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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.12 no.3 Itatiba dez. 2013

 

 

Escala de Autocontrole: adaptação brasileira e evidências de validade de construto1

 

Self-control Scale: Brazilian adaptation and evidence of construct validity

 

Escala de autocontrol: adaptación brasileña y evidencias de validez de constructo

 

 

Valdiney Veloso Gouveia2,I; Walberto Silva dos Santos3,II; Valeschka Martins Guerra4,III; Patrícia Nunes da Fonseca5,I; Rildésia Silva Veloso Gouveia6,IV

IUniversidade Federal da Paraíba
IIUniversidade Federal do Ceará
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo
IVCentro Universitário de João Pessoa

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo adaptar a Escala de Autocontrole (EAC) para o contexto brasileiro, reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Participaram 244 estudantes dos ensinos fundamental e médio de escolas públicas e privadas do município de João Pessoa (PB). A maioria dos estudantes foi do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 12 e 42 anos, solteira e católica. Esses participantes responderam à EAC e perguntas demográficas. Realizou-se uma análise de Componentes Principais (rotação varimax), observando-se seis fatores que explicaram conjuntamente 59,5% da variância total. A consistência interna de seus fatores (alfa de Cronbach) variou de 0,62 a 0,82, valores considerados aceitáveis. Conclui-se que essa medida pode ser empregada adequadamente em pesquisas no contexto em que foi adaptada, mostrando evidências de validade de construto. Entretanto, sugerem-se novos estudos, checando sua invariância fatorial e poder explicativo em relação a comportamentos socialmente desviantes.

Palavras-chave: autocontrole; escala; comportamento criminal; validade.


ABSTRACT

The current research aimed to adapt the Self-Control Scale (SCS) to the Brazilian context, jointing evidence for its factorial validity and reliability. A study was conducted in João Pessoa (Paraíba, Brazil), with 244 high school and primary school students from public and private schools. The sample was composed mainly by females, with ages ranging from 12 to 42 years, single and Catholics. Participants answered the SCS and demographic questions. A Principal Components Analysis was performed (varimax rotation), indicating the existence of six factors, accounting for 59.5% of the total variance. The internal consistency of the factors (Cronbach’s alpha) presented values ranging from 0.62 to 0.82, considered acceptable. It was concluded this version can be adequately used for research in the context where it was adapted, showing evidence of construct validity. Nevertheless, new studies have been suggested, checking its factorial invariance and explicative power with respect to socially deviant behaviors.

Keywords: self-control; scale; criminal behavior; validity


RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo adaptar la Escala de Autocontrol (EAC) para el contexto brasileño, reuniendo evidencias de su validez factorial y fiabilidad. Participaron 244 alumnos de primaria y enseñanza media de escuelas públicas y privadas de la ciudad de João Pessoa (PB, Brasil). La mayoría de los estudiantes era de mujeres, con edades comprendidas entre los 12 y 42 años, solteros y católicos. Ellos completaron la EAC y preguntas demográficas. Fue posible identificar seis factores que conjuntamente explicaron un 59.5% de la varianza total. La fiabilidad de los factores varió de 0.62 a 0.82, valores que pueden ser considerados como aceptables. Concluyendo, se puede utilizar esa medida adecuadamente en la investigación en el contexto en que se ha adaptado, presentando evidencias de validez de constructo. Sin embargo, se sugieren nuevos estudios, comprobando su invariancia factorial y poder explicativo con respecto a conductas sociales desviadas.

Palabras-clave: autocontrol; escala; comportamiento criminal; validez.


 

 

Uma das teorias que tem despertado mais atenção na criminologia corrente é a Teoria Geral do Crime (Gottfredson & Hirschi, 1990). Diferente de outras propostas que tentam explicar o crime utilizando um elevado e diversificado número de variáveis individuais e sociais, Gottfredson e Hirschi (1990) apontam que tal fenômeno pode ser explicado por meio de dois construtos principais: autocontrole e oportunidade. Segundo Williams, Fletcher e Ronan (2007), a aparente simplicidade e a parcimônia da teoria impulsionaram um significativo número de pesquisas, o que possibilitou a realização de uma meta-análise em que o autocontrole apresentou efeito médio de 0,20 na predição do crime (Pratt & Cullen, 2000), resultado que se mostrou invariante inclusive quando consideradas características das amostras (por exemplo, idade, sexo, etnia, indivíduos delinquentes e não delinquentes).

