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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.13 no.2 Itatiba ago. 2014

 

 

Estudo exploratório com indivíduos com depressão por meio do Rorschach, Sistema Compreensivo

 

An exploratory study in patients with depression by the Rorschach Comprehensive System

 

Un estudio exploratorio en los pacientes con depresión por el Sistema Comprensivo del Rorschach

 

 

Carla Luciano Codani Hisatugo1, I; Latife YazigiII

IUniversidade Metodista de São Paulo
IIUniversidade Federal de São Paulo

 

 


RESUMO

Realizou-se estudo exploratório com indivíduos diagnosticados com depressão. Participaram 79 adultos caracterizados como: G1, depressivos unipolares (n=38); G2, depressivos com deslizes cognitivos (n=25); e G3, não depressivos com transtornos mentais (n=16). A análise descritiva e comparativa entre grupos considerou as seguintes variáveis do Rorschach: capacidade de produção, R; foco de atenção, Lambda; tipo de adaptação/vivência, EB; índice de depressão, DEPI. Para diagnóstico, usou-se entrevista Clínica Psiquiátrica, SCID-I e II. Médias de R encontradas foram: G1=24,0; G2=20,0; G3=26,0. Médias de Lambda: G1=0,96; G2=1,21; G3=1,10. O EB tipo ambigual predominou nos grupos. Diferenças no DEPI para o G1 foram: sombreado vista [FV+VF+V>0], p=0,016; cor acromática [SumC'>2], p=0,009; índice de egocentrismo [EGO<.33], p=0,0002. Os dados indicaram autocrítica negativa, baixa autoestima e sofrimento elevado no grupo de depressivos unipolares. Os depressivos com deslizes cognitivos apresentaram foco de atenção mais restrito. Todos os grupos demonstraram boa capacidade de produção, entretanto com limitação crônica de algumas habilidades adaptativas.

Palavras-chave: depressão; avaliação psicológica; teste de rorschach.


ABSTRACT

An exploratory study was conducted in patients diagnosed with depression. Seventy-nine adults participated characterized as: G1, unipolar depressive (n=38); G2, with depressive cognitive slips (n=25), and G3, nondepressed with mental disorders (n=16). A descriptive and comparative analysis between groups considered Rorschach variables: production capacity, R; focus of attention, lambda; EB style and the Depression Index, DEPI. The Structured Clinical Interview for DSM, SCID-I and II was used for the assessment of the sample. Means of R were: G1=24.0, G2=20.0, G3=26.0. Averages for Lambda: G1=0.96, G2=1.21, G3=1.10. The EB ambigual type prevailed in all the groups. Differences in DEPI for G1 were: shaded view [FV+VF+V>0], p=0.016; achromatic color [SumC'>2], p=0.009, and egocentricity index [EGO<.33], p=0,0002. The data indicated negative self-criticism, low selfesteem and suffering higher in the group of unipolar depressive. The depression with cognitive slips showed more restricted focus of attention. All groups demonstrated adequate production capacity, however chronic limitation of adaptive skills.

Keywords: depression; psychological assessment; rorschach test.


RESUMEN

Estudio exploratorio se llevó a cabo en los pacientes diagnosticados con depresión. Setenta y nueve adultos participaron caracterizados como: [G1] depresivo unipolar (n=38); [G2] con resbalones cognitivos de depresión (n=25), y [G3] no deprimidos con trastornos mentales (n=16). El análisis descriptiva y comparativa entre grupos consideraron variables de Rorschach: la capacidad de producción, R; el enfoque de la atención, lambda; Tipo de Vivencia, EB; y el índice de depresión, DEPI. Para el diagnóstico fueron utilizada la entrevista Clínica Psiquiátrica, SCID-I y II. Las medias de R fueron: G1=24,0; G2=20,0; G3=26,0. Las medias de Lambda: G1=0,96; G2=1,21; G3=1,10. El tipo EB ambigual predominó en todos los grupos. Las diferencias en la DEPI para G1 fueron sombreadas vista [FV+VF+V>0], p=0,016; color acromático [SumC'>2], p=0,009; y el egocentrismo [EGO<.33], p=0,0002. Los datos indicaron autocrítica y auto-estima baja y el sufrimiento mayor en el grupo de depresión unipolar. La depresión con resbalones cognitivas mostró más estrecho foco de atención. Todos los grupos demostraron adecuada capacidad de producción, sin embargo la limitación crónica de algunas habilidades de adaptación.

Palabras-clave: depresión; evaluación psicológica; prueba de rorschach.


 

 

A depressão é um transtorno mental que abrange vários sintomas físicos, vegetativos e somáticos, além de alterações afetivas e cognitivas. O quadro atinge mais de 350 milhões de pessoas no mundo, provoca dificuldade de interação social, de realização de atividades laborais, e influi diretamente na vida e rotina dos sujeitos (Lima, 1999; Moreno, 2003; Organização Mundial da Saúde, 2012). O sofrimento psíquico abrange não somente o indivíduo deprimido, mas também as pessoas em seu redor: dependentes, familiares, amigos e cuidadores (Akiskal et al., 2000). Estima-se, no Brasil, que 3% da população seja acometida por transtornos mentais graves e 10%, por transtornos mentais leves (Máximo, 2010). A tendência à recorrência e à cronicidade da depressão leva ao comprometimento de sintomas agudos e causa um custo acentuado no tratamento da doença. A dificuldade de adesão ao tratamento e de procura por auxílio profissional estão entre os grandes problemas para lidar com a complexidade de sintomas presentes no quadro depressivo.

