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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.3 Itatiba dez. 2014

 

 

Análises psicométricas iniciais de uma escala de empatia infantojuvenil (EEmpa-IJ)

 

Initial psychometric analysis of an child and youth empathy scale (EEmpa-IJ)

 

Análisis inicial de las propiedades psicométricas de una escala de empatía infantojuvenil (EEmpa-IJ)

 

 

Andréa da Cunha Kirst-Conceição1; Selma de Cássia Martinelli

Universidade Estadual de Campinas

 

 


RESUMO

O estudo teve por objetivo descrever o desenvolvimento e a validação inicial de uma escala de empatia para estudantes brasileiros. O instrumento foi construído pela análise da literatura sobre empatia e de quatro escalas encontradas na literatura internacional e nacional. A amostra consistiu em 201 estudantes, de ambos os sexos, com idades entre 9 e 16 anos, do 5º ao 9º ano escolar. A escala proposta contempla 17 itens, com respostas em formato do tipo Likert de quatro pontos (nunca, quase nunca, quase sempre e sempre), distribuídos em três fatores com variância explicada de 44,57%. O alfa de Cronbach do fator "preocupação com o outro" foi de 0,75, do "envolvimento emocional" foi de 0,71 e do "flexibilidade interpessoal" foi de 0,63. O instrumento requer estudos adicionais pois um fator (flexibilidade interpessoal) não apresentou índices aceitáveis de consistência interna.

Palavras-chave: empatia; validação; instrumento de medida; estudantes.


ABSTRACT

The aim of this study was to describe the development and initial validation of an empathy scale for Brazilian students. The instrument was constructed based upon literature analysis on the subject of empathy and four scales found in international and national literature. The sample comprised of 201 students, of both genders, aged 9 to 16, from the 5th to the 9th grade. The proposed scale contemplates 17 items, with 4-point Likert-type responses (never, seldom, often and always), distributed in three factors with explained variance of 44.57%. Cronbach's alpha for the factor denominated Empathic Concern was 0.75, Emotional Responsiveness was 0.71, and Interpersonal Flexibility was 0.63. The instrument requires further study given that one of the factors (Interpersonal Flexibility) did not show acceptable indices of internal consistency.

Keywords: empathy; validation; measurements; students.


RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo describir el desarrollo y validación inicial de una escala de empatía por los estudiantes brasileños. El instrumento fue construido a partir del análisis de la literatura sobre la empatía y cuatro escalas que se encuentran en la literatura internacional y nacional. La muestra fue 201 estudiantes, de ambos sexos entre 9 y 16 años de edad, cursando de 5º a 9° año escolares. La escala contempla 17 ítems con respuestas en formato Likert de 4 puntos (nunca, casi nunca, casi siempre y siempre) distribuidos en 3 factores con variancia explicada de 44,57%. El alfa de Cronbach del factor Preocupación por el Otro fue 0,75, del factor Envolverse Emocionalmente fue 0,71 y del factor Flexibilidad Interpersonal fue 0,63. El instrumento requiere más estudio dado que uno de los factores (flexibilidad interpersonal) no proporcionó niveles aceptables de consistencia interna.

Palabras-clave: empatía; validación; instrumento de medida; estudiantes.


 

 

Os seres humanos são, frequentemente, afetados por condições que interferem não só no comportamento individual, como também nas relações com os outros. Alguns desses condicionamentos são fundamentais para o convívio social. Indivíduos que apresentam comportamento mais proativo em relação às necessidades e anseios dos demais se encontram em situação mais favorável de interação e intercâmbio com seus pares.

Empatia é o nome que se deu a essa característica que predispõe o indivíduo a se colocar na perspectiva e se mobilizar pelo que acontece com o outro. Segundo Sampaio, Camino, e Roazzi (2009), o termo empatia deriva da palavra grega empatheia, que significa paixão ou ser muito afetado. Os autores ainda trazem o conceito Einfühlung, traduzido por Titchener em 1909 como empathy. Esse conceito passou a descrever a capacidade do indivíduo de conhecer a consciência de outra pessoa e de pensar de maneira semelhante a ela.

