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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.10 no.3 Itatiba Dec. 2011

 

 

Formação básica e profissional do psicólogo: uma análise do desempenho das IES no ENADE-2006

 

Basic Trainisg and professional psychologist: an analysis of high education in ENADE-2006

 

 

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos1,I;Sônia Maria Guedes GondimII; Janice Aparecida Janissek de SouzaII; Marilene Proença Rebello de SouzaIII

IInstituto de Psicologia/UFBA e Comissão de Especialistas do INEP - Salvador
IIInstituto de Psicologia/UFBA - Salvador
IIIInstituto de Psicologia/Universidade de São Paulo e Comissão de Especialistas do INEP

 

 


RESUMO

O objetivo do artigo é analisar a formação em psicologia oferecida pelas Instituições de Ensino Superior brasileiras, por meio do desempenho no Exame Nacional de Desempenho Educacional 2006, que compara grupos de ingressantes e de concluintes. São analisados os indicadores do desempenho geral e os relativos aos componentes específicos da prova do ENADE de 2006 explorando-se, sobretudo, a sua variabilidade considerando-se o tipo e a natureza da instituição formadora. Exploram-se também as inter-relações entre a formação na graduação e a pós-graduação, destacando haver forte associação entre a qualidade do desempenho no ENADE e a presença de programa de pós-graduação na IES. Os resultados gerais indicam que as IES públicas (federais e estaduais) apresentam desempenho superior em relação às instituições públicas municipais e particulares. São analisadas as implicações desses resultados para a formação em psicologia no Brasil.

Palavras-chave:Formação profissional; Formação do psicólogo; Avaliação de aprendizagem; Ensino superior.


ABSTRACT

Were analyzed undergraduate psychology programs offered by higher education institutions in Brazil, through performance on the National Educational Performance Test (ENADE) of 2006, which compares groups of incoming freshmen and graduating seniors. Indicators of overall performance and data on specific components of the 2006 ENADE test are analyzed, probing especially into their variability considering the type and nature of the educational institution. The interrelationships between undergraduate and graduate education are also studied, noting there is a strong association between quality of performance on the ENADE test and the presence of a postgraduate program at the higher education institution. General results indicate that public (federal and state) present superior performance in relation to municipal and private institutions. The implications of these findings for psychology degree programs in Brazil are analyzed.

Keywords:Professional education; Education of psychologists; Learning assessment; higher education


 

 

O artigo tem como principal objetivo analisar a formação em psicologia das Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil. Inicialmente, serão feitas algumas considerações sobre o processo de avaliação de desempenho em instituições educacionais de nível superior e descrito seu perfil, colocando em destaque o expressivo crescimento dos cursos de psicologia no Brasil nos últimos anos e a formação predominante da rede de ensino privada.

Em outra subseção, serão analisados os indicadores do desempenho geral e os relativos aos componentes específicos da prova do ENADE de 2006 explorando-se, sobretudo, a sua variabilidade e considerando o tipo e a natureza da instituição formadora. Com o objetivo de oferecer informações úteis para o diagnóstico das forças e fraquezas do processo de formação, os resultados das diversas Instituições de Ensino Superior também serão analisados a partir dos cinco eixos estruturantes do curso de psicologia, assim especificados: Fundamentos Históricos e Epistemológicos, Investigação e Medidas, Processos Psicológicos, Interfaces com outras áreas do conhecimento e Práticas Profissionais. Da mesma forma, os resultados do Indicador de Diferença entre os Desempenhos, Observado e Esperado (IDD) serão analisados, revelando o valor que o curso agrega ao desempenho dos estudantes recém-ingressos.

Em virtude da suposição da inter-relação entre a qualidade da formação na graduação e o desenvolvimento da pós-graduação, o artigo também incluirá a análise das repercussões da pós-graduação no desempenho das Instituições de Ensino Superior, em especial ao serem comparados os resultados das IES que possuem e as que não possuem programas stricto sensu. Para concluir, serão analisadas as implicações destes resultados para a formação do psicólogo brasileiro.

1. A avaliação do desempenho das Instituições de Ensino Superior

Avaliar desempenho é um processo sistemático de coleta de dados com base em critérios objetivos, válidos e previamente estabelecidos, cuja concordância das partes envolvidas no processo de avaliação e a adequação entre o que se está medindo e se pretende medir cumprem um papel fundamental no êxito deste empreendimento. A principal finalidade da avaliação de desempenho é servir de instrumento de gestão, visto oferecer suporte à tomada de decisão e ao planejamento de ações futuras de melhoria dos processos organizacionais.

Apesar da ampla tradição de pesquisa em avaliação de desempenho organizacional, a avaliação de instituições educacionais no Brasil é mais recente e de maior complexidade. A educação não é um negócio como outro qualquer e está fortemente atrelada à qualidade da formação integral de pessoas. Os resultados financeiros que historicamente ocupam lugar de destaque em processos de avaliação organizacional cedem lugar à avaliação processual de aprendizagem: diagnóstica, formativa e somatória.

Indicadores relacionados à infraestrutura física e material, e os atinentes à qualidade do corpo docente, à produção de conhecimento e à forma de transmissão de conhecimento são considerados critérios importantes em processos de avaliação de instituições educacionais. O mesmo se pode dizer de Indicadores referentes ao ambiente social que se apresentam relevantes em processos desta natureza, em especial, no que diz respeito à riqueza de oportunidades de aprendizado da instituição formadora.

A qualidade e o aprimoramento de serviços são apontados como os principais objetivos da avaliação de desempenho de instituições educacionais e, por meio dela, é possível diagnosticar as lacunas entre o que se espera alcançar em termos de aprendizagem e o que efetivamente se tem alcançado, em especial, quando são comparadas instituições de natureza privada e pública que historicamente oferecem formação distinta (Reifschneider, 2008). É importante salientar, contudo, que o aprimoramento dos serviços educacionais depende de uma série de variáveis, envolvendo inclusive fatores que se situam fora do controle das IES. Portanto, a medida da aprendizagem das IES não pode ser interpretada como o único indicador da qualidade dos serviços educacionais prestados.

A avaliação também está na base da elaboração de políticas educacionais que visam compatibilizar a qualidade da formação pessoal e profissional com as demandas de um país, cujos complexos problemas educacionais têm gerado impactos nos processos de desenvolvimento econômico e sociocultural. Essa é a razão pela qual a avaliação de instituições educacionais não pode prescindir de uma avaliação do processo de aprendizagem do estudante, principal alvo das ações e metas educacionais. Avalia-se a aprendizagem em três etapas: a de ingresso, a intermediária e a final. A fase inicial da aprendizagem constitui o marco zero ou diagnóstico do nível de aprendizagem do estudante quando ingressa no ensino superior. A fase intermediária da aprendizagem permite medir as conquistas obtidas pelo estudante ao longo do seu processo de formação (etapa de acompanhamento ou avaliação formativa). E a fase final da aprendizagem consiste na verificação do aprendizado adquirido nesse mesmo processo (avaliação somatória).

O Exame Nacional de Desempenho Educacional (ENADE) foi planejado para atender plenamente ao objetivo de avaliar a qualidade do desempenho institucional a partir do nível de aprendizagem do estudante. A ele se juntam processos avaliativos adicionais que contemplam outras dimensões, inclusive a institucional, realizados por comissões de especialistas que visitam cada IES, coletando um amplo conjunto de indicadores das suas condições estruturais, pessoal, docente, organização acadêmica e dinâmica de funcionamento. O exame dos estudantes contempla duas das etapas mencionadas no parágrafo anterior: a do ingresso no ensino superior e a da conclusão de curso. Os parâmetros são as novas diretrizes curriculares que sinalizam o perfil do egresso de cursos de graduação em psicologia no Brasil, e que será descrito um pouco mais adiante na seção que se dedica aos resultados relativos às competências gerais e específicas a serem desenvolvidas durante o processo de formação do psicólogo.