O Manual para diagnóstico e Estatístico da Associação Psicquiátrica Americana, quarta revisão, DSM-IV, (American Psychiatric Association, 1994), classifica como depressão um conjunto de sintomas que ocasionam um transtorno de humor. Inicialmente, o transtorno de humor está dividido em (I) transtorno depressivo (depressão maior ou distimia) e (II) transtorno bipolar. Para o DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), o transtorno de humor é também caracterizado por categorias relacionadas com critérios específicos, abrangendo:

(1) Especificadores de gravidade (leve, moderado, grave);

(2) Presença de características psicóticas, congruentes ou incongruentes com o humor;

(3) Remissão completa ou parcial do quadro;

(4) Cronicidade;

(5) Existência de características catatônicas, melancólicas ou atípicas;

(6) Início precoce, tardio ou em pós-parto;

(7) Presença de recuperação completa anterior;

(8) Existência de padrão sazonal;

(9) Existência de ciclagem rápida (no caso de depressivos bipolares).

Os sintomas depressivos, segundo o DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), são: humor deprimido, prazer ausente ou reduzido, apetite diminuído ou hiperfagia; sono alterado; agitação ou retardo psicomotor; fadiga; sentimento de inutilidade ou culpa excessiva/ inadequada; falta de concentração e ideação suicida.

O transtorno depressivo unipolar consiste nos sintomas de um (ou mais) episódio(s) depressivo(s), enquanto o transtorno depressivo bipolar abrange outros episódios (maníaco, hipomaníaco, misto, inespecífico). Tal como a depressão unipolar, a depressão bipolar abrange traço de herança genética multifatorial (Alda, 1999). Portanto, a depressão, tanto bipolar como unipolar, é uma doença que abrange uma complexidade de sintomas (Teng, Humes, & Demetrio, 2005). A clara importância do diagnóstico ao paciente pode evitar pioras do quadro bem como um ato suicida (Kernberg, 1995). Thompson (1989) apresentou categorias de sintomas que podem ser avaliados para inferência sobre a existência de depressão: humor; sintomas vegetativos ou somáticos; motores; sociais; cognitivos; sintomas de ansiedade e irritabilidade. A primeira categoria abrange o sentimento de tristeza e a perda de interesse ou o desprazer nas atividades rotineiras. Os sintomas vegetativos ou somáticos constituem as dificuldades relacionadas com aspectos neurofisiológicos como alterações do sono, do apetite, da libido, e constipação e fadiga. A categoria de sintomas motores está relacionada com morosidade, inibição, retardo ou agitação motora.

Aspectos sociais são categorizados por sintomas relacionados com a dificuldade interpessoal: apatia, isolamento e incapacidade de realização de tarefas. A categoria de sintomas cognitivos envolve sentimento de desamparo e desesperança, autoculpabilidade, ideação e ato suicida, indecisão e incapacidade de insight sobre a própria doença. A categoria de ansiedade abrange os sintomas de ansiedade psíquica, somática e fóbica. A última categoria se relaciona com sintomas de hostilidade e de agressividade dirigidas a si mesmo e ao outro, chegando ao suicídio (Thompson, 1989).

O Rorschach e os transtornos mentais

O Rorschach, segundo o Sistema Compreensivo, é um instrumento que avalia dados da personalidade, por meio de um procedimento padrão para aplicação, codificação e interpretação de seus resultados. Constitui-se de dez pranchas contendo manchas de tintas, as quais são apresentadas ao sujeito com a tarefa de que ele indique o que lhe parece cada uma dessas pranchas. Faz parte desta avaliação uma série de critérios específicos para classificação das respostas dadas pelos sujeitos, tais como a localização e a qualidade evolutiva, os determinantes e a qualidade formal, a presença de respostas populares e/ou envolvendo pares, a análise da atividade organizativa (nota Z), o tipo de conteúdo da resposta e os Códigos Especiais (Exner, 1986, 1994; Weiner, 2000). Diretrizes interpretativas servem para inferir sobre as características da personalidade e auxiliam no processo de análise dos dados obtidos (Exner, 1995). A avaliação do sujeito se dá por meio de uma tarefa perceptiva. Para entender o desempenho do avaliado, observa-se: (1) quais são suas escolhas; (2) qual seu foco de atenção; (3) como se manifesta sua capacidade crítica e de adequação e adaptação; (4) como é sua percepção da realidade; (5) quais as características do estímulo que são mencionadas. Desse modo, a estruturação cognitiva envolve processos de atenção, percepção, tomada de decisão e análise lógica, influenciados por fatores cognitivos e emocionais subjetivos (Weinner, 2000).

