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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.11 no.2 Itatiba abr./jun. 2012

 

 

Evidências de validade do raven MPA pela sua relação com a prova de raciocínio abstrato

 

Validity evidences of raven apm by its relationship with abstract reasoning test

 

Evidencia de validez del raven mpa por su relación con la prueba de razonamiento abstracto

 

 

Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes1,I; Alexander Reinhard Rudolf Manfroi MelzerI; Gabrielli Tochetto RodriguesI; Luciane GuissoI; Micheli SotiliI; Cassandra Melo OliveiraI; Maiana Farias Oliveira NunesII; Cássia RoettgersI

IUniversidade Federal de Santa Catarina
IIFaculdade Avantis

 

 


RESUMO

A inteligência é um fenômeno que desperta o interesse de pesquisadores desde o início da Psicologia como disciplina científica. Um dos instrumentos muito utilizados internacionalmente para avaliação desse construto são as Matrizes Progressivas Avançadas de Raven (Raven MPA). Este artigo teve como objetivo analisar a validade do Raven MPA por meio da sua relação com a prova de Raciocínio Abstrato da Bateria de Provas de Raciocínio. A coleta de dados foi realizada com 162 estudantes de uma universidade pública do sul do país, com idade média de 23,4 anos, na maioria mulheres (64,2%). Os dados de ambos os testes foram analisados por meio do modelo de Rasch e foi estimada a correlação entre eles. Observou-se uma correlação significativa moderada, sugerindo evidências de validade favoráveis para o Raven MPA. Os dados foram discutidos no que se refere a propriedades psicométricas desses instrumentos e quanto ao grau de associação observado.

Palavras-chave:inteligência; psicometria; medidas de inteligência; raciocínio abstrato.


ABSTRACT

Intelligence has received great attention from psychologist researchers since the begging of Psychology as a scientific field. Raven Advanced Progressive Matrix is an intelligence test widely used over the world (Raven APM). This paper aimed at verifying validity evidences from Raven APM with Abstract Reasoning Test from Bateria de Provas de Raciocínio. Data collection was conducted with 162 university students from a public university in the south of Brazil, mean aged 23.4 years old, mostly women. Both tests were analyzed with Rasch model and their association was verified through their correlation index. There was a moderate significant correlation, suggesting good validity evidences for Raven APM. Results were discussed considering some psychometric properties of the tests and the association level that was observed.

Keywords:intelligence; psychometrics; intelligence measures, abstract reasoning.


RESUMEN

La inteligencia es un fenómeno que despierta el interés de los investigadores desde el inicio de la psicología como disciplina científica. Una de las herramientas utilizadas a nivel internacional para evaluar este constructo son las Matrices Progresivas Avanzadas de Raven (MPA de Raven). En este artículo se pretende analizar su validez a través de su relación con la prueba de razonamiento abstracto de la Batería de Pruebas de Razonamiento-BPR-5. La recolección de datos se llevó a cabo con 162 estudiantes en una universidad pública, con una edad media de 23,4 años, en su mayoría mujeres (64,2%). Los datos de ambas pruebas se analizaron por medio de Rasch y se estimó la correlación entre ellos. Hubo una correlación moderada, lo que sugiere la evidencia favorable a la validez de la MPA Raven. Los datos se analizaron con respecto a las propiedades psicométricas de esos instrumentos y el grado de asociación observada.

Palabras-clave:inteligencia; psicometría; medidas de inteligencia; razonamiento abstracto.


 

 

A avaliação da inteligência representa um tema central no âmbito da psicologia e a quantidade de publicações nacionais e estrangeiras sobre o assunto é substancial (Joly, Silva, Nunes & Souza, 2007; Noronha & Nunes, 2008; Primi, 2003). Sob a perspectiva da Psicometria, a inteligência foi inicialmente estudada considerando um fator geral amplo e, posteriormente, fatores específicos. Gradualmente, modelos hierárquicos começaram a ser aceitos para a explicação da inteligência, conciliando assim a noção de um fator geral com a de fatores específicos (Primi, 2002).