O movimento de avaliação de instituições educativas é bastante recente no Brasil. A partir da década de 1990, aproximadamente duas décadas depois de as agências financiadoras de pesquisa e do ensino de pós-graduação terem adotado um sistema de avaliação institucional, houve uma mudança expressiva no processo de avaliação da educação superior no país. Esse processo teve grande impulso, de fato, no final de 1996, a partir da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Um dos seus principais méritos foi o de atrelar o credenciamento de instituições de ensino superior à avaliação do desempenho institucional (INEP, 2008), pressionando as diversas instituições formadoras da rede pública e particular a envidar esforços efetivos para melhorar seus indicadores.

Isso se torna relevante porque a rede privada responde pela maior parte da formação do ensino superior do Brasil (das 2270 instituições existentes no país, 2022 pertencem à rede privada, INEP, 2006a) e o mesmo se aplica para a formação em psicologia. Em recente pesquisa realizada por um grupo de pesquisadores da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (Bastos & Gondim, 2010), cerca de 80% dos psicólogos brasileiros são formados por instituições de ensino da rede particular (Yamamoto, Souza, Silva & Zanelli, 2010).

Além da formação predominantemente privada, a psicologia, nas últimas décadas, passou por mudança expressiva, notada pelo crescimento vertiginoso dos cursos de graduação no Brasil, cujo número saltou de 81, em 1986 (Conselho Federal de Psicologia, 1988), para 350, em apenas duas décadas (INEP, 2006). Um aumento aproximadamente de 13 novos cursos por ano. Ademais, os 350 cursos de graduação em psicologia no Brasil formaram aproximadamente 17 mil psicólogos, dos quais 81% provêm da rede de ensino privada. Esse espantoso crescimento se concentra nos últimos anos, especialmente a partir do final dos anos 1990.

Os resultados a serem apresentados neste artigo, além de permitirem um diagnóstico da aprendizagem dos estudantes em um sistema de ensino cada vez maior e mais fortemente dominado por instituições privadas, trazem uma contribuição particularmente importante: trata-se da primeira avaliação em larga escala após a aprovação das novas diretrizes curriculares para os cursos de Psicologia no Brasil. Embora muitas IES ainda não tenham feito as adaptações e ajustes previstos por esse termo normativo, a maioria das que surgiram nesse período mais recente já apresentam estruturas curriculares que respondem, com alguma variabilidade, àquilo que foi delineado pelas Diretrizes Curriculares. Ainda que os resultados não possam ser considerados como um parâmetro de avaliação da implementação das Diretrizes Curriculares, a congruência entre elas e a estrutura da prova a que os estudantes se submeteram fornecerá uma linha de base importante para acompanhar o movimento de disseminação das Diretrizes, fornecendo um enquadre conceitual heurístico para se analisar o possível e desejável processo de aprimoramento da formação do psicólogo no Brasil.

Finalmente, é importante ter em mente que os resultados da avaliação da aprendizagem dos estudantes – ingressantes e concluintes – não devem ser considerados de forma isolada para avaliar as instituições. Eles fornecem um importante indicador da efetividade das IES no desenvolvimento de competências básicas do futuro psicólogo, mas como já foi ressaltado, tal indicador é apenas um dos aspectos que envolvem a avaliação do desempenho das IES. Não se pode esquecer, também, que os resultados são produto de diferentes níveis de engajamento/desengajamento de estudantes no próprio processo avaliativo do ENADE, fator fundamental para o adequado dimensionamento dos escores que serão analisados. Por causa das razões arroladas, decidiu-se por excluir das análises os resultados dos estudantes que utilizaram a prova como forma de protesto contra o próprio processo de avaliação. O que implicou exclusão de vários estudantes e, até mesmo, de algumas IES cujo percentual de participantes nessa condição limitava o poder de generalização dos resultados.

2. Características das IES participantes do ENADE-2006-Psicologia

No ENADE-2006-Psicologia, os alunos eram provenientes de 113 universidades, 76 faculdades isoladas, 38 centros universitários e 12 faculdades integradas. Com relação à modalidade de instituição dos alunos: 83,7% (a maioria) pertenciam a instituições particulares, 10,1% eram de instituições federais, 3,7% de estaduais e 2,6% de instituições municipais. Ao todo participaram da amostra 239 instituições de ensino superior, sendo 194 particulares, 29 federais, 8 estaduais e 8 municipais.

Com relação às diferenças entre as instituições, de acordo com Cunha (2003), a organização acadêmica das Instituições de Ensino Superior (IES) modificou-se após a LDB e Decreto No. 2306/97 que estabeleceu cinco formatos diferentes: 1)universidades, 2)centros universitários, 3)faculdades integradas, 4)faculdades, 5)institutos superiores ou escolas superiores (sinônimos). Segundo o autor, a grande novidade deste Decreto foi a instituição dos chamados centros universitários, que assim como as universidades, passaram a gozar de autonomia para criar, organizar e extinguir cursos e programas. Entretanto, o autor afirma que as universidades têm um diferencial e se distinguem por desenvolverem:

produção intelectual institucionalizada mediante estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto no ponto de vista científico e cultural quanto regional e nacional. [...] e deve ter: um terço de corpo docente com títulos de pós-graduação de mestre ou de doutor; um terço (não necessariamente os mesmos) deveria atuar na instituição em tempo integral (p. 41).

Portanto, a garantia de educação nos três níveis: ensino, pesquisa e extensão é missão das universidades, sendo que as outras modalidades de instituições não possuem este compromisso, por Lei.

No ENADE, a majoritária predominância de instituições privadas, bem como o fato de que deste montante, o conjunto de instituições que não são universidades seja maioria, merece ser mais bem analisado. Foram 113 universidades e 126 instituições com outras categorias administrativas. Além disso, do total de 239 instituições, 194 são particulares contra 45 de caráter público. A maioria, 83,7% dos alunos respondentes do ENADE-Psicologia 2005, pertence a IES particulares, o que denota a hegemonia do setor privado no campo da formação em Psicologia. Essa constatação nos leva a refletir sobre a dimensão da presença do Estado e sua função de garantir o que está estabelecido na Constituição Federal acerca do ensino público, gratuito e de qualidade para todos, em todos os níveis de ensino, pois, no que tange ao Ensino Superior, o ensino público tem cada dia mais se tornado minoria em relação ao ensino particular.

Ainda com relação às instituições, o ENADE-Psicologia mostra uma concentração de cursos em determinadas regiões do país. O quadro geral de participação das instituições demonstra que: 110 IES são da região Sudeste (46%), 53 da região Sul (22%), 43 do Nordeste (18%), 18 do Centro-Oeste (8%) e 15 da região Norte (6%). Essa maior concentração do sudeste se explica por ser esta a região com maior concentração de renda, por comportar o maior número de IES, e também as maiores universidades do país como USP, UNIFESP, UFMG e UFRJ. Os dados do ENADE corroboram a informação da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP), pois como será visto as regiões sudeste, sul e centro-oeste concentram 76% das instituições contra 24% no norte e nordeste.

