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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.12 no.2 Itatiba ago. 2013

 

 

Tradução, adaptação e evidências de validade para a medida de Conflito trabalho-família

 

Translation, adaptation and validity evidence for the measure of Work-Family Conflict

 

Traducción, adaptación y evidencias de validez para la medida de Confl icto trabajo-familia

 

 

Carolina Villa Nova Aguiar1, Antonio Virgilio Bittencourt Bastos

Universidade Federal da Bahia

 

 


RESUMO

O Conflito trabalho-família é definido como uma forma de conflito entre papéis no qual as pressões advindas do trabalho e família são mutuamente incompatíveis. Este trabalho teve como objetivo validar para o Brasil uma medida do construto, contemplando as dimensões Interferência do Trabalho na Família e Interferência da Família no Trabalho. Participaram 994 trabalhadores, havendo discreta predominância de mulheres (59,1%), solteiros (51,5%) e jovens (77,3% com idades entre 19 e 35 anos). Foram realizadas análises fatoriais exploratória e confirmatória (modelagem de equações estruturais). A etapa exploratória sugeriu estrutura bifatorial e, com base nesses resultados, um modelo de mensuração foi especificado para a análise fatorial confirmatória. Os índices de ajuste ficaram próximos aos satisfatórios, mas apontaram que algumas modificações permitiriam uma melhor aderência dos dados. Foi, portanto, inserido um parâmetro entre os erros de dois itens, o que tornou os índices satisfatórios. Conclui-se que a medida apresentou boas propriedades psicométricas.

Palavras-chave: conflito trabalho-família; interferência do trabalho na família; interferência da família no trabalho.


ABSTRACT

Work-Family Conflict has been defined as a type of conflict between different roles, in which the pressures come from the occupational and family spheres seem irreconcilable. This study validates to Brazilian reality a measure of this concept, including the dimensions Work to Family Interference and Family to Work Interference. The sample had 994 workers, with predominance of: women (59,1%), singles (51,5%) and young people (77,3% are between 19 and 35 years old). For analyses, exploratory and confirmatory factorials were conducted. The first stage suggested a bifactorial measure and, based on these results, a measurement model was specified for the confirmatory analysis. The model fit index was near the target, but indicated that chances in the model would allow a better adherence of the data. Therefore, one path was inserted between the errors of two items and, then, the indices have become satisfactory. In conclusion, the measure presented good psychometric.

Keywords: work-family conflict; interference from work in family; interference from family on work.


RESUMEN

El conflicto trabajo-familia se define como una forma de conflicto entre papeles en el que las presiones advenidas del trabajo y de la familia son incompatibles entre sí. Este trabajo tuvo como objetivo validar para el Brasil una medida del constructo, teniendo en cuenta las dimensiones Interferencia del Trabajo en la Familia e Interferencia da Familia en al Trabajo. Participaron 994 trabajadores, con un ligero predominio de mujeres (59,1%), solteros (51,5%) y jóvenes (77,3% con edades entre 19 y 35 años). Fueron realizadas análisis factoriales exploratorio y confirmatorio (modelos de ecuaciones estructurales). La etapa exploratoria sugirió estructura bifactorial y, en base de esos resultados, un modelo de medición fue especificado para el análisis factorial confirmatorio. Los índices de ajuste estaban cerca de los satisfactorios, pero señalaron que algunas modificaciones permitieron una mejor adherencia de los datos. Fue, por lo tanto, insertado un parámetro entre los errores de dos ítems, lo que hizo los índices satisfactorios. Se concluye que la medida presentó buenas propiedades psicométricas.

Palabras-clave: conflicto trabajo-familia; interferencia del trabajo en la familia; interferencia de la familia en el trabajo.


