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Avaliação Psicológica

On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.1 Itatiba Apr. 2014

 

 

Características pessoais, familiares e escolares: estudo comparativo entre superdotados e superdotados underachievers

 

School, family and personal characteristics: a comparative study between gifted and gifted underachievers

 

Características personales, familiares y escolares: estudio comparativo entre superdotados y superdotados underachievers

 

 

Vanessa Terezinha Alves Tentes1, I; Denise de Souza FleithII

IUniversidade Católica de Brasília
IIUniversidade de Brasília

 

 


RESUMO

Este estudo investigou diferenças entre 53 estudantes superdotados e 43 superdotados com baixa performance escolar (underachievers), de ambos os sexos, em relação à inteligência, criatividade, motivação para aprender, autoconceito, desempenho escolar e atitudes parentais. Foram empregados testes de inteligência, pensamento criativo, desempenho acadêmico e escalas de características pessoais, acadêmicas e motivacionais, autoconceito e atitudes parentais. Realizou-se análise de variância multivariada. Os resultados indicaram que estudantes superdotados obtiveram escores superiores nas medidas de inteligência, criatividade total e verbal, autoconceito e desempenho escolar. Já os underachievers se destacaram nas medidas de motivação extrínseca. Considerando o gênero, os resultados sinalizaram diferenças a favor dos alunos quanto à inteligência e das alunas em relação à criatividade verbal, motivação intrínseca, autoconceito e desempenho escolar. Não foram observadas diferenças quanto às atitudes parentais. O reconhecimento da existência de superdotados underachievers tem implicações quanto à caracterização dos indivíduos superdotados e dos critérios para sua identificação.

Palavras-chave: superdotação; desempenho escolar; underachievement; inteligência; criatividade.


ABSTRACT

This study investigated differences between 53 gifted and 43 underachiever gifted students, males and females, in relation to intelligence, creativity, learning motivation, self-concept, school performance, and parental attitudes. Tests of intelligence, creative thinking, and academic performance were used, as well as scales of personal and academic characteristics, motivation, self-concept and parental attitudes. The multivariate analysis of variance was employed. The results indicated that gifted students had superior scores on intelligence, total and verbal creativity, self-concept, and school performance measures. On the other hand, the underachievers had higher performance on extrinsic motivation. With respect to gender, the results pointed significant differences favoring male students in the intelligence test, and female students regarding verbal creativity, intrinsic motivation, self-concept, and school performance measures. No differences were noted related to parental attitudes. The recognition of underachiever gifted students has implications concerning the characterization of gifted persons and the criteria used for their identification.

Keywords: giftedness; school performance; underachievement; intelligence, creativity.


RESUMEN

Este estudio investigó las diferencias entre 53 estudiantes superdotados y 43 superdotados con bajo rendimiento escolar (underachievers), niños y niñas, en relación a la inteligencia, creatividad, motivación para aprender, autoconcepto, desempeño escolar y actitudes parentales. Se emplearon testes de inteligencia, pensamiento creativo y desempeño académico, así como escalas de características personales, académicas y motivadoras, autoconcepto y actitudes parentales. Se realizó análisis de varianza multivariada. Los resultados señalaron que estudiantes superdotados obtuvieron valores superiores en las medidas de inteligencia, creatividad verbal, autoconcepto y desempeño escolar. Los underachievers se sobresalieron en las medidas de motivación extrínseca. Teniendo en cuenta el género, los resultados señalaron diferencias a favor de los alumnos en relación a la inteligencia, y de las alumnas con respecto a la creatividad verbal, motivación intrínseca, autoconcepto y desempeño escolar. No se observaron diferencias en las actitudes parentales. El reconocimiento de los superdotados con bajo rendimiento tiene implicaciones para la caracterización de los individuos superdotados y los criterios para su identificación.

Palabras-clave:superdotación; desempeño escolar; underachievement; inteligencia; creatividad.


 

 

A baixa performance de indivíduos superdotados (SD) possui maior visibilidade no contexto escolar em função dos critérios de avaliação primarem por mensurar elementos relacionados ao desempenho e ao rendimento, com ênfase na produção intelectual, memória e velocidade de execução de tarefas. A análise de indicadores de sucesso educacional tem por propriedade revelar o desempenho acadêmico que, por sua vez, pode ser comparado a resultados obtidos em testes psicológicos padronizados que avaliam o potencial do indivíduo. A definição de underachievement adotada neste estudo se refere a uma baixa performance acadêmica, condição diferenciada de baixo desempenho escolar concomitante à de superdotação que interfere no desenvolvimento do indivíduo superdotado gerando, como consequência, discrepâncias entre capacidade ou potencial e realização ou performance, em consonância com o proposto por Reis e McCoach (2002). Nessa perspectiva, para ser considerado superdotado underachiever (Uach), o indivíduo deve atender a quatro dimensões relacionadas ao processo de aprendizagem. A primeira se refere ao potencial revelado em situação de avaliação psicológica e testes psicométricos. A segunda evidencia o rendimento acadêmico abaixo da média para a turma e série conforme as notas ou conceitos obtidos durante a trajetória acadêmica. A terceira compreende aspectos qualitativos observados no desempenho atual exibido pelo aluno, em uma determinada disciplina ou em um momento de seu percurso acadêmico. A quarta dimensão é a mais subjetiva e está relacionada à percepção do professor e às observações do mesmo acerca do desempenho do aluno (Reis & McCoach, 2002).