3. O desempenho das IES: as competências gerais e específicas esperadas do graduando em Psicologia

Para compreender os resultados que são mostrados nesta seção é necessário esclarecer a estrutura da prova do ENADE. A Tabela 1 ilustra os componentes avaliados na referida prova e que estão organizados em duas partes: formação geral (FG) e formação específica (FE). A primeira delas contempla questões que avaliam a formação mais ampla de um profissional de nível superior, tais como a capacidade de síntese, análise, estabelecimento de relações etc.

A segunda parte compreende a avaliação da formação mais específica, ou seja, relacionada diretamente aos conteúdos necessários para a formação profissional do psicólogo. O escore da parte específica é a média aritmética da avaliação dos itens utilizados para mensurar os cinco eixos da formação profissional básica.

O escore total do estudante na prova é a média aritmética obtida a partir da soma dos resultados obtidos nas duas partes que compõem a prova: formação geral e formação específica. A formação geral tem um peso de 25% e a formação específica um peso de 75%.

 

 

O desempenho das IES: o escore total na prova e o escore no componente específico em Psicologia

O escore total na prova varia de 0 a 10. Um primeiro resultado apresenta o percentual de estudantes por nível de desempenho, considerando a natureza administrativa da IES (Figura 1). Foram estabelecidos quatro níveis de desempenho, a saber: <4; entre 4,1 e 4,5; entre 4,51 e 5,0 e, por último, > 5,0. O primeiro reúne as instituições cujos estudantes obtiveram escores menores que 4,0; o segundo, aquelas nas quais os estudantes obtiveram escores entre 4,1 e 4,5; o terceiro, as de escores entre 4,51 e 5,0 e, finalmente, o quarto, das que os estudantes alcançaram escores acima de 5,0. Para resumir, o desempenho dos estudantes pode ser classificado em três níveis: escores mais baixos (até 4,0), escores medianos (> 4,0 até 5,0) e escores altos (>5,0). No geral, 37,4% dos estudantes de todas as IES (públicas ou particulares) foram classificados no nível de escores mais baixos, ou seja, obtiveram um escore total na prova até 4,0. Dos estudantes, 31,4% apresentaram desempenho mediano, pois os escores variaram de 4,1 a 5. Finalmente, 30% dos estudantes ficaram na faixa de escores mais elevados, ou seja, maiores que 5,0. Esses dados revelam que as competências básicas previstas para a formação geral do psicólogo não estão sendo adquiridas em nível satisfatório, como expressa o elevado percentual (acima de 60%) com escores iguais ou inferiores a cinco.

Quando os resultados do escore total são separados por categoria administrativa das instituições avaliadas, constata-se que esse desempenho é bastante diferenciado, pois mais de 2/3 dos estudantes das IES públicas de nível federal e estadual apresentaram escores mais elevados (superiores a cinco). Esse índice se torna mais expressivo quando comparado ao das IES privadas (27%) e, sobretudo, com as IES públicas municipais (19,5%). No outro extremo, verifica-se que o mais baixo desempenho (escore até 4,0) é dos estudantes provenientes de cursos das instituições públicas municipais (57%) e particulares (40,3%). Tais resultados sugerem o desempenho superior dos estudantes da rede pública federal e estadual.

Ao analisar os resultados do desempenho do componente específico que constam na Figura 2, constata-se a mesma tendência observada nos resultados do componente geral. As IES públicas (federais e estaduais) apresentaram desempenho superior em relação às instituições públicas municipais e particulares, embora o percentual de estudantes com notas do componente específico superiores a cinco tenha sido ligeiramente menor que o observado em relação à nota total, assim como é ligeiramente maior o contingente de estudantes com escores inferiores a quatro (41,2%).

 

 

Essa expressiva porcentagem de estudantes que apresentaram escores inferiores a 4,0 para o componente específico desvela a precariedade da formação dos profissionais que saem de grande parte das IES brasileiras (especialmente as municipais e particulares), não só em relação aos conteúdos considerados fundamentais para o exercício da profissão do psicólogo, como, também, em relação àqueles de natureza geral. Em suma, apesar de as IES municipais e particulares apresentarem pior desempenho que as IES federais e estaduais, o problema afeta, com intensidades diferentes, a todas as instituições formadoras.

 

 

Ao analisar a Figura 3 constata-se, também, que a tendência geral de o desempenho ser melhor nos resultados do componente específico do que no componente geral se repete. A diferença entre os escores dos estudantes ingressantes e dos concluintes na avaliação do componente específico variou de 0,73 a 1,1 a favor dos segundos, ao passo que na avaliação do componente geral esta variação foi bem menor, de 0,1 a 0,35, também a favor dos concluintes.

Observa-se também que as maiores diferenças entre ingressantes e concluintes estão nas IES particulares e municipais, ainda que seus escores totais sejam menores. Tal resultado sugere que os estudantes de instituições de ensino privado e municipal encontram condições de aprendizagem que permitem a ampliação significativa do domínio de conhecimento ao longo do curso, quando comparados aos estudantes ingressantes de outras IES. Uma das explicações possíveis é a maior concorrência nas instituições de ensino superior de nível federal e estadual, favorecendo a entrada de estudantes mais bem preparados. Se essa premissa for considerada válida, o que está sendo oferecido durante o curso em tais instituições não permitiria grandes saltos em direção ao maior domínio de competências gerais e específicas. Em contrapartida, e orientados pela mesma lógica de raciocínio, os efeitos do ensino oferecido pelas instituições municipais e privadas a estudantes com menos domínio de competências gerais e específicas, ficaria mais evidente. Outra explicação a ser destacada é que as instituições privadas, por enfrentarem maior concorrência entre si, investem em inovações e são mais céleres em planejar oportunidades de aprendizagem sob a forma de convênios para estágio e atividades práticas.

 

 

A Figura 4 detalha um pouco mais os resultados e deixa evidente o desempenho por categoria de organização acadêmica das IES avaliadas. Constata-se que o melhor desempenho ao final do curso é obtido pelos estudantes provenientes de Universidades, tanto no componente geral (CG=4,94), quanto no componente específico (CE=4,93), seguidos dos Centros Universitários (CG=4,86 e CE=4,71) e Faculdades, Escolas e Institutos (CG=4,79 e CE=4,58). Embora se possa estabelecer uma discreta superioridade das Universidades, as médias obtidas pelos estudantes das demais modalidades de IES não diferem muito, pois os escores não são inferiores a 4,0, principalmente considerando apenas as notas dos concluintes. Observa-se que, em qualquer das instituições apresentadas na Figura 4, os ingressantes tiveram notas abaixo de 4,0 no componente específico, mas os colegas concluintes obtiveram notas acima de 4,5, um sinal claro de que todas as instituições conseguem dar alguma contribuição para o desenvolvimento de habilidades e competências específicos da profissão do psicólogo.

Em resumo, conclui-se, a partir da Figura 4, que as diferenças de organização acadêmica não repercutem de modo visível no desempenho dos estudantes. Porém, as Universidades levam uma pequena vantagem em relação às demais.

 

 

A correlação entre a formação geral e específica

Embora seja visível o melhor desempenho na avaliação do componente específico em relação ao componente geral, avaliou-se a força da associação entre os dois resultados. Na Figura 5, observa-se uma correlação positiva do desempenho dos estudantes nos dois componentes da avaliação, entre fraca e moderada, e nos diferentes tipos de categoria administrativa das IES. Na realidade, essa correlação positiva é mais forte nas IES federais (r=0,362) seguida da formação oferecida pelas IES particulares (r=0, 33). Essa correlação é mais fraca nos estudantes das IES públicas municipais (r=0,11) e praticamente não há correlação entre as duas formações nas IES estaduais (r=0,06).

