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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.13 no.3 Itatiba dic. 2014

 

 

Revisão de uma escala para avaliar atitudes de estudantes de medicina1

 

Revision of a scale to measure attitudes of medical students

 

Revisión de una escala para medir actitudes de estudiantes de medicina

 

 

Wilton Silva dos Santos2,I; Jacob Arie LarosII

IEscola Superior de Ciências da Saúde
IIUniversidade de Brasília

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi revisar uma escala para avaliar atitudes de estudantes de medicina, verificando evidências de validade de construto e consistência interna. A escala original com 102 itens foi administrada em amostra de 310 estudantes de diferentes fases do curso de medicina, com idades entre 18 e 47 anos (M=23,2 e DP=3,6), sendo 54,2% do sexo feminino. Para investigar a estrutura do instrumento, foi realizada análise de componentes principais com rotação Promax. O número de componentes extraídos foi definido por análise paralela. A solução final com seis componentes principais explicou 39,2% da variância total. Os índices de consistência interna (alfa de Cronbach) dos seis componentes variaram entre 0,65 e 0,87. A escala revisada de 50 itens apresenta evidências satisfatórias de validade de construto e de consistência interna na amostra pesquisada.

Palavras-chave: revisão de escala; atitudes profissionais; estudantes de medicina; fidedignidade; validade.


ABSTRACT

The objective of the present study was to revise a scale to measure attitudes of medical students and to verify internal consistency and construct validity evidence of the revised scale. The original scale, consisting of 102 items, was administered to a sample of 310 students in different phases of medical school with ages varying between 18 and 47 years (M=23.2 and DP=3.6), 54.2% being female. To investigate the internal structure of the instrument, Principal Component Analysis (PCA) with Promax rotation was performed. Parallel Analysis was used to define the number of components to extract. The final solution of six principal components explained 39.2% of the total variance. The internal consistency indices (Cronbach's Alpha) of the six components varied between 0.65 and 0.87. The revised scale, consisting of 50 items, presents satisfactory internal consistency and construct validity evidence in the studied sample.

Keywords: scale revision, professional attitudes, medical students, reliability, validity.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue revisar una escala para medir actitudes de estudiantes de medicina y verificar evidencias de validez de constructo y consistencia interna en la escala revisada. La escala original, compuesta por 102 ítems, fue aplicada a una muestra de 310 estudiantes de diferentes semestres del curso de medicina, con edades de entre 18 y 47 años (M=23,2 e DP=3,6), siendo el 54,2% de sexo femenino. A fin de investigar la estructura del instrumento, fue realizado el procedimiento de Análisis de Componentes Principales con rotación Promax. El número de componentes extraído fue definido mediante Análisis Paralelo. La solución final con seis componentes principales explicó 39,2% de la variancia total. Los índices de consistencia interna (Alfa de Cronbach) de los componentes variaron entre 0,65 y 0,87. A escala revisada, compuesta por 50 ítems, presenta evidencias satisfactorias de validez de constructo y de consistencia interna en la muestra investigada.

Palabras-clave: escala de actitudes profesionales; estudiantes de medicina; fidedignidad; validez.


 

 

A formação em medicina é uma experiência de socialização profissional que envolve não só a aquisição de conhecimentos e habilidades, mas também o desenvolvimento e incorporação de valores, atitudes e comportamentos que qualificam suas práticas (Passi, Doug, Peile, Thistlethwaite, & Johnson, 2010; Woloschuk, Harasym, & Temple, 2004). Atitude pode ser definida como disposição interna a responder, favorável ou desfavoravelmente, a objetos, pessoas, situações e acontecimentos no ambiente em que estamos (Ros, 2006). É consequência da tomada de conhecimento do ambiente social que nos circunda; pode ser uma predisposição à ação. É possível expressá-la em crenças, sentimentos e comportamentos no contexto das interações físicas e sociais (Eagly & Chaiken, 1993).

Embora os componentes cognitivo, afetivo e comportamental das atitudes sejam amplamente reconhecidos, a teoria da ação racional (Fishbein & Ajzen, 1975) e a teoria do comportamento planejado (Ajzen, 1991) identificam outros fatores à relação entre atitude e comportamento. A teoria do comportamento planejado (TCP) é uma versão revisada e expandida da teoria da ação racional (TAR). Em ambas, a intenção comportamental é colocada como o mais próximo preditor de comportamento. No caso da TCP, as intenções para realizar tipos de comportamento podem ser preditas por atitudes sobre a realização do comportamento, da norma subjetiva e do controle percebido (Ajzen, 1991). Fishbein e Ajzen (1975) entendem que a atitude é uma quantidade de afeto pró ou contra uma situação, afirmando que, para entender o comportamento das pessoas, é preciso identificar os determinantes das intenções comportamentais.