 

 

Por algum tempo, foi comum se considerar trabalho e família como dois domínios independentes da vida. No entanto, essa postura - denominada “mito dos mundos separados” - foi modificada por meio do desenvolvimento de estudos que demonstraram que essas duas esferas da vida estabelecem relações bastante estreitas e dinâmicas, fazendo com que questões relacionadas ao trabalho afetem a família e vice-versa. Uma vez identificada a existência dessa interdependência entre trabalho e família, o desafio se volta para a busca de equilíbrio entre os dois domínios. Sabe-se, no entanto, que não se trata de tarefa simples, na medida em que as demandas das duas esferas nem sempre são facilmente conciliáveis (Clark, 2000; Eby, Maher, & Butts, 2010; Edwards & Rothbard, 2000; Namasivayam & Zhao, 2007).

Diante desse desafio, muitos pesquisadores passaram a se dedicar à investigação das interações entre trabalho e família, sendo sua compreensão considerada importante para as famílias, as organizações e a sociedade como um todo (Edwards & Rothbard, 2000). Goldani (2002) atribui esse crescente interesse ao declínio do modelo familiar tradicional, no qual o homem assumia o papel de provedor e a mulher de cuidadora, que deu lugar a modelos familiares mais flexíveis, nos quais as responsabilidades ocupacionais e familiares não estão mais tão claramente delimitadas pelo gênero. Além de configurar a atual realidade da maioria das sociedades, Barnett (2008) sugere, com base em tendências demográficas e atitudinais, que esses tipos de arranjos familiares continuarão sendo dominantes. Entre as tendências que baseiam a autora estão o declínio das taxas de fertilidade, o aumento da expectativa de vida, o crescimento contínuo de mulheres estudantes em todos os níveis educacionais, além do desenvolvimento de atitudes cada vez mais igualitárias e a crescente necessidade do salário dos dois cônjuges para a manutenção de um bom padrão de vida para a família.

De um modo geral, pode-se considerar a existência de dois resultados possíveis dessa interação: de um lado, o envolvimento em um domínio pode ser capaz de influenciar positivamente o desempenho em um segundo domínio; por outro lado, tem-se que o engajamento em um papel pode ser responsável por prejuízos no desempenho de outro papel em esfera da vida distinta. No primeiro caso, diz-se que ocorre a facilitação trabalhofamília, enquanto no último considera-se que acontece o conflito trabalho-família (Frone, 2003). Embora a relevância do estudo da facilitação entre o trabalho e a família seja reconhecida, a visão dominante da interface entre estes dois domínios ainda é negativa (Carlson & Grzywacz, 2008). De acordo com Greenhaus e Beutell (1985), essa ênfase ocorre devido ao fato de a família e de o trabalho ainda possuírem regras e exigências bastante distintas.

O conflito trabalho-família foi definido por Greenhaus e Beutell (1985) como uma forma de conflito entre papéis no qual as pressões advindas do trabalho e da família são, de alguma forma, mutuamente incompatíveis. Nesse mesmo trabalho, os autores realizaram uma revisão de literatura de estudos empíricos sobre o tema e, com base na síntese produzida, elaboraram um modelo explicativo para o fenômeno que se tornou hegemônico e continua a ser utilizado como base teórica em trabalhos atuais.

De acordo com o modelo, o conflito trabalho-família deve ser compreendido como um fenômeno complexo constituído por duas características principais: a bidirecionalidade e a multidimensionalidade. A primeira característica deriva da concepção de que, da mesma forma que o trabalho pode prejudicar a família, a família também pode dificultar o cumprimento das tarefas de trabalho. Netemeyer, Boles e McMurrian (1996) propuseram que a interferência do trabalho na família consiste em um tipo de conflito entre papéis no qual as demandas de trabalho, além do tempo dedicado a ele e da tensão gerada por ele, interferem no desempenho das responsabilidades familiares. Na direção oposta, a interferência da família no trabalho se refere a um tipo de conflito entre papéis no qual as demandas da família, além do tempo dedicado a ela e da tensão gerada por ela, interferem no desempenho das responsabilidades ocupacionais.