Os estímulos pouco estruturados característicos das pranchas do Rorschach podem mobilizar conteúdos projetivos. Estes conteúdos refletem aspectos subjetivos, idiossincráticos do sujeito. A idiossincrasia se faz presente face à ambiguidade decorrente do estímulo. A reação do sujeito perante os estímulos desestruturados é influenciada pela sua capacidade para lidar com situações adversas, de flexibilidade cognitiva e de adaptação. Os índices do Rorschach no Sistema Compreensivo que compõem variáveis relacionadas aos aspectos específicos de quadros psicopatológicos são: (1) S-CON: índice de potencial ou ideação suicida; (2) HVI: índice de hipervigilância; (3) OBS: índice de presença de sintomas obsessivo-compulsivos; (4) PTI: índice de transtorno de alteração da percepção; (5) DEPI: índice de presença de sintomas depressivos; e (6) CDI: índice de déficit relacional/ interpessoal. Pesquisas empíricas e consenso sobre aspectos da personalidade de determinados transtornos foram consideradas na criação desses índices (Exner, 1986; Nascimento, 2002, 2006).

Esses índices são verificados pela interpretação de um conjunto de variáveis, articuladas entre si, as quais permitem avaliar a presença de aspectos psicopatológicos importantes. Esta interpretação considera os critérios específicos para classificação de respostas dadas pelos sujeitos, conforme indicado anteriormente, relacionados com cada quadro psicopatológico contemplado: (1) aspectos ideacionais para o S-CON; (2) aspectos ansiogênicos e interpessoais para o HVI; (3) aspectos ligados ao quadro de Transtorno Obsessivo Compulsivo no OBS; (4) aspectos ligados à alteração da percepção da realidade para o PTI; (5) aspectos relacionados aos quadros depressivos para o DEPI; (6) indicadores de dificuldade de enfrentamento e de relacionamento interpessoal para o CDI. O procedimento de avaliação de um protocolo de Rorschach consiste em atribuir importância aos índices da constelação, antes mesmo de iniciar a interpretação dos demais dados. As constelações servem como referência para análise de determinadas limitações ou transtornos existentes (Exner, 2003).

Pesquisas sistemáticas com o Rorschach (Sistema Compreensivo) relacionadas à depressão vêm sendo realizadas desde a década de 1980. Estudos de Mason, Cohen e Exner (1985) com grupos de pacientes esquizofrênicos (n=155), depressivos (n=109) e não-pacientes (n=186) encontraram uma condição da personalidade depressiva influenciada pela percepção, relacionamento interpessoal, afeto e cognição. Os achados permitiram a formulação de três fatores associados a uma amostra de pessoas com depressão: fator 1 – o pensamento é influenciado pela necessidade de solucionar o problema juntamente com o estresse causado pela situação, podendo levar a uma alteração da capacidade de relacionamento interpessoal; fator 2 – quando os depressivos dão mais respostas, ou seja, aumentam sua produção, tendem a se ater a uma percepção mais simples do estímulo para dar conta de gerenciar os estímulos apreendidos; fator 3 – quanto mais vagas as respostas, sem interação adequada entre elas [DQv], maior a tendência a apresentar respostas menos estruturadas, disfóricas ou ambivalentes, e com mais distorção da realidade (Mason et al., 1985).

Nas últimas décadas, alguns estudos mostraram que o DEPI era mais influenciado por aspectos emocionais e que o índice não tinha relação direta com o diagnóstico de depressão. Também evidenciaram ausência de correlação estatisticamente significativa entre os escores do DEPI revisado e o diagnóstico psiquiátrico (Ball, Archer, Gordon, & French, 1991). O DEPI foi indicado para avaliar aspectos afetivos (Meyer, 1993) e suas influências no modo de reagir aos eventos (Viglione, 1999), direcionando seu uso em oposição a sua proposta inicial de diagnóstico de quadro depressivo. Singer e Brabender (1993) entenderam que o DEPI poderia identificar a depressão nos casos unipolares com mais sucesso do que nos demais tipos de depressão.

Jorgensen, Andersen, e Dam (2000) revisaram estudos de validação do DEPI no período de 1990 a 1999. Os valores preditivos, positivo e negativo, foram apresentados pelos autores com base em estimativas de médias propostas. Os resultados obtidos foram diversificados, indicando falta de consenso sobre a performance diagnóstica do DEPI para a depressão. Entretanto, o índice demonstrou maior sucesso ao identificar não psicóticos depressivos unipolares em relação a psicóticos depressivos unipolares e bipolares. Garb, Wood, Nezworski, Grove, e Stejskal (2001) apresentaram críticas aos estudos de validação do Rorschach, realizando uma revisão mais restrita a algumas pesquisas com o DEPI. Mencionaram as dificuldades metodológicas encontradas nas pesquisas e sugeriram cuidado no uso do grupo controle, na descrição seletiva de dados obtidos e na manipulação estatística dos dados (Garb et al., 2001).