A Figura 5 permite constatar, também, que embora haja correlações positivas e moderadas, a localização dos estudantes das IES federais e das IES particulares claramente se diferencia no espaço, com os primeiros ocupando o quadrante superior pelos melhores escores obtidos em ambos os componentes. Os estudantes das IES particulares, ao contrário, se localizam fortemente no quadrante com escores mais baixos nos dois componentes da avaliação realizada.

4. O desempenho das IES por eixos estruturantes da formação em Psicologia

Esta seção se dedica a analisar o desempenho das IES nos cinco eixos estruturantes que compõem a formação específica do profissional de psicologia. A análise se inicia com uma descrição dos escores médios de cada eixo estruturante, separando ingressantes e concluintes.

Um primeiro resultado mostra que as IES obtêm maior êxito na aprendizagem dos Processos Psicológicos, o que corresponde ao corpo de conhecimentos mais básico da formação em Psicologia (Desenvolvimento, Social, Psicopatologia, por exemplo). Tanto os estudantes que estão no início do curso quanto os concluintes apresentam os maiores escores (superiores a cinco) neste eixo da formação. Em seguida, aparece o eixo das Práticas Profissionais. Como esperado, o desempenho dos concluintes se revela bem superior ao dos ingressantes, sinalizando que o curso proporcionou o aprendizado de competências profissionais não adquiridas no ensino médio.

Observa-se, ainda, a fragilidade do desempenho dos estudantes em três eixos da sua formação básica. Os escores dos estudantes (ingressantes e concluintes) nos eixos de Investigação e Medidas (voltado para a formação científica), de Interfaces (que articula os conhecimentos da Psicologia com as ciências biológicas e humanas) e de Fundamentos Históricos e Epistemológicos são negativos. Tais resultados, especialmente dos estudantes ingressantes que devem estar em contato com tais reflexões no momento em que se encontram no curso, apontam a precariedade da formação recebida nessas três dimensões básicas de sua formação, como estabelecidas pelas Diretrizes Curriculares. Após essa visão mais genérica sobre a avaliação dos cinco eixos estruturantes do curso de psicologia, convém aprofundar um pouco mais o entendimento do desempenho das IES em cada um destes cinco eixos.

 

 

Eixo I – Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Psicologia

O primeiro eixo estruturante da formação do psicólogo inclui a aprendizagem das bases epistemológicas, teórico-metodológicas e históricas das principais vertentes do pensamento em psicologia. Os escores médios obtidos pelas IES, de acordo com a classificação em termos de sua organização acadêmica e categoria administrativa, se encontram na Figura 6 e revelam, no geral, a fragilidade com que tal dimensão da formação vem sendo tratada pelas IES.

A análise do desempenho das IES por categoria administrativa no eixo estruturante I reafirma os resultados gerais até aqui apresentados. Os escores médios mais elevados, tanto dos ingressantes quanto dos concluintes se encontram justamente nas instituições públicas estaduais e federais, com ligeira vantagem das primeiras. Em ambas, contudo, não foram encontrados escores médios superiores a cinco. Contudo, ao se comparar a diferença do resultado de ingressantes e concluintes, há uma ligeira superioridade das IES Federais, ou seja, o nível de aprendizagem ao longo do curso é maior nas IES federais (aumento de 0,63 na média da nota) do que nas IES estaduais (aumento de 0,53 na média da nota). Em outras palavras, apesar de as estaduais apresentarem um desempenho melhor que as federais, ao levar em conta as diferenças entre os resultados de ingressantes e concluintes nos dois casos, as federais sugerem estar mais orientadas para o aprendizado de fundamentos históricos e epistemológicos da psicologia. Ressalta-se, no entanto, que uma conclusão mais definitiva acerca de tal resultado necessitaria de testes estatísticos complementares para evidenciar se a diferença de 0,10 no escore obtido, a favor das federais, é realmente significativa.

 

 

As IES classificadas como municipais e particulares foram as que apresentaram os escores médios mais baixos em relação à aprendizagem dos fundamentos históricos e epistemológicos da psicologia (com médias em torno de 3,5), para ambos, ingressantes e concluintes. No entanto, ao observar o crescimento dos escores entre ingressantes e concluintes, os resultados não diferem muito dos encontrados nas IES públicas federais (aumento de 0,63) e estaduais (aumento de 0,53), visto que nas particulares o aumento da nota foi de 0,43 e nas municipais, 0,51.

Em relação à classificação das IES por organização acadêmica, o resultado sugere que as Universidades conseguem proporcionar melhor aprendizado no eixo estruturante I, o que pode estar relacionado às variadas oportunidades de contatos com outros campos do saber que as instituições universitárias oferecem ao estudante, facilitando a integração do conhecimento.

Eixo II – Investigação e Medidas em Psicologia

O eixo estruturante II tem como foco o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas aos métodos e técnicas de coleta e análise de dados de pesquisas científicas e também de avaliação de fenômenos psicológicos. Os resultados obtidos em relação a esse segundo eixo se encontram na Figura 7.

Apesar de os desempenhos de todas as IES terem ficado abaixo de 5,0, sinalizando que elas são pouco capazes de oferecer uma formação adequada para suprir as deficiências que os estudantes trazem do ensino médio, as IES particulares (Ingressantes=3,30 e Concluintes=3,68) e municipais (I=3,14 e C=3,93) tiveram pior desempenho. É digno de nota que esse foi um dos piores desempenhos na comparação com outros eixos estruturantes, o que causa apreensão, dada a importância da produção do conhecimento para qualquer campo científico. As instituições federais (I=4,24 e C=4,66) e estaduais (I=4,10 e C=4,29) foram as que apresentaram os melhores resultados do eixo II, com destaque para as IES federais.

 

 

Embora seja visível que os estudantes que ingressam em instituições federais e estaduais possuem melhor desempenho que os oriundos de instituições particulares e municipais, o que a princípio seria vantagem, as instituições municipais (aumento na média de ingressantes para concluintes de 0,78) são mais eficazes para desenvolver competências e habilidades relacionadas a esse segundo eixo, sendo seguidas das federais (aumento de 0,42), do que as instituições particulares (aumento de 0,38) e estaduais (aumento de 0,19).

Em concordância com os resultados anteriores, as instituições universitárias apresentam discreta elevação dos escores médios, sinal de que o desempenho deste tipo de instituição é mais positivo. Além das oportunidades de socialização multidisciplinar em contextos universitários, o que foi mencionado na apresentação dos resultados do primeiro eixo estruturante (fundamentos históricos e epistemológicos), é preciso ter em conta que as universidades adotam políticas claras de articulação entre pesquisa e o ensino de pós-graduação, o que nem sempre é observado nas demais instituições. Isso explicaria o melhor desempenho das Universidades no aumento da nota de ingressantes para concluintes (0,44) em relação às demais unidades de ensino.

Eixo III – Processos Psicológicos

No eixo III são enfatizados os conteúdos que se relacionam a fenômenos, processos e construtos psicológicos, entre os quais, encontram-se os processos básicos (cognição, emoção, motivação e aprendizagem), processos do desenvolvimento, interações sociais, saúde psicológica e psicopatologia, personalidade e inteligência.