A natureza multidimensional, por sua vez, se refere a três naturezas que podem estar na origem do conflito em cada uma de suas direções: tempo, tensão e comportamento. O conflito baseado no tempo parte do pressuposto de que este é um recurso finito, já que o tempo gasto em atividades de um papel geralmente não pode ser dedicado a atividades de outro papel (Greenhaus & Beutell, 1985). De acordo com McMillan, Morris e Atchley (2011), esse é o tipo de conflito mais comum e pode assumir duas formas: 1) As pressões de tempo associadas à participação em um domínio podem tornar fisicamente impossível o cumprimento das expectativas advindas do outro domínio; 2) Mesmo quando o indivíduo está fisicamente dedicado a atividades de determinado papel, as pressões existentes em outro domínio podem dificultar o cumprimento satisfatório das atividades.

Já o conflito baseado em tensão surge das evidências de que estressores ocupacionais podem produzir sintomas de tensão como ansiedade, fadiga, depressão, apatia e irritabilidade. Assim, é possível que a tensão gerada por um domínio dificulte o desempenho do papel relacionado a outro domínio, sendo qualquer característica da família ou do trabalho que produza estresse capaz de contribuir para o desenvolvimento do conflito. É importante, aqui, registrar que o excessivo envolvimento de tempo exigido por um domínio pode produzir sintomas de tensão, o que sugere uma aproximação entre os conflitos baseados no tempo e na tensão (Greenhaus & Beutell, 1985).

Por fim, o conflito baseado no comportamento emerge quando padrões comportamentais específicos de um papel são incompatíveis com as expectativas comportamentais para o desempenho de outro papel e o indivíduo, por alguma razão, sente dificuldade de adaptar o seu comportamento (Greenhaus & Beutell, 1985). Um exemplo se refere ao estereótipo associado ao homem de negócios, que enfatiza a estabilidade emocional, agressividade e objetividade. Os membros da família, no entanto, podem esperar que esse mesmo indivíduo se comporte de forma calorosa, emocional e vulnerável.

Medidas do conflito trabalho-família

Embora o caráter bidirecional e multidimensional do conflito trabalho-família tenha sido reconhecido desde o estudo teórico inicial de Greenhaus e Beutell (1985), grande parte das medidas elaboradas para mensurar o fenômeno não acompanhou esse desenvolvimento conceitual, falhando em capturar as duas direções, em contemplar as três naturezas do conflito e/ou em alcançar boa qualidade psicométrica. Essas limitações das ferramentas, por sua vez, acarretam problemas teóricos e práticos, dificultando a clara delimitação do construto e impossibilitando a comparação de resultados oriundos de diferentes pesquisas (Herst, 2003). A Figura 1 apresenta uma síntese das principais escalas até então propostas e suas principais características, possibilitando uma visão geral da trajetória de desenvolvimento do próprio construto e das formas de mensurá-lo.

 

 

Dentre as medidas apresentadas, uma que obteve bastante reconhecimento e foi amplamente utilizada em pesquisas posteriores (Eby e cols., 2010; Fields, 2002) foi a proposta por Netemeyer e cols. (1996). Esses autores trouxeram grande contribuição ao campo de estudo por meio da construção e validação de uma medida bidimensional, contemplando as dimensões de interferência do trabalho na família e de interferência da família no trabalho (χ2= 76,24; 85,47; 70,03; GFI = 0,92; 0,90; 0,93; AGFI= 0,87; 0,84; 0,88; CFI= 0,96; 0,93; 0,97).

Além de Netemeyer e cols. (1996), outros autores foram responsáveis por importantes avanços na mensuração do conflito trabalho-família. Carlson, Kacmar e Williams (2000) se destacaram pela criação de um instrumento que contempla, simultaneamente, a bidirecionalidade e a multidimensionalidade do conflito. Nesse mesmo trabalho, os autores relatam os resultados de três estudos subsequentes que verificaram a adequação de conteúdo, dimensionalidade, consistência e estabilidade fatorial da medida por eles construída, os autores publicaram uma versão final do instrumento composta por 18 itens divididos em seis dimensões: 1. interferência do trabalho na família baseado no tempo, 2. interferência do trabalho na família baseado na tensão, 3. interferência do trabalho na família baseado no comportamento, 4. interferência da família no trabalho baseado no tempo, 5. interferência da família no trabalho baseado na tensão e 6. interferência da família no trabalho baseado no comportamento.