Conforme apontado por Davis (1980), as teorias sociais tratam da responsabilidade com o outro há cerca de 200 anos. Na Psicologia, segundo Zoll e Enz (2006), o termo empatia passou a ser mais referendado a partir do século 20, ao tratar das relações interindividuais. Nos Estados Unidos, Carl Rogers é considerado importante precursor na utilização do termo empatia. O pesquisador apontou a importância de uma sensibilidade que permitisse entender como seus pacientes se sentiam nas situações vivenciadas no dia a dia. Essa atitude permitiu que o autor pensasse no conceito de empatia como a ação de "se colocar no sapato de outra pessoa" (Rogers, 1975).

Zoll e Enz (2006) referem dois componentes essenciais para pensar comportamentos empáticos: os de ordem cognitiva e ordem afetiva. A empatia cognitiva analisa os mecanismos utilizados pelo observador na busca por compreender o ponto de vista de outra pessoa. A empatia afetiva, por sua vez, refere-se ao processo em que emoções (conscientes ou inconscientes) do observador emergem devido à percepção do estado em que se encontra o observado, no que diz respeito às emoções, pensamentos e atitudes. Dessa forma, pode-se dizer que a empatia afetiva pode ser resultado da empatia cognitiva, uma vez que as emoções de uma pessoa podem ser transferidas para outra.

Por sua vez, Veiga e Santos (2011) afirmam que, para entender o conceito de empatia em seu sentido amplo, é preciso considerar três componentes (cognitivo, afetivo e comportamental). Essa compreensão implica a capacidade de entender que, por meio de comportamentos empáticos (verbais e não verbais), desenvolvem-se sentimentos e ações sensíveis em relação ao outro, como o consolo, a compaixão, o interesse pelo bem estar alheio e, até mesmo, o altruísmo.

Embora a natureza multidimensional da empatia seja cada vez mais reconhecida, nem todas as escalas contemplam essa característica. Há bastante tempo, Davis (1980) afirmou que essa perspectiva multidimensional no estudo da empatia não recebia a atenção merecida pelos pesquisadores. Apesar disso, algumas medições de empatia foram propostas ao longo dos anos. Segundo Batson, Fultz, e Schoenrade (1992) e Falcone (1998), a medida mais simples para avaliar componentes empáticos (afetivo, cognitivo e comportamental) é o autorrelato, pois pode ser aplicado em grande escala e pode ser avaliado rapidamente. Instrumentos de autorrelato, com a finalidade de obtenção de dados de pesquisa, têm sido utilizados em muitas áreas do conhecimento sob a forma de entrevistas, questionários, inventários e escalas.

Escalas para avaliar empatia têm sido encontradas na literatura internacional. Dentre as mais antigas, destaca- -se a de Feshbach e Roe (1968), que avalia basicamente os componentes afetivos da empatia em crianças de seis e sete anos de idade. Há, ainda, a de Mehrabian e Epstein (1972), que mede empatia afetiva em adultos. Davis (1980) também propôs escala de empatia denominada A Multidimensional Approach to Individual Differences in Empathy, que avalia a empatia cognitiva, afetiva e comportamental em adultos. A versão final possuía 28 itens, divididos em quatro fatores com consistência interna diferenciada para os sexos masculino e feminino: Empathic Concern items (α=(M)0,68; (F)0,73) – que contém itens de empatia afetiva; Perspective-Taking items (α=(M)0,71; (F)0,75) – que abrange componentes cognitivos da empatia; Personal Distress items (α=(M)0,77; (F)0,75) – que contém itens de empatia comportamental; e Fantasy items (α=(M)0,78; (F)0,79) – esse último fator, por envolver aspectos culturais norte-americanos, tem sido pouco estudado. A escala possibilita respostas objetivas do tipo Likert (níveis de 1 a 5 – não me descreve bem até me descreve bem). A soma dos resultados das subescalas possibilita calcular o score total. Quanto maior o nível do score, maior o grau de empatia. Segundo o autor, as análises fatoriais demonstraram que é possível utilizar a escala em outras pesquisas.