Pelos resultados ilustrados na Figura 8 em comparação às Figuras 6 e 7, conclui-se que as médias das notas do eixo III são mais elevadas em relação aos demais eixos estruturantes. A tendência de as IES públicas federais (Ingressantes=6,64 e Concluintes=7,45) e estaduais (I=6,46 e C=7,29) apresentarem escores mais elevados que as instituições particulares (I=4,93 e C=6,26) e municipais (I=4,53 e C=6,21) é a mesma nos três primeiros eixos. Observa-se, no entanto, que em termos relativos, as instituições municipais (aumento na média de concluintes em relação aos ingressantes de 1,68) e particulares (aumento de 1,33) conseguem desenvolver melhor as competências e habilidades do eixo III que as estaduais (aumento na média de 0,83) e as federais (aumento de 0,81).

 

 

Os resultados sinalizam que, a despeito de os estudantes recém-ingressos em IES federais estarem mais bem preparados e obterem médias mais elevadas, ao final do curso são as instituições municipais (aumento de 1,68 na média de concluintes) e particulares (aumento de 1,33 na mesma categoria) que conseguem desenvolver habilidades e competências do eixo III (contra um aumento de 0,83 nas estaduais e 0,81 nas federais).

Uma vez mais, as Universidades se destacam como as que estão associadas a melhores desempenhos de ingressantes e concluintes. As universidades (Ingressantes=5,23 e Concluintes=6,51) repetem os desempenhos anteriores e conseguem obter médias mais elevadas que as demais instituições. No entanto, as Faculdades Integradas, apesar do pior desempenho, são as que conseguem elevar a média de concluintes em comparação aos ingressantes (diferença de 1,42).

Eixo IV – Interfaces com áreas afins

No eixo IV é avaliada a aprendizagem dos conteúdos que mantêm interfaces com campos afins do conhecimento, como por exemplo, as neurociências, a sociologia, a antropologia e a filosofia. Os resultados podem ser visualizados na Figura 9.

Os resultados indicam, novamente, a superioridade das IES públicas federais (Ingressantes=5,39 e Concluintes=5,89) e estaduais (I=5,63 e C=5,76) sobre as demais. Mas, apesar de os ingressantes de instituições estaduais terem obtido médias maiores que as federais, municipais e particulares, é nestas últimas que eles revelam ter aprendido mais (acréscimo na média de concluintes de 0,93, contra 0,13 das estaduais, 0,81 das municipais e 0,5 das federais). Em outras palavras, embora os estudantes entrem com um domínio um pouco maior nas instituições estaduais, os impactos do curso são menores quando comparados às demais, em especial às particulares. A tendência de destaque das Universidades sobre os Centros Universitários, Faculdades e Escolas e também as Faculdades Integradas segue firme e se mantém constante visto que nos primeiros o aumento na média de concluintes em relação aos ingressantes foi de 0,93, o maior valor entre as demais categorias administrativas.

 

 

Ao analisar as áreas que mantêm interface com a psicologia (vide Figura 10), observa-se que, ao serem comparados escores de ingressantes e concluintes, as interfaces com as ciências humanas são construídas de modo mais sólido nas IES, que as estabelecidas com as ciências biológicas. Essa diferença não é tão perceptível entre os ingressantes, quando se considera a amostra total e se acentua quando se observam os escores dos concluintes. Mais uma vez, o desempenho dos estudantes das IES públicas federais e estaduais se destaca em relação às demais IES, com escores positivos (superiores a cinco) mesmo entre os ingressantes. O reduzido peso quantitativo desse contingente de IES na amostra total explica os escores médios negativos da amostra geral.

Em síntese, os resultados mostram a pouca ênfase atribuída pelos cursos, especialmente das IES particulares, ao contato dos estudantes com conteúdos que ligam a Psicologia às ciências biológicas. Isso pode estar levando a formação a desconsiderar avanços que ocorrem nesse campo, especialmente, na área das neurociências, fundamentais para a abordagem interdisciplinar requerida pelos fenômenos psicológicos.

Eixo V – Práticas Profissionais

O último eixo que compõe a formação específica do psicólogo avalia o domínio das práticas profissionais do psicólogo no que diz respeito às intervenções nos processos educativos, de gestão, de promoção de saúde, clínicos e de avaliação. Os resultados podem ser visualizados na Figura 11.

Quando se considera a categoria administrativa da IES, os resultados obtidos neste eixo não diferem do cenário traçado nos demais eixos. Isso ocorre porque os escores médios dos concluintes se situam em torno de 5,0 em todos os tipos de instituições, com exceção das IES municipais, cujos estudantes concluintes obtiveram média 4,82. Nesse eixo também é observada a mesma tendência dos demais eixos tratados até aqui, ou seja, os ingressantes nas IES federais e estaduais apresentam um nível mais elevado de conhecimento quando comparados aos ingressantes das IES municipais e particulares.

Mais uma vez, também, se observa o significativo desenvolvimento do nível de conhecimento, tanto geral quanto específico, obtido pelos estudantes nas IES particulares e municipais, mais significativo do que o observado nas demais IES. Ou seja, há evidências de que, devido ao menor nível de conhecimento dos estudantes que ingressam nas IES municipais e particulares, o desenvolvimento oportunizado por estas IES acaba sendo mais significativo do que o que ocorre nas demais IES, tendo em vista que elas alcançam patamares próximos quando se observa o domínio de conhecimento dos concluintes.

 

 

Quando se considera a organização acadêmica das IES, os resultados mostram poucas diferenças. Apenas as Universidades apresentam um escore médio ligeiramente mais elevado entre os seus concluintes. Os demais escores, tanto dos ingressantes quanto dos concluintes, são muito similares.

As práticas profissionais da Psicologia são muito diversificadas, tendo em vista a variedade de contextos em que podem ocorrer. A avaliação concentrou-se no conjunto de práticas mais clássicas e definidoras dos campos de trabalho consolidados da Psicologia. Na realidade, não se pode esperar que um curso de graduação deixe de contemplá-las, da mesma forma que não se pode exigir, em uma avaliação de larga escala, que práticas diferenciadas e mais específicas sejam alvo de uma avaliação. Neste artigo, a avaliação da formação profissional envolveu a comparação entre práticas individuais (especialmente o psicodiagnóstico e intervenções clínicas) e práticas coletivas (incluindo intervenções em contextos institucionais diversos, como a saúde, empresas e escolas). Os resultados são mostrados na Figura 12, a seguir.

 

 

De modo geral, os cursos de graduação desenvolvem conhecimentos e habilidades tanto das práticas individuais quanto coletivas, não se observando, aqui, o mesmo desequilíbrio constatado no eixo das interfaces com outros campos científicos. Isso pode ser constatado ao serem comparados os escores médios obtidos pelos estudantes ingressantes (Individuais=3,63 e coletivas=3,47) e concluintes (individuais=4,58 e coletivas=4,71).

Um olhar mais atento permite identificar que os escores das práticas coletivas são mais elevados em todas as IES se comparados aos escores das práticas individuais. Esse resultado é acompanhado pela capacidade de as instituições desenvolverem uma formação mais voltada para práticas coletivas que individuais, revelando uma importante mudança no processo de formação já que, historicamente, a formação clínica ocupou lugar central.

Constata-se uma vez mais que as IES públicas federais e estaduais registram escores mais altos que as IES particulares e as municipais. Entretanto, é preciso agir com cautela em relação às conclusões a serem extraídas de todas essas análises. Em alguns eixos de competência, como por exemplo, o eixo III, apesar de as IES particulares não apresentarem maiores escores que as IES estaduais e federais, elas foram mais bem sucedidas em aumentar o nível de aprendizado dos estudantes ingressantes. Vários fatores estão em jogo na avaliação das IES e as limitações de ordem metodológica de processos de avaliação desta envergadura não devem ser subestimadas.