A literatura internacional tem se dedicado a estabelecer quais são as diferenças reais entre SD e Uach, quais os riscos para o desenvolvimento dos underachievers, se há como predizer a baixa performance entre superdotados (Montgomery, 2009; Reis & McCoach, 2002). Nessa direção, pesquisas conduzidas por McCoach e Siegle (2003) examinaram as diferenças entre superdotados e superdotados underachievers quanto à autopercepção acadêmica geral, atitudes em relação à escola e aos professores, motivação e autorregulação e estabelecimento de metas. Em uma amostra de 178 estudantes de um programa de atendimento aos superdotados, sendo 122 superdotados e 56 underachievers, os resultados indicaram que os Uach diferem negativamente dos demais superdotados, quanto às variáveis: atitudes em relação à escola e aos professores, motivação e autorregulação, e estabelecimento de metas. Com objetivos similares, um conjunto de variáveis que predizem baixa performance acadêmica entre estudantes SD foi analisado por Olivarez (2004). A amostra foi constituída por 44 estudantes hispânicos de 8º ano e os dados foram obtidos por meio de survey. O autor constatou que existe relação entre atitude negativa do aluno para com a escola e sua baixa performance acadêmica. Essas atitudes se revelam na falta de desejo em estar no ambiente escolar, abandono e evasão, resistência em aceitar regras, entre outros aspectos.

Um estudo comparativo realizado por Sparfeltd (2006), incluindo 51 famílias e seus respectivos filhos, investigou as diferenças entre três grupos de famílias (de superdotados, de não superdotados e de underachievers) em relação à percepção dos pais quanto às características de superdotação dos filhos no transcorrer do ensino fundamental. Os resultados apontaram que não existem diferenças significativas entre os três grupos quanto à percepção dos pais em relação à superdotação dos filhos, durante os primeiros anos de escolarização. Com relação aos anos finais, o pesquisador concluiu que as famílias dos estudantes Uach, com os fracassos acumulados ao longo dos anos escolares, tendem a não reconhecer as altas habilidades dos filhos.

No Brasil, essa temática tem sido pouco investigada e geralmente está associada aos estudos de dupla excepcionalidade do indivíduo superdotado (Ourofino & Fleith, 2011). Dupla excepcionalidade em superdotação se refere a processos diferenciados de desenvolvimento, expressos por coexistência do fenômeno superdotação e outra condição emocional ou comportamental, que interfere negativamente no desempenho e na performance do indivíduo superdotado (Ourofino & Fleith, 2005). A proposição da existência de indivíduos underachievers não está muito esclarecida entre estudiosos brasileiros, o que acende controvérsias quanto ao real entendimento do construto, à implicação de pesquisas neste campo e muitas interrogações em relação ao processo de identificação do superdotado. O paradoxo que se forma a partir da combinação de alta inteligência, múltiplas potencialidades e baixo desempenho desperta dúvidas se o indivíduo é de fato, ou não, superdotado. Essas desconfianças reforçam concepções errôneas que estão arraigadas em pressupostos e mitos de que o superdotado é hermético a problemas sociais, emocionais e de aprendizagem e, portanto, deverá corresponder sempre com performance superior. Este estudo se propõe a esclarecer essa condição, compreendendo as diferenças entre SD e Uach, respondendo as seguintes questões de pesquisa: (1) Existem diferenças entre alunos superdotados e superdotados underachievers, dos gêneros masculino e feminino, em relação à inteligência, criatividade, motivação para aprender, autoconceito e desempenho escolar? e (2) Existem diferenças de atitudes parentais entre as famílias de alunos superdotados e superdotados underachievers em relação às características de comunicação, uso do tempo, ensino, frustração, satisfação e necessidade de informação parental?

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa, 96 estudantes de um atendimento educacional especializado ao superdotado. Entre eles, 43 foram avaliados como underachievers. Cinquenta e sete alunos (59,4%) cursavam do 1º ao 4º ano do ensino fundamental e 39 (40,6%) cursavam do 5º ao 6º ano. Do total de participantes, 72 (75,0%) eram do sexo masculino e 24 (25,0%) do feminino; 60 (62,5%) frequentavam escolas públicas e 36 (37,5%) escolas particulares. A média de idade era de 8 anos e 7 meses, variando de 5 anos e 7 meses a 11 anos e 9 meses. A seleção da amostra foi de conveniência. Dados complementares necessários à organização metodológica do estudo e preenchimento do protocolo de investigação foram coletados entre 53 famílias, sendo respondentes quatro pais e 49 mães; entre 89 professores do ensino regular, 48 de língua portuguesa e 41 de matemática e 7 professores das salas de recursos.

Instrumentos

Matrizes Progressivas Coloridas Raven Escala Especial (Raven, 1992). É um teste de inteligência não verbal que avalia especificamente o fator g, proposto por Spearman. O coeficiente de correlação de Spearman- Brown resultou em um índice de 0,92. O teste apresenta três séries de 12 problemas destinados a avaliar com maior precisão os processos intelectuais de crianças de quatro anos e nove meses a 11 anos e nove meses. O teste possibilita classificar o indivíduo em relação à população normal, numa escala que varia de "intelectualmente deficiente" a "intelectualmente superior".

Escala de Autopercepção para Crianças (Harter, 1985). Essa escala possibilita acessar a percepção que o indivíduo tem de si mesmo, segundo um exame de perfil em seis subescalas que envolvem cinco domínios específicos e um global: competência acadêmica, aceitação social, competência atlética, aparência física, conduta comportamental e autoestima global. Exemplos de itens dessa escala são: "Alguns alunos demoram muito para completar o trabalho escolar, mas outros alunos fazem o trabalho escolar rapidamente"; "Alguns alunos acham difícil fazer amigos, mas outros alunos acham que é muito fácil fazer amigos". Para cada item, o avaliado é instruído a decidir qual estudante é mais parecido com ele em relação a duas sentenças opostas. Cada subescala apresenta um escore final, obtido por meio da soma de pontos dos itens que compõem a escala. O índice de consistência interna das seis subescalas varia de 0,71 a 0,86.