Dentre os estudos clássicos sobre a inteligência, destacam-se os propostos por Spearman (1927). Esse autor retrata que a atividade intelectual é guiada por um fator geral (g) que seria comum à atividade mental e relacionada à constituição fisiológica (Noronha, Sisto & Santos, 2005). O autor defendia que o fator g poderia ser explicado a partir de três processos básicos. O primeiro envolve a apreensão da própria experiência e está relacionado com a rapidez e nível de precisão do sistema perceptual dos indivíduos, assim como à capacidade de autopercepção das atividades mentais. O segundo processo foi referido como edução de relações e indica o quanto uma pessoa é capaz de identificar relações entre duas ou mais ideias, incluindo-as em uma classe mais abrangente. O terceiro processo foi referido como edução de correlatos, que indica o quanto os indivíduos conseguem, tendo em sua mente uma ideia e uma relação, incorporar outra ideia correlata. De acordo com Spearman (1927), tais processos ocorrem em qualquer atividade mental, independentemente do conteúdo em questão.

Thurstone (1936), utilizando-se de análises fatoriais, desenvolveu um modelo da inteligência humana bastante diferenciado do proposto por Spearman. Thurstone defendia que a inteligência humana seria mais bem explicada a partir de sete fatores que representavam capacidades mentais primárias. Dentre esses fatores, destaca-se neste artigo o raciocínio indutivo, a visualização espacial e a rapidez perceptiva, capacidades estas relacionadas aos testes e abordadas na presente pesquisa.

Os estudos de Cattell (1940) sobre a inteligência indicaram que ela pode ser explicada por dois fatores amplos, chamados inteligência fluida (Gf) e inteligência cristalizada (Gc). A inteligência fluida corresponde à capacidade para raciocinar em situações novas ou inesperadas e a inteligência cristalizada está relacionada à profundidade e quantidade de conhecimentos e experiências adquiridos (Schelini, 2000). Horn (1991), a partir dos estudos de Cattell, aprimorou essa teoria e acrescentou às referidas classificações outras seis capacidades cognitivas.

Por sua vez, Carrol (1993) realizou estudos meta-analíticos para verificar como poderiam ser mais bem organizados os resultados de estudos envolvendo a temática, sob perspectivas diferentes com dados coletados com instrumentos variados para a mensuração da inteligência. Ele propôs uma hierarquia dos componentes da inteligência em três camadas ou estratos, a saber, camadas específicas, amplas e uma geral. Essa última representa o que muitos estudos denominam fator g de inteligência, que representa uma associação geral entre todas as habilidades cognitivas.

Os estudos psicométricos mais recentes apresentam a integração entre os modelos de Cattell e Horn (teoria da inteligência fluida e cristalizada) e o modelo de Carrol (teoria dos três estratos), denominada Teoria Psicométrica das Habilidades Cognitivas de Cattell-Horn-Carrol (CHC) (Primi, 2003). Assim, o modelo CHC propõe a existência de um fator geral de inteligência, seguido por 10 fatores amplos e por 70 fatores específicos (três camadas ou níveis de análise), permitindo a avaliação da inteligência em diferentes níveis. Vale salientar que esse modelo tem sido amplamente pesquisado e há propostas de modificações em sua estrutura no que tange à primeira e segunda camadas.

Apesar de o modelo CHC ser considerado atualmente como a melhor proposta integradora para a explicação da inteligência humana, muitos testes derivados de outros modelos teóricos, reconhecidos pela comunidade científica e por seus usuários, continuam sendo usados. Em muitos casos, os testes que possuem outro referencial teórico indicam como tais construtos relacionam-se com os propostos pelo CHC. Essa associação tem permitido que instrumentos originalmente construídos sob diferentes perspectivas teóricas sejam relacionados com o CHC a partir de uma perspectiva compreensiva. Tal estratégia tem sido usada por muitos autores para desenvolver pesquisas com o objetivo analisar evidências de validade de instrumentos para a avaliação da inteligência, principalmente a partir dos métodos de validade convergente e pela análise de variáveis relacionadas (American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999).