Enquanto isso, no Brasil, estudos normativos e de padronização de Nascimento (2002) com amostra de não-pacientes, representaram importante contribuição ao uso do Rorschach em nosso meio, satisfazendo critérios de precisão e de confiabilidade do instrumento para a realidade nacional. Nascimento e Güntert (2000), utilizando amostra de 25 não-pacientes de São Paulo, verificaram que 40,0% dos indivíduos (10 casos) apresentaram índice DEPI positivo (5 e 6 pontos), percentual mais elevado do que aqueles encontrados por Exner (2003). Os dados desse estudo, no tocante ao percentual de variáveis do DEPI, foram: baixo investimento em contato interpessoal [COP<2]=85,0%; autoimagem inadequada [Ego>0,44 e Fr+rF]=72,0%; excesso de sofrimento afetivo [SumSh>FM+m]=61,0%; disforia e sentimentos ambivalentes [Col-Sh>0]=57,0%; dificuldades afetivas [Afr<0,46]=53,0%. Esses achados indicaram dificuldade de relacionamento interpessoal, sentimentos ambivalentes e disforia, autoimagem depreciativa com baixa autoestima, introspecção negativa e baixa reatividade emocional nas pessoas com o DEPI positivo.

Nascimento (2006, 2010) analisou as constelações do Rorschach em amostra normativa de 409 sujeitos, não-pacientes, distribuídos entre moradores de capital e interior de São Paulo. A autora constatou que a média de DEPI em ambos os grupos estava dentro do esperado, inexistindo, portanto, indicação de patologia ou de traços depressivos nos indivíduos. Observou a frequência de 20,0% na amostra total para resultados com DEPI positivo, sendo um percentual de 23,0% na capital e de 16,0% no interior, sem diferença estatisticamente significativa entre esses subgrupos.

Nascimento (2006, 2010) sugeriu a relevância de se ater aos casos de pontuação dos quatro primeiros itens do DEPI: introspecção e angústia exacerbada [Sum V>0 ou FD>2]; disforia e sentimentos ambivalentes [Col-Sh>0[; inadequada autoimagem [Ego>0,44 e Fr+rF]; e negativismo no aspecto cognitivo e autoimagem [MOR>2 ou Intelectualização>3].

Castro (2008) avaliou 30 pacientes com transtorno de pânico e os comparou com 30 não-pacientes. Em seu estudo, obteve diferença estatisticamente significativa na pontuação do DEPI (p=0,009). Assim, o escore de DEPI positivo foi maior para o grupo de pacientes com pânico (46,67%, n=7 em mulheres; 53,3% em homens, n=8), indicando forte relação entre a ansiedade e o sofrimento causado pela depressão.

Mihura, Meyer, Dumitrascu, e Bombel (2013) realizaram estudo de meta-análise sobre pesquisas com o Sistema Compreensivo do Rorschach. Dentre essas, foram analisadas pesquisas de confiabilidade e de validade de critério do DEPI. Concluíram que o DEPI, por apresentar fragilidade nos estudos de validação, foi considerado pobre em sua habilidade para detectar o transtorno depressivo. Em comparação a outros métodos psicodiagnósticos (como avaliações de psiquiatras e escalas de autoavaliação), constataram baixa capacidade do DEPI para identificar sintomas em pacientes com depressão. Entretanto, o DEPI foi considerado o melhor indicador de pacientes depressivos em relação aos não-pacientes (r=0,45 e p=0,001) quando comparadas amostras de pacientes depressivos com outros pacientes (r=0,17 e p=0,004) (Mihura et al., 2013). Contudo, a complexidade de aspectos que envolvem a depressão deve ser considerada no processo de avaliação psicológica, exigindo cuidadosa análise dos indicadores de sofrimento psíquico que podem estar atrelados a esses aspectos.

Dentro desse contexto de avaliação da personalidade, ganha destaque e relevância clínica e técnica, portanto, o conjunto de variáveis do Rorschach que compõem o DEPI para a análise de fatores relacionados ao quadro depressivo. Assim, o objetivo deste trabalho foi realizar estudo exploratório de pessoas com o diagnóstico de depressão, utilizando algumas variáveis do Rorschach Sistema Compreensivo (SC) relacionadas ao transtorno afetivo e identificadas no índice de depressão, DEPI.

 

Método

O desenho deste estudo foi baseado em análise descritiva e comparativa de grupos, com coleta de dados em amostragem de conveniência. Foi realizada uma comparação entre três grupos de pessoas com diagnósticos de transtornos mentais.

Participantes

Os 79 participantes desta pesquisa são indivíduos que procuraram atendimento psicológico, espontaneamente, em ambulatório hospitalar e foram atendidos nesse mesmo centro ambulatorial. Para a caracterização diagnóstica dos grupos, foram consideradas as categorias propostas pelo DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994). Todos os participantes se encontravam estabilizados por medicações, havendo atendimento psicológico e psiquiátrico de, no mínimo, um semestre e, no máximo, dois anos. Foram considerados os participantes com queixas e diagnósticos psiquiátricos, mas sem quadro depressivo, seguindo a sugestão de comparação de dados de depressão com pacientes sem o quadro (Meyer, 1993). Desse modo, três grupos foram identificados com as seguintes características:

(1) G1 (depressivos unipolares; n=38): pessoas com diagnóstico de transtorno do humor – transtorno depressivo maior (TDM), ou transtorno distímico (TD), sem características psicóticas ou outras comorbidades psiquiátricas. Essas pessoas apresentaram um quadro de distimia em 71% dos casos e de depressão maior em 29% dos casos no eixo I, sem pontuação no eixo II. Com relação às categorias relacionadas com critérios específicos ao transtorno depressivo, estipulados pelo DSM-IV, o G1 apresentou: (1) intensidade moderada a grave; (2) cronicidade; (3) início precoce ou tardio. Foram ausentes em G1 as características: (1) psicóticas; (2) catatônicas; (3) recuperação completa anterior; (4) padrão sazonal.