Testes Torrance do Pensamento Criativo – TTCT (Torrance, 1990). Traduzido e adaptado para amostra brasileira por Wechsler (2002) com a denominação de Avaliação da Criatividade por Figuras e Palavras, esse instrumento é muito utilizado em pesquisas em diversas partes do mundo. O objetivo do TTCT é avaliar dimensões relacionadas ao processo criativo e à personalidade por meio da produção criativa expressa de forma verbal e figurativa. O teste possui forma A e forma B para o tipo verbal e figurativo. As características criativas avaliadas por esse instrumento neste estudo foram: (a) fluência, capacidade de gerar um grande número de ideias e soluções para um problema; (b) flexibilidade, habilidade de olhar o problema em diferentes ângulos e mudar os tipos de propostas para sua solução; (c) elaboração, capacidade de embelezar uma ideia por meio de acréscimos de detalhes e enriquecimento das informações, dando sentido estético e harmonioso ao problema e (d) originalidade, capacidade de produzir ideias raras ou incomuns, quebrando padrões habituais de respostas. Esse instrumento obteve coeficientes de fidedignidade do tipo teste e reteste variando entre 0,60 e 0,93 para os vários subtestes.

Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994). O instrumento permite avaliar o potencial acadêmico envolvido nas respectivas áreas: escrita, aritmética e leitura. O TDE acessa o desempenho escolar utilizando questões equivalentes ao conteúdo curricular do 1º ao 7º ano do ensino fundamental, com graduação em cada ano escolar, sendo o aluno instruído a interromper o subteste na medida em que não conseguir mais responder as questões. É composto por três subtestes. O primeiro é de escrita, inclui 34 palavras que deverão ser escritas pelo examinando. O segundo é de aritmética, composto de 38 itens subdivididos em cálculos mentais (adição e subtração) respondidos oralmente e outra parte escrita abordando as operações fundamentais e cálculos matemáticos. O terceiro subteste é o de leitura, composto por um conjunto de 70 palavras. Os itens são apresentados em ordem crescente de dificuldade. A fidedignidade apresenta índices que variaram entre 0,31 a 0,86 no teste total.

Escala de Avaliação da Motivação para Aprender de Alunos do Ensino Fundamental – EMA-EF (Neves & Boruchovitch, 2007). Possibilita acessar a motivação intrínseca e extrínseca de estudantes com relação à aprendizagem. É uma escala brasileira validada para o ensino fundamental. Composta por 31 itens que investigam a vontade (motivação) dos estudantes em estudar e aprender, avalia suas alegações de motivos para se dedicarem, ou não, aos estudos. A EMA-EF é uma escala de frequência de três pontos: sempre, às vezes e nunca. Os dois fatores avaliados por essa escala são: motivação intrínseca – MI e motivação extrínseca – ME. Com relação à precisão, a escala possui um índice satisfatório de fidedignidade, com coeficiente alfa de Cronbach de 0,86 para o MI e de 0,80 para o ME.

Indicadores de Sucesso Parental – PSI (Strom & Strom, 1998). O objetivo desse inventário é identificar as qualidades e comportamentos favoráveis dos pais no processo de educação dos filhos. Possui duas versões, sendo a primeira dedicada a acessar a percepção de pré- -adolescentes e adolescentes e a segunda para acessar a percepção dos pais. As seis subescalas do PSI permitem comparar e traçar o perfil de atitudes e comportamentos parentais nos seguintes fatores: (a) Comunicação – analisa como os pais orientam, ouvem os filhos e aprendem com eles; (b) Uso do tempo – examina como o tempo é administrado, organizado e decidido pela família; (c) Ensino – acessa informação sobre a extensão e o envolvimento dos pais no ensino e na orientação aos filhos; (d) Frustração – lista os comportamentos dos filhos que causam frustração nos pais; (e) Satisfação – evidencia o grau de satisfação dos pais em relação aos comportamentos e atitudes dos filhos; (f) Necessidade de informação – trata de assuntos ou temas que os pais necessitam saber para ajudar os filhos. O inventário foi traduzido e adaptado por Chagas (2003). Neste estudo a linguagem do instrumento foi adaptada para crianças. O nível de consistência interna geral do instrumento varia entre 0,88 a 0,96 e o índice para cada subescala varia entre 0,67 e 0,93.

Protocolo de Investigação da Performance Acadêmica de Estudantes Superdotados (Tentes, 2011). Esse instrumento, inspirado nas argumentações de Reis e McCoach (2002) quanto à definição de baixa performance acadêmica de superdotados e nas quatro dimensões que a envolvem, possibilita a sistematização das informações relacionadas ao potencial do aluno, captando dados sobre os resultados obtidos nos testes padronizados, o registro das notas e avaliações obtidas nos componentes curriculares de língua portuguesa e de matemática, apontando se o rendimento é inferior, médio ou superior. Prevê também a análise das informações sobre a trajetória escolar do superdotado e projetos importantes para sua formação acadêmica. E por fim, o protocolo acessa a percepção de professores e/ou mentores acerca da produtividade do aluno em termos acadêmicos.