De acordo com os Standards (American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999), para que se possa avaliar o grau com que as evidências coletadas corroboram a interpretação feita a partir dos resultados obtidos em um teste, é necessário que se verifique a validade do mesmo. Assim, no processo de validação de um determinado teste, as hipóteses teóricas sobre o fenômeno psicológico em questão são verificadas, buscando-se evidências empíricas de validade. Tais evidências acumuladas apoiam a sua interpretação e seu uso, pois se procuram as qualidades do teste diante do que ele pretende medir, observando-se o grau em que a análise e comparação de seus elementos contribuem para que seja afirmada a sua validade. Ou seja, não se trata de o teste ser válido ou não, mas de verificar se as evidências empíricas coletadas são suficientes para comprovar a validade do instrumento diante de seus objetivos e das inferências feitas por meio dos resultados obtidos no teste (American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999; Urbina, 2007).

Uma das formas de se obter evidências de validade para um teste é considerando as Relações com Outras Variáveis ou Evidências de Validade Baseadas nas Relações com Variáveis Externas, que se referem à verificação empírica da associação ou falta de associação entre os escores do teste a ser avaliado com outras variáveis que medem o mesmo construto, construtos relacionados ou construtos diferentes (Alves, Souza & Baptista, 2011; American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999; Primi, Muniz & Nunes, 2009; Urbina, 2007). Nessa categoria de evidências de validade, pode-se relacionar um teste com outro que mensura um construto que possui relações lógicas ou teóricas com o mesmo. O método mais utilizado para tal intento diz respeito aos estudos correlacionais, entretanto, pode-se utilizar a análise fatorial, modelagem de equações estruturais ou outros. Nesse caso, espera-se que as correlações encontradas sejam moderadas, com magnitudes variando entre 0,20 a 0,50 (Alves e cols., 2011; American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999; Primi e cols., 2009).

Entre os testes para avaliação da inteligência mais utilizados internacionalmente, destaca-se as Matrizes Progressivas Avançadas de Raven- MPA (Raven, Raven & Court, 1998) que se encontra em processo de pesquisa de validação no Brasil. O Raven MPA avalia habilidades de raciocínio que envolvem a observação holística de situações problema, clareza e precisão de pensamento, capacidade de auto avaliação das tentativas de resposta aos problemas e capacidade e eficiência intelectual para resolver adequadamente problemas com limite de tempo. Assim, busca-se a avaliação de um fator geral de inteligência, conforme proposto por Spearman, considerando as habilidades de apreender fatos a partir da própria experiência, de eduzir relações e correlatos, conforme já mencionado anteriormente. Trata-se de um instrumento que foi construído para avaliar pessoas com capacidade intelectual superior à média.

Uma das formas possíveis de buscar evidências de validade para esse instrumento é por meio da sua relação com outros testes para a avaliação da inteligência que já possuem evidência de validade no Brasil. Com esse intuito, primeiramente analisaramse quais os testes para a avaliação da inteligência estão disponíveis para uso profissional do psicólogo (ou seja, que possuem parecer favorável do Conselho Federal de Psicologia). Constatou-se que existem, atualmente, 17 testes aprovados para esse fim (Conselho Federal de Psicologia - CFP, 2011). Dentre eles, 13 podem ser utilizados com o público adulto, sendo alguns deles com foco na avaliação do fator geral de inteligência, e outros voltados para avaliação de fatores específicos. Dentre os testes aprovados pelo CFP, há a Bateria de Provas de Raciocínio-BPR-5, que possui várias evidências de validade favoráveis para uso no Brasil (Baumgartl, 2004; Baumgartl & Nascimento, 2004; Primi & Almeida, 2000; Primi e cols., 2002; Côbero, Primi & Muniz, 2006; Godoy, Noronha, Ambiel & Nunes, 2008; Noronha, Barros & Nunes, 2009; Nunes & Noronha, 2009) e, por este motivo, mostrou-se um instrumento interessante para comparação com os resultados obtidos por meio do Raven-MPA. Este artigo teve como objetivo a verificação das evidências de validade das Matrizes Progressivas Avançadas de Raven por meio da sua relação com a prova de Raciocínio Abstrato (RA) da BPR-5 (Primi & Almeida, 2000). Partiu-se do pressuposto que se trata de construtos relacionados, e não que são o mesmo construto, pois, apesar de ambos os testes buscarem mensurar componentes da inteligência, a prova RA da BPR-5 avalia primordialmente inteligência fluida (Gf), enquanto o Raven MPA propõem-se a medir a inteligência geral (fator g), sendo assim uma medida mais ampla.

