traços de personalidade serem relativamente estáveis ao longo do tempo (Hall, Lindzey & Campbell, 2000), os resultados obtidos em alguns estudos demonstraram mudanças psicológicas marcantes após a cirurgia bariátrica, inclusive alterações de traços definidos na personalidade (Leal & Baldin, 2007). Segundo Allport (1937, citado por Pervin & John, 2004), traços definidos são traços de personalidade que expressam uma disposição marcante na vida de uma pessoa e que influenciam todas as ações realizadas por ela. Outras características, como o modo típico de enfrentar as dificuldades e a capacidade de reconhecer as próprias emoções, também foram alteradas em indivíduos que se submeteram à intervenção cirúrgica para a obesidade (Oliveira & Yoshida, 2009).

Tendo em vista a necessidade de saber sobre características psicológicas de pacientes que realizaram cirurgia bariátrica, o objetivo principal deste estudo é descrever aspectos de personalidade e de intensidade de sintomas de depressão e ansiedade de mulheres que se submeteram a esse procedimento. Dessa forma, pela elaboração de um perfil de médias construído com base no Inventário Fatorial de Personalidade (IFP), Inventário de Depressão de Beck (BDI) e Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), algumas características psicológicas evidenciadas por essas pacientes serão apresentadas.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo todas as mulheres (n=24) atendidas no primeiro semestre de 2007, com idades entre 20 e 56 anos, que haviam se submetido ao procedimento de cirurgia bariátrica há, pelo menos, 90 dias. Elas eram oriundas de um serviço de atendimento especializado em serviços da área clínica (particular ou convênio privado) e de endocrinologia de uma cidade situada no interior do estado do Rio Grande do Sul.

Instrumentos

Para atender aos objetivos deste estudo, foram utilizados os seguintes instrumentos: ficha de dados sociodemográficos, Inventário Fatorial de Personalidade, Inventário de Depressão de Beck e Inventário de Ansiedade de Beck. Abaixo eles estão detalhados:

Ficha de Dados Sociodemográficos: teve como intuito descrever os sujeitos no que se refere às variáveis sexo, idade, escolaridade, estado civil, ocupação atual, número de filhos, entre outros.

Inventário Fatorial de Personalidade – IFP (Pasquali, Azevedo & Ghesti, 1997): trata-se de um inventário autoaplicável desenvolvido para avaliar características de personalidade ou necessidades básicas, conforme a teoria de Henry Murray. Ele visa a descrever o indivíduo a partir de 15 necessidades ou motivos (psicológicos), segundo o que segue: Assistência, Dominância, Ordem, Denegação, Intracepção, Desempenho, Exibição, Heterossexualidade, Afago, Mudança, Persistência, Agressão, Deferência, Autonomia e Afiliação. Ele consta também de duas escalas de controle, a saber: Validade ou Mentira e Desejabilidade Social. A escala de resposta é do tipo Likert e varia de 1 (nada característico) a 7 (totalmente característico). As respostas aos itens são somadas e constituem fatores específicos, conforme acima. O IFP está disponível em nosso meio como um instrumento favorável para uso entre os psicólogos, de acordo com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), tendo em vista as propriedades psicométricas que dispõe.

Inventário de Depressão de Beck – BDI (Cunha, 2001): este inventário foi desenvolvido para avaliar a intensidade de sintomas depressivos na população em geral. Ele consta de 21 itens respondidos de modo autoaplicável em uma escala que varia de 0 a 3, sendo as pontuações mais altas as mais prevalentes de intensidade dos sintomas. Trata-se de um instrumento com parecer favorável para uso em nosso meio e que dispõe de normas brasileiras. As classificações obedecem aos seguintes níveis: mínimo (0 a 11 pontos), leve (12 a 19 pontos), moderado (20 a 35 pontos) e grave (36 a 63 pontos).