 

 

5. Os níveis de aquisição das competências avaliadas pelo ENADE-2006

A análise das características psicométricas da prova permite dois conjuntos de análises adicionais que aprofundam a compreensão de como as competências esperadas da formação em psicologia estão sendo desenvolvidas pelas propostas curriculares das Instituições de Ensino Superior. Essas novas análises permitem captar dimensões do processo de formação distintas dos eixos que estruturam o currículo e a própria elaboração da prova. O primeiro conjunto de análises se apóia na estrutura fatorial que emergiu da análise dos itens – fechados e abertos – e revelou a existência de três fatores latentes2, rapidamente sintetizados na Tabela 2.

 

 

Os resultados – escores médios – obtidos nesses três fatores por categoria administrativa e natureza da organização acadêmica das IES se encontram nas Figuras 13 e 14. O desempenho das IES por categorias administrativas é semelhante nos três fatores extraídos da prova, como se constata na Figura 13. As IES públicas federais e estaduais apresentam escores positivos nos três fatores, revelando níveis mais elevados de formação nas três dimensões latentes avaliadas. O fator I, mais geral e que avalia competências e habilidades mais simples, obteve escores mais altos. Embora positivos, os escores dos fatores II e III são mais baixos, sendo que nas IES estaduais o domínio de conhecimentos sobre práticas profissionais e a competência de mobilizá-los para planejar intervenções (fator II) são superiores à formação de competências científicas, para manejo e interpretação de dados estatísticos (fator III).

 

 

Porém, o desempenho das IES públicas municipais e particulares se diferencia em relação às anteriores por apresentarem escores negativos. As IES particulares apresentaram escores levemente negativos nos Fatores I e III, e levemente positivos no Fator II, revelando seu maior êxito no desenvolvimento das competências profissionais. O desempenho das IES públicas municipais revela-se o mais fraco, com escores negativos nos três fatores, inclusive no Fator I que avalia competências mais simples como a habilidade de ler e interpretar textos.

A Figura 14 apresenta os escores fatoriais por natureza da organização administrativa das IES. Apenas as Universidades conseguem escores positivos nos três fatores latentes da avaliação, com destaque para o Fator II que avalia competências profissionais e a capacidade de mobilização de conteúdos para planejar intervenções. Esse mesmo Fator também se apresenta positivo nos Centros Universitários e nas Faculdades Integradas, embora em ambos os casos os escores se revelem ligeiramente mais baixos que nas Universidades.

 

 

O Fator I, que é geral e avalia habilidades básicas de leitura e interpretação de textos, apresenta escores negativos em todos os tipos de IES com exceção das Universidades. Nesse mesmo Fator, o desempenho das Faculdades isoladas é mais negativo que o das Faculdades Integradas, que por sua vez é também mais negativo que o dos Centros Universitários. O desenvolvimento de competências científicas (Fator III), apesar de positivo, é baixo mesmo entre Universidades. Ele é negativo nos demais tipos de IES, e de forma mais acentuada entre as Faculdades e Escolas isoladas.

O segundo conjunto de análises das características psicométricas da prova descritas e aqui analisadas fez uso do modelo de Rasch para análise dos itens. Essa análise identifica o traço latente Theta que representa o nível geral de competência dos estudantes, permitindo hierarquizar todos os itens da avaliação pelo nível de dificuldade (ou melhor, a probabilidade de acerto). Torna-se possível, então, identificar perfis de competências associados ao conjunto de itens que cada estudante acerta. Ademais, os escores dos itens permitem a construção do mapa do construto (ou mapas de respostas esperadas), por meio do qual se torna possível analisar a relação entre o nível de competência e as questões que se espera obter acerto. Adicionalmente, a análise de conteúdo das questões permite perceber o que cada nível de acerto significa em termos de conteúdos e competências mensurados. O mapa construído para a prova do ENADE3 permitiu a divisão da escala em quatro faixas que se traduzem em níveis diferenciados com que os estudantes demonstram domínio das competências mensuradas pela prova. A caracterização dessas faixas e níveis se encontra na Tabela 3.

Ao analisar o percentual de estudantes para cada um dos quatro níveis de competência (Tabela 3) por categoria administrativa das IES (vide Figura 15), constata-se que as instituições públicas – federal e estadual – apresentam um perfil muito próximo no tocante ao nível de competências demonstrado por seus estudantes. Aproximadamente 2/3 deles (64,8% e 68,1%, respectivamente) se encontram no nível III, apresentando as competências mínimas esperadas da formação, e 12% de ambas se situam no nível IV (superior). Os dados revelam, entretanto, a fragilidade das IES particulares, responsáveis, do ponto de vista quantitativo, pela formação do maior número de estudantes. É inexpressivo o contingente de estudantes (apenas 2,9%) que atinge o nível IV (superior). Além disso, quase a metade dos estudantes se encontra nos níveis inferiores de competência (34,52%, no nível II e 8,7%, no nível I). Esse cenário é um pouco mais negativo no pequeno grupo de IES públicas municipais, nas quais, mais da metade não apresenta o perfil de competências mínimo esperado para a formação.

 

 

Quando se considera a natureza da organização acadêmica da IES, os resultados apresentados na Figura 16 mostram que as Universidades se destacam com percentuais ligeiramente mais elevados de estudantes (62,6%) que atingem os níveis III e IV, e ligeiramente mais baixos nos níveis I e II (37,4). Os Centros Universitários e as Faculdades Integradas ocupam uma posição intermediária, pois 56, 8% dos estudantes, no primeiro caso, e 54,6% no segundo, se situam nos níveis III e IV, contrapondo-se aos 43,2% e 45,4% que respectivamente alcançam os níveis I e II. As Faculdades, Escolas e Institutos apresentam o perfil mais desfavorável de formação, visto que 52,9% dos seus estudantes se situam nos níveis I e II.

 

 

Os dados apresentados se unem ao panorama descrito anteriormente e ratificam a forte associação entre o desempenho dos estudantes e as duas variáveis que classificam as Instituições de ensino: a categoria administrativa (Públicas, nos níveis federal, estadual e municipal, e particulares) e a natureza da organização administrativa ou acadêmica (Universidades, Faculdades Integradas, Centros Universitários, e Faculdades, Escolas e Institutos isolados).

6. A diferença entre o desempenho observado e esperado das IES – o índice IDD

A avaliação comparativa de estudantes ingressantes e concluintes é uma estratégia para inferir o potencial impacto da formação no desempenho dos estudantes. O IDD é o indicador da diferença entre desempenho observado e o esperado e é obtido a partir do ajuste no desempenho do concluinte, tomando como base o perfil do desempenho dos ingressantes e removendo, do desempenho dos concluintes, a parcela correspondente às diferenças que antecedem a entrada do curso.

O cálculo do IDD inclui o desempenho médio do ingressante e duas outras variáveis, proporção de pais com nível superior de escolaridade e a razão entre concluintes e ingressantes. O IDD é um índice cuja unidade de medida é o desvio padrão. Assim, um IDD positivo significa que o desempenho médio dos concluintes do curso está acima do valor médio esperado para cursos cujos ingressantes tenham perfil de desempenho similar. O IDD negativo significa que o desempenho médio dos concluintes está abaixo do que seria esperado para cursos com estudantes com o mesmo perfil de desempenho dos ingressantes.