 

Método

Amostra

A coleta de dados foi realizada com 162 estudantes de uma universidade pública, localizada em Santa Catarina. Foi solicitado aos participantes que respondessem as Matrizes Avançadas de Raven e ao teste de Raciocínio Abstrato (RA) da BPR-5. A aplicação foi realizada coletivamente, em sala de aula, em uma ou duas sessões, de acordo com a escolha feita pelos professores. Foram identificados 113 participantes que responderam o Raven MPA e a prova RA e que foram considerados para o cálculo da correlação entre estes testes. Ao considerar os protocolos válidos isoladamente para o Raven MPA, foram identificados 151 sujeitos e exclusivamente para a prova RA, 126.

A idade média da amostra foi de 23,4 anos (DP=7,42), 64,2% eram mulheres (n=104) e os participantes eram oriundos de seis cursos diferentes, sendo que os mais frequentes foram Psicologia (70%), Educação Física (13,8%) e Engenharia (14,4%). Na amostra, houve apenas um participante para os cursos de Administração, Arqueologia e Ciências Sociais.

Instrumentos

Matrizes Progressivas Avançadas de Raven

O teste Matrizes Progressivas Avançadas de Raven foi construído com o objetivo de avaliar raciocínio indutivo, capacidade de edução de relações e correlatos, sendo uma medida do fator geral de inteligência. O instrumento é composto por duas seções, sendo que a primeira é composta por 12 itens, que são um treinamento para a tarefa que os sujeitos se depararão no segundo caderno. Os itens são apresentados no formato de múltipla escolha. Geralmente, os resultados dessa primeira seção não são considerados na avaliação final com o uso do Raven MPA, procedimento este adotado na presente pesquisa.

A segunda seção é composta por 36 itens, que seguem o mesmo formato do primeiro caderno, e que são utilizados para a avaliação do nível intelectual dos testandos. Para cada item, são apresentadas oito opções de resposta, dentre as quais sete são distratores e apenas uma é considerada a resposta correta. Essa seção tem o limite de tempo para resposta de 40 minutos.

A elaboração de tal teste teve como embasamento três teorias principais: teoria dos dois fatores de Spearman, teoria da Gestalt e teoria do desenvolvimento cognitivo. As Matrizes Progressivas de Raven foram construídas para avaliar de maneira simples esses componentes (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999).

Os itens das Matrizes de Raven são unicamente de caráter gráfico (itens não-verbais), para minimizar influências culturais e de treinamento, utilizando princípios da teoria da Gestalt (Pasquali, Wechsler & Bensusan, 2002). Tais itens consistem de figuras geométricas bi-dimensionais, denominadas matrizes, apresentadas em um modelo 3x3 com a última figura em branco. O objetivo do testando é encontrar dentre oito opções propostas a que se encaixa no espaço em branco seguindo o raciocínio da coluna e da linha.

Prova de Raciocínio Abstrato da Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5)

A Bateria de Provas de Raciocínio foi elaborada por Primi e Almeida (2000) e é composta por cinco subtestes (Provas de Raciocínio Abstrato, Verbal, Espacial, Numérico e Mecânico) e está organizada nas Formas A e B. A Forma A abrange os estudantes de 6ª a 8ª série do ensino fundamental e a Forma B se aplica aos alunos da 1ª a 3ª série do ensino médio.

A Prova de Raciocínio Abstrato (RA) é composta por 25 itens de conteúdo abstrato, os quais envolvem analogia com figuras geométricas. A relação entre os dois primeiros termos apresentados no problema deve ser descoberta para ser aplicada ao terceiro termo e permitir então a identificação da quarta figura. Cinco são as alternativas de resposta e o tempo limite para a conclusão do subteste é de 12 minutos. A habilidade específica avaliada por essa prova é a capacidade de estabelecer relações abstratas em situações novas para as quais o conhecimento aprendido previamente é insuficiente. Primi e Almeida (2000) indicam que, de acordo com a terminologia usada no modelo CHC, o subteste RA associa-se à inteligência fluida (Gf), definida como a "capacidade de raciocinar em situações novas, criar conceitos e compreender implicações" (p. 14).