Inventário de Ansiedade de Beck – BAI (Cunha, 2001): este inventário foi desenvolvido para avaliar a intensidade de sintomas de ansiedade na população em geral. Ele consta de 21 itens respondidos de modo autoaplicável em uma escala que varia de 0 (absolutamente não) a 3 (gravemente: dificilmente pude suportar), sendo as pontuações mais altas as mais prevalentes de intensidade dos sintomas. Trata-se de um instrumento com parecer favorável para uso em nosso meio e que dispõe de normas brasileiras. As classificações podem ser definidas a partir dos seguintes níveis: mínimo (0 a 10 pontos), leve (11 a 19 pontos), moderado (20 a 30 pontos) e grave (31 a 63 pontos).

Prodecimentos

A coleta de dados foi realizada em uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente junto a uma Clínica de Atendimento especializada em serviços da área clínica e de endocrinologia. Todas as mulheres já haviam se submetido à cirurgia bariátrica há pelo menos 90 dias e estavam em fase de acompanhamento médico no serviço. Cabe ressaltar, ainda, que os procedimentos éticos foram atendidos e, portanto, todos os participantes preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando a utilização dos dados coletados.

Tendo em vista o delineamento exploratório, os dados foram analisados de modo descritivo e, para tanto, foram extraídas as médias e os respectivos desvios padrão no que se referem às variáveis sociodemográficas e aos índices de intensidade de depressão e ansiedade. Para as características de personalidade, também foram verificados os percentis equivalentes, segundo a média obtida. Os parâmetros utilizados (médias e desvios padrão) foram os estabelecidos pelo manual do instrumento, ou seja, são considerados traços marcantes de personalidade escores localizados abaixo do percentil 30 e acima do percentil 70.

 

Resultados e Discussão

Conforme a Tabela 1, a seguir, as mulheres eram, em maior número, casadas, com escolaridade média equivalente ao ensino médio incompleto, sendo a ocupação atual variada: a maioria com afazeres domésticos, vendas e serviços (cabeleireira, bancária, artesã, recepcionista, entre outros) e profissionais graduadas (Filosofia, Jornalismo, Matemática, entre outros). No que se refere ao nível socioeconômico, a distribuição centrou-se entre as classes A e B.

 

 

Em relação às variáveis sociodemográficas, a idade média das participantes está dentro da faixa etária que outros estudos encontrados na literatura mostram como sendo comum à grande parte dos pacientes de grupos pós-operatórios de cirurgia bariátrica (Almeida, Loureiro & Santos, 2001; Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Oliveira & Yoshida, 2009). Quanto ao estado civil, o predomínio de mulheres casadas também encontra respaldo na literatura (Oliveira & Yoshida, 2009; Vasconcelos & Neto, 2008) e deve-se, possivelmente, ao suporte que a família oferece, tanto anterior à cirurgia, apoiando a decisão de procurar esse recurso (Baptista, Vargas & Baptista, 2008), quanto posteriormente ao procedimento. Quanto ao número de anos de estudo, a média equivalente ao ensino médio incompleto foi encontrada também em uma pesquisa realizada por Lima e Sampaio (2007), que buscou caracterizar o perfil sociodemográfico de mulheres brasileiras adultas obesas. Uma hipótese que se lança sobre esse dado refere-se a ser mais comum, entre a população com mais baixa escolaridade, o menor cuidado com a ingesta de alimentos mais calóricos e consequente aumento da obesidade a longo prazo.

Por fim, um dado que não está respaldado na literatura nacional refere-se ao nível socioeconômico variando entre A e B. Em outros estudos conduzidos no Brasil, o nível socioeconômico preponderante era inferior ao que foi encontrado neste trabalho (Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Vasconcelos & Neto, 2008). Possivelmente pelas pacientes serem oriundas de um serviço privado, que não realiza o atendimento de pacientes a partir do sistema público de saúde, o nível socioeconômico foi superior ao que a literatura aponta como preponderante.