Procedimentos

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Após aprovação do Comitê, foram adotadas as providências no sentido de organizar o andamento dos trabalhos e início da coleta de dados. O recrutamento da amostra ocorreu em salas de recursos do Atendimento Educacional Especializado ao Aluno com Altas Habilidades/Superdotação (AEEAH/ SD) vinculadas às Diretorias Regionais de Ensino de três Regiões Administrativas do Distrito Federal, conforme autorização expressa da Secretaria de Estado da Educação (SEDF). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelos pais autorizando a participação de seus filhos na pesquisa, bem como a própria participação para informar sobre a trajetória escolar e o desenvolvimento dos filhos e sobre as atitudes parentais adotadas em relação ao filho participante da pesquisa.

Todos os instrumentos foram aplicados nos alunos nas salas de recursos do AEE-AH/SD. Os participantes foram submetidos à avaliação fundamentada na concepção do Modelo dos Três Anéis de Renzulli (1986), a fim de se verificar as características de superdotação, segundo os critérios da pesquisa. Para a variável habilidade intelectual geral foi adotada a classificação acima da média, para a qual foi considerado como limite inferior o percentil 95 obtido no teste Matrizes Progressivas Coloridas Raven Escala Especial (Raven, 1992). Na variável criatividade, o critério acima da média teve como ponto de corte as médias dos índices de criatividade obtidos por meio do Teste Torrance de Pensamento Criativo, de acordo com a padronização de Wechsler (2002), nos testes verbais médias de 91,32 para o sexo feminino e 66,38 para o sexo masculino e nos testes figurativos, médias de 77,93 para o sexo feminino e 56,30 para o sexo masculino. O padrão de corte para essa variável foi bastante alto para se garantir o efeito da criatividade na identificação dos superdotados. Outra variável investigada foi motivação para aprender, intrínseca e extrínseca, mensuradas por meio do instrumento EMA (Neves & Boruchovitch, 2007). Para essa variável foi estabelecido como critério acima da média o escore de 26 e 23 pontos, respectivamente para motivação intrínseca e extrínseca.

A fim de sistematizar os diversos dados sobre a amostra, foi utilizado o Protocolo de Investigação da Performance Acadêmica de Estudantes Superdotados (Tentes, 2011). Para designação dos participantes aos grupos comparativos foi considerada a avaliação realizada na pesquisa. Portanto, para ser considerado underachiever neste estudo, o participante atendeu, pelo menos, a três das quatro dimensões de aprendizagem inspiradas em Reis e McCoach (2002). Foram mantidos no grupo de superdotados underachievers somente os alunos cuja avaliação da pesquisa foi coincidente com a avaliação dos professores e do juiz externo. Optou-se por um recorte metodológico com delineamento dentre participantes, no qual o indivíduo toma parte simultaneamente em duas condições, ou seja, foi feita análise de uma minoria dentro da minoria, grupo de Uach dentro do grupo de superdotados.

Análise de Dados

Para responder às questões de pesquisa 1 e 2, utilizou- se a análise multivariada de variância (MANOVA). Análises univariadas de variância foram empregadas como post-hoc tests. As análises foram realizadas com auxílio do Programa SPSS (Statistic Package for Social Science) em versão 17.0 (Dancey & Reidy, 2006).

 

Resultados

Inteligência, Criatividade e Motivação

Possíveis diferenças entre estudantes superdotados e underachievers, de ambos os gêneros, foram examinadas em relação à inteligência, criatividade e motivação intrínseca e extrínseca para aprender. Os resultados da MANOVA indicaram diferenças significativas entre os grupos (Wilks' Lambda=0,789; p=0,001), entre os sexos (Wilks' Lambda=0,75; p=0,001) e interação significativa entre grupos e gênero (Wilks' Lambda=0,81; p=0,002). Os resultados da ANOVA revelaram diferenças entre SD e Uach em relação à inteligência, F(1,92)=17,57; p=0,001. Os estudantes SD apresentaram escores superiores (M=34,66; DP=1,85) quando comparados aos underachievers (M=33,63; DP=2,55). Constatou-se também diferença significativa quanto à variável inteligência, comparando-se os estudantes por sexo, F(1,92)=12,86; p=0,001, em favor dos estudantes do sexo masculino (M=34,49; DP=1,87) relativamente aos do sexo feminino (M=34,42; DP=3,79). Os dados revelaram, ainda, interações significativas entre grupo e sexo, F(1,92)=10,66; p=0,002. As estudantes superdotadas apresentaram melhor desempenho em relação aos superdotados do sexo masculino, ao passo que os estudantes Uach revelaram melhor desempenho no teste de inteligência em comparação às alunas Uach.

Observaram-se diferenças significativas entre SD e Uach em relação à criatividade geral, F(1,92)=6,19; p=0,015, em favor dos superdotados (M=140,04; DP=38,22) quando comparados aos Uach (M=116,37; DP=21,90). No que diz respeito à criatividade verbal, F(1,92)=4,81; p=0,031, os superdotados obtiveram escores superiores (M=69,45; DP=21,04) aos dos Uach (M=58,33; DP=15,21). Não foram evidenciadas diferenças significativas no que diz respeito ao sexo para essa variável, F(1,92)=0,90; p=0,345.

Em relação à motivação para aprender, os resultados sinalizaram diferenças significativas apenas para a motivação extrínseca, F(1,92)=4,68; p=0,033, não sendo reveladas diferenças significativas para a motivação intrínseca, F(1,92)=2,56; p=0,113. As diferenças significativas entre SD e Uach em relação à motivação extrínseca são apontadas a favor dos superdotados Uach (M=29,20; DP=9,41). Quando examinados os efeitos de gênero, a ANOVA revelou diferenças significativas em relação à motivação intrínseca (F[1,92]=8,18; p=0,005) a favor das estudantes (M=44,84; DP=3,86), em comparação aos estudantes do gênero masculino (M=40,52; DP=7,79). No entanto, não foram observadas diferenças significativas em relação à motivação extrínseca quando considerados os gêneros masculino e feminino F(1,92)=0,41; p=0,520. Os resultados não apontaram interações significativas entre grupo e sexo para motivação intrínseca (F(1,92)=5,34; p=0,23), nem em relação à motivação extrínseca, F(3,92)=0,006; p=0,93.