Procedimentos

O projeto de pesquisa que originou este trabalho foi submetido e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa e está cadastrado no SISNEP com registro CAAE - 0171.0.142.000-07. Os participantes foram testados coletivamente, em sala de aula, por alunos de graduação e do mestrado em Psicologia de uma Universidade pública. Os objetivos da pesquisa foram apresentados e foi explicado que o sigilo dos resultados e o anonimato dos participantes seriam mantidos. A participação no estudo foi voluntária e não houve nenhum pagamento ou outras formas de indução para os participantes.

Foi solicitada aos participantes deste estudo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, obedecendo às regras de conduta ética na pesquisa com seres humanos. Todas as medidas necessárias para assegurar o sigilo e a confidencialidade dos dados foram tomadas.

A aplicação dos instrumentos foi realizada de acordo com as instruções indicadas em seus manuais. Primeiramente, aplicou-se o Raven MPA e, posteriormente, a prova RA da BPR-5. Não foi aplicado o primeiro caderno do Raven para treinamento, mas apenas foram apresentados dois itens deste caderno como exemplo e depois se seguiu com a aplicação do segundo caderno. Optou-se por não aplicar o primeiro caderno do Raven MPA em função do, já previsto, longo tempo de aplicação e pela possível fadiga dos participantes. Assim, o segundo caderno do Raven MPA teve um tempo limite de aplicação de 40 minutos e a prova de Raciocínio Abstrato da BPR-5 foi aplicada em 12 minutos.

 

Resultados

Os escores brutos do Raven MPA e da Prova de Raciocínio Abstrato foram calculados de acordo com as instruções de seus manuais. Os resultados desses testes representam, portanto, o número de itens respondidos corretamente dentro do tempo limite para a sua realização. Na sequência, foi feita uma análise baseada na Teoria de Resposta ao Item, na qual foi usado o software Winsteps (Linacre & Wright, 1991), que foi desenvolvido para a realização de análises a partir do Modelo de Rasch. Com esse programa, além da verificação das propriedades psicométricas dos itens do Raven MPA e da prova de Raciocínio Abstrato, foram estimados os índices de infit e outfit dos participantes. Esses parâmetros indicam a ocorrência de padrões inesperados nas respostas observadas e podem ser utilizados como indicadores de consistência das respostas das pessoas ou como parâmetros dos itens.

Primeiramente, serão discutidas as propriedades psicométricas dos testes e depois apresentada a correlação entre eles. A Tabela 1 apresenta algumas propriedades psicométricas do Raven Avançado e da prova de Raciocínio Abstrato, estimadas com o uso do Winsteps.

 

 

É possível verificar que a média da dificuldade dos itens do caderno II do Raven MPA é menor do que a da prova de Raciocínio Abstrato. No entanto, também é possível observar que o desvio padrão do primeiro teste é maior, bem como a amplitude da dificuldade de seus itens. O último item do Raven MPA apresenta um nível de dificuldade extremamente elevado, considerando-se que tipicamente esse parâmetro varia de -3 a +3 (Embretson & Reise, 2000). Em contrapartida, o item mais difícil da prova de Raciocínio Abstrato, o item 23, apresentou um nível de dificuldade de 2,82. Apesar dessa diferença, há muitos itens dos dois testes com níveis de dificuldade semelhante e entende-se, portanto, que tal elemento não deve alterar o padrão de correlação entre seus resultados.

É possível verificar também que a precisão de ambos os testes, calculada pelo coeficiente Kuder- -Richardson, foi bastante elevada para a amostra estudada (em ambos os casos, acima de 0,90). Tal resultado indica que uma pequena parcela da variância de seus resultados está comprometida com erro de medida, o que sugere um bom grau de confiança para as estimativas de inteligência derivadas dos escores dos testes.