(2) G2 (depressivos com deslize cognitivo; n=25): pessoas com diagnóstico de transtorno bipolar tipo I (TB), com ou sem características psicóticas, e com diagnóstico de transtorno depressivo maior (TDM), com características psicóticas. O deslize cognitivo foi o termo considerado para caracterizar e diferenciar esse grupo de indivíduos com alteração da percepção da realidade, por meio do diagnóstico de presença de sintomas psicóticos junto ao quadro de depressão ou com quadros de transtorno de personalidade borderline constatados pela Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV – SCID I e II (Del- Ben et al., 2001) para avaliação diagnóstica psiquiátrica. Para este grupo de indivíduos, foi indicada a presença de sensações incomuns (alucinações e delírios), conexões entre acontecimentos sem relação entre si, além de experiências sociais adversas indicativas de isolamento e sintomas negativos. No G2, 60% das pessoas apresentaram depressão bipolar e 40% sinalizaram transtorno depressivo maior com sintomas psicóticos para o eixo I. O eixo II indicou transtorno de personalidade borderline para 52% dos casos do G2. Com relação às categorias relacionadas com critérios específicos ao transtorno depressivo, estipulados pelo DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), para o G2, foram presentes: (1) intensidade moderada a grave; (2) possibilidade de características psicóticas; (3) cronicidade; (4) início precoce ou tardio; (5) possibilidade de ciclagem rápida. Foram ausentes em G2: (1) recuperação completa anterior; (2) padrão sazonal.

(3) G3 (não depressivos; n=16): pessoas com diversos diagnósticos de transtornos do eixo I e II da SCID (Del-Ben et al., 2001) sem o diagnóstico de transtorno de humor. No eixo I, 11 pessoas (68,75%) apresentaram transtorno obsessivo compulsivo. No eixo II, os diagnósticos presentes foram: transtorno esquizoafetivo e transtorno narcisista em uma pessoa (6,25%); transtorno de ansiedade em três pessoas (18,75%), uma delas com comorbidade em tricofilomania; transtorno de estresse pós-traumático em uma pessoa (6,25%); transtorno de pânico em três pessoas (18,75%); transtorno de personalidade borderline em duas pessoas (18,75%) e transtorno somatoforme em uma pessoa (6,25%). Sobre as categorias relacionadas com critérios específicos ao transtorno depressivo, estipulados pelo DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), em G3, não houve identificação de indicadores devido à ausência de diagnóstico de transtorno de depressão de qualquer tipo.

A Tabela 1 abrange as características sociodemográficas dos participantes. A variação da idade foi analisada pelo cálculo da mediana. Foram considerados adultos acima de 18 anos para todos os grupos. O estado civil foi variado, mas indicou predominância de pessoas solteiras. O grau de escolaridade representa o ensino médio completo ou incompleto.

 

 

Instrumentos

Foram utilizados os instrumentos: (1) Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV – SCID I e II (Del- Ben et al., 2001) para avaliação diagnóstica psiquiátrica; (2) Método de Rorschach, Sistema Compreensivo (Exner, 1995, 2003) para avaliação psicológica. A entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV, SCID I e II, utilizada para o diagnóstico psiquiátrico dos participantes, foi aplicada por psiquiatras e psicólogos treinados. Consiste em um questionário contendo uma anamnese com questões relacionadas às atividades sociais, laborais e individuais da pessoa, e também aos sintomas existentes em quadros de transtornos mentais categorizados no DSM-IV. O Eixo I indica quadros clínicos referentes aos transtornos de humor, psicóticos, de ansiedade, somatoformes e de uso de psicoativos (álcool e outras substâncias). O eixo II indica transtornos de personalidade. O instrumento foi traduzido e adaptado por Del-Ben et al. (2001).

O Rorschach pelo Sistema Compreensivo, SC, é um instrumento de avaliação da qualidade e da quantidade de produção de uma pessoa perante o desafio de realizar uma tarefa com poucas regras estipuladas (Exner, 1986, 2003; Viglione, 2002). As variáveis do Rorschach usadas para este estudo foram: capacidade de produção [R]; foco de atenção [Lambda]; tipo de adaptação/vivência [EB]; índice de depressão [DEPI]. A pontuação positiva indicando presença de sintomas depressivos no índice de depressão, DEPI, é igual ou acima de cinco.

Procedimento

As avaliações ocorreram em duas a quatro sessões com cada paciente, em ambiente de atendimento ambulatorial. A sequência do processo de avaliação dos participantes com uso dos instrumentos foi dada da seguinte maneira e ordem: (1) assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para participação em pesquisa; (2) anamnese e entrevista psiquiátrica com o uso do SCID-I e II; (3) Aplicação do Rorschach, Sistema Compreensivo.

