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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.12 no.3 Itatiba Dec. 2013

 

 

Escala de cavalheirismo paternalista: estrutura fatorial e correlatos com o sexismo ambivalente

 

Paternalistic chivalry scale: factor structure and correlates with the ambivalent sexism

 

Escala de caballerosidad paternalista: estructura factorial y correlatos con el sexismo ambivalente

 

 

Alejandro Orgambídez-Ramos; Jean-Christophe Giger; Alexandra Gomes; Joana Santos1; Gabriela Gonçalves

Universidade do Algarve

 

 


RESUMO

O sexismo ambivalente expressa um desejo dos homens de cuidar das mulheres, protegê-las e adorá-las. Essas atitudes corteses e consideradas em relação às mulheres são definidas como o cavalheirismo paternalista. Este estudo pretende apresentar evidências métricas da adaptação à população portuguesa da escala de cavalheirismo paternalista por meio de análises fatoriais confirmatórias e das relações entre cavalheirismo paternalista e sexismo ambivalente. Os resultados confirmaram que o modelo de dois fatores é mais adequado do que o modelo unidimensional da escala original. No tocante à relação entre cavalheirismo paternalista e sexismo ambivalente, os participantes com elevados níveis de cavalheirismo paternalista (comportamentos cavalheirosos, intimidade heterossexual) mostraram elevados níveis de sexismo benevolente: preferem relações nas quais o homem possua o poder.

Palavras-chave: cavalheirismo paternalista; escala; análise confirmatória.


ABSTRACT

The ambivalent sexism of men expressed a desire to take care of women, protect them and worship them. These attitudes courteous and considered in relation to women are defined as paternalistic chivalry. This study aims to present evidence metrics adaptation to the Portuguese population scale paternalistic chivalry through confirmatory factor analyzes and relations between ambivalent sexism and paternalistic chivalry. The results confirmed that the two-factor model is more appropriate than the one-dimensional model of the original scale. Regarding the relationship between ambivalent sexism and paternalistic chivalry, participants with high levels of paternalistic chivalry (chivalrous behavior, heterosexual intimacy) showed high levels of benevolent sexism: prefer relationships in which the man possesses the power.

Keywords: paternalistic chivalry; scale; confirmatory scale.


RESUMEN

El sexismo benevolente expresa el deseo de los hombres de cuidar, proteger y adorar las mujeres. Esas actitudes y proceder cortés hacia las mujeres son definidos como caballerosidad paternalista. El objetivo de este estudio es presentar evidencias de validez de la adaptación a la población portuguesa de la escala de caballerosidad paternalista mediante análisis factorial confirmatoria y de las relaciones entre caballerosidad paternalista y sexismo ambivalente. Los resultados mostraron que la estructura bifactorial de la escala se ajusta mejor que la unidimensionalidad de la escala original. Respecto a la relación entre caballerosidad paternalista y sexismo ambivalente, los individuos con elevadas puntuaciones en caballerosidad paternalista (comportamiento caballeresco, intimidad heterosexual) mostraron elevados niveles de sexismo benevolente: prefieren las relaciones donde el hombre posea el poder.

Palabras-clave: caballerosidad paternalista; escala; análisis confirmatorio.


 

 

Os especialistas interessados em atuações preventivas em matéria de violência de gênero (por exemplo: professores, educadores, psicólogos) se encontram, em inúmeras ocasiões, com escassa informação e conhecimentos que guiem adequadamente a sua atividade profissional nesta área. Como resultado, determinados programas de intervenção se baseiam em informações parciais e incompletas e, por vezes, sobre dados que procedem da observação direta, assistemática e pessoal. Os fatores chave de risco no caso da violência de gênero são de natureza sociocultural e exercem a sua influência desde a transmissão de modelos diferentes de masculinidade e feminilidade entre homens e mulheres por razão de gênero (Soler, Barreto, & González, 2003). Esses modelos se concretizam na construção de identidades estereotipadas e sexistas, baseadas em crenças e atitudes de autoridade e domínio do homem, assim como na dependência e necessidade de proteção da mulher (Cuadrado, 2009). Portanto, no nosso entender, as atuações preventivas devem centrar-se nos ditos sistemas de crenças presentes em crenças, adolescentes e jovens, com a intenção de neutralizar os possíveis enviesamentos sexistas que podem ter sido internalizados.