Na sequência, analisou-se mais detalhadamente a dificuldade dos itens dos dois testes estudados. Para tanto, foi feita uma análise conjunta considerando-se os 36 itens do Raven MPA e os 25 de Raciocínio Abstrato. Em seguida, foi construído um mapa dos itens, que é uma representação gráfica que compara a distribuição dos respondentes em termos de sua habilidade e a posição dos itens, de acordo com sua dificuldade. Como no modelo de Rasch a dificuldade dos itens e a habilidade dos testandos são estimadas na mesma escala, tal comparação é possível e é útil para verificar se os itens cobrem adequadamente a amplitude da habilidade das pessoas avaliadas (Linacre & Wright, 1991). A Figura 1 apresenta o mapa de itens gerado. Nessa figura, os itens estão representados à direita do eixo vertical. Os da prova de Raciocínio Abstrato são identificados pelas iniciais RA seguidas pelo número do item e os itens do segundo caderno do Raven MPA estão representados pelas iniciais II e o seu número.

 

 

É possível verificar, pela observação do mapa de itens, que a distribuição da dificuldade dos itens do Raven MPA é mais ampla, tendo este teste mais itens em níveis extremos de dificuldade. Em contrapartida, observa-se que, na região de 0 a 0,75, há apenas itens da prova de Raciocínio Abstrato, sendo que nessa região de habilidade há uma grande quantidade dos participantes da amostra. No entanto, observa-se que há uma grande sobreposição no nível de dificuldade dos itens dos dois testes, de tal forma que se entende que a correlação entre eles não será afetada pela diferença do parâmetro de dificuldade deles. Vale lembrar que, quando são correlacionados testes cujos itens apresentam grande diferença de dificuldade, a sua variância pode ficar reduzida, sendo assim reduzida tal correlação. Em um caso extremo, pode ocorrer, por exemplo, efeito teto em um dos testes e efeito solo em outro, em uma mesma amostra.

Com o objetivo de verificar a hipótese de influência de variáveis situacionais (por exemplo, fadiga em função do tempo de coleta de dados e complexidade dos problemas resolvidos) na forma de resolução dos testes, foi estimado, conforme sugerem Linacre e Wright (1991), o índice de outfit dos respondentes. Esse índice é considerado adequado quando apresenta valores abaixo de 2,0. Índices acima desse valor indicam que há um padrão de respostas inesperado para o indivíduo, no qual ele acerta itens cuja dificuldade é muito superior à sua habilidade estimada ou em que erra itens cuja probabilidade de acerto seja muito alta (Wright & Stone, 2004). O infit tem uma lógica semelhante, mas as comparações são feitas com itens cuja dificuldade seja mais próxima ao nível de habilidade estimado para o respondente. De acordo com Linacre e Wright (1991), autores do programa Winsteps, um índice elevado de infit em um item indica que ele foi respondido de forma inesperada pelas pessoas para as quais foi construído, o que desafia a sua validade. Seguindo as indicações desses autores, foram identificados os respondentes cujos infit e ou outfit eram acima do recomendado no Raven MPA ou para a prova de Raciocínio Abstrato. Ao todo, foram identificados 14 participantes nessa condição.

Foi calculada, então, a correlação entre o Raven MPA e a prova de Raciocínio Abstrato, desconsiderando- se os participantes com misfit com nível acima do indicado na literatura científica. A correlação verificada com os 99 participantes selecionados foi moderada (r=0,48; p<0,001), seguindo a expectativa inicial deste estudo e de acordo com o esperado para estudos para a busca de evidências de validade por construto relacionado (American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999).

 

Discussão

Atualmente, os testes de inteligência têm sido amplamente utilizados na avaliação psicológica para uma grande variedade de objetivos e contextos. As principais aplicações estão nas áreas ocupacional, na seleção de pessoas e orientação profissional e de carreira; educacional, para a avaliação e acompanhamento de crianças com problemas de aprendizagem, com deficiência intelectual ou superdotadas; clínica, para realização de diagnósticos; na área judiciária e outros (Alves, 1998). Desse modo, estudar as propriedades psicométricas de testes de inteligência e verificar suas evidências de validade tornam-se objetivos importantes para o desenvolvimento da área de avaliação psicológica, tanto no aspecto da prática profissional como no científico.