Autoconceito e Desempenho Acadêmico

Os resultados da MANOVA não indicaram diferenças significativas entre os grupos (Wilks' Lambda=0,87; p=0,062), ao passo que, em relação ao gênero, os resultados apontaram diferenças significativas (Wilks' Lambda=0,85; p=0,034). Do mesmo modo, foram significativas as interações entre grupo e gênero (Wilks' Lambda=0,82; p=0,008). Com relação ao autoconceito, embora a análise multivariada não tenha apontado diferenças significativas, a análise univariada de variância, utilizada como follow-up, evidenciou diferenças significativas na dimensão conduta comportamental, F(1,92)=4,93; p=0,029, e autoestima global, F(1,92)=7,49; p=0,007, a favor dos superdotados. A ANOVA indicou, ainda, diferenças entre sexo em relação à autoestima global, F(1,92)=5,82; p=0,018, tendo as estudantes do sexo feminino (M=3,48; DP=0,78) se avaliado mais positivamente nesta dimensão do que os estudantes (M=3,36; DP=0,48). Os resultados sinalizaram interações significativas entre grupo e sexo com relação à competência escolar, F(1,92)=4,91; p=0,029, aceitação social, F(1,92)=5,15; p=0,026, e autoestima global, F(1,92)=7,86; p=0,006. Observou-se que em relação à competência escolar, as estudantes SD apresentaram escores superiores aos meninos SD. Em contrapartida, os superdotados Uach tiveram uma percepção mais favorável nessa dimensão do autoconceito, quando comparados às superdotadas Uach. Em relação à aceitação social, as meninas superdotadas se avaliaram mais positivamente que os meninos superdotados. Diferentemente, os Uach se avaliaram mais positivamente que as estudantes Uach. Da mesma forma, quanto à autoestima global, as meninas SD se avaliaram mais positivamente que os meninos SD e os estudantes Uach se avaliaram mais positivamente que as estudantes underachievers.

Com relação ao desempenho acadêmico, a ANOVA indicou diferenças significativas entre os participantes do grupo de SD e Uach com relação às variáveis dependentes desempenho escolar total, F(1,92)=5,57; p=0,020, e escrita F(1,92)=8,66; p=0,004. Os superdotados apresentaram escores superiores no desempenho acadêmico total (M=122,96; DP=9,69), quando comparados aos underachievers (M=112,90; DP=16,06). Quanto à escrita, os superdotados também tiveram melhor desempenho (M=30,83; DP=3,77) em comparação aos Uach (M=26,27; DP=5,96). Não foram encontradas diferenças significativas entre SD e Uach no que diz respeito à variável aritmética, F(1,92)=0,63; p=0,429, e leitura, F(1,92)=1,28; p=0,260. A análise univariada de variância revelou diferenças significativas considerando o gênero em relação à escrita, F(1,92)=4,97; p=0,028. As meninas evidenciaram desempenho superior nessa medida (M=30,96; DP=1,84) em comparação aos meninos (M=27,98; DP=5,98). Não foram encontradas diferenças significativas referentes ao sexo na variável desempenho escolar total, F(1,92)=2,81; p=0,097, aritmética, F(1,92)=0,0001; p=0,984, e leitura, F(1,92)=1,96; p=0,164. Os resultados sugerem que não existem interações significativas entre gênero e desempenho acadêmico total, F(1,92)=1,57; p=0,213, escrita, F(1,92)=1,66; p=0,200, leitura, F(1,92)=1,96; p=1,64, e aritmética F(1,92)=0,52; p=0,820.

Atitudes Parentais

Com relação à percepção dos filhos sobre as atitudes parentais, a análise multivariada de variância não revelou diferenças significativas referentes ao grupo de superdotados e underachievers (Wilks' Lambda=0,92; p=0,453). A ANOVA também não apontou diferenças quanto às variáveis dependentes. Da mesma forma, com relação à autopercepção dos pais sobre suas atitudes parentais, não foram encontradas diferenças significativas referentes ao grupo de superdotados e underachievers (Wilks' Lambda=0,88; p=0,438). A ANOVA também não sinalizou diferenças significativas entre os grupos quanto às variáveis dependentes.

 

Discussão

Os resultados deste estudo indicaram diferenças significativas entre superdotados e underachievers em relação à inteligência, tendo os primeiros apresentado escores mais altos para esta variável. No presente estudo, os resultados mostraram que existem diferenças significativas quanto à variável inteligência em relação ao gênero, em favor dos estudantes meninos. Em relação à inteligência, os dados revelaram interações significativas entre grupo e gênero; as estudantes superdotadas apresentaram melhor desempenho em relação aos estudantes superdotados. Além disso, os underachievers tiveram melhor desempenho em comparação às estudantes underachievers. Nesse tipo de avaliação, que privilegia o raciocínio indutivo, existe uma tendência dos indivíduos do gênero masculino em obter escores brutos mais altos (Gontijo, 2007).