Para formular sua teoria, Gottfredson e Hirschi (2003) recorrem ao "classismo" criminológico para entender a natureza do crime (Romero, 1996). Sob tal perspectiva, o delito é uma manifestação da natureza humana, que, em si, é hedonista e egocêntrica. Portanto, as pessoas buscam primordialmente o prazer e evitam a dor. Na hora de dirigir o comportamento, o indivíduo realiza um "cálculo" racional, sopesando quais serão os custos e os benefícios do mesmo e, em função disto, toma a decisão. O delito, nesse caso, não corresponde a motivações perversas ou diferentes dos demais comportamentos; o que o caracteriza de forma distinta é o fato de o ator atender aos seus prazeres e benefícios imediatos ignorando os custos. Esse aspecto torna o crime muito semelhante a outros comportamentos desviantes ou de risco, como, por exemplo, o consumo de drogas, as condutas sexuais desviantes e os comportamentos imprudentes que promovem acidentes de trânsito (por exemplo, o excesso de velocidade). Segundo Hirschi e Gottfredson (1993), essa semelhança não é apenas teórica: indivíduos que cometem crime também apresentam outros comportamentos análogos. Nesse sentido, os autores propõem uma teoria “geral” que procura explicar não somente o crime, mas comportamentos conceitualmente considerados desviantes.

Uma ideia básica do modelo é a de que tais comportamentos se derivam da interação entre uma “oportunidade” contextual e algumas características individuais. Especificamente, considera-se que alguns indivíduos adquirem certa capacidade para conter o hedonismo, enquanto outros não interiorizam tais mecanismos, ou seja, não adquirem autocontrole, o que faz deste construto um dos elementos centrais da teoria. O autocontrole integra um conjunto de fatores individuais que fazem com que uma pessoa apresente a tendência (ou não) a ceder diante da “tentação” do delito. É adquirido por meio da socialização, especialmente a familiar, nas etapas iniciais da vida. Uma vez estabelecido, permanece estável e durante toda a vida tem influência nos comportamentos (Turner & Piquero, 2002). Nesse caso, a estabilidade do autocontrole explicaria porque os comportamentos antissociais são estáveis ao longo da vida; aqueles indivíduos que cometem um número significativo de comportamentos desviantes na infância provavelmente seguirão com tais condutas em outros momentos do ciclo vital.

Deve-se ressaltar que Gottfredson e Hirschi (1990) desafiam muitas das ideias clássicas da criminologia tradicional. Por exemplo, negam a importância de distinguir entre tipos de delinquentes (todos os delitos, incluindo o de “colarinho branco”, respondem a mecanismos explicativos iguais); e negam a importância do grupo de iguais como agente de influência sobre o comportamento desviante. Segundo pensam esses autores, a relação com amigos desviantes é consequência de um baixo autocontrole; assim, é o próprio indivíduo quem seleciona os amigos delinquentes.

Desde sua publicação, essa teoria vem recebendo críticas por diversos motivos. Sua natureza tautológica tem sido uma das mais repetidas (Akers, 1991; Meir, 1995). Aponta-se que Gottfredson e Hirschi (1990) não especificam como operacionalizar o autocontrole sem recorrer aos indicadores comportamentais do construto (só se pode saber se um indivíduo tem um baixo autocontrole examinando seus comportamentos delitivos, desviantes ou imprudentes). Portanto, indica-se que a ideia de que um autocontrole baixo conduz ao delito e não pode se submeter à comprovação empírica (Romero, Luengo, & Otero-López, 1995). Apesar disso, a simplicidade do esquema explicativo e a combinação de duas correntes (individualista e classista) contribuem para a aceitação dessa teoria.