Nesse sentido, a escala de cavalheirismo paternalista (Viki, Abrams, & Hutchinson, 2003) que se apresenta surge da necessidade de conhecer e definir os fatores de risco e proteção chave em que os futuros programas e atuações preventivas devem incidir, de forma a transformar ou a desenvolver adequadamente os sistemas de crenças pessoais implicados. Assim, o objetivo deste estudo é, tomando como referência os resultados da análise fatorial exploratória do estudo de Gonçalves, Orgambídez-Ramos, Giger, Gomes e Santos (no prelo), apresentar evidências métricas da adaptação à população portuguesa da escala de Viki e cols. (2003) por meio de análises fatoriais confirmatórias (validade fatorial) e das relações entre cavalheirismo paternalista e sexismo ambivalente (validade de critério).

Na atualidade, as investigações colocam em relevo as formas tradicionais e as novas formas de sexismo (Glick & Fiske, 1996). As novas formas de sexismo podem ser mais difíceis de erradicar, não apenas pela sua natureza sutil ou encoberta, mas também porque detêm um tom positivo que faz com que sejam aceitas pelas próprias mulheres (Expósito, Moya, & Glick, 1998; Formiga, 2011; Formiga, Gouveia, & Santos, 2002; Moya & Expósito, 2008). O melhor exemplo da coexistência das novas e velhas formas de sexismo constitui a teoria do sexismo ambivalente (Glick & Fiske, 1996; Glick & Fiske, 2001; Glick e cols., 2000), segundo a qual, na atualidade, o sexismo tem dois componentes, um benévolo e um hostil. Essas formas de sexismo surgem de três fontes de ambivalência masculina: o paternalismo, a diferenciação de gêneros e a heterossexualidade.

Segundo esses autores, o sexismo hostil faz referência ao sexismo tradicional baseado numa suposta inferioridade das mulheres como grupo. O sexismo benevolente expressa um desejo dos homens de cuidar das mulheres, protegê-las, adorá-las e "colocá-las num pedestal". É um tipo de preconceito face às mulheres baseado numa visão estereotipada e limitada da mulher, mas em tom afetivo e associado a condutas de apoio. Essas características aumentam a dificuldade de detectá-lo e, em consequência, de intervir sobre o mesmo.

Os autores desse modelo elaboraram um instrumento para medir ambas as formas de sexismo, a Ambivalent Sexism Inventory (ASI – Glick & Fiske, 1996), adaptado e validado à população portuguesa por Gonçalves, Santos, Gomes, Vieira e Vasconcelos (2008). Não obstante, esse instrumento não se adapta às necessidades dos especialistas em criar atuações preventivas que abordem o sexismo nas áreas das relações interpessoais entre homens e mulheres. Para suprir essa carência, vários investigadores têm tentado explorar a aplicação dessa dimensão no caso das relações íntimas. Nesse sentido, as atitudes, crenças e comportamentos referentes a homens e mulheres nas relações íntimas de cortejo e namoro são também "contaminados” pelos preconceitos existentes, com base no paternalismo, na diferenciação de gênero e na heterossexualidade.

A esse propósito, os resultados de alguns estudos indicam que o sexismo benevolente está relacionado com as crenças tradicionais relativas à forma como as mulheres devem se comportar em situações de cortejo (Glick, Diebold, Bailey-Werner, & Zhu, 1997). Entretanto, indivíduos com altos níveis de sexismo benevolente expressam uma forte crença na importância que as mulheres têm para a felicidade dos homens. A mulher é idealizada como uma fonte de felicidade masculina pelo que é imperativo protegê-la de outros homens.