A correspondência entre intenção e comportamento depende principalmente da força da intenção, ou seja, da probabilidade subjetiva da ação admitida e da estabilidade das intenções (Moutinho & Roazzi, 2010). Segundo a teoria da ação racional (TAR), enquanto a intenção determina o comportamento, alguns fatores, por sua vez, determinam a intenção comportamental. Trata-se das atitudes em relação ao comportamento e das normas subjetivas. A atitude em relação a um conceito é simplesmente o grau em que se está a favor ou contra esse conceito (Ajzen & Fishbein, 1980). As normas subjetivas refletem a percepção da pessoa sobre a pressão social como incentivo ou oposição ao comportamento. Assim, segundo a TAR, quanto mais positiva a avaliação do sujeito sobre o comportamento (atitude) e quanto mais forte a pressão social (normas subjetivas) de pessoas importantes ao sujeito, maior será sua intenção ao comportamento (Ajzen & Fishbein, 1980). A teoria da ação racional (TAR) trata ainda da influência das crenças dos indivíduos sobre o comportamento, da avaliação das consequências do comportamento e da motivação para concordar com as pessoas significativas (Moutinho & Roazzi, 2010).

Segundo Ros (2006), o comportamento não é apenas determinado pelo que as pessoas gostariam de fazer, mas também pelo que elas pensam que devem fazer (em função das normas sociais vigentes), pelo que elas estão acostumadas a fazer (por força dos hábitos sociais) e pelas consequências decorrentes do comportamento adotado. As múltiplas interações entre atitude e comportamento, portanto, são permeadas por elementos cognitivos, sociais, normativos e motivacionais. Quando analisadas sob o prisma da formação profissional de saúde, levam em consideração a influência do contexto das práticas profissionais e educacionais na profissionalização do estudante nas áreas da saúde. O desenvolvimento e a manutenção de atitudes profissionais dos estudantes durante o curso podem influenciar a qualidade do cuidado que darão aos pacientes no futuro (Woloschuk et al., 2004). A importância de atitudes profissionais de estudantes de medicina é reforçada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (Miranda, Pires, Nassar, & Silva, 2008). Atitudes profissionais de estudantes de medicina adquiriram posição central na formação médica, pela preocupação crescente com os aspectos sociais e humanísticos da profissão (Arnold, 2002; Frenk et al., 2010; Passi et al., 2010).

Nesse sentido, o termo "profissionalismo médico" vem sendo utilizado como referência ao conjunto de atitudes e comportamentos necessários ao bom exercício da profissão. É um termo orientado por valores pessoais e profissionais, permeado pelos aspectos históricos, sociais, culturais e institucionais que delimitam as práticas. Engloba elementos inter-relacionados, de limites imprecisos, que, em linhas gerais, expressam o compromisso ético, moral e humanístico que os profissionais em geral devem manter no exercício profissional da medicina (Martimianakis, Maniate, & Hodges, 2009).

Atitudes e comportamentos profissionais são desenvolvidos e reorientados ao longo da profissionalização do estudante, e vêm, progressivamente, recebendo maior atenção das instituições de ensino superior e da sociedade pelo seu papel na qualificação da saúde (Archer, Elder, Hustedde, Milam, & Joyce, 2008; Ros, 2006). O desafio é sobre como inserir e avaliar o ensino e aprendizagem de atitudes profissionais nos cursos de graduação.

A priorização do ensino do profissionalismo gerou a necessidade de as instituições de ensino disporem de métodos de avaliação atitudinal do estudante (Passi et al., 2010). A definição dos procedimentos de avaliação é necessária à inserção do ensino do profissionalismo médico nos currículos de graduação. Estruturar um currículo voltado para o desenvolvimento profissional do estudante é tarefa instigante e desafiadora, em grande parte pelas dificuldades de definição e execução dos procedimentos de avaliação.