Nos últimos anos, muitos são os estudos que incorporam o autocontrole como um fator importante para explicação de comportamentos socialmente desviantes. Pesquisas com base nesse modelo podem ser encontradas, por exemplo, nas ciências biológicas e neurociências (DeLisi, Wright, Beaver, & Vaughn, 2011), na sociologia (Meldrum, Miller, & Flexon, 2013), na criminologia (Botchkovar, Tittle, & Antonaccio, 2009; Woessner & Schneider, 2013), na psicologia social (DeBono, Shmueli, & Muraven, 2011) e do desenvolvimento (Vazsonyi & Huang, 2010). De fato, uma revisão sistemática desenvolvida por Pratt e Cullen (2000), cujo propósito foi observar o status empírico do modelo proposto por Gottfredson e Hirschi (1990), demonstrou que, com independência dos instrumentos utilizados, o baixo autocontrole se apresentou como um preditor importante de comportamentos socialmente desviantes, com um amplo efeito em distintas amostras.

Na maioria dessas pesquisas, o autocontrole tem sido operacionalizado por meio da escala proposta por Grasmick, Tittle, Bursik e Arneklev (1993). No entanto, em contexto brasileiro, não foi encontrado qualquer estudo com ênfase nesse modelo, tampouco publicações destinadas à adaptação dessa escala. Nesse sentido, proposições nessa direção se apresentam como relevantes para o avanço teórico da área, além de permitirem a replicação de estudos desenvolvidos em outros contextos e a comparação de resultados. Esses aspectos justificaram a realização do presente estudo, cujo principal objetivo foi adaptar a Escala de Autocontrole, reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna no contexto brasileiro e, mais especificamente, paraibano. Uma descrição das principais características dessa medida é oferecida a seguir.

Escala de Autocontrole

Com base na Teoria Geral do Crime (Gottfredson & Hirschi, 1990), Grasmick e cols. (1993) desenvolveram a Escala de Autocontrole, sendo composta por 24 itens cujo intuito foi operacionalizar as seis dimensões teóricas propostas por Gottfredson e Hirschi: (1) orientação voltada para o aqui e o agora; (2) interesse por experiências arriscadas e emocionantes; (3) preferência por tarefas simples frente às complexas; (4) inabilidade para planificar o comportamento e planejar objetivos a longo prazo; (5) egocentrismo e indiferença por necessidades e desejos dos outros; e, finalmente, (6) tolerância baixa à frustração e alta frente à dor. Inicialmente, o instrumento foi avaliado em uma amostra da população geral composta por 395 adultos da cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Empregando análises de Componentes Principais (PC) e critérios adicionais, como os de Kaiser (valor próprio maior do que 1) e Cattell (distribuição gráfica dos valores próprios, scree plot), tais autores analisaram soluções de um, cinco e seis fatores, chegando à conclusão de que a melhor estrutura seria a unifatorial. O conjunto de 24 itens apresentou índice de consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,80.

Devido à proposta teórica original (Gottfredson & Hirschi, 1990), que concebe o autocontrole como um construto multidimensional, as conclusões a que chegaram Grasmick e cols. (1993) foram objeto de críticas, sobretudo no que se refere aos critérios de análise das estruturas fatoriais da medida. Após a proposta inicial do instrumento, alguns estudos observaram resultados semelhantes aos originais em amostras distintas (para uma revisão, ver Vazsonyi, Pickering, Junger, & Hessing, 2001). Contudo, é importante enfatizar que, segundo Grasmick e cols. (1993), os resultados encontrados acerca da estrutura fatorial dessa escala ainda não são conclusivos, sugerindo a importância de novas pesquisas sobre o tema.

Sobre esse aspecto, cabe mencionar o estudo desenvolvido por Vazsonyi e cols. (2001), em que as propriedades psicométricas da Escala de Autocontrole foram analisadas. Nesse estudo, os resultados, considerando uma amostra de 8.471 participantes de diferentes países (Hungria, Holanda, Suíça e Estados Unidos) corroboraram a estrutura miltidimensional do autocontrole, comprovando sua invariância fatorial em função de sexo, grupo etário e nacionalidade dos participantes. De modo análogo, outros estudos vêm constatando em amostras de diferentes países, a partir de técnicas variadas, que o autocontrole se configura de modo incisivo como composto por seis fatores (DeLisi, Hochstetler, & Murphy, 2003; Longshore, Turner, & Stein, 1996; Marcus, 2003; Piquero, MacIntosh, & Hickman, 2000; Williams, Fletcher, & Ronan, 2007). Nesse sentido, parece congruente esperar que essa estrutura seja igualmente observada no presente estudo, que é descrito a seguir.