Essas primeiras escalas, além de outras feitas para avaliar aspectos ligados à aceitação entre pares, agressividade, entre outros fatores, serviram de referência para a proposta de escala desenvolvida por Bryant (1982), denominada Index of Empathy Measurement for Children and Adolescents. A escala contém 22 questões que envolvem apenas a empatia afetiva; é direcionada para o público infantil e adolescente. A aplicação do questionário foi realizada com alunos do 1º, 4º e 7º anos. Os coeficientes de alfa de Cronbach, para cada um dos anos, foram de 0,54, 0,68 e 0,79. A autora segue os preceitos de que a empatia é "uma resposta emocional vicária às experiências emocionais dos outros, percebidas pelo sujeito" (Bryant, 1982). Dessa forma, construiu uma escala que avalia apenas o ato reflexo emocional do indivíduo ao observar outras pessoas. A pontuação é calculada de acordo com as respostas sim e não, que indicam se o indivíduo é afetivamente empático ou não.

A escala de Eisenberg et al. (1998), Eisenberg's Child Report Sympathy Scale, foi desenvolvida com base em estudo longitudinal com crianças de 8 a 10 anos de idade, para analisar diferenças individuais encontradas na emotividade e na regulação dessas crianças em suas disposições a simpatizar. Os autores analisaram o constructo simpatia o relacionando a uma consequência do ato de empatizar e, por isso, avaliaram também se a disposição a simpatizar das crianças estaria ligada a uma resposta emocional em reação a estímulo induzido pela empatia. A tendência em simpatizar/empatizar das crianças foi avaliada pelos professores em dois momentos. Primeiramente, avaliou-se com escala de três itens (α=0,86), com respostas em formato do tipo Likert (cinco pontos – muito pouco a extremamente). Depois, a escala recebeu mais três itens e passou a ter respostas de quatro pontos (α=0,89). As crianças também assistiram a filmes para evocar simpatia/empatia e para interrogar as crianças sobre tristeza (α=0,78), simpatia (α=0,84) e angústia (α=0,70). De forma geral, os resultados apontaram que as respostas dos professores sobre a disposição das crianças a simpatizar estavam relacionadas com as respostas obtidas dos pais e dos próprios professores sobre regulação e baixa emotividade.

Garton e Grigart (2005) adaptaram a escala de Davis (1980), que avalia empatia em adultos, com o intuito de torná-la válida para a utilização com crianças de 8 e 9 anos. Os autores modificaram a linguagem da escala original para melhor compreensão por parte das crianças e passaram a nomear o instrumento Feeling and Thinking (F&T). Dessa forma, itens originais foram eliminados por não condizerem com o entendimento das crianças. Dos 27 itens originais, a escala passou a contemplar apenas 18, divididos em quatro fatores da escala original: Empathic Concern (quatro itens), Perspective Taking (quatro itens), Personal Distress (seis itens) e Fantasy (quatro itens). A média da pontuação foi 60,22, com desvio padrão de 11,12. A variância explicada da escala alcançou 42,7%, e os quatro fatores avaliados tiveram, respectivamente, consistências internas de 0,73, 0,55, 0,23 e 0,35. Uma exploração mais profunda dos dados e da consistência dos fatores levou os autores a eliminarem os itens do fator 3 e 4, forçando os itens restantes a uma solução de dois fatores – seis carregaram no fator 1 e seis carregaram no fator 2. Esses 12 itens restantes foram responsáveis por 36,4% da variância: o fator 1 teve confiabilidade de 0,69 e o fator 2 de 0,54.