Apesar do progresso que esse trabalho representou para o campo de estudo, o exame cuidadoso dos indicadores psicométricos possibilita a identificação de uma fragilidade no que diz respeito à validade discriminante das dimensões. A análise dos coeficientes de covariância entre as dimensões revela que duas delas foram fortes a ponto de sugerir sobreposição entre os fatores: as dimensões interferência da família no trabalho baseada no tempo e interferência da família no trabalho baseada na tensão apresentaram covariância de 0,76; e as dimensões interferência da família no trabalho baseada no comportamento e interferência do trabalho na família baseada no comportamento tiveram covariância de 0,83.

Mais recentemente, Carlson e Frone (2003) sugeriram que a separação entre interferência da família no trabalho e interferência do trabalho na família não é suficiente para explicar a complexidade do conflito trabalhofamília. Para eles, seria necessário diferenciar, ainda, entre a interferência originada internamente (psicológica) e aquela que é consequência de questões externas ao indivíduo (comportamental). O elemento externo, segundo os autores, representa interferências comportamentais entre os dois domínios que ocorrem quando surgem demandas que não podem ser controladas pelo indivíduo, a exemplo do horário de trabalho ou da necessidade de cumprimento de prazos apertados. Já o elemento psicológico representa as demandas que são geradas pelo próprio indivíduo e o impedem de ter um bom desempenho em alguma das esferas da vida, sendo um exemplo a dificuldade de parar de se preocupar com questões de trabalho mesmo quando está em casa.

A partir dessa proposta, Carlson e Frone (2003) desenvolveram uma medida com quatro fatores para mensuração do conflito trabalho-família: interferência interna do trabalho na família, interferência externa do trabalho na família, interferência interna da família no trabalho e interferência externa da família no trabalho. Embora o modelo tenha apresentado bons indicadores de ajuste numa amostra norte-americana composta por 1.933 trabalhadores (χ2 = 82,03; GFI = 0,98; CFI = 0,98; RMSEA = 0,04), esse modelo ainda carece de maior respaldo no que se refere à importância conceitual da separação entre conflito interno e externo (Carlson & Frone, 2003). Ademais, é possível se observar que as dimensões propostas não contemplam as diferentes naturezas do fenômeno presentes no modelo teórico de Greenhaus e Beutell (1985).

Nota-se, portanto, que a discussão que cerca a estrutura do conflito entre os domínios familiar e ocupacional ainda não pode ser considerada como esgotada, uma vez que novos modelos vêm sendo continuamente propostos e testados. É inquestionável, no entanto, que a medida proposta por Netemeyer e cols. (1996) tem sido a adotada em maior volume de trabalhos (Eby e cols., 2010; Fields, 2002), tendo suas propriedades psicométricas continuamente testadas e confirmadas. Tendo em vista a hegemonia e a já comprovada qualidade do modelo de Netemeyer e cols. no contexto norte-americano, optou-se, neste trabalho, por traduzir, adaptar e buscar evidências de validade para as subescalas de Interferência do Trabalho na Família e de Interferência da Família no Trabalho de Netemeyer e cols. (1996) para o contexto brasileiro.