As crenças relativas aos comportamentos de cortejo foram definidas como cavalheirismo (Nadler & Morrow, 1959; Viki e cols., 2003). Nadler e Morrow (1959) definem cavalheirismo como o comportamento protetor dos homens em relação às mulheres, consistindo em rituais ou formas de interação íntima entre homens e mulheres e na idealização da natureza pura da mulher. A partir dessa definição, Vike e cols. (2003) incluem a dimensão da heterossexualidade, baseando-se no estudo de Glick e Fiske (1996) e definem o cavalheirismo paternalista como um conjunto de crenças e atitudes caracterizadas por uma atenção exagerada para com as mulheres, mas só se elas se comportarem de acordo com uma série de papéis tradicionais e estereotipados (passividade, pureza, objeto romântico). Esses autores criaram uma escala unidimensional de 16 itens para avaliar este construto. Por exemplo, pessoas com elevados níveis de cavalheirismo paternalista consideram apropriado que seja o homem a tomar a iniciativa no momento de marcar um encontro amoroso assim como criticam a mulher que convide o homem para sair. Essas crenças subentendem que o homem realiza "todo o trabalho" no cortejo, enquanto as mulheres assumem um papel passivo.

No seu estudo, Viki e cols. (2003) observaram as relações entre o cavalheirismo paternalista, o gênero dos participantes e o sexismo benévolo. Os resultados mostraram que os homens apresentavam valores mais elevados no cavalheirismo paternalista. Verificaram igualmente que o cavalheirismo paternalista implicava uma diferenciação de papéis aplicada a uma situação de cortejo (homens dominantes e mulheres passivas). Contudo, o cavalheirismo paternalista surgiu associado à visão positiva da mulher, como objeto puro, romântico e idealizado. Vários estudos mostraram uma correlação positiva entre sexismo benévolo e uma imagem positiva das mulheres (Expósito e cols., 1998; Glick e cols., 2000; Moya & Expósito, 2001; Moya & Expósito, 2008).

Gonçalves e cols. (2012) realizaram adaptação ao português da escala de cavalheirismo junto com a versão portuguesa da escala ASI (Glick & Fiske, 1996) e obtiveram resultados parcialmente consistentes com os obtidos por Viki e cols. (2003). Por meio de uma análise fatorial exploratória, observaram dois grupos de itens: os itens agrupados em torno do cavalheirismo paternalista (intimidade heterossexual) e os agrupados em torno do sexismo benevolente (comportamentos cavalheirosos). Os itens referidos à intimidade heterossexual se referiam à procura de relações heterossexuais por parte de homens e à idealização, enquanto os itens referidos aos comportamentos cavalheirosos faziam referência aos comportamentos de proteção e de provedor de recursos dos homens para com as mulheres. Sobre as relações entre o cavalheirismo paternalista e o sexismo benevolente, apesar de sexismo hostil e benevolente serem preditores do cavalheirismo paternalista, o sexismo benevolente foi um preditor mais forte. O gênero não teve uma influência significativa nas relações entre cavalheirismo paternalista e sexismo.

Dada a influência de preconceitos sexistas, é preciso ter instrumentos válidos e fiáveis para avaliar o desenvolvimento de atitudes sexistas em diversas esferas, especialmente no âmbito de cortejo e namoro. O objetivo deste estudo é apresentar evidências de validade da adaptação à língua portuguesa da escala de cavalheirismo paternalista de Viki e cols. (2003) por meio de uma análise fatorial confirmatória e das relações teóricas, anteriormente citadas, entre o cavalheirismo paternalista e o sexismo hostil e benevolente. As hipóteses de estudo são as seguintes:

• H1. O sexismo benevolente é melhor preditor do fator comportamentos cavalheirosos do que o sexismo hostil.