 

Método

Participantes

Contou-se com a participação de 244 estudantes dos ensinos fundamental (42,2%) e médio (57,8%) de escolas públicas (40%) e privadas (60%) da cidade de João Pessoa – PB. Eles tinham idades compreendidas entre os 12 e 42 anos (M= 16,5; DP = 4,73), sendo a maioria do sexo feminino (56,6%), solteira (90%) e católica (63%). Essa foi uma amostra de conveniência (não-probabilística), tendo participado as pessoas que, quando contatadas, concordaram em colaborar com o estudo.

Instrumentos

Os participantes responderam a um questionário composto por duas partes:

Escala de Autocontrole (Grasmick e cols., 1993). Como anteriormente descrita, essa medida compõe-se de 24 itens distribuídos em seis subescalas correspondentes aos fatores teóricos propostos por Gottfredson e Hirschi (1990), a saber: (1) orientação voltada para o aqui e o agora (por exemplo, Costumo agir impulsivamente, sem pensar); (2) interesse por experiências arriscadas e emocionantes (por exemplo, Gosto de me testar fazendo coisas arriscadas); (3) preferência por tarefas simples frente às complexas (por exemplo, Quando as coisas complicam, eu desisto); (4) inabilidade para planificar o comportamento e planejar objetivos em longo prazo (por exemplo, Não vivo pensando, nem me preparando para o futuro.); (5) egocentrismo e indiferença pelas necessidades e desejos dos outros (por exemplo, Tento pensar primeiro em mim, ainda que isto torne as coisas difíceis para outras pessoas); e (6) baixa tolerância à frustração e alta frente à dor (por exemplo, Fico irritado com facilidade). Os itens são respondidos em escala do tipo Likert, de quatro pontos, com os seguintes extremos: 1 = Discordo Totalmente e 4 = Concordo Totalmente. As consistências internas (alfas de Cronbach) apresentadas pelos autores da escala variam de 0,50 (orientação voltada para o aqui e o agora) a 0,79 (interesse por experiências arriscadas e emocionantes).

Perguntas Demográficas. Finalmente, com o propósito de caracterizar os participantes do estudo, foi adicionado um conjunto de perguntas de caráter sociodemográfico (escolaridade, idade, sexo, estado civil e religião).

Tradução e Validade Semântica da Escala de Autocontrole

Antes de preceder a coleta dos dados, procurou-se submeter a Escala de Autocontrole aos processos de tradução e validação semântica. No primeiro momento, o instrumento em sua versão original foi submetido à tradução por dois psicólogos bilíngues com larga experiência em pesquisas no campo da psicologia. Após a realização da tradução, as duas versões (inglês e português) foram apresentadas a professores de inglês, sendo solicitado aos mesmos que verificassem a correspondência de sentido entre os itens originais e os traduzidos. Uma vez comprovada a correspondência das traduções, procedeu- -se à validação semântica. Nessa etapa, contou-se com um grupo de dez indivíduos, estudantes do ensino fundamental, igualmente distribuídos quanto ao sexo, compreendendo potenciais integrantes da população meta do estudo. Eles avaliaram os itens e as instruções da medida, indicando eventuais dúvidas. Com base nos resultados dessa avaliação, verificou-se que tanto o conteúdo dos itens como as instruções de como responder o instrumento foram claras, não necessitando de mudanças substanciais. O leitor interessado poderá solicitar uma cópia da versão traduzida desse instrumento, acessando a seguinte homepage: http://vvgouveia.net