 

Método

Participantes

A amostra contou com 994 trabalhadores brasileiros. A fim de garantir a variabilidade, foram convidados para participar do estudo pessoas com diversas características pessoais e ocupacionais. Houve uma discreta predominância de mulheres (59,1%) e de solteiros (51,5%). A partir da idade dos participantes, é possível afirmar que se trata de uma amostra jovem, com média de idade de 32 anos (DP = 9, 12), variando entre 19 e 69 anos. No que diz respeito à localização geográfica, tem-se que a maioria dos participantes se encontra no nordeste (51,2%) ou sudeste (47,8%) do país. Quanto à escolaridade, 61,5% ingressaram no ensino superior. Em relação às caraterísticas ocupacionais, 78,6% dos participantes têm jornada de trabalho diurna de 8 horas com intervalo, pouco menos da metade (48,1%) está há dois anos ou menos na empresa atual e 79% não ocupam cargo de chefia. Por fim, no que se refere às variáveis organizacionais, a maioria dos participantes se encontra em empresas privadas (83,5%) e com mais de 100 funcionários (77,2%).

Instrumento

Foram realizadas a tradução e adaptação da escala original de Netemeyer e cols. (1996) para mensuração do conflito trabalho-família, composta por duas dimensões: Interferência do trabalho na família (cinco itens) e Interferência da família no trabalho (cinco itens). Para cada item, foi solicitado ao participante que indicasse o seu grau de concordância com o conteúdo explicitado por meio de uma escala Likert de seis pontos, variando de discordo totalmente a concordo totalmente.

No estudo original de validação, o instrumento foi testado em três amostras distintas – o primeiro segmento amostral foi composto por 182 professores e coordenadores dos níveis elementar e colegial; a segunda amostra contou com 162 microempresários; por fim, 186 vendedores fizeram parte da terceira amostra – e, a partir dos resultados obtidos por meio de análise fatorial confirmatória por modelagem de equações estruturais, atestou-se a natureza bidimensional da medida, cujo modelo obteve indicadores de ajuste satisfatórios: χ2= 76,24; 85,47; 70,03; GFI = 0,92; 0,90; 0,93; AGFI= 0,87; 0,84; 0,88; CFI= 0,96; 0,93; 0,97 para as três amostras, respectivamente.

A tradução das escalas adotou o procedimento de back-translation. Ou seja, foi feita a tradução dos itens para português, seguida da tentativa de retorno à redação original por um profissional da área com fluência em língua inglesa. Para aqueles itens que não foram traduzidos novamente para o inglês com aproximação considerada satisfatória, foram conduzidos sucessivos ajustes até o cumprimento deste critério. Após a tradução, foram feitas adaptações que visaram tornar os itens mais compreensíveis para o participante, como, por exemplo, a redação em voz ativa. A Figura 2 apresenta os itens originais e suas respectivas versões em língua portuguesa.

 

 

Além dessas escalas, o instrumento contemplou questões que visaram possibilitar a caracterização pessoal, ocupacional e organizacional da amostra.

Procedimentos de Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada a partir de três procedimentos distintos: autoaplicação do instrumento em versão impressa (58,8%); autoaplicação em versão eletrônica (online) (10,5%) e aplicação em forma de entrevista (30,7%). As duas primeiras estratégias foram utilizadas para trabalhadores com maiores níveis de escolaridade. Para facilitar o acesso aos participantes, foram acionadas redes de contatos de pessoas de diferentes organizações e estados.

Em todas as estratégias de coleta de dados, os participantes foram consultados sobre a disponibilidade de participar da pesquisa prestando as informações solicitadas no questionário. Para tanto, todos aceitaram o Termo de Consentimento Esclarecido que lhes assegurava o estrito uso das informações para fins científicos e o tratamento das mesmas de forma global, sem identificar quaisquer dos participantes.

Para os trabalhadores de menor escolaridade, foi adotada a aplicação em forma de entrevista. Seguindo recomendações de Borges e Pinheiro (2002) para aplicação de escalas em trabalhadores de baixa escolaridade, esta estratégia de coleta contou com alguns recursos adicionais que visaram facilitar a compreensão das questões, como escalas coloridas e figuras ilustrativas. Ao final da coleta de dados, 97 (9,8%) dos questionários foram excluídos da amostra por se tratarem de casos omissos ou casos extremos (verificados por meio da visualização dos gráficos boxplot das principais variáveis de pesquisa).