• H2. O sexismo benevolente é melhor preditor do fator intimidade heterossexual do que o sexismo hostil.

 

Método

Participantes

O presente estudo contou com a participação de 221 pessoas, por meio de um inquérito on-line, sendo 127 mulheres (62%) e 84 homens (38%). As idades dos inquiridos variaram desde os 18 até os 63 anos, com uma média de idades de 34.63 (DP=11,21). A maioria dos participantes indicou ser solteira (40,3%). Em relação às habilitações literárias, a maioria dos participantes detém o ensino secundário (10-12º ano) (59%).

Instrumentos

Inventário de cavalheirismo paternalista. Esse instrumento é composto por 16 itens, respondidos numa escala de cinco pontos Likert, com os seguintes extremos: 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente. Esses itens avaliam as atitudes e crenças relativas ao cavalheirismo paternalista nas relações de cortejo e namoro (por exemplo: É inapropriado que seja a mulher a primeira a beijar numa saída romântica). Esse instrumento foi elaborado originalmente na língua inglesa por Viki e cols. (2003), tendo sido adaptado à população portuguesa por Gonçalves e cols. (2012). O resultado da consistência interna da escala foi de 0,88, coerente com os resultados obtidos no estudo original de Viki e cols.(2003) de 0,88 e no estudo de Gonçalves e cols. (2012) de 0,84.

Inventário de sexismo ambivalente. Esse instrumento é composto por 22 itens, respondidos em uma escala de cinco pontos, tipo Likert, com os seguintes extremos: 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente. Tais itens avaliam os estereótipos assumidos pelos gêneros masculino e feminino, em função de duas dimensões do sexismo: hostil e benévolo. Esse instrumento foi elaborado originalmente na língua inglesa por Glick e Fiske (1996), tendo sido adaptado à população portuguesa por Gonçalves e cols. (2008). Quanto maior a pontuação, mais elevado o nível de sexismo. Os resultados de consistência interna das escalas de sexismo hostil e benevolente foram ambos de 0,84 e 0,82, respetivamente, sendo estes resultados muito próximos daqueles apresentados no estudo original de Glick e Fiske (1996); entre 0,92 e 0,89 para o sexismo hostil, entre 0,85 e 0,83 para o sexismo benévolo, e coerentes com os observados no estudo de Gonçalves e cols. (2008), 0,87 para o sexismo hostil e 0,83 para o sexismo benevolente.

Procedimento

Para minimizar a desejabilidade possível numa temática socialmente relevante e ainda para garantir o maior número possível de respostas, a recolha de informação foi realizada on-line. O questionário esteve disponível durante 3 meses. A informação recolhida foi posteriormente organizada e analisada, de acordo com os objetivos do estudo. Os dados foram processados com recurso aos programas SPSS e AMOS (v.20) e a significância foi assumida ao nível de 0,05.

Análise dos dados

Recorremos ao programa AMOS (v. 20) para realizar a análise fatorial confirmatória, testando modelos fatoriais alternativos. Nesse estudo, consideraram-se como entrada as matrizes de variâncias-covariâncias, adotando- -se o estimador de máxima verossimilhança (Maximum Likelihood). Os seguintes indicadores de ajuste foram considerados (Byrne, 2001; Carmona, Lozano, Pérez, & Sánchez, 2006; Jöreskog, 1993; Martínez-Arias, Hernández, & Hernández, 2006).

O χ2 (qui-quadrado), que testa a probabilidade do modelo teórico de se ajustar aos dados; quanto maior este valor, pior o modelo. Como pode ser afetado pelo tamanho da amostra, considera-se como mais adequada a razão entre o χ2 e os graus de liberdade correspondentes (χ2/gl). Valores entre 2 e 3 indicam um modelo teórico adequado, admitindo-se até 5.