 

 

A Figura 17 apresenta os escores médios do IDD das IES por categoria administrativa da Instituição. As instituições federais apresentam escore positivo mais elevado, indicando que, a despeito do nível dos estudantes ingressantes, elas são as que mais agregam qualidade na formação. Ou seja, os concluintes apresentam desempenho superior àquele que seria esperado, considerando-se os cursos com ingressantes similares. Também é positivo, embora bem próximo de zero, o IDD das instituições municipais. Com escore negativo, mas também próximo de zero, encontram-se as instituições particulares. As instituições estaduais, por sua vez, apresentam um elevado escore negativo (-0.54), revelando a maior distância entre o desempenho observado e o esperado dos seus concluintes.

Quando se considera a natureza da organização administrativa das IES, os resultados do IDD se encontram na Figura 18, a seguir. Apenas as Universidades apresentam um escore positivo do IDD, embora reduzido e próximo a zero. Tanto as Faculdades ou Escolas e os Centros Universitários apresentam IDDs médios ligeiramente negativos. São as Faculdades Integradas aquelas que apresentam o IDD negativo mais elevado, revelando a maior discrepância entre o desempenho observado e o esperado dos seus concluintes.

 

 

Todas as IES, além do conceito do desempenho dos estudantes, receberam um segundo conceito (de 1 a 5) pelo resultado do IDD, informações que se encontram especificadas por categoria administrativa e a organização administrativa na Figura 19. A expressiva expansão do número de cursos de psicologia no Brasil traduz-se no elevado percentual de instituições que não obtiveram conceito nesse indicador, pela inexistência de turmas de concluintes para efetuar o cálculo. Nessa condição, se encontram praticamente 75% das Faculdades, Escolas e Institutos Superiores isolados, 50% das Faculdades Integradas, 38.9% das IES particulares.

Dos 148 cursos com avaliação do IDD, 43% obtiveram o conceito intermediário 3, faixa que inclui desvios ligeiramente positivos (entre 0.03 e 0.43) na qual se encontram 34 IES, e desvios ligeiramente negativos (entre -0.02 e -0.58), em que estão 30 IES. O conceito 3 foi atribuído a 41,3% das Universidades e 30,8% das Instituições Federais de Ensino Superior.

Apesar de as instituições particulares constituírem o maior contingente de IES no país, apresentam porcentuais de conceito 4 (13,5%) e 5 (3,6%) bem mais baixos que as demais. Os melhores desempenhos no IDD se encontram nas Universidades (26,6% com conceitos 4 e 5) e nas Instituições Federais (34.6% com conceitos 4 e 5). Esses resultados se agregam às demais evidências de que a qualidade da formação em psicologia é fortemente impactada pela categoria administrativa da IES (pública ou particular) e, em menor força, pela natureza da sua organização administrativa ou acadêmica (Universidades, Faculdades, Centros, Escolas e Institutos).

 

 

 

7. Os possíveis impactos da Pós-Graduação no desempenho das Instituições

Para discorrer sobre os possíveis impactos da pós-graduação no desempenho de IES, primeiramente serão descritos os resultados mais gerais da avaliação, enfatizando os escores médios do componente geral e do específico juntamente com o escore total da prova do ENADE, comparando IES que possuem ou não programas de pós-graduação. Essas informações estão contidas na Figura 20.

 

 

São visíveis as diferenças de desempenho entre IES que possuem pós-graduação, tanto no escore total, quanto nos escores dos componentes geral e específico. Os resultados gerais dos possíveis impactos da pós-graduação, no entanto, podem ser mais bem compreendidos quando se analisam os escores obtidos pelas IES em relação aos eixos estruturantes do curso de psicologia. Tais resultados são ilustrados na Figura 21.

 

 

Existem diferenças nos escores médios obtidos pelas IES que possuem programas de pós-graduação em todos os eixos estruturantes (vide Figura 21). É possível identificar que a pós-graduação contribui de modo significativo para o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas aos eixos III (fenômenos, processos e construtos psicológicos), IV (práticas profissionais) e II (fundamentos, métodos e técnicas de coleta e análise de informações para investigações científicas e avaliação de fenômenos psicológicos).

O IDD é outro indicador importante que pode ser analisado para avaliar a importância da pós-graduação no desempenho das IES. Os resultados dos escores médios desse indicador podem ser visualizados na Figura 22. O IDD positivo significa que o desempenho médio dos concluintes do curso está acima do valor médio esperado para cursos cujos ingressantes tenham perfil de desempenho similar. Já o IDD negativo significa que o desempenho médio dos concluintes está abaixo do que seria esperado para cursos com estudantes com o mesmo perfil de desempenho dos ingressantes. Com base nessa explicação percebe-se que a pós-graduação tem um papel importante no desempenho alcançado no ENADE.

 

 

Cabe esclarecer que, com base nos escores médios obtidos no IDD, as IES receberam um conceito que traduz o desempenho neste indicador. O conceito varia de 1 a 5, sendo 1 o desempenho mais negativo e 5 o mais positivo (vide Figura 23).

 

 

É claramente perceptível a influência positiva que os programas de pós-graduação exercem nesse indicador de desempenho, pois a maioria das IES que receberam os conceitos 4 e 5, ou seja, os mais positivos, são justamente aquelas que possuem cursos de pós-graduação.

8. Conclusões: os desafios da formação em psicologia a partir dos resultados do ENADE

Após analisar os resultados comparativos de ingressantes e concluintes pertencentes a diversas modalidades de instituições de ensino superior no Brasil, inúmeras reflexões são suscitadas e compelem tanto responsáveis pela coordenação administrativa e acadêmica implicados na formação de psicólogos, quanto docentes e estudantes a se indagarem sobre as consequências desse amplo processo avaliativo institucional. Por um lado, o processo avaliativo, se bem definido e fundamentado, é uma excelente oportunidade para definir políticas de aperfeiçoamento de processos.

Ainda que o ensino superior não possa estar subordinado a regras do mercado de trabalho, não se pode ignorar que um dos principais desafios da formação de nível superior é articular as demandas da sociedade e os avanços alcançados pelas áreas de conhecimento. A psicologia é ciência e profissão. Isso significa dizer que para atender aos objetivos científicos ela precisa formar profissionais capazes de produzir conhecimento. Nesse caso, o desenvolvimento de habilidades e competências de investigação científica se torna imprescindível.

Por outro lado, para atingir os objetivos profissionais, a psicologia também necessita desenvolver um conjunto de competências para qualificar os futuros psicólogos a saberem aplicar, nos diversos contextos de atuação, os conhecimentos já produzidos. Os resultados apontam onde estão as principais deficiências do processo de formação. Os dados referentes ao Componente Geral se revelam preocupantes, pois os piores resultados atingem porcentagem de 37% e os melhores resultados atingem cerca de 31% do total dos estudantes das IES avaliadas. Os dados do Componente Específico são um pouco piores, pois a porcentagem de IES que obtém escore >5 cai para 29,8%, enquanto a porcentagem delas cujo escore máximo é 4,0 aumenta.

Em relação aos cinco eixos que estruturam a formação, o melhor desempenho é do eixo III, dos processos psicológicos básicos, seguido do eixo II de práticas profissionais. O pior desempenho, todavia, foi do eixo V, de investigação e medidas e, em sequência, do eixo I, o de fundamentos históricos e epistemológicos da psicologia. Para mudar esse cenário, os cursos de graduação em psicologia deverão dirigir seus esforços para esses dois últimos eixos, pela sua importância para a produção do conhecimento. Desconhecer os fundamentos históricos e epistemológicos de um campo científico aumenta o risco de se investir na produção de conhecimento em direções que não se revelaram promissoras até então e de desprezar o que foi produzido pelos especialistas e estudiosos do assunto.