Na Tabela 2, estão apresentados os índices de intensidade de depressão, ansiedade e características de personalidade das participantes. Embora não tenha sido o objetivo central deste trabalho, também foram investigados níveis de intensidade de sintomas de depressão e ansiedade. Segundo pode ser observado a partir da análise dos instrumentos BDI e BAI, as participantes obtiveram escores caracterizados como intensidade de depressão e ansiedade mínimas. Desse total, nenhuma delas apresentou índices de intensidade considerados graves.

 

 

Em relação aos níveis de intensidade de depressão, outros estudos demonstraram que, em pacientes pós-cirúrgicos, esses índices são equivalentes à depressão mínima (Baptista, Vargas & Baptista, 2008; Dymek, Grange, Neven & Alverdy, 2002; Oliveira & Yoshida, 2009). De modo semelhante, os escores de ansiedade apontados pelo BAI em obesos que realizaram a cirurgia bariátrica são reduzidos (Herpertz, Kielmann, Wolf, LangKafel, Senf & Hebebrand, 2003; Oliveira & Yoshida, 2009).

Ainda na Tabela 2, é possível observar os escores do IFP. Considerando os escores percentílicos que indicam traços de personalidade marcantes e a forma de análise do instrumento utilizado para avaliação da personalidade, percebese que os traços mais característicos de mulheres que se submeteram ao procedimento de cirurgia bariátrica incluem alta deferência e baixa agressão. Isso equivale a dizer que são caracterizadas pelo respeito, admiração e reverência expressos pelo gosto de elogiar e honrar as pessoas que lhe são hierarquicamente superiores. Além disso, também não demonstram vontade de superar vigorosamente a oposição, a raiva e a irritação, bem como presença do gosto por censurar e ridicularizar as demais pessoas. Em outras palavras, pode-se pensar que essa característica refere-se a pessoas mais passivas, que buscam lidar com as adversidades de modo menos ofensivo, sem sentir a necessidade de expor os outros a situações constrangedoras quando há divergências. Esses traços poderiam sugerir adesão e obediência às recomendações pós-operatórias da equipe médica, especialmente no que se refere aos cuidados relacionados à saúde e à alimentação, que devem ser tomados no período posterior ao procedimento cirúrgico. Assim, restaria a hipótese de que essas mulheres tenham sido selecionadas para a cirurgia bariátrica justamente por tais características ou simplesmente que a busca por este recurso esteja relacionada a tais características. Parece, contudo, que os resultados encontrados não são exclusivos de mulheres que se submeteram à cirurgia bariátrica e, possivelmente, neste estudo, haja essa limitação. Ainda assim, os dados são relevantes e podem apontar para o modo de funcionamento dessas participantes.

Outras características marcantes, porém em intensidade menor, referem-se à assistência, afiliação e persistência, bem como aos escores nos fatores intracepção, afago e heterossexualidade. Tais achados refletem pessoas que buscam oferecer suporte emocional e consolo em momentos difíceis, demonstrando, especialmente, sentimentos de compaixão e ternura aos sujeitos indefesos, protegendo-os do perigo (assistência). Ao mesmo tempo, não esperam ser afagadas, apoiadas, protegidas, orientadas e consoladas por outros (afago), mas se apegam e são leais aos amigos, demonstrando confiança, boa vontade e amor (afiliação), e evidenciam interesse por relacionamentos interpessoais, no entanto, sem o caráter romântico ou sexual (heterossexualidade). Elas apresentam, também, tendência em conduzir suas vidas e seus julgamentos com base nos fatos concretos da realidade (intracepção), assim como disposição para concluir seus trabalhos iniciados, por mais difíceis que possam parecer (persistência). Essas necessidades parecem sugerir que, por mais complicado que o período pós-operatório seja, elas terão ânimo suficiente para atravessar essa etapa, sempre buscando fatos concretos, como a perda de peso e melhora no desempenho físico, como reforçadores para prosseguirem evoluindo e obtendo o sucesso desejado com a cirurgia. Possivelmente, um estudo longitudinal seria útil e interessante para verificar a veracidade das hipóteses indicadas.