O Goodness-of-Fit (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit (AGFI) expressam a proporção de variância-covariância nos dados explicada pelo modelo. Os valores variam de 0 a 1, com aqueles na casa dos 0,90 (ou superior) indicando ajuste satisfatório. A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é um indicador de "maldade" de ajuste, isto é, valores elevados sugerem um modelo não ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores de até 0,10. O Comparative Fit Index (CFI) é um índice comparativo adicional de ajuste ao modelo, com valores mais próximos de 1, expressando um melhor ajustamento. Admitem-se valores próximos ou superiores a 0,90 como expressando um ajustamento adequado.

O Consistent Akaike Information Criterion (CAIC) e o Expected Cross-Validation Index (ECVI) são indicadores empregados para avaliar a adequação de um modelo em relação a outro. Quanto mais baixo os valores desses índices, melhor ajustamento do modelo teórico. Complementarmente, a diferença entre os qui-quadrados (Δχ2) de dois modelos alternativos pode ser empregada para decidir acerca do mais ajustado. Um valor Δχ2 com um p < 0,05 sugere melhor ajuste do modelo com menor qui-quadrado.

Para verificar as hipóteses relativas à validade de critério, foi utilizado o procedimento de regressão múltipla do SPSS (v. 20). Foi tomado cuidado para minimizar as violações das suposições em que se baseiam a regressão múltipla (Tabachnick & Fidell, 2001). O exame das correlações entre as variáveis independentes, sexismo benevolente e sexismo hostil, não revelou multicolinearidade, isto é, o seu coeficiente de correlação foi menor que 0,80.

 

Resultados

Evidências métricas baseadas na estrutura interna

Testou-se a estrutura fatorial da escala de cavalheirismo paternalista considerando-se inicialmente dois modelos: Modelo 1: unifatorial, com todos os itens saturando em um único fator, que responde à estrutura da escala original (Viki e cols., 2003), e Modelo 2: estrutura bifatorial, com dois fatores de primeira ordem como teoricamente esperado e descritos no estudo de Gonçalves e cols. (2012), correspondendo à intimidade heterossexual no cortejo e namoro (F1, itens 1, 2, 4, 6, 8, 9, 10, 13, 15, 16) e ao paternalismo nas relações de cortejo e namoro (o comportamento do homem cavalheiroso) (F2, itens 3, 5, 7, 11, 12, 14).

O Modelo 2 (bifatorial) se mostrou o mais adequado, sendo estatisticamente superior ao Modelo 1 (unifatorial) em todos os indicadores analisados. Os seguintes indicadores de ajuste foram observados para esse modelo: χ2(104) = 273,14, p < 0,001, χ2/gl = 2,65, GFI = 0,86, AGFI = 0,82, CFI = 0,88 e RMSEA = 0,09, IC90% = [0,07, 0,10].

Com o objetivo de melhorar o ajustamento do modelo, procedeu-se à interpretação da matriz de resíduos estandardizados, que indicam a possibilidade de um melhor ajustamento colocando correlações entre os itens. A partir da interpretação dessa matriz, liberaram- -se as estimações dos parâmetros de correlação entre covariancias do erro com um resíduo superior a ± 1,96, sucessivamente. Tomando como referência esse critério, após a revisão dos resíduos dos itens da escala, realizaram- se correlações entre os itens 13-16 (inapropriado ser a mulher a beijar), 2-4 (inapropriado a mulher iniciar as relações sexuais) e 3-7 (puxar cadeiras, abrir portas). Foi realizada uma nova análise fatorial confirmatória (Figura 1), cujos resultados podem ser comparados na Tabela 1.

 

 

 

O Modelo 2 modificado se mostrou mais adequado do que o Modelo 2 original. Os seguintes indicadores de ajuste foram observados para esse modelo: χ2(100) = 167,08, p < 0,001, χ2/gl = 1,67, GFI = 0,91, AGFI = 0,88, CFI = 0,95 e RMSEA = 0,06, IC90% = [0,04, 0,07]. A partir da análise de conteúdo dos itens 2, 4, 13 e 16, criou-se um terceiro fator. Esse fator agruparia os itens relativos ao contato físico (beijar, relações sexuais). Realizou-se uma nova análise fatorial confirmatória com um modelo de três fatores (vide Tabela 1).