Todas as etapas de procedimento com os participantes foram realizadas por profissional treinado e habilitado para desempenhar cada atividade de avaliação. O tempo de aplicação dos instrumentos foi de 40 minutos a duas horas em cada etapa avaliativa e de 40 minutos, aproximadamente, para explicação sobre a pesquisa e para assinatura do TCLE. Fez-se uso de termo de compromisso assinado pelos participantes. Na coleta de dados, quatro psicólogos aplicaram o Rorschach, e psiquiatras de diversos ambulatórios realizaram avaliação por meio da SCID-I e II (Del-Ben et al., 2001). Houve período de treinamento semestral (reuniões entre examinadores realizadas durante três encontros semanais em cada semestre, com duração de duas a três horas) e supervisão dos protocolos de cada sujeito, realizada por dois rorschachistas supervisores.

Este estudo foi submetido ao Conselho de Ética em Pesquisa vigente na Universidade e centro ambulatorial no qual os participantes foram atendidos. O estudo recebeu parecer favorável para sua realização, sendo considerado sem risco, com desconforto mínimo e sem uso de procedimento invasivo no sujeito estudado, conforme consta em parecer n° 1601/05.

Análise de Dados

Foram utilizados testes não-paramétricos para comparação de resultados médios (teste Kruskal-Wallis para k grupos independentes), complementados, quando necessário, pelo teste de comparações múltiplas. Para avaliar possíveis diferenças entre os grupos quanto ao percentual de presença ou ausência das variáveis do DEPI, foram usadas tabelas de contingência para o teste de decomposição aditiva do qui-quadrado (χ2), observando-se as restrições de Cochran. Em todos os casos, o nível de rejeição para a hipótese de nulidade

foi fixado em valor menor ou igual a 0,05 (5%). Uma análise qualitativa dos dados também foi realizada. A concordância obtida entre examinadores para cada variável do Rorschach, frente à avaliação de juiz externo, foi de 88% em códigos especiais e≥94% para os demais determinantes e índices avaliados. A codificação de respostas dos protocolos do Rorschach foi analisada pelo programa computacional: Rorschach Interpretation Assistance Program, RIAP.

 

Resultados

Os resultados são apresentados na seguinte ordem: (1) médias de número de respostas, R; (2) foco de atenção, Lambda; (3) médias para os tipos de vivência/adaptação, EB; (4) médias de pontuação de DEPI e variáveis presentes no DEPI.

As médias de número de respostas, R, na comparação estatística entre os três grupos, não apresentaram diferença estatisticamente significativa pelo teste de Kruskal-Wallis (p=0,533 com χ2=1,259). A Tabela 2 indica as médias obtidas para o número de respostas em cada grupo.

 

 

O valor do desvio padrão, DP, para os grupos variou bastante, indicando grande oscilação para a média de R, principalmente para o grupo de depressivos unipolares, G1, e para os não-depressivos, G3. O número máximo de respostas também foi alto, principalmente para o G3. Todos estes indicativos reforçam que houve grande parte de sujeitos que apresentou boa capacidade para realização de tarefas.

As médias para a variável foco de atenção, Lambda, sem diferença estatisticamente significante no teste de Kruskal-Wallis (p=0,906 com χ2=1,879), podem ser analisadas pela interpretação clínica dos resultados de cada grupo. A Tabela 3 apresenta os dados obtidos referentes às médias de Lamba.

 

 

Os grupos apresentaram uma média próxima aos dados normativos. Entretanto, o G2, depressivos com deslizes cognitivos, indicou maior alteração no resultado (média de 1,21 com desvio padrão de 1,50). Isto significa que o foco de atenção, para esse grupo, foi mais restrito, o que sugere menor investimento emocional na percepção do meio.

A análise do tipo de adaptação/vivência às demandas do meio, EB, é feita pela observação da distribuição da amostra entre os tipos de EB existentes (ambigual, coartado, introversivo, extratensivo, persistentes). Dentre esses tipos, prevaleceu o tipo ambigual, com percentual mais alto nos três grupos (G1, 45,0%; G2, 48,0% e G3 37,5%). Esse resultado indica que um maior percentual de pessoas possui dificuldade crônica para lidar com demandas diversas, envolvendo menor capacidade adaptativa. Tal aspecto influi no campo emocional e cognitivo, e pode dificultar relações interpessoais.

A Tabela 4 apresenta as pontuações do DEPI para cada grupo. O resultado da comparação entre os escores de DEPI indicou não haver diferença estatisticamente significativa entre os percentuais de pontuação positiva do DEPI para os três grupos (teste da Decomposição Aditiva do Qui-quadrado, χ2=4,962 e p=0,084). Entretanto, o desvio-padrão próximo de um ponto em G1 sugere maior percentual de pessoas neste grupo com a pontuação positiva no índice, do ponto de vista qualitativo.

 

 

A pontuação em cada item da Tabela do DEPI indica que algumas variáveis apresentam diferença estatisticamente significativa quando se compara o percentual de respostas do G1 com o dos demais grupos.

Conforme a Tabela 5 indica, o teste da Decomposição Aditiva do qui-quadrado demonstrou diferenças no DEPI para os depressivos unipolares na comparação com os demais grupos (G1 versus G2+G3) referentes aos índices: (1) sombreado vista, FV+VF+V>0, com p=0,016; (2) cor acromática, SumC'>2, p=0,009; (3) índice de egocentrismo EGO<.33, com p=0,0002. Os dados sugerem maior percentual de autocrítica negativa, autoestima mais baixa e sofrimento mais elevado no grupo de depressivos unipolares, quando comparado aos demais grupos.