Veiga e Santos (2011) conduziu estudo de adaptação e validação da escala de empatia de Zoll e Enz (2006), A Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children – (QACEC), para o português de Portugal. Essa escala avalia a empatia de forma multidimensional em crianças, e abrange aspectos cognitivos e afetivos. A variância total da escala original foi de 31,19%. O instrumento é composto por 28 itens com respostas objetivas em formato do tipo Likert. As respostas apresentam nivelação (1 a 5 – discordo totalmente até concordo totalmente) que aponta maior grau de empatia à medida que o nível 5 for mais assinalado. Após a validação por Veiga e Santos (2011), a escala passou a contemplar 26 questões, com variância explicada de 37,80%, levando em conta os dois fatores, afetivo e cognitivo, que alcançaram, respectivamente, valores de alfa de 0,85 e 0,72, com alfa total de 0,86. Segundo os autores, a nova escala apresenta valores psicométricos, tornando-a possível para utilização nas pesquisas em psicologia e educação.

Estudos sobre a temática também têm sido conduzidos no Brasil no início deste século, embora ainda se usem medidas de aferição dessa variável adaptadas de outras culturas, como o estudo de Koller, Camino, e Ribeiro (2001). Os pesquisadores adaptaram e validaram duas escalas internacionais – a escala multidimensional de reatividade interpessoal (EMRI) de Davis (1980) e a escala de empatia para crianças e adolescentes (EECA) de Bryant (1982) – de medição de empatia em seus aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais, para uso no Brasil. A pesquisa foi realizada com 320 adolescentes de ambos os sexos. A escala de Davis (1980) precisou passar por análise de consistência interna levando em conta três subescalas (consideração empática, tomada de perspectiva e personal distress), que fizeram parte da pesquisa. Após o ajustamento das questões das subescalas, foi alcançado um alfa da escala global de 0,75. A outra escala investigada (Bryant, 1982) obteve alfa da escala total de 0,74, depois de realizados ajustes nas questões analisadas no estudo. Segundo os autores, apesar de estarem lidando com constructo de caráter multidimensional, pode-se considerar os resultados satisfatórios.

Outro estudo nacional, especificamente para desenvolver e validar inventário de empatia (IE), foi realizado por Falcone et al. (2008). O instrumento proposto avalia a empatia em seus aspectos afetivos, cognitivos e comportamentais em estudantes universitários de cursos de graduação. Foram elaborados 74 itens que descrevem situações de interação social enquadradas em quatro fatores: tomada de perspectiva (TP; α=0,85), flexibilidade interpessoal (FI; α=0,78), altruísmo (AL; α=0,75) e sensibilidade afetiva (AS; α=0,72). Esses fatores, segundo os pesquisadores, retratam o caráter multidimensional da empatia. As respostas foram graduadas no formato tipo Likert de cinco pontos - nunca até sempre - e o score foi pontuado levando em consideração o maior grau de empatia demonstrado nas situações. Os autores afirmaram que os fatores obtiveram índices satisfatórios por alcançarem valores maiores que 0,70.

Embora os estudos sobre a empatia no Brasil ainda caminhem lentamente, não se pode negar sua importância nas pesquisas psicoeducacionais e sociais. Para contribuir com o estudo dessa temática, o presente trabalho relata o desenvolvimento e a análise das propriedades psicométricas de uma nova escala de percepção de empatia para estudantes do ensino fundamental. O instrumento proposto foi construído com base na literatura, que o trata como um constructo multidimensional. Também se adotou, como forma de avaliação, escala de autorrelato de tipo Likert. O foco do instrumento foi a identificação da empatia afetiva e cognitiva, em si mesmos, por parte dos indivíduos.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 201 alunos de escolas públicas, de ambos os sexos, sendo 103 meninas (51,2%) e 98 meninos (48,8%), entre 9 e 16 anos, do 5º ao 9º ano do ensino fundamental. Os estudantes são das cidades de Campinas, SP, e Almirante Tamandaré, PR. A Tabela 1 ilustra as características da amostra em função do nível de escolaridade e sexo.