Procedimento

A aplicação do instrumento foi realizada em ambiente coletivo de sala de aula, porém respondido por cada participante individualmente. Duas bolsistas de Iniciação Científica, devidamente treinadas, ficaram responsáveis por essa atividade. Todos os participantes foram informados que sua participação seria voluntária e anônima, estando estes livres para deixar o estudo a qualquer momento sem que houvesse penalização. Aqueles que concordaram em participar foram solicitados a ler e preencher um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que suas respostas pudessem ser incluídas no estudo; em caso de pessoas de menor idade, o diretor ou coordenador da escola assinou Termo de Responsabilidade. Uma vez que o instrumento é de caráter objetivo, sendo considerado autoaplicável, foram apenas oferecidas instruções gerais, sem detalhar seu conteúdo. Não obstante, os responsáveis pela coleta permaneceram em sala de aula com o fim de esclarecer qualquer dúvida sobre a forma de responder. Ao término da aplicação, foram dirigidos os agradecimentos aos participantes e informado um endereço no qual poderiam obter informações sobre os resultados do estudo. Em média, foram necessários 10 minutos para completar sua participação.

Análise de Dados

As análises foram efetuadas por meio do SPSS (versão 16), que permitiu calcular os coeficientes de correlação entre os itens, bem como avaliar os indicadores de adequação da matriz correspondente (KMO e Teste de Esfericidade de Bartlett) para a realização de uma análise fatorial. Esse mesmo programa estatístico possibilitou a realização de uma análise de Componentes Principais e o cálculo da consistência interna (alfa de Cronbach) para os componentes resultantes.

 

Resultados

Como mencionado, o principal objetivo deste estudo foi adaptar a Escala de Autocontrole, reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Para tanto, inicialmente, com o fim de decidir acerca da adequação de se realizar uma análise fatorial com a matriz de correlação correspondente aos 24 itens dessa medida, tomaram-se como referência o KMO (0,82) e o Teste de Esfericidade de Bartlett, χ2 (276) = 1922,43, p < 0,001, que apoiaram esta análise. No caso do primeiro, considera as correlações parciais entre os itens, devendo ser aceitos índices iguais ou superiores a 0,60. O segundo comprova a hipótese de que a matriz de covariância é uma matriz de identidade, com valores significativos (p < 0,05), indicando que esta deve ser rejeitada e, por conseguinte, endossando a pertinência de se proceder adiante (Tabachnick & Fidell, 1996).

A análise de Componentes Principais (rotação varimax) indicou a possibilidade de se extrair seis componentes com valores próprios superiores a 1 (Critério de Kaiser), explicando conjuntamente 59,5% da variância total. Os resultados a respeito dessa análise são apresentados na Tabela 1.

 

 

Segundo se observa na Tabela 1, no geral, a estrutura componencial corrobora a teoria que a fundamenta. Procura-se, a seguir, descrever e interpretar cada um dos componentes:

Componente I. Esse primeiro componente apresentou valor próprio de 6,11, explicando 25,5% da variância total. Todos os itens pertencentes à dimensão Interesse por Experiências Arriscadas e Emocionantes saturaram nesse componente, com saturações variando de 0,67, Gosto de me testar fazendo coisas arriscadas, a 0,87, Corro risco (perigo), só para me divertir, o que não deixa dúvidas quanto a sua interpretação. Seu alfa de Cronbach foi 0,82.

Componente II. Esse componente mostrou um valor próprio 2,36, explicando 9,8% da variância total. Seus itens representam a dimensão Tolerância Baixa à Frustração e Alta Frente à Dor, com suas cargas fatoriais variando de 0,54, Fico irritado com facilidade, a 0,81, Quando tenho um desentendimento com alguém, fico aborrecido só de falar sobre o assunto. O alfa de Cronbach desse segundo componente foi 0,79.

Componente III. Os quatro itens reunidos por esse componente pertencem exclusivamente à dimensão Preferência por Tarefas Simples Frente às Complexas; seu valor próprio foi 1,88, correspondendo à explicação de 7,8% da variância total. A menor e a maior saturações corresponderam, respectivamente, aos seguintes itens Se for para escolher, prefiro fazer atividades físicas (jogar bola, trabalhos manuais etc.) do que mentais (ler, fazer palavras cruzadas etc.) (0,68) e Estar em movimento, faz-me sentir melhor do que quando estou sentado ou pensando (0,75). Ele apresentou alfa de Cronbach de 0,75.