Não dominar os procedimentos metodológicos de pesquisa faz crescer o risco de realizar práticas profissionais irresponsáveis, respaldadas muito mais em impressões subjetivas do que em resultados confiáveis e fidedignos oriundos da observância das regras científicas. É preciso refletir se a ênfase dos cursos de graduação nas interfaces com as ciências humanas e um pouco menos nas ciências biológicas de algum modo pode estar fortalecendo uma identidade científica mais próxima de uma área de conhecimento que privilegia o discurso da subjetividade avessa aos ditames das ciências que se preocupam com a mensuração e quantificação, que de uma área em que tais regras mostram ser uma tradição.

Os resultados apontam que a categoria administrativa é um fator de maior impacto no desempenho dos estudantes do que o tipo de organização acadêmica das IES. As IES públicas federais e estaduais apresentam melhores resultados quando comparadas às IES municipais e particulares, mas as IES particulares parecem ser mais efetivas na promoção de aprendizagem de alguns eixos estruturantes. As Universidades, que são a principal forma de organização administrativa e acadêmica das IES, portanto, sugerem ser as mais apropriadas para a formação profissional. Duas razões para esse êxito estão relacionadas à presença de programas de pós-graduação stricto sensu e ao fato de fazer parte da cultura das Universidades a riqueza de oportunidades de trocas de conhecimentos entre docentes e estudantes de formação distinta.

A Universidade é um espaço democrático de convivência da diversidade e pluralidade de pensamento e talvez isto explique porque ela se revelou mais apta a oferecer uma formação integrada, equilibrando os resultados dos dois componentes, geral e específico. Se o modelo Universitário parece ser o mais apropriado e a presença de programas de pós-graduação está associada a escores mais elevados tanto no componente geral quanto específico, as agências governamentais responsáveis pela política de ensino superior no país devem se mostrar sensíveis a direcionar suas ações para estimular esta sinergia.

Uma última consideração merece ser feita e se refere à categoria docente. Embora não sejam os únicos responsáveis pela formação de ensino superior, não é factível elaborar planos de melhorias que excluam a qualificação docente. Afinal, o contexto da sala de aula e a relação professor e estudante ainda são fundamentais para a realização dos objetivos instrucionais de aprendizagem. E a pergunta que necessita ser satisfatoriamente respondida é se os professores dos cursos de psicologia possuem habilidades e competências que os capacitem a desenvolver as habilidades e competências essenciais ao psicólogo. Tal reflexão se torna fundamental no momento em que as Diretrizes Curriculares para os cursos de Psicologia estão sendo efetivamente incorporadas pela maioria das IES.

É sabido que as Instituições Públicas Federais e Estaduais adotam políticas claras de incentivo ao aperfeiçoamento docente, quer no suporte financeiro e material ao desenvolvimento de pesquisas, quer no oferecimento de bolsas de estudo e licenças remuneradas para estudos. As IES municipais, que são minoria numérica, dificilmente conseguem adotar políticas dessa natureza, o que limita sua capacidade de oferecer oportunidades mais adequadas para a qualificação e desenvolvimento docente. As IES particulares, a grande maioria numérica no país, lamentavelmente não conseguem seguir esse caminho. Além de poucas IES particulares manterem programas de pós-graduação, a grande maioria dos docentes trabalha por hora aula, o que obriga a muitos deles a aumentar sua carga horária para atingir faixas salariais mais atrativas. Ademais, o docente que quer se qualificar dificilmente obtém licença remunerada. O ônus é pessoal, o que contribui para o desestímulo em prosseguir com os estudos.

Em suma, a formação em psicologia no Brasil é predominantemente realizada por instituições particulares que não se estruturam como universidades, o que diminui as oportunidades de intercâmbio do conhecimento e de aprimoramento docente, além da precária oferta de programas de pós-graduação stricto sensu. Os resultados gerais, no ENADE, sugerem que as instituições públicas federais e estaduais, que são em menor número, conseguem ser mais bem sucedidas na formação que oferecem. É importante destacar, no entanto, que os dados agregados do exame não permitiram estabelecer uma importante diferenciação entre IES que estão incluídas na categoria 'particular'. De fato, nesse grupo, se encontram as instituições confessionais, muitas delas universidades, que apresentam um padrão de organização e funcionamento que se aproxima das IES públicas de nível federal e estadual. Na realidade, se fosse possível fazer essa diferenciação e tratar as instituições particulares em separado, o quadro que caracteriza o segmento privado de ensino poderia ser bastante distinto daquele aqui descrito.

Conforme assinala Yamamoto e cols. (2010), ainda que esses resultados não sejam conclusivos, haja vista o dinamismo do processo de formação, não se pode negar que, ao menos numericamente, a formação em psicologia está entregue à rede privada. Isso torna obrigatório um olhar atento ao que ocorre nessas instituições de ensino, pois apesar de ocuparem um lugar central na formação de psicólogos no Brasil, os resultados do desempenho estudantil no ENADE oferecem claros indícios de que as instituições públicas proporcionam formação qualitativamente superior em relação às demais, em especial pela grande preocupação com a produção do conhecimento, o desenvolvimento de projetos de extensão e a forte articulação entre ensino de graduação e pós-graduação.

É visível, então, o impasse em que a formação em psicologia se encontra no momento. Uma face da moeda é que os cursos de psicologia continuam sendo criados ainda que em um ritmo menos acelerado. Esse crescimento ainda perdurará durante algum tempo, principalmente pela demanda social reprimida em diversos Estados brasileiros fora da região sudeste, que concentra a maioria deles. Se a tendência é que os cursos surjam por iniciativa de IES particulares, há uma probabilidade muito grande de a estrutura organizativa adotada ser a mesma que já se revela pouco eficaz no processo de formação superior. A outra face é que apesar de serem numericamente menores e estarem saindo de uma condição de estrangulamento e precariedade, que perdurou por algumas décadas, as Instituições Federais e Estaduais ainda possuem vantagens sobre as instituições particulares.

O desafio passa a ser o de compatibilizar o crescimento de cursos de psicologia no Brasil, visando democratizar o acesso a esta formação em todo território nacional, sem disseminar uma forma organizativa que vem se revelando insatisfatória. Se assim for, neste último caso, o desnível na qualidade da formação repercutiria mais adiante e de modo mais perverso, quando os psicólogos egressos destes cursos tiverem que concorrer no mercado de trabalho com os provenientes de centros de formação bem mais qualificados.

 

Referências

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Yamamoto, O. H., Souza, J. A. J., Silva, N. & Zanelli, J. C. (2010). A formação básica, pós-graduada e complementar no Brasil. Em A. V. B. Bastos & S. M. G. G. (Orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil (pp.45-65). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Reifschneider, M. B. (2008). Considerações sobre avaliação de desempenho. Avaliação de Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, 16(58), 47-58.         [ Links ]

 

 

1Antonio Virgílio Bittencourt Bastos Rua Macapá, 461/ 601 – Ondina CEP: 40170-150 – Salvador – Bahia E-mail: virgilio@ufba.br

Notas

2Uma descrição dos procedimentos e discussão detalhada dos resultados da análise fatorial, a natureza multidimensional da prova e a interpretação dos fatores latentes se encontram no artigo de autoria de Ricardo Primi e Cláudio Hutz, publicado neste mesmo número.
3Ver artigo de Ricardo Primi e Cláudio Hutz, publicado neste número, com informações mais detalhadas sobre cada nível e que questões implicam maior probabilidade de acertar.