O Modelo 3 se mostrou mais adequado do que o Modelo 2, mas apresentou pior ajustamento do que o Modelo 2 modificado. Os índices de ajuste do Modelo 3 foram os seguintes: χ2(101) = 263,39, p < 0,001, χ2/gl = 2,61, GFI = 0,87, AGFI = 0,82, CFI = 0,88 e RMSEA = 0,09, IC90% = [0,07, 0,10].

A comparação dos indicadores de ajustamento dos quatro modelos corrobora a adequação do Modelo 2 modificado. Todas as saturações foram estatisticamente diferentes de zero (λ ≠ 0; z > 1,96, p < 0,05). Foi calculado para cada fator a sua consistência interna (alfa de Cronbach) e homogeneidade dos itens (ri.t), observando-se os seguintes resultados: Fator I (intimidade heterossexual no cortejo), α = 0,88 e ri.t = 0,61 (amplitude = 0,38 a 0,77) e Fator II (comportamento cavalheiroso), α = 0,77 e ri.t = 0,52 (amplitude = 0,31 a 0,61). O conjunto de 16 itens apresentou alfa de Cronbach de 0,88 com homogeneidade média de 0,53 (amplitude = 0,29 e 0,70).

Evidências métricas baseadas nas relações entre variáveis

Em relação à Hipótese H1, uma análise de regressão múltipla foi realizada, tendo como variável dependente o fator de comportamento cavalheiroso e como variáveis independentes o sexismo benevolente e o sexismo hostil. O modelo explicou um 24,6% da variabilidade total, F(2,221) = 35,73, p < 0,01. A análise revelou como preditoras as variáveis sexismo benevolente, β = 0,43, t = (6,48), p < 0,01 e sexismo hostil (β = 0,12, I = 0,23), pelo que se corrobora a hipótese H1.

Em relação à hipótese H2, a análise de regressão múltipla foi realizada tendo como variável dependente o fator de intimidade heterossexual e como variáveis independentes o sexismo benevolente e o sexismo hostil. O modelo explicou um 17,4% da variabilidade total, F(2,221) = 23,13, p < 0,01. A análise revelou como preditoras as variáveis sexismo benevolente (β = 0,32, t = 4,61, p < 0,01) e sexismo hostil (β = 0,16, t = 2,31, p < 0,05), pelo que se corrobora a hipótese H2.

Em suma, foram reunidas evidências de validade fatorial e de critério da escala de cavalheirismo paternalista. Os indicadores relativos ao modelo bifatorial modificado foram claramente melhores do que aqueles apresentados pelo modelo original e pelo modelo trifatorial.

 

Discussão

Este estudo teve como objetivo principal comprovar a estrutura fatorial da versão portuguesa da escala de cavalheirismo paternalista, testando diferentes modelos alternativos e comprovando as suas correlações com o sexismo ambivalente (hostil e benevolente). Apesar de estimar que esse objetivo tenha sido alcançado, cabe apontar limitações potenciais do estudo. Por exemplo, a amostragem foi de conveniência e a recolha por meio de um inquérito on-line, não representativa da população portuguesa. Contudo, vale ressaltar que não foi um propósito assegurar a validade externa dos resultados (generalização), mas conhecer evidências dos seus parâmetros métricos. Nesse sentido, a amostra atendeu ao critério mínimo de 200 participantes requeridos para análises estatísticas mais avançadas, a exemplo da análise fatorial confirmatória (Watkins, 1989). Henson e Roberts (2006) determinam, para as análises fatoriais, como critérios mínimos que o número de participantes não seja inferior a 200 e sejam pelo menos 5 participantes por item. Assim, considerando-se a consistência dos resultados descritos com resultados prévios, o presente estudo parece pertinente. Os seus resultados principais são discutidos a seguir.