Componente IV. Esse componente corresponde à dimensão Egocentrismo e Indiferença pelas Necessidades e Desejos dos Outros, sendo representado por quatro itens, com valor próprio de 1,62, explicando 6,7% da variância total. Suas cargas fatoriais oscilaram entre 0,56, Costumo não me preocupar muito quando outras pessoas estão passando por problemas, e 0,69, Tento pensar primeiro em mim, ainda que isto torne as coisas difíceis para as outras pessoas, apresentando uma consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,71.

Componente V. Denominado de Orientação Voltada para o Aqui e o Agora, este componente agrupou itens com cargas fatoriais entre 0,53, Tento evitar situações quando sei que serão difíceis, e 0,72, Faço qualquer coisa que me dê prazer imediato, mesmo que isto atrapalhe alguns dos meus planos para o futuro. Esse conjunto de itens apresentou valor próprio de 1,23, explicando 5,1% da variância total, com alfa de Cronbach de 0,62.

Componente VI. Esse componente, composto por três itens, representa a dimensão Inabilidade para Planificar o Comportamento e Planejar Objetivos em Longo Prazo. Seus itens explicaram conjuntamente 4,6% da variância total, com valor próprio de 1,09. A menor carga fatorial (0,56) foi identificada no item As coisas mais fáceis de fazer são as que me dão mais prazer e a maior (0,84) no item Não gosto de atividades muito difíceis, que exigem muito de mim. Seu alfa de Cronbach foi de 0,64.

Em resumo, com exceção de um item, todos os demais apresentaram saturações iguais ou superiores a 0,50 na dimensão em que eram teoricamente esperados. Como é possível observar, os resultados parecem bem consistentes, sugerindo evidências favoráveis acerca da validade fatorial da Escala de Autocontrole. Sua consistência interna pareceu igualmente favorável, ao menos justifica seu uso em contexto de pesquisa.

 

Discussão

Este artigo apresenta um estudo que procura contribuir para a adaptação ao contexto brasileiro da Escala de Autocontrole, proposta por Grasmick e cols. (1993), reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna (validade de construto). Coerente com o que foi proposto teoricamente por Gottfredson e Hirschi (1990), os resultados apontaram para a existência das seis dimensões operacionalizadas na construção da escala. Assim, o autocontrole medido por esse instrumento, em sua versão adaptada, corroborou sua proposta original enquanto descrevendo um construto multidimensional. Portanto, confia-se que os objetivos previamente anunciados tenham sido cumpridos, contribuindo para a adaptação brasileira da EAC.

Embora sejam oferecidas contribuições para conhecer a adequação desse instrumento no contexto brasileiro, não se descartam possíveis limitações do estudo ora descrito. Particularmente, é necessário enfatizar que a amostra não pode ser considerada como representativa da população brasileira, nem mesmo da paraibana, pois foi constituída exclusivamente por estudantes dos ensinos fundamental e médio. Entretanto, os resultados obtidos foram consistentes com os observados em outros estudos, que trataram de culturas nacionais distintas (ver Vazsonyi e cols., 2001). Isso sugere a pertinência desse empreendimento, visando adaptar a EAC. Há que se ressaltar ainda que, apesar desses comentários, não é o propósito deste artigo generalizar os resultados; este é um estudo eminentemente psicométrico, procurando reunir evidências de validade de construto da referida medida. Nesse sentido, discutem-se brevemente seus parâmetros.

Quanto à validade fatorial, previamente já foi comentado que a estrutura multifatorial observada foi coerente com a proposição teórica de Gottfredson e Hirschi (1990), que admite seis fatores. Nesse sentido, o presente estudo suscita questionar os achados de Grasmick e cols. (1993), os quais argumentaram como mais apropriada uma estrutura unidimensional dessa medida. Portanto, parece não restar dúvidas, também no contexto brasileiro, de que a escala de autocontrole avaliada cobre dimensões diferentes deste construto, consoante com o que vem sendo observado por outros autores (por exemplo, DeLisi, Hochstetler, & Murphy, 2003; Marcus, 2003; Williams, Fletcher, & Ronan, 2007).