Procedimentos de Análise

Para o estudo da validade de construto da medida, optou-se pela condução dos procedimentos de validação cruzada, que consistiu na separação do banco de dados em duas amostras aleatoriamente selecionadas de 497 casos (sendo mantidas as proporções no que se refere à forma de aplicação do instrumento) e na avaliação do comportamento dos itens nos dois grupos. Os dados foram submetidos à análise fatorial exploratória, com método de extração PAF (Principal Axis Factoring) e rotação oblíqua do tipo Direct Oblimin. Em seguida, foi calculado o coeficiente Alpha de Cronbach para cada dimensão, sendo considerados aceitáveis valores a partir de 0,70 e de alta confiabilidade os índices a partir de 0,80 (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005; Pasquali, 1999). Com base nos resultados da análise fatorial exploratória, empregou-se a modelagem de equações estruturais como técnica de análise fatorial confirmatória (método de estimação da Maximum Likelihood). Observou-se a razão do qui-quadrado com os graus de liberdade e foram calculados os índices de aderência do modelo: Comparative fit index (CFI), Goodnessof-fit index (GFI), Adjusted goodness-of-fit index (AGFI) e Parcimony Goodness of Fit Index (PGFI), que, quanto mais próximos de 1,0 representam uma melhor qualidade de ajuste do modelo (Byrne, 2001; Silva, 2006). É importante registrar que, o PGFI tende a ser consideravelmente menor do que os demais. Finalmente, calculou-se o Root mean square error of approximation (RMSEA), sendo os valores abaixo de 0,08 considerados aceitáveis.

 

Resultados e Discussão

Para conhecer as propriedades psicométricas da medida, foi realizada, inicialmente, a Análise Fatorial Exploratória com os dez itens. Como mencionado, optou- se por dividir os participantes em dois subgrupos aleatórios de 497 pessoas, de modo a permitir a validação cruzada da medida. Para a primeira amostra, o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p<0,001), com o qui-quadrado de 2573,169, o que significa que, na matriz de correlação entre os itens, há correlações significativas. O teste KMO resultou em um valor de 0,890, atestando a alta adequação da amostra aos dados de pesquisa. Na segunda amostra, esses indicadores também foram satisfatórios, com KMO de 0,878 e teste de esfericidade de Barlett significativo (p<0,001), com qui-quadrado de 2633,592. Pode-se afirmar, portanto, que a fatorabilidade de ambas as matrizes de dados foi assegurada.

Para a extração dos fatores, utilizou-se o critério da raiz latente (eingenvalues), sendo considerados os valores acima de 1 como indicativos da existência de um fator. Em congruência com o modelo teórico estabelecido a priori, esse critério indicou a existência de dois fatores significantes. A Tabela 1 apresenta os resultados nas duas amostras, sendo aqueles alcançados na segunda amostra apresentados entre parêntesis. É interessante notar que o primeiro fator se destacou como responsável por grande parte da variância explicada – 50,210% na primeira amostra e 49,902% na segunda.

 

 

O agrupamento dos itens a partir da Análise Fatorial Exploratória (método PAF, rotação oblíqua Direct Oblimin) revelou estabilidade do comportamento dos itens em relação à escala originalmente proposta por Netemeyer e cols. (1996). O primeiro fator englobou os itens de Interferência do Trabalho na Família (cinco itens) enquanto o segundo fator reuniu todos os itens propostos para mensurar a dimensão Interferência da Família no Trabalho (cinco itens). A Tabela 2 apresenta a distribuição dos itens e suas respectivas cargas fatoriais nos dois subgrupos de participantes. Nota-se que, em ambas as amostras, todos os itens carregaram em seus respectivos fatores em níveis bastante satisfatórios e, além disso, não houve nenhum caso de ambiguidade da carga fatorial, o que representa importante evidência de validade, tomando-se como base a estrutura interna da medida.