 

 

Instrumento

O instrumento proposto foi construído pela análise da literatura e de quatro escalas da literatura internacional e nacional: A Multidimensional Approach to Individual Differences in Empathy, (Davis, 1980); Index of Empathy Measurement for Children and Adolescents, (Bryant, 1982); A Questionnaire to Assess Affective and Cognitive Empathy in Children – QACEC (Zoll & Enz, 2006) e o inventário de empatia – IE (Falcone et al., 2008). Após a análise dos instrumentos e da literatura da área, foram formuladas questões, o que resultou na proposição de uma escala de autorrelato de empatia. Primeiramente, em seu formato piloto, a escala foi composta por 41 itens associados a conceitos de empatia afetiva e cognitiva direcionados a estudantes do ensino fundamental. As perguntas avaliavam as percepções dos alunos sobre situações de reconhecimento de emoções em outra pessoa, identificação de pontos de vista e opiniões alheias, entre outros casos de comportamentos empáticos. As respostas foram dispostas em formato do tipo Likert de quatro pontos. Foram pontuadas de 0 a 3, respectivamente (nunca, quase nunca, quase sempre e sempre). Quanto maior o score, maior o grau de empatia por parte do indivíduo.

Procedimento

O recrutamento dos participantes foi realizado após visita às escolas e autorização da direção. Somente os alunos com autorização dos pais participaram da pesquisa, e a eles foi informado que os procedimentos seriam realizados de forma voluntária e anônima. A sessão de coleta de dados foi realizada coletivamente em sala de aula, em horário estipulado pela direção da escola, com duração de 30 a 120 minutos. As aplicações ocorreram no segundo semestre de 2012 em Campinas, SP, e no primeiro semestre de 2013 em Almirante Tamandaré, PR. Por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unicamp, de acordo com as Resoluções 196/96 e 251/97, e foi aprovado sob o número de protocolo 09136412.2.0000.5404/2013.

Análise de Dados

As análises estatísticas foram realizadas no software SPSS versão 15. Para verificação da dimensionalidade, foi utilizada a técnica de análise fatorial exploratória. A análise da confiabilidade foi obtida por meio do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. Diferenças entre os sexos foram investigadas com a utilização do teste t de Student.

 

Resultados

Com base nas respostas à escala de autorrelato e para verificar a possibilidade de aplicar o método da análise fatorial exploratória, realizou-se o teste de esfericidade de Bartlett. O teste indicou uma correlação entre os itens (χ2=663,008, gl=136, p<0,001) e, portanto, uma adequabilidade ao uso da análise fatorial. A medida de adequação da amostra foi averiguada pelo índice de Kaiser- Meyer-Olkin (KMO), de 0,77. A análise do gráfico scree plot sugeriu a possibilidade de extração de mais de um fator para os 41 itens da escala. O gráfico de sedimentação se encontra na Figura 1.

 

 

Pelo gráfico de sedimentação, observou-se que dois ou três fatores foram mais evidentes. Os dados foram novamente analisados solicitando-se a extração de três fatores. Foram eliminados itens com pesos fatoriais inferiores a 0,40, como, por exemplo: Eu consigo perceber quando alguém está feliz; O problema dos outros não me incomoda; Quando alguém fica irritado, sinto vontade de rir. Assim restaram 17 itens, distribuídos em três fatores. As cargas fatoriais dos itens, bem como a variância explicada para cada fator, estão na Tabela 2.

 

 

O fator 1 (preocupação com o outro) agrupa oito itens, relativos à empatia afetiva, e alcançou alfa de Cronbach de 0,75. Esse fator contempla questões sobre sentimentos despertados quando o indivíduo se depara com situações em que o outro é subjugado, exposto a humilhação ou a condições de sofrimento ou de privação, o que revela sentimento de compaixão. O fator 2, que também se refere à empatia afetiva e avalia o envolvimento do indivíduo com emoções de outras pessoas, foi denominado envolvimento emocional e agrupou quatro itens, com a de 0,71. O terceiro fator (flexibilidade interpessoal) é relativo à empatia cognitiva e avalia a possibilidade de se colocar no lugar do outro para decidir sensatamente. Esse fator contém cinco itens e apresentou valor de alfa de Cronbach de 0,63. A variância total explicada foi de 44,57%. Na Tabela 3, encontram- se os dados da análise da escala de empatia em função do sexo dos participantes.