A Tabela 5 também mostra que o teste da decomposição aditiva do qui-quadrado indicou que as variáveis soma de sombreado vista [FV+VF+V>0], índice de egocentrismo rebaixado EGO<.33 e soma de cor acromática SumC'>2 apresentaram diferença estatisticamente significativa se compararmos o G1 com os demais grupos. Ou seja, esse grupo se comportou diferentemente em relação a essas variáveis se comparado com o G2 e com o G3. O grupo de depressivos (G1) apresentou, contudo, alto percentual de dificuldade interpessoal (COP<2 em 87,0%); afetividade e reação aos estímulos afetivos de modo emocionalmente intenso (Afr<.46 em 50,0% e Mistos<4 em 58,0%); internalização e elaboração dos afetos de maneira prejudicada (SumSh>FM+m em 37,0%); sofrimento emocional (SumC'>2 em 34,0%); ruminação, raiva e disforia (S>2 em 39,5% e Col-sh>0 em 31,5%).

Ainda conforme os dados da Tabela 5, o grupo de indivíduos com depressão e deslize cognitivo (G2) apresentou dificuldade interpessoal (COP<2 em 88,0%); afetividade e reação aos estímulos afetivos (Afr<.46 em 24,0% e Mistos<4 em 68,0%); internalização e elaboração dos afetos (SumSh>FM+m em 40,0%); sofrimento emocional (SumC'>2 em 28,0%); ruminação, raiva e disforia (S>2 em 20,0% e Col-sh>0 em 40,0%). O Grupo de não-depressivos com outros transtornos bipolares (G3) apresentou dificuldade interpessoal (COP<2 em 94,0%); afetividade e reação aos estímulos afetivos (Afr<.46 em 37,0% e Mistos<4 em 81,0%); internalização e elaboração dos afetos (SumSh>FM+m em 31,0%); ausência de indicadores de sofrimento emocional (SumC'>2 = 0%); ruminação, raiva e disforia (S>2 em 25,0% e Col-sh>0 em 31,0%).

Pode-se apontar, portanto, que os três grupos apresentaram características peculiares na composição dos indicadores do DEPI do Rorschach. Isso se marca, de modo mais claro, por conjunto de indicadores e análise qualitativa dos dados, de acordo com sintomas característicos de aspectos psicopatológicos comuns a cada grupo.

 

Discussão

Este trabalho atingiu o objetivo de estudar indivíduos com diagnóstico de depressão por meio da análise de variáveis do Rorschach. Essas variáveis apresentaram indicadores relacionados com a capacidade de produção (número de R), o tipo de vivência/adaptação ao meio (EB), o foco de atenção aos estímulos (Lambda) e os sintomas depressivos presentes no índice de depressão (DEPI). Desse modo, a proposta de realizar uma análise descritiva e comparativa entre os grupos aqui avaliados, considerando-se essas variáveis, mostrou-se adequada para a realização deste estudo exploratório.

Os achados atuais em relação à capacidade de produção (R), ao foco de atenção (Lambda) e ao tipo de vivência (EB) podem ser justificados de acordo com os fatores que caracterizam uma amostra de pacientes depressivos. Indicaram associação entre distorção da percepção da realidade e capacidade de interação interpessoal, além de modos de lidar com aspectos afetivos e cognitivos presentes (Mason et al., 1985).

O grupo com depressão e deslize cognitivo (G2) apresentou maior tendência a disforia, isolamento social e falta de recursos para lidar com o sofrimento vivenciado e a demanda ocasionada pela dificuldade interpessoal no processo de elaboração de sentimentos. O foco de percepção (Lambda) foi significativamente maior neste grupo (λ=1,21; DP=1,50).

Deslizes cognitivos podem impedir melhor percepção das reais necessidades e demandas existentes, servindo também como importante impeditivo à adesão ao tratamento e à continuidade do mesmo. Por outro lado, em todos os grupos, a presença de adequada média no número de respostas [R] representa melhor prognóstico relacionado com o potencial de realização de tarefas dessas pessoas. Esse aspecto é importante frente à possibilidade de que a depressão e o transtorno mental em si estejam associados a grandes incapacitações sociais e laborais.

Os resultados apresentados em relação a R na amostra podem estar ligados ao tempo de atendimento clínico e psicoterápico para esses participantes. Postula-se essa hipótese na medida em que o controle clínico da sintomatologia dos pacientes permite que eles consigam desempenhar atividades de maneira mais satisfatória em relação aos momentos em que transtorno está mais agudo e sem estabilidade medicamentosa e psicoterápica. Os valores das médias das variáveis do Rorschach, para todos os grupos, estão de acordo com valores de dados normativos de Nascimento (2010).

Nos três grupos de pacientes, prevaleceu o tipo de EB ambigual, com percentual elevado (G1, 45,0%; G2, 48,0% e G3, 37,5%). Esses dados são condizentes com achados normativos de Nascimento (2010), que, em sua amostra, obteve 44,0% de EB do tipo ambigual. Em amostras de pacientes, os achados de Castro (2008) indicaram também predominância do tipo ambigual em 80,0% dos participantes com o diagnóstico de transtorno de pânico, assim como os dados da amostra internacional de Meyer (1993).