Quanto à disposição dos itens de acordo com a força de suas cargas fatoriais, observa-se que as duas amostras apresentaram diferença no que se refere ao item com maior carga fatorial e, consequentemente, aquele que seria mais representativo de cada dimensão. Na Tabela 2, os itens estão dispostos por ordem decrescente de cargas fatoriais alcançadas pela primeira amostra.

Para avaliar a consistência interna das dimensões, optou-se pelo uso do teste Alpha de Cronbach, sendo desejáveis aqueles valores entre 0,70 e 0,90 (Pasquali, 1999). Para o conjunto de itens do fator 1, obteve-se α=0,90 para a primeira amostra e α=0,91 para o segundo grupo. Para o conjunto de itens do fator 2, obteve-se α=0,86 para a primeira amostra e α=0,85 para o segundo grupo. É válido registrar que em nenhum dos fatores a retirada de qualquer item teria como consequência a melhora do índice de consistência interna da escala.

Uma vez cumprida a etapa exploratória do estudo, partiu-se para a Análise Fatorial Confirmatória por meio da modelagem de equações estruturais. Dois modelos alternativos de mensuração do conflito trabalho-família foram especificados, sendo o primeiro unidimensional e o segundo bidirecional. Tal procedimento foi adotado a fim de possibilitar a comparação dos índices de ajuste, conferindo maior segurança na escolha de um dos modelos. Seguindo recomendações de Byrne (2001), foram fixados em 1 os parâmetros das variáveis observáveis (itens) que alcançaram maiores cargas fatoriais na etapa exploratória. Aqui, é válido retomar uma questão apontada previamente: as duas amostras diferiram em relação aos itens com maior carga fatorial. Optou-se por utilizar a primeira amostra como base para a fixação dos parâmetros.

Da mesma forma como aconteceu na etapa exploratória, a análise fatorial confirmatória foi realizada com os dois subgrupos de participantes, a fim de reduzir as chances de o modelo ser super ajustado a uma única amostra. Os índices de ajuste alcançados para os modelos uni e bidirecionais, nas duas amostras, estão apresentados na Tabela 3.

 

 

Como pode ser observado, os índices de ajuste do modelo bidimensional foram mais próximos aos satisfatórios, o que possibilitou o descarte do primeiro modelo. Ainda assim, nota-se que há modificações no modelo que podem ser feitas para permitir uma melhor aderência dos dados. Diante disso, e adotando como critérios as análises dos índices de modificação sugeridos para as duas amostras e dos conteúdos dos itens, foi inserido um parâmetro entre os erros dos itens TF3 (Por causa das demandas do meu trabalho, não consigo fazer as coisas que quero fazer em casa) e TF2 (Devido à quantidade de tempo que dedico ao trabalho, tenho dificuldade em cumprir minhas responsabilidades familiares), sendo tal inserção teoricamente justificada pela proximidade dos conteúdos.

Após a alteração no modelo, o índice AGFI passou a ser superior a 0,90 e o RMSEA inferior a 0,08. Todos os demais índices de ajuste permaneceram satisfatórios, com os valores dentro dos intervalos recomendados (Byrne, 2001; Silva, 2006), atestando o bom ajuste dos dados. Cabe registrar que a discreta queda do PGFI era esperada, uma vez que a inserção de parâmetros inevitavelmente leva à redução da parcimônia do modelo. Por fim, os dois grupos foram novamente unidos e o modelo reespecificado testado na amostra geral. Na Tabela 4, estão dispostas as principais medidas de ajuste do modelo.

 

 

A Figura 3 apresenta os coeficientes de covariância e de cargas fatoriais obtidos no modelo. Diante da proximidade entre os valores das diferentes amostras, optou-se, aqui, pela apresentação apenas dos indicadores alcançados quando considerados todos os participantes juntos.