Em relação à estrutura fatorial e consistência interna, originalmente, a escala de cavalheirismo paternalista apresenta uma estrutura unifatorial, resultado observado com alunos universitários ingleses por Viki e cols. (2003). Se bem que os autores expressaram a unidimensionalidade da escala, na análise fatorial exploratória realizada os itens 3, 5, 7, 12 e 14 mostraram saturações tanto no fator de cavalheirismo paternalista como na escala de sexismo benévolo de Glick e Fiske (1996). No contexto português, a análise exploratória da versão portuguesa da escala, realizada por Gonçalves e cols. (2012), evidenciara que os mesmos itens do estudo original (3, 5, 7, 12, 14) e o item 11 registraram saturações no fator de sexismo benevolente novamente. Por meio da análise fatorial confirmatória, corroborou-se a estrutura bifatorial como a mais adequada quando comparada com a estrutura unidimensional e com a estrutura trifatorial. Os indicadores obtidos, apesar de não serem excelentes, justificam pensar nesse modelo como plausível, principalmente em razão de não existirem evidências contrárias (Byrne, 2001).

Possivelmente, como a escala de cavalheirismo paternalista decorre da aplicação do sexismo benevolente nas relações interpessoais de namoro e cortejo, era esperado que a estrutura tridimensional proposta por Glick e Fiske (1996) também se manifestasse. O conjunto de itens agrupados como o fator de comportamentos cavalheirosos está mais focalizado no paternalismo protetor e faz referência aos comportamentos idealizados dos homens enquanto provedores de recursos (por exemplo: Os homens devem pagar a conta) ou de proteção (por exemplo: Defender a mulher dos outros homens). Esses comportamentos de proteção são derivados da consideração da mulher enquanto objeto romântico, devendo ser protegida tanto física como economicamente (Gonçalves e cols., 2012). A procura de relações heterossexuais e a idealização dos relacionamentos aparecem no fator de intimidade heterossexual, que determina as regras de conduta sobre quem deve iniciar o contato e de que forma deve fazer (Nadler & Morrow, 1959). Essas regras aparecem claramente nos 10 itens: os homens devem iniciar o contato sexual, o homem é o primeiro a beijar, os homens devem assumir a liderança na relação e as mulheres papéis mais passivos, é inapropriado para as mulheres beijar primeiro ou iniciar o contato sexual.

Quanto aos coeficientes de consistência interna (alfas de Cronbach), os valores observados neste estudo foram consistentes com o estudo de adaptação da escala no contexto português (Gonçalves e cols., 2012). Em relação aos coeficientes dos fatores, estes cumprem o ponto de corte recomendado na literatura (0,70 - Pasquali, 2003). Há que assinalar que o fator de comportamentos cavalheirosos se compõe por poucos itens, o que pode contribuir negativamente para esse coeficiente de consistência interna em relação com o outro fator (Nunnally, 1978). A propósito, um indicador complementar para julgar esse parâmetro é a correlação item-total, que no presente estudo se situou sempre acima de 0,30, valor que pode ser considerado adequado, p < 0,01, (Nunnally, 1978).

Sobre as relações entre o cavalheirismo paternalista e o sexismo benevolente, os resultados são parcialmente compatíveis com os obtidos por Viki e cols. (2003) e consistentes com os obtidos por Gonçalves e cols. (2012). O sexismo benevolente é um preditor mais forte do que o sexismo hostil nos dois fatores do cavalheirismo paternalista. Esses resultados sugerem que os indivíduos com elevados níveis de sexismo benevolente também possuem crenças tradicionais sobre as relações de intimidade e os comportamentos dos homens para com as mulheres. Pessoas com níveis elevados de sexismo benevolente preferem relações nas quais o homem tem o poder. Segundo Formiga e cols. (2002), o sexismo benevolente oferece recompensas de proteção, afeto e admiração para as mulheres que adotem papéis tradicionais (também nas relações de intimidade e namoro) e satisfaçam as necessidades dos homens.