A análise das diferenças entre os sexos foi realizada por meio do teste t de Student e revelou diferenças entre os grupos na escala total, (t=16,194; p<0,001), nos fatores relativos à preocupação com o outro (t=4,841; p=0,029) e envolvimento emocional (t=27,548; p<0,001). Em todos estes casos as meninas revelaram se autoperceberem mais empáticas que os meninos. As diferenças não foram constatadas apenas no fator relativo à flexibilidade interpessoal (t=3,252; p=0,073), embora a pontuação obtida pelas meninas também tenha sido superior à dos meninos.

Discussão

A relação estabelecida com os pares, necessária e imprescindível ao convívio, presente nas formas de organização social, implica habilidades dos seres humanos para que tenham êxito no estabelecimento desses contatos. Uma característica que parece fundamental, que contribui para a interação entre indivíduos, refere- -se à capacidade de empatia em relação aos sentimentos e aos comportamentos dos demais. Ser empático significa ser capaz de perceber, experimentar e reagir ao observado na experiência alheia. Essa capacidade aproxima um indivíduo do outro. Por isso, por favorecer a relação interpessoal, a empatia tem recebido cada vez mais espaço nas pesquisas e no recrutamento de pessoal, principalmente em organizações e empresas com foco no trabalho em equipe. Apesar da valorização crescente, o estudo mais sistemático sobre a origem e a manifestação de comportamentos empáticos pode ser considerado relativamente recente.

Como mencionado, as primeiras pesquisas científicas conhecidas sobre empatia datam da segunda metade do século 20. Essa demora em estudar a empatia se deve, em parte, a dificuldades na sua avaliação. Ainda hoje, notam-se poucas possibilidades de aferição da variável. Muitas desconsideram a característica de multidimensionalidade reconhecida por autores, o que fortalece a necessidade de propor novas maneiras de estudá-la – justamente, o intuito do presente trabalho. Contudo, é importante destacar os aspectos presentes nos instrumentos já existentes e em que se assemelham ou se diferenciam do proposto nesse estudo.

A análise dos instrumentos revelou particularidades que serão destacadas a seguir. Algumas dessas medidas de empatia são voltadas a adultos (Davis, 1980; Mehrabian & Epstein, 1972), outras a crianças e adolescentes (Bryant, 1982; Feshbach & Roe, 1968), enquanto o instrumento proposto por Eisenberg et al. (1998) é destinado a pais e professores. Em sua maioria, são instrumentos propostos e validados para a cultura norte-americana. Três instrumentos passaram por adaptação e validação em países de língua portuguesa, como o Brasil (Bryant, 1982; Davis, 1980) e Portugal (Zoll & Enz, 2006). Apenas um instrumento foi construído e validado para estudantes universitários brasileiros (Falcone et al., 2008). Embora também se tenha, desde o princípio, apontado a característica de multidimensionalidade desta variável, instrumentos foram propostos sem levar o fato em consideração, como nas escalas propostas por Feshbach e Roe (1968) e Mehrabian e Epstein (1972).

Dessa forma, o instrumento proposto se aproxima, em alguns aspectos, dos existentes na literatura (Bryant, 1982; Davis, 1980; Falcone et al., 2008, entre outros), indicando que a escala do tipo Likert de autorrelato aqui proposta é uma medida plausível de medição desse construto. Da mesma forma, a escala também assume o princípio da multidimensionalidade da empatia, com questões voltadas à medição de características cognitivas e afetivas.