A hipótese de que superdotados underachievers têm propensão a apresentar baixa performance em testes padronizados, quando comparados aos demais superdotados, foi confirmada. No entanto, considerando que a presença de dupla excepcionalidade é preceptora de baixo desempenho, e que os indivíduos duplamente excepcionais aparecem em maior número entre os underachievers, esta situação pode ter levado à diminuição de alguns pontos nos escores brutos, mas se conservam acima da média. A inteligência amplamente investigada e debatida representa uma variável importante na compreensão do fenômeno da superdotação e das múltiplas variações do mesmo. As representações sociais em torno do construto inteligência são contundentes e de algum modo justificam as preocupações de Rimm (2003) sobre as pressões sofridas pelo superdotado quanto à necessidade de ser extraordinariamente inteligente e perfeito ou "o mais inteligente"; o desejo de ser extremamente criativo e único, que pode se traduzir em inconformismo; e a preocupação em ser admirado por seus pares, devido à aparência, à inteligência e à popularidade. A autora alerta que essas pressões constantes, o esforço excessivo e os resultados aquém das expectativas reduzem a motivação do indivíduo e o conduzem à baixa performance.

A criatividade neste estudo foi trabalhada sob o prisma da fluência, flexibilidade, originalidade e elaboração do pensamento e, ainda, da abertura às novas experiências, curiosidade, sensibilidade e coragem para correr riscos, na perspectiva dos argumentos de Renzulli (1986) e Torrance (1990). O conjunto dessas características mostrou que tanto os SD quanto os Uach se percebem criativos. No entanto, quando comparados em relação às medidas de criatividade geral, o estudo indica diferenças entre os dois grupos, em favor dos superdotados. Quanto ao gênero, não foram encontradas diferenças significativas nesta medida. Esses dados mostram que, apesar das diferenças exibidas pelos grupos, há uma tendência dos SD em se avaliarem positivamente, independente de sua condição. A importância social de ser considerado superdotado influencia a vida do indivíduo e gera impactos positivos em seu desenvolvimento. O sentimento de pertença em si é um fator de proteção às vulnerabilidades que acometem os superdotados e podem vir a se configurar como fator de resiliência para esse grupo (Chagas, 2008).

Com relação à criatividade verbal, os resultados indicaram diferenças entre os grupos e os superdotados demonstraram resultados superiores aos dos Uach. Quanto ao gênero, as diferenças significativas foram em favor das estudantes superdotadas. Uma possível explicação para esse último resultado seria a precocidade no desenvolvimento da fala, a riqueza de vocabulário, a fluência e outras características de natureza verbal recorrentes na literatura (Winner, 1998). Chae, Kim e Noh (2003) não confirmaram diferenças entre superdotados e underachievers em relação à criatividade. Entretanto, em estudos com underachievers duplamente excepcionais, Lovecky (1999) encontrou escores inferiores que diferenciavam underachievers dos estudantes superdotados nas medidas de criatividade. O autor sugeriu que tais diferenças estariam vinculadas à falta de cuidados dispensados por esses alunos na dimensão da elaboração, uma das variáveis importantes que compõem a criatividade. Sabe-se que as variáveis que compõem a criatividade, quando aliadas à motivação intrínseca, favorecem o estado de flow, sugerido por Csikszentmihalyi (1996), promovendo satisfação e prazer ao indivíduo em seu trabalho criativo, independente de quaisquer que sejam suas características.

A variável motivação e a autorregulação são preditoras eficazes de características que diferenciam os estudantes superdotados underachievers dos demais estudantes superdotados, conforme indicam os resultados evidenciados nos trabalhos de McCoach e Siegle (2003). No entanto, no presente estudo os resultados sinalizaram diferenças significativas apenas para motivação extrínseca. Tais diferenças são apontadas a favor dos superdotados Uach. As justificativas se alinham ao fato de os underachievers apresentarem dificuldades para adiar recompensas sociais e de lazer, em favor de atividades laborais, pois, conforme afirma Lovecky (1999), estes alunos tendem a não associar gratificações intrínsecas ao término de seus trabalhos. Para o autor, é necessário incluir nas estratégias de intervenção para alunos Uach um conjunto de estímulos e motivadores externos, inclusive com a inserção de marcadores temporais, que deem visibilidade ao início, meio e fim de um investimento, seja ele acadêmico ou não. Betts e Neihart (2004) consideram a falta de motivação dos underachievers totalmente incompatível com o comportamento esperado para indivíduos superdotados. Para eles, a procrastinação e a falta de engajamento, em consequência da baixa motivação, levam o superdotado a se distanciarem do contexto escolar e até se evadirem do mesmo.

Quando verificado o efeito de gênero, são observadas diferenças em relação à motivação intrínseca a favor das estudantes, em comparação aos estudantes do gênero masculino. Já em relação à motivação extrínseca, não foram verificadas diferenças entre os gêneros. Desse modo, volta-se a especular quanto à força do gênero em relação ao fenômeno superdotação, por ser a motivação uma variável que media a autorregulação para aprender e confere autonomia ao estudante na direção de suas metas de aprendizagem.

Há uma tendência em privilegiar a motivação intrínseca como eixo da estrutura motivacional do indivíduo. No entanto, Neves e Boruchovitch (2007) esclarecem que diversos estudos têm constatado que a motivação extrínseca também promove a autodeterminação do aluno em direção às metas de aprendizagem, o que muitas vezes favorece o seu desempenho escolar. Autores que propõem mecanismos de reversão para o baixo desempenho de superdotados Uach têm defendido maiores estímulos à motivação extrínseca, potencializando-a, já que esta é mais expressiva entre underachievers. Vale ainda observar as constatações de Tentes (2012) sobre o impacto da motivação na maneira positiva de o indivíduo superdotado demonstrar suas habilidades cognitivas no processo criativo, na dedicação aos estudos e na produção acadêmica de qualidade. Essa visão vai ao encontro das autopercepções favoráveis dos participantes quanto às suas preferências, interesses e aspectos motivacionais descritos neste estudo.