A dificuldade em encontrar instrumentos com evidências de validade e fidedignidade para medir atitudes de estudantes de medicina se reflete na grande quantidade de medidas para avaliação do profissionalismo médico publicadas até o momento (Lynch, Surdyk, & Eiser, 2004). Jha, Bekker, Duffy, e Roberts (2007), em revisão sistemática de 97 estudos sobre avaliação de profissionalismo, identificaram três medidas comuns: administração direta de escala de atitudes, resposta a vinhetas ou cenários com situação de conflito, administração direta de questionários ou a combinação dessas medidas. Os autores ressaltaram, entretanto, a falta de detalhamento sobre como os itens dos instrumentos foram construídos e a dificuldade de avaliar a qualidade psicométrica das medidas empregadas.

No Brasil, foram desenvolvidas duas escalas para avaliar as atitudes de estudantes de medicina na graduação. A escala elaborada por Colares et al. (2002) avalia atitudes dos estudantes frente à morte, doença mental, atenção primária à saúde e outras situações relevantes da prática médica. A escala elaborada por Miranda et al. (2009), denominada Escala para Avaliar Atitudes de Estudantes de Medicina é multidimensional, composta por 102 itens em cinco domínios do profissionalismo médico. Por envolver atitudes relacionadas ao profissionalismo médico e por estar em sintonia com as Diretrizes Curriculares Nacionais aos cursos de graduação em medicina, essa escala foi escolhida como objeto desse estudo.

Deve-se ressaltar, entretanto, a validação da escala feita por Miranda et al. (2009) foi com grupo de seis juízes, docentes das áreas de medicina e educação, todos com experiência pessoal e profissional na área de medicina. Aos juízes, foi solicitado que opinassem sobre adequação semântica, facilidade de compreensão, adequação da representação comportamental e vinculação dos itens com as respectivas dimensões. Os juízes avaliaram 182 itens, construídos para medir as atitudes de estudantes de medicina. Com base na avaliação dos juízes, 80 itens foram excluídos, deixando a escala final com 102 itens. A escala final com 102 itens consiste de cinco dimensões: social (24 itens), ambiência (16 itens), crenças (16 itens), conhecimento (30 itens) e ética (16 itens). Os seguintes coeficientes de consistência interna (alfa de Cronbach) das cinco dimensões foram relatados: 0,69 (social); 0,57 (ambiência); 0,53 (crenças); 0,66 (conhecimento) e 0,49 (ética). Não foi utilizada análise fatorial para verificar se a divisão teórica dos itens em cinco dimensões poderia ser confirmada com dados empíricos.

Um caso que requer a revisão de escalas, segundo Reise, Waller, e Comrey (2000), é quando a escala não fornece escores com grau apropriado de consistência interna. Esse é, certamente, o caso da escala original, para avaliar atitudes de estudantes de medicina, de 102 itens com dimensões que geram escores com coeficientes tão baixos de consistência interna, como 0,49, 0,53 e 0,57. Assim, três das cinco subescalas do instrumento original produzem escores com uma quantidade de variância de erro inaceitável (Floyd & Widaman, 1995; Thompson, 2003). O segundo caso para revisar uma escala, segundo Reise et al. (2000), é quando há dúvidas sobre a adequação da estrutura fatorial. Isso também se aplica no caso da escala para avaliar atitudes de estudantes de medicina, pois a distribuição de itens em cinco dimensões não foi feita com base em análise fatorial, mas com base em julgamento de juízes. Uma terceira razão para realizar uma revisão é a extensão da escala, com 102 itens, o que dificulta sua aplicação. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é revisar a escala para avaliar atitudes dos estudantes de medicina e investigar evidências de validade e fidedignidade da escala revisada em amostra de estudantes de medicina do DF.

 

Método

Participantes

Participaram 310 estudantes do curso de graduação em medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) do Distrito Federal. A idade média dos participantes foi de 23,2 anos (DP=3,6), a maioria do sexo feminino (54,2%).

Instrumento

Foi utilizada a Escala para Avaliar Atitudes de Estudantes de Medicina (Miranda et al., 2009) após ciência e autorização do autor. O instrumento é composto por 102 itens distribuídos nos seguintes domínios de atitude médica profissional: social (24 itens), ambiência (16 itens), crenças (16 itens), conhecimento (30 itens) e ética (16 itens). Os itens do instrumento são respondidos por uma escala de resposta do tipo Likert de cinco pontos, em que 1 significa "discordo totalmente" e 5, "concordo totalmente". Cerca de metade dos itens estavam redigidos em sentido inverso e tiveram suas pontuações corrigidas por ocasião da análise.