No que se refere às propriedades psicométricas encontradas, pela análise exploratória dos dados, os itens da escala se mostraram adequados ao procedimento de análise fatorial, e o gráfico de sedimentação confirmou a estrutura multidimensional dos itens. Os três fatores explicaram uma porcentagem significativa da variância total e nenhum dos itens saturou em mais de um fator, o que confirma a validade de constructo assumida. Para verificar a fidedignidade da escala de mensuração, foi utilizado um indicador de consistência interna, o alfa de Cronbach. O índice encontrado, especificamente no terceiro fator, relativo à empatia cognitiva, ficou abaixo do patamar aceitável (>0,70). O estudo de adaptação da escala de Davis (1980), realizado por Garton e Grigart (2005), para aplicação em crianças, também apresentou índice de consistência interno muito abaixo do considerado adequado.

Alguns comentários devem ser tecidos a esse respeito. Conforme apontado por Hair, Anderson, Tatham, e Black (2005), e de forma similar por Nunnaly e Bernstein (1995), Muniz (1998), Streiner (2003), embora não haja padrão absoluto, valores de alfa de Cronbach iguais ou superiores a 0,70 refletem fidedignidade aceitável. Por outro lado, salientam que valores inferiores a 0,70 podem ser aceitos se a pesquisa for exploratória, como é o caso deste estudo. Já Peterson (1994), Clark e Watson (1995), Malhotra (2006) reconhecem como aceitáveis valores de corte iguais ou superiores a 0,60. De forma ainda mais criteriosa, Cortina (1993) adverte que a consistência interna deve ser interpretada com cautela, pois se refere ao grau de inter-relação entre os itens e não à homogeneidade, apontando que seu uso é mais apropriado em conjunto de dados com distribuição normal. O autor considera ainda que o alfa de Cronbach tem seu resultado influenciado pelo número de itens, pela intercorrelação entre eles e pela dimensionalidade. Assim, pondera-se, juntamente com Koller, Camino, e Ribeiro (2001), que, embora o fator 3 não tenha revelado carga fatorial satisfatória (>0,70), esse valor pode ser considerado aceitável, pelo fato de a empatia ser multidimensional e pelo número reduzido de itens do fator.

Apesar dessas considerações, salienta-se que, por se tratar de estudo inicial, novas evidências psicométricas do instrumento necessitam ser testadas, principalmente porque a amostra não foi tão expressiva e porque um estudo ampliado e diversificado permitiria a ampliação e o reforço das evidências de validade interna. Além disso, buscar outras evidências de validade desse construto fortaleceria tanto o conhecimento do instrumento em si, quanto a investigação dessa variável. Seguindo a orientação de Malhotra (2006), uma escala pode ser considerada confiável quando sua aplicação, em sucessivas medições, resulta em resultados consistentes.

Como dito, a empatia tem sido reconhecida como característica fundamental ao convívio social. Assim, a escola, espaço de convívio social intenso, tem vivido momentos bastante conturbados, pois cada vez mais se percebe a intolerância, a incompreensão, a exclusão, entre outros comportamentos que dificultam ou impedem o pleno convívio. A investigação e a identificação desses sentimentos e comportamentos empáticos (ou da falta deles) bem como a proposição de medidas interventivas nesta realidade parecem emergenciais.

Também se aponta que essa aferição por parte do próprio indivíduo torna o dado mais realista, pois revela, senão a realidade total dos fatos, pelo menos a percepção do indivíduo sobre si mesmo. Também se verifica que meninos e meninas se autopercebem de forma diferente no que diz respeito aos acontecimentos e sentimentos relativos aos outros. Esses dados mais amplamente explorados, com outras populações, poderiam subsidiar propostas ou programas de intervenção para melhorar as relações interpessoais em diferentes contextos.

 

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Recebido em setembro de 2013
Reformulado em março de 2014
2ª reformulação em março de 2014
Aprovado em março de 2014

 

 

Sobre os autores

Andréa da Cunha Kirst-Conceição: Mestra em Psicologia Educacional na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, SP
Selma de Cássia Martinelli: é Professora Livre Docente do Departamento de Psicologia Educacional da UNICAMP, SP e líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia (GEPESP).


1Endereço para correspondência: Av. Bertrand Russel, 801, Cidade Universitária Zeferino Vaz, 13083-865, Campinas-SP. E-mail: andrea_ck@hotmail.com