No que diz respeito à consistência interna da Escala de Autocontrole, Grasmick e cols. (1993) observaram alfa de Cronbach de 0,80 para o conjunto de 24 itens; quiçá isto reforce a ideia de não ser adequado tratá-la como unidimensional, pois no presente estudo foram observados coeficientes similares para os dois primeiros fatores, cada um reunindo apenas quatro itens. Tenha-se em conta que o número de itens pode afetar esse índice de consistência, que costuma aumentar proporcionalmente ao número de itens incorporados no instrumento (Pasquali, 2010). Ressalta-se, ainda, que os alfas de Cronbach do presente estudo superaram aqueles individuais quando da elaboração desta medida, cujo menor coeficiente foi 0,50; no presente superou 0,60, que tem sido recomendado para contexto de pesquisa (Clark & Watson, 1995; Peterson, 1994).

 

Considerações finais

Apesar das evidências aqui reunidas, muito haverá ainda que conhecer acerca da Escala de Autocontrole. Nesse sentido, em termos de estudos futuros, será necessário seguir testando-a, por exemplo, considerando uma nova amostra para a realização de uma análise fatorial confirmatória, checando os modelos uni e multifatorial, assim como comprovar sua invariância fatorial em grupos diversos, considerando pessoas de características demográficas distintas. Por exemplo, será importante testar sua invariância fatorial em relação ao sexo, estágio de desenvolvimento e grupos com tendências a comportamentos delitivos (por exemplo, presidiários). Caberá, ainda, conhecer sua associação com desejabilidade social, um fator de distorção de respostas ou promoção pessoal (Gouveia, Guerra, Souza, Santos, & Costa, 2009), e avaliar sua estabilidade temporal (teste-resteste). Nesse caso, presume-se que essa escala reflita tendências mais estruturantes e biológicas, como as inerentes ao comportamento de risco (Lynne- Landsman, Graber, Nichols, & Botvin, 2011), presumindo sua estabilidade enquanto construto.

Finalmente, demandar-se-á igualmente conhecer o poder preditivo dessa medida, avaliando, por exemplo, o quanto explica de condutas socialmente desviantes (por exemplo, comportamentos antissociais e delitivos, uso de drogas, bebidas alcoólicas e práticas de sexo sem uso de preservativo). Presume-se que tenha correlação com condutas que evidenciam quebra de regras sociais (Luengo, Otero-López, Romero, Gómez-Fraguela, & Tavares Filho, 1999) e, quiçá, também possa refletir os valores humanos assumidos pelas pessoas (Gouveia, 2013). Concretamente, é possível que as pessoas que tenham baixo autocontrole endossem mais valores de experimentação (por exemplo, emoção, prazer, sexualidade), pautando-se em menor medida por aqueles que representam valores normativos (por exemplo, obediência, religiosidade, tradição) (Gouveia, 2013). Entretanto, caberá conhecer empiricamente se esse será o padrão observado, inclusive considerando diferentes grupos, como de jovens e adultos da população geral, encarcerados ou em medida socioeducativa.

 

Referências

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Recebido em outubro de 2012
Reformulado em maio de 2013
Aprovado em setembro de 2013

 

 

Sobre os autores

Valdiney Veloso Gouveia: é doutor em Psicologia Social pela Universidade Complutense de Madri (Espanha). Professor Titular de Psicologia Social na Universidade Federal da Paraíba e Pesquisador 1A do CNPq.
Walberto Silva dos Santos: é doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professor Adjunto III do Departamento de Psicologia na Universidade Federal do Ceará.
Valeschka Martins Guerra: é doutora em Psicologia Social pela University of Kent at Canterbury, Inglaterra. Atualmente, é professora adjunto do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento da Universidade Federal do Espírito Santo.
Patrícia Nunes da Fonseca: é Doutora em Psicologia Social pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Departamento de Psicopedagogia da Universidade Federal da Paraíba.
Rildésia Silva Veloso Gouveia: é doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Professora Titular de Psicologia Jurídica no Curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa.


1Esta pesquisa foi parcialmente financiada por CNPq e CAPES, nas modalidades de bolsas de Iniciação Científica e Pós-Doutorado. Os autores agradecem a estas duas agências de fomento.
2E-mail: vvgouveia@gmail.com
3E-mail: walbertosantos@gmail.com
4E-mail: valeschka@gmail.com
5E-mail: patynfonseca@gmail.com
6E-mail: rsvgouveia@gmail.com