De modo complementar aos objetivos deste estudo, administraram-se os mesmos instrumentos anteriormente citados a um número reduzido de pacientes (n=7). Essas pacientes buscaram atendimento na clínica onde se realizou a coleta, mas ainda não haviam se submetido à cirurgia bariátrica. Com isso, podem-se comparar os resultados entre as pacientes em período précirúrgico (n=7) e aquelas em período pós-cirúrgico, com fim meramente ilustrativo das diferenças encontradas. Tais diferenças podem ser decorrentes da realização da cirurgia bariátrica.

Na variável heterossexualidade, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos pré e pós. Uma hipótese acerca desse resultado é que o interesse pelo outro pode mudar após uma intervenção cirúrgica que modifica a imagem corporal. Em outras palavras, parece que, após esse procedimento, as pacientes têm maior interesse em manter relacionamentos íntimos. Outra questão importante relativa a essa comparação é que as mulheres que integraram a amostra de participantes em período pré-cirúrgico não eram as mesmas do grupo em período pós-cirúrgico. Assim, não foi realizado um estudo que privilegiasse o trabalho de seguimento das mesmas participantes e que produzisse resultados consistentes acerca de tais questões. Contudo, pode-se hipotetizar que a evolução das mulheres do grupo pré-cirúrgico apontará para direção semelhante àquelas do grupo pós-cirúrgico do presente estudo. Presume-se, portanto, que os resultados obtidos na avaliação de mulheres após a cirurgia bariátrica seja muito similar aos obtidos em um estudo longitudinal. Nesse sentido, vale mencionar que os escores relativos aos instrumentos de avaliação de intensidade de sintomas de depressão (BDI), de ansiedade (BAI) e os traços de personalidade levantados pelo inventário utilizado neste estudo (IFP) foram muito semelhantes tanto no grupo pré, quanto no grupo pós-cirúrgico.

 

Considerações Finais

Os estudos que objetivam conhecer as características psicológicas de sujeitos que se submetem a procedimentos cirúrgicos da magnitude da cirurgia bariátrica são de grande relevância em qualquer etapa, isto é, seja anterior ou posteriormente à intervenção. Nesse sentido, as análises de perfil podem não apenas auxiliar no preparo pré-cirúrgico, mas também indicar e possibilitar uma melhor adesão dos pacientes às recomendações da equipe multiprofissional após o procedimento.

Possivelmente, um estudo de delineamento longitudinal possa contribuir para esclarecer se as características referidas neste trabalho são positivas para o sucesso do procedimento. Pretende-se, por isso, continuar estudando este tema, não só a partir da expansão da amostra, o que proporcionará estudos subsequentes mais robustos, mas também pela avaliação dos resultados a longo prazo.

 

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Recebido em julho de 2010
Reformulado em dezembro de 2010
Aceito em maio de 2011

 

 

Sobre os autores:

Flávia Langaro: psicóloga, mestranda em Psicologia Clínica (Unisinos). Especialista em Avaliação Psicológica (UFRGS) e em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica (UPF). Professora de Graduação (Faculdade IDEAU).
Ana Paula Kroeff Vieira: psicóloga. Especialista em Psicologia Clínica com Ênfase em Avaliação Psicológica (UFRGS) e em Atendimento Clínico com Ênfase em Psicanálise (UFRGS).
Letícia Carol Poggere: Especializanda em Psicologia Clínica com Ênfase em Avaliação Psicológica (UFRGS).
Clarissa Marceli Trentini: psicóloga. Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS). Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialista em Avaliação Psicológica (UFRGS). Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS.


1Endereço para correspondência:
Rua Ramiro Barcelos, 2.600, sala 119, Bairro Santa Cecília – Porto Alegre/RS CEP 90035-003
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