Com relação ao autoconceito, a análise univariada de variância evidenciou que existem diferenças significativas, entre SD e superdotados Uach, nas dimensões conduta comportamental e autoestima global, a favor dos superdotados. Essa comprovação está em consonância com as proposições de Betts e Neihart (2004), que identificam, no superdotado bem sucedido, características de autoconceito positivo e autoestima consolidada, ao passo que o underachiever revela frustração exacerbada e autoconceito negativo. A ANOVA indicou diferenças entre os gêneros somente na dimensão autoestima global, mostrando que as estudantes apresentaram uma percepção mais positiva de si mesmas, quando comparadas aos meninos. Esse dado é surpreendente e merece reflexão, uma vez que a literatura, especialmente sobre mulheres eminentes, destaca as forças sociais que operam historicamente no contexto feminino, limitando as oportunidades e incentivos ao pleno desenvolvimento das mulheres e influenciando negativamente o grau de confiança que elas depositam em si mesmas e que as impede de atuarem brilhantemente em diversas áreas, sobretudo as consideradas de monopólio masculino (Gontijo, 2007). Portanto, atitudes inclusivas que sustentem a diversidade e garantam a igualdade de direitos devem ser pensadas no contexto educativo, familiar e escolar, para eliminar condutas desencorajadoras ao sucesso feminino.

Os resultados sobre autoconceito sugerem interações significativas entre grupo e gênero, com relação às dimensões da competência acadêmica, aceitação social e autoestima global. Para competência acadêmica, as superdotadas apresentaram uma percepção mais positiva que os estudantes superdotados. Em contrapartida, os Uach apresentaram desempenho superior em relação às meninas underachievers, nessa dimensão do autoconceito. Em relação à aceitação social, as estudantes superdotadas se avaliaram mais positivamente que os meninos superdotados. Diferentemente, os estudantes Uach se avaliaram mais positivamente que as estudantes underachievers. Quanto à autoestima global, as alunas SD se avaliaram mais positivamente que os meninos SD e os estudantes Uach se avaliaram mais positivamente que as estudantes Uach. De fato, o que importa é que as análises de todas as figuras de interação significativa, grupo e gênero, esclarecem a situação desprivilegiada das superdotadas underachievers, evidenciando os efeitos negativos da marginalização de condições desfavorecidas sobrepostas, discutidos anteriormente.

Quanto ao desempenho escolar, os resultados revelaram que houve diferenças significativas, a favor dos SD, quando comparados aos Uach. Esse dado está integralmente coberto pelos resultados apontados na literatura, que assinalam que os underachievers apresentam uma performance acadêmica qualitativamente e quantitativamente inferior aos superdotados (McCoach & Siegle, 2003). O desempenho acadêmico total foi investigado a partir das dimensões escrita, aritmética e leitura. Somente na dimensão escrita foram verificadas diferenças significativas, em favor do SD, em comparação ao Uach. Com relação ao gênero, não foram verificadas diferenças significativas na variável desempenho total e também na dimensão aritmética e leitura. As diferenças marcadas pelo efeito de gênero se concentraram apenas na dimensão escrita. As dificuldades enfrentadas por superdotados underachievers em relação à escrita é o primeiro indicador de baixa performance acadêmica destacado por Montgomery (2009). As diferenças em relação à leitura não foram verificadas. Os estudantes, quando chegam ao atendimento ao superdotado, geralmente foram alfabetizados antes dos seis anos, apresentam leitura precoce, vocabulário avançado e fluência verbal. Essa aprendizagem inicial, com o tempo, parece se tornar estática. O nível de leitura, verificado pelas médias no TDE, é similar entre os respondentes dos anos iniciais e finais do ensino fundamental. Os estudantes SD mais jovens enfrentam dificuldades para o registro escrito, muitas vezes pela limitação psicomotora ainda em desenvolvimento. No entanto, foi observado que essa dificuldade se mantém entre os superdotados mais velhos, que passam a evitar os registros escritos, principalmente os caligráficos. Essa situação foi apontada pelos participantes deste estudo, quando se reportaram às atividades de suas preferências e destacaram a escrita, a produção de relatórios e a elaboração de projetos como atividades de menor predileção.

Estudantes com baixo desempenho escolar não planejam e nem monitoram suas ações, apresentam dificuldade para criar e lidar com diferentes formas de resolver problemas, além de não utilizarem adequadamente os conhecimentos e habilidades que possuem e subestimarem sua capacidade cognitiva. Os fatores ambientais, escola e família, associados à condição underachievement, foram bastante explorados neste estudo e completam a tríade, indivíduo-escola-família, cujos desajustes parecem explicar algumas causas da trajetória mal sucedida vivenciada pelo aluno superdotado. A família do superdotado tem sido focalizada em função do impacto da presença dos pais no direcionamento das habilidades dos filhos, apesar de esta presença nem sempre se traduzir em experiência positiva, dada a pressão que alguns pais acabam por exercer sobre seus filhos (Montgomery, 2009; Rimm, 2003). Também Coil, Rhoads, Smith e Merritt (2008) admitem como uma das causas mais frequentes da baixa performance acadêmica a pressão por bom desempenho exercida pelos pais. Com base nesses pressupostos, foram verificadas possíveis diferenças em relação às atitudes parentais, entre as famílias de SD e superdotados Uach, tanto na visão dos pais, quanto na visão dos filhos. Não foram encontradas diferenças significativas referentes aos grupos SD e Uach com base na autopercepção dos pais e nem na percepção dos filhos sobre os seus pais.