No entanto, dado que o sexismo benevolente e o sexismo hostil estão relacionados (Expósito e cols., 1998; Moya & Expósito, 2008), era esperável que os dois tipos de sexismo fossem preditores significativos do fator de intimidade heterossexual, com maior peso do sexismo benevolente. O sexismo hostil pode ser entendido em termos de punição social para com aquelas mulheres que não adotem os papéis tradicionais e passivos nas relações de namoro e corte (Gonçalves e cols., 2012). Vicki e cols. (2003) não encontraram relação entre o sexismo hostil e o cavalheirismo paternalista, mas aspectos culturais e da amostra poderiam explicar a ausência da relação entre ambos os construtos.

Esses resultados são consistentes com os estudos de Glick e cols. (1997, 2000), que observaram que o sexismo benevolente está fortemente associado com atitudes e avaliações positivas das mulheres quando elas adotam papéis tradicionais de gênero. Outros estudos observaram relações entre o sexismo benevolente e subgrupos de mulheres como mães e esposas (papéis tradicionais). De acordo com o modelo de conteúdo do estereótipo (Fiske, Xu, Cuddy, & Glick, 1999), a divisão do objeto de atitude (mulher) em múltiplos objetos (subtipos de mulheres) resolveria o problema da ambivalência, de modo que as mulheres que desempenhem papéis tradicionais sejam amadas (sexismo benevolente), enquanto aquelas com papéis divergentes (feministas) sejam odiadas (sexismo hostil).

 

Considerações finais

Em resumo, reuniram-se evidências acerca da validade fatorial e de critério da escala de cavalheirismo paternalista. Essa é uma medida objetiva, curta e econômica, que pode ser adequadamente utilizada em contexto psicossocial e clínico para conhecer crenças estereotipadas e sexistas sobre as relações de namoro e cortejo. Esse e outros instrumentos permitem a criação de programas de intervenção psicológica, psicossocial e socioeducativa mais operacionais e eficazes, com vista à prevenção de atitudes e preconceitos na etapa adulta e a redução da incidência global do sexismo na sociedade. Contudo, alguns estudos são necessários, a exemplo dos previamente indicados; seria necessário procurar evidências psicométricas complementares, a exemplo de diferentes amostras e da sua estabilidade temporal (medidas teste-reteste). Igualmente, o ajuste mais adequado do modelo 2 indica a possibilidade da existência de fatores de segunda ordem, pelo que seria necessário verificar este suposto com novas amostras e maiores (Tabachnick & Fidell, 2001).

 

Referências

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Recebido em dezembro de 2012
Reformulado em abril de 2013
Aprovado em maio de 2013

 

 

Sobre os autores

Alejandro Orgambídez-Ramos: é Assistente convidado, doutorado em Psicologia das Organizações e do Trabalho – Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Psicologia e Ciências da Educação – Centro de Investigação sobre Espaço e Organizações.
Jean-Christophe Giger: é Professor auxiliar convidado, doutorado em Psicologia Social – Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Psicologia e Ciências da Educação.
Alexandra Gomes: é Assistente convidada, doutorada em Psicologia da Saúde – Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Psicologia e Ciências da Educação – Centro de Investigação sobre Espaço e Organizações.
Joana Santos: é Professora auxiliar, doutorada em Psicologia das Organizações – Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Psicologia e Ciências da Educação - Centro de Investigação sobre Espaço e Organizações.
Gabriela Gonçalves: é Professora auxiliar, doutorada em Psicologia Social Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Psicologia e Ciências da Educação – Centro de Investigação sobre Espaço e Organizações.


1Endereço para correspondência: Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Ed. 1, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 8005-139, Algarve, Portugal. E-mail: jcsantos@ualg.pt