O grupo de depressivos unipolares sem comorbidades (G1) apresentou maior autocrítica negativa, baixa autoestima exacerbada e sofrimento emocional elevado, em relação aos demais grupos. Esse dado pode estar relacionado com maior sensibilidade do DEPI para detectar sintomas emocionais relacionados à depressão em pacientes com o quadro depressivo, porém sem comorbidades com outros transtornos mentais (Haller & Exner, 1985; Jorgensen et al., 2000). Desse modo, para o grupo G1, o índice do DEPI conseguiu identificar mais indicadores de aspectos depressivos, conforme esperado por estudos de Mihura et al. (2013). Os resultados da pontuação para o G1 também remetem ao fato de que o DEPI prioriza importantes indicativos de sintomas depressivos relacionados ao afeto (Exner, 1999, 2003; Meyer, 1993; Viglione, 1999).

Conforme a literatura científica aponta, o DEPI não pode indicar todos os sintomas depressivos de um quadro psiquiátrico (Haller & Exner, 1985; Jorgensen et al., 2000), segundo os critérios do DSM-IV e de características sintomatológicas apresentadas por Thompson (1989). A caracterização do DEPI como composto por sintomas depressivos relacionados primordialmente aos aspectos afetivos e à autopercepção, além de alguns sintomas interpessoais como o isolamento (Mihura et al., 2013), confirma os principais achados do presente estudo. Os resultados apresentam evidências empíricas importantes para a discussão sobre a contribuição do Rorschach para a avaliação de sintomas de um quadro depressivo. Será oportuno que, com o método Rorschach, mais estudos de pessoas com depressão ocorram em nosso país.

Os resultados mais relevantes desse estudo se referem às diferenças estatisticamente significativas para o grupo de depressivos unipolares (G1) quanto às variáveis de autocrítica negativa [FV+VF+V>0]; sofrimento emocional [SumC'>2] e baixa autoestima [EGO<.33]. Esses resultados contribuem para a reflexão sobre os aspectos indicativos de sintomas de quadro depressivo do DEPI presentes em protocolos de pessoas com depressão. Faz-se necessário relembrar aqui que a abordagem do Rorschach abrange sintomas afetivos, cognitivos, perceptuais e interpessoais, sendo que os dados atuais permitiram o levantamento e análise de características psicológicas de cada grupo estudado.

A preocupação com a abrangência do DEPI quanto aos sintomas psicológicos da depressão continua relevante. Parece haver um consenso que identifica este índice como rico para a avaliação de aspectos afetivos, principalmente em pessoas com quadro depressivo sem distorção da percepção da realidade. Algumas das variáveis do índice também parecem ser mais presentes e importantes para a sua pontuação, caracterizando o DEPI também como relacionado ao contexto de dificuldade interpessoal (isolamento social). Desse modo, o presente estudo exploratório corrobora essa vertente de preocupação com o uso do escore do DEPI, visto que ele se apresenta com baixa pontuação e não revela importantes aspectos do quadro depressivo. Ainda, uma pontuação mais alta no DEPI (indicando sintomas depressivos) pode estar influenciada por debilitação cognitiva funcional do sujeito.

Características de sofrimento psicológico foram notadas em todos os grupos. A dificuldade de percepção adequada de si mesmo e a falta de recursos internos emocionais para lidar com situações estressantes e difíceis também caracterizou grande parte dos participantes, independentemente do grupo clínico avaliado. Entretanto, no grupo de depressivos unipolares, essas características de depressão estiveram mais presentes, principalmente no que tange à autocrítica, ao sofrimento emocional e à baixa autoestima. A indiscriminada baixa pontuação do DEPI nos três grupos reforça a afirmação de que este índice pode não estar sensível à vivência do quadro depressivo. Esse aspecto é similar aos estudos anteriores sobre o DEPI, em que o índice não atingiu pontuação em amostras de pacientes com sintomas depressivos. Por outro lado, características importantes são pontuadas no Rorschach e destacam a questão da inadequada autopercepção, do intenso sofrimento psíquico, da dificuldade interpessoal, características profundamente relacionadas com o quadro depressivo. No Brasil, ainda são poucos os dados normativos para os pacientes com depressão, fazendo-se relevante um maior aprofundamento dessa linha de investigação científica.

 

Referências

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Recebido em março de 2013
Reformulado em setembro de 2013
2ª reformulação em outubro de 2013
Aprovado em dezembro de 2013

 

 

Sobre as autoras

Carla Luciano Codani Hisatugo: é Professora Pós-Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo e Coordenadora do Curso de Graduação em Psicologia na mesma Universidade. Anteriormente, realizou pós-graduação (Pós-Doutorado e Doutorado) como bolsista FAPESP.
Latife Yazigi: é Professora Livre Docente Titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo.


1Endereço para correspondência: Universidade Metodista de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde. R. Dom Jaime de Barros Câmara, 1000. Planalto, 09895-400, São Bernardo do Campo-SP. Tel.: (11) 4366-5351. E-mails: carlahisatugo@hotmail.com, carlalch@terra.com.br