Utilizando o mesmo instrumento empregado nesta pesquisa, o PSI, Chagas (2008) investigou possíveis diferenças entre a percepção de adolescentes talentosos, seus pais e suas mães, quanto às atitudes parentais. As análises revelaram que não existiam diferenças significativas em relação à percepção dos participantes quanto às dimensões da escala, em nenhuma das situações investigadas. Uma provável variável interveniente para esses resultados pode estar associada ao próprio instrumento que, para aplicação em maior escala, além de ser cansativo e gerar um pool de dados difíceis de serem manejados, não se mostrou sensível para capturar diferenças para essas variáveis no grupo estudado. No entanto, para análises individuais em avaliações psicológicas, com vistas às intervenções pontuais, o instrumento parece ser apropriado para utilização com pré-adolescentes e adolescentes. Considerando que o maior número de participantes deste estudo era de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, inferem-se os mesmos motivos observados no estudo comparativo realizado por Sparfeltd (2006) sobre as diferenças entre famílias, de superdotados, de não superdotados e de underachievers, em relação à percepção dos pais quanto às características dos filhos. Os dados apontaram que não existem diferenças significativas entre os três grupos de famílias quanto à percepção dos pais em relação às características dos filhos durante os primeiros anos de escolarização, o pesquisador encontrou diferenças significativas com relação à influência das famílias na organização do autoconceito positivo dos filhos, em favor dos superdotados, contrariando os resultados do presente estudo. Portanto, seria interessante a investigação de famílias de superdotados Uach adolescentes e adultos com trajetória escolar e pessoal mais estruturada e avançada em termos de tempo e de experiências vivenciadas. O papel da família no reconhecimento e no encaminhamento de superdotados é fundamental, pois as crianças com esse perfil, desde os primeiros anos de vida, já manifestam comportamentos e interesses que são sinalizadores de desenvolvimento precoce. Pais atentos podem perceber essas peculiaridades e estimularem características que podem ser indicadoras de altas habilidades. Contudo, alguns pais acabam frustrados pela falta de habilidade para lidarem com as características de seus filhos underachievers. Os pais operam na manutenção de altas expectativas em relação às potencialidades dos filhos e isto reinicia o ciclo de cobranças e metas irreais impostas ao superdotado.

Este estudo comparativo possibilitou o entendimento acerca de um conjunto de características evidenciadas por estudantes SD e Uach e propiciou a compreensão do fenômeno das altas habilidades/superdotação, quanto aos aspectos relacionados às subpopulações especiais em suas múltiplas dimensões e contextos. No entanto, faz-se necessário ressalvar as limitações metodológicas do estudo. Assim, salienta-se a seleção da amostra de conveniência com recrutamento em programas, embora seja muito comum na literatura sobre superdotação. Ressalta-se ainda, em relação às famílias e professores, que uma melhor descrição demográfica e de suas características poderia esclarecer os resultados encontrados em relação às atitudes parentais e aos fatores associados à motivação para aprender dos participantes. As diferenças e as não diferenças encontradas entre os grupos pesquisados, em relação às principais variáveis cognitivas, comportamentais e afetivas que caracterizam a superdotação, são indicativas da complexidade que se deve imprimir ao atendimento às necessidades pessoais e educacionais dos indivíduos que vivenciam esta condição.

O reconhecimento de que existe um grupo de superdotados underachievers implica mudanças de paradigmas quanto aos conhecimentos sobre as características dos indivíduos superdotados e dos critérios de identificação das altas habilidades/superdotação. Essas mudanças deverão ocorrer, pois as mesmas são decisivas, tanto para a compreensão desse fenômeno em sua diversidade, quanto para um processo bem conduzido de identificação e de acompanhamento de alunos superdotados. Os profissionais envolvidos em avaliação de superdotação devem contemplar a postura interdisciplinar, incorporar atitudes inclusivas em suas ações e primar pela equidade e pela garantia aos alunos dos direitos de igualdade nas diferenças.

Os resultados desta investigação fornecem alguns argumentos que suscitam a realização de pesquisas futuras no que tange às muitas e variadas questões que emergem no contexto escolar, familiar e clínico, e à carência de estudos empíricos conduzidos na área de subpopulações especiais em superdotação. Como cenário futuro, seria importante realizar estudo retrospectivo com indivíduos superdotados adultos, para identificar em sua trajetória os indicadores de baixo desempenho e o impacto da condição underachievement em suas vidas; verificar estratégias de coping (esforços cognitivos e comportamentais voltados para o manejo de exigências de demandas internas e/ou externas avaliadas como sobrecarga aos recursos pessoais do indivíduo) e de resiliência presentes no desenvolvimento de superdotados bem sucedidos, em comparação a superdotados underachievers.

 

Referências

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Recebido em janeiro de 2013
Reformulado em maio de 2013
Aprovado em agosto de 2013

 

 

Sobre as autoras

Vanessa Terezinha Alves Tentes: é Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia nas áreas de Desenvolvimento Humano no Contexto Sociocultural e Educação. Dedica-se à atividades de psicologia clínica. É professora da Universidade Católica de Brasília, no Programa de Mestrado e Doutorado em Educação.
Denise de Souza Fleith: é Ph.D. em Psicologia Educacional pela University of Connecticut, Estados Unidos. É professora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília, pesquisadora 1C do CNPq e membro do comitê executivo do World Council for Gifted and Talented Children.


1Endereço para correspondência: QNC 01 AE 19, apto 502, Bloco C, Taguatinga Norte, 72 115-926, Distrito Federal. E-mail: psivan@terra.com.br, tentes@ucb.br