 

 

Por meio da comparação entre os índices de ajuste alcançados neste estudo e os alcançados no modelo bifatorial do estudo original de validação da medida (Netemeyer e cols., 1996), nota-se a proximidade dos indicadores de ambos. No estudo original, os autores testaram o modelo em três amostras distintas e obtiveram os índices já apresentados anteriormente. É interessante destacar que o índice AGFI alcançado no contexto norteamericano foi menos satisfatório que o obtido no presente estudo no Brasil, inclusive não alcançando a meta mínima (>0,90) estabelecida pela maior parte dos estudiosos (Byrne, 2001; Hair e cols., 2005; Silva, 2006). Em relação a isso, Netemeyer e cols. (1996) apontam a fragilidade desse indicador no que diz respeito a inconsistências derivadas de características específicas da amostra.

Adicionalmente, para testar a validade discriminante entre as duas dimensões, foram observadas as covariâncias entre Interferência do Trabalho na Família e a Interferência da Família no Trabalho, sendo encontrados valores de 0,55 e 0,53 para as amostras 1 e 2, respectivamente. Apesar de valores um pouco mais elevados que os encontrados no estudo de Netemeyer e cols. (1996) – 0,48; 0,33 e 0,42 para as três amostras trabalhadas – não há indício de sobreposição entre os fatores, o que consiste em evidência adicional do caráter bifatorial da medida.

 

Conclusões

Com base nas análises fatoriais exploratória e confirmatória, pode-se dizer que a versão em português da medida de Netemeyer e cols. (1996) de conflito trabalho-família apresentou boas propriedades psicométricas quando aplicada em trabalhadores de diferentes regiões do Brasil, revelandose um modelo parcimonioso quando testado por meio da modelagem de equações estruturais. Pode-se concluir que as principais contribuições deste estudo foram a superação da lacuna que se refere à necessidade de desenvolvimento de um instrumento bem elaborado e com sua validade adequadamente testada e divulgada para contexto brasileiro, além do oferecimento de subsídios para estudos posteriores que investiguem as possíveis relações desse construto com outras variáveis pessoais, ocupacionais e organizacionais.

Apesar do avanço que o presente estudo representa, algumas ressalvas em relação à medida podem ser levantadas. A principal delas se refere ao fato de a escala traduzida e validada não ser capaz de saturar todos os aspectos do modelo teórico adotado para a compreensão do construto, já que contempla apenas demandas gerais de cada domínio e os conflitos baseados no tempo e na tensão, deixando de lado o componente comportamental do conflito entre o trabalho e a família.

Outro aspecto que merece maior atenção futura se refere à própria estrutura do conflito. Até que ponto é possível considerar que a interferência do trabalho na família e a interferência da família no trabalho fazem parte de um mesmo construto – o conflito trabalho-família? Um importante ponto de inconsistência dessa concepção se encontra no fato de as duas direções do conflito apresentarem antecedentes e consequentes em domínios distintos. Ou seja, enquanto a interferência da família no trabalho possui preditores importantes no âmbito familiar e consequentes na esfera ocupacional, a interferência do trabalho na família é prevista por variáveis encontradas no trabalho e gera consequências no domínio familiar (Adebola, 2005 citado por Akintayo, 2010). Ademais, o surgimento recente de modelos e medidas que propõem novas dimensões do conflito trabalho-família, a exemplo do trabalho de Carlson e Frone (2003), lança luz à necessidade de estudos que revisitem os modelos até então propostos e discutam a sua melhor estrutura fatorial.

 

Referências

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Recebido em maio de 2012
Reformulado em fevereiro de 2013
Aprovado em março de 2013

 

 

Sobre os autores

Carolina Villa Nova Aguiar: é Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, com concentração em Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Antonio Virgilio Bittencourt Bastos: é Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (1994), com concentração em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Coordenador da Área de Psicologia da CAPES. Pesquisador I-A do CNPq. Professor Titular da Universidade Federal da Bahia.


1Endereço para correspondência: Rua Waldemar Falcão, 2106, apto 2402, Brotas, 40286-050, Salvador,-BA. Tel.: (71) 3334-6432 / 9112-8839. E-mail: carol.vna@gmail.com