O objetivo deste estudo foi verificar evidências de validade do Raven MPA por construtos relacionados (American Educational Research Association, American Psychological Association, National, Council on Measurement in Education, 1999). Para tanto, o segundo caderno desse teste foi aplicado juntamente com a prova de Raciocínio Abstrato da Bateria de Provas de Raciocínio (Primi & Almeida, 2000). A base para supor a relação entre esses dois testes foram as informações apresentadas pelos seus autores, que indicam que os construtos avaliados por tais testes apresentam alta saturação no fator geral de inteligência (Primi & Almeida, 2000). Considerando-se as formulações atuais do modelo CHC, pressupõe-se, então, uma correlação moderada entre os resultados obtidos por esses testes, uma vez que apresentam uma parcela de sua variância relacionada à inteligência fluida, proposta por Cattel (1940) e definida como a capacidade de o indivíduo buscar soluções a problemas novos, os quais informações previamente aprendidas não facilitam a sua resolução. Em pesquisas subsequentes, o autor verificou que a inteligência fluida relaciona-se principalmente com testes que requerem adaptação a novas situações (Cattell, 1963), o que pode ser encontrado em ambos os testes utilizados neste estudo. O resultado observado nesta pesquisa corrobora a hipótese de associação moderada entre os testes, sugerindo evidências de validade favoráveis para o Raven MPA.

Sobre os resultados gerais do estudo, observou- se um nível de precisão excelente para ambas as medidas, e uma distribuição abrangente dos itens quanto ao nível de dificuldade em ambos os instrumentos. Com a amostra investigada, os itens dos testes foram suficientes para avaliar toda a amplitude de distribuição da habilidade das pessoas. No entanto, um resultado não esperado é que a média de dificuldade dos itens do Raven MPA foi menor que a dos itens da prova RA da BPR-5. Esse resultado não era esperado ao se considerar a definição teórica do autor do Raven MPA (Raven e cols., 1998), uma vez que, originalmente, este instrumento havia sido construído para avaliar pessoas com um nível de inteligência superior à média e a BPR-5, para a população geral. Assim, tanto é possível que o Raven MPA não seja uma medida que objetive avaliar exclusivamente pessoas com nível alto de inteligência, como também é possível que a prova RA da BPR-5 não seja adequada para a população geral, mas sim para uma faixa da população com inteligência média-superior ou alta. Outros estudos deverão ser realizados futuramente a fim de investigar essa questão.

Entre os limites do estudo, pode-se mencionar o fato de a amostra ter sido principalmente composta por alunos do curso de Psicologia, o que pode ter criado uma situação de vantagem para os mesmos no sentido de obterem um resultado elevado nas provas, uma vez que é comum participarem de pesquisas em avaliação psicológica, o que pode ter exercido um efeito de treino prévio não controlado. Desse modo, destaca-se a importância de realizar uma coleta de dados com uma amostra mais ampla e diversificada e ainda um melhor controle sobre a disposição das pessoas nas aplicações. A esse respeito, poderiam ser incluídas questões sobre o nível de cansaço dos participantes e também sobre a rotina acadêmica na semana e dia da coleta de dados, tais como o preparo e realização de provas ou a participação em aulas com conteúdo complexo.

 

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Recebido em junho de 2011
Reformulado em abril de 2012
Aceito em maio de 2012

 

 

Sobre os autores:

Carlos Henrique Sancineto da Silva Nunes: Psicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Santa Catarina.
Alexander Reinhard Rudolf Manfroi Melzer: Graduando do curso de Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Gabrielli Tochetto Rodrigues: Graduando do curso de Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Luciane Guisso: Graduanda do curso de Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Micheli Sotili: Graduanda do curso de Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Cassandra Melo Oliveira: Mestranda do curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista CAPES.
Maiana Farias Oliveira Nunes: Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco. Pós-doutoranda da UFRGS. Professora do curso de Psicologia da Faculdade Avantis.
Cássia Roettgers: Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista de Iniciação Tecnológica no Laboratório de Pesquisa em Avaliação Psicológica (LPAP/UFSC). É também graduanda do curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina.


1Endereço para correspondência:
Av. Marginal Leste, n 3600, Km 132. Bairro dos Estados – Balneário Camboriu, Santa Catarina – SC – Brasil. CEP 88339-125