Procedimento

O instrumento foi aplicado no período de agosto a outubro de 2012. Os estudantes receberam, antes da aplicação, instruções para responder ao instrumento. A aplicação do instrumento foi realizada nos auditórios da Escola Superior de Ciências da Saúde durante as atividades regulares do curso. O tempo para preencher o instrumento foi aproximadamente 30 minutos. A participação foi voluntária, com o consentimento escrito de todos os participantes. O protocolo de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação em Estudo e Pesquisas em Ciências da Saúde (CEP-FEPECS) da Secretaria de Estado da Saúde do DF (protocolo 263/2012).

Análise de Dados

A análise exploratória dos dados abordou a verificação da integridade do banco de dados e da qualidade das respostas. Para tanto, foram realizadas análise de frequência, de dados missing e de normalidade univariada. Os dados missing foram tratados com a técnica de linear trend point. A distribuição das respostas nos itens foi verificada com os índices de assimetria (skewness) e curtose (kurtosis). O critério para considerar um item com distribuição não-normal foi assimetria superior a 1,0 e curtose superior a 2,0 (Miles & Shelvin, 2001; Osborne, 2002).

Para avaliar a estrutura do instrumento foi utilizada a análise de componentes principais (ACP) com a rotação Promax. A quantidade de componentes extraídos foi definida pela análise paralela de Horn usando o programa RAWPAR (O'Connor, 2000): comparando-se os autovalores obtidos empiricamente com os autovalores obtidos por variáveis aleatórias (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011). Na ACP, foram excluídos itens com carga componencial menor que 0,33 (menos que 10% da variância em comum com o componente principal) ou com correlação item-resto menor que 0,30 (Laros, 2012; Tabachnick & Fidell, 2007). Também foram excluídos itens cujas cargas fatoriais ficaram acima de 0,32 em dois ou mais componentes, desde que a diferença entre as cargas observadas fosse menor que 0,10.

A análise de fidedignidade dos escores nos componentes principais foi realizada com base do coeficiente a de Cronbach (Hair, Black, Babin, & Anderson, 2010; Thompson, 2003). Também foi calculada para cada componente principal a média correlação item-total corrigida (Clark & Watson, 1995). Contou-se com a versão 20 do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

 

Resultados

Análise Exploratória dos Dados

Para fins de consistência da base de dados, foi analisado o percentual de dados omissos. Verificou-se que a escala para avaliar atitudes de estudantes de medicina apresentou 2,4% de dados missing. As respostas omissas foram tratadas com o método linear trend point. A avaliação da normalidade da distribuição dos dados foi feita com base no cálculo do grau de assimetria e curtose. Os itens com assimetria superior a 1,0 e curtose superior a 2,0 foram transformados pelo método que demonstrou os melhores valores de curtose e assimetria: a inversa

Análise Paralela e Análise de Componentes Principais

Para verificar a estrutura interna da escala pesquisada, foi utilizada a análise dos componentes principais (ACP). A análise paralela, usada como critério para definir a quantidade de componentes a ser extraída (Laros, 2012), apontou a existência de oito componentes. Segundo o critério eigenvalue >1 de Kaiser-Guttman, 34 componentes deveriam ser extraídos, o que resultaria em superestimação do número de componentes reais (Damásio, 2012; Reise et al., 2000; Zwick & Velicer, 1986). A Tabela 1 mostra os resultados da análise paralela para os primeiros dez componentes principais.

 

 

Os resultados apresentados na Tabela 1 mostram que os primeiros oito eigenvalues empíricos têm valores maiores que os eigenvalues aleatórios gerados pela análise paralela, tanto com o critério da media dos eigenvalues quanto com o critério do 95o percentil dos eigenvalues. Assim, segundo o critério de análise paralela, oito componentes deveriam ser extraídos. Considerando o número de componentes apontados pela análise paralela, foi inicialmente realizada uma análise de componentes principais com rotação Promax, extraindo oito fatores. Na análise da solução de oito componentes, verificou- -se que a interpretação teórica de dois componentes ficou comprometida, pois continha itens de diversos domínios de atitude médico profissional. O primeiro desses componentes foi uma mistura dos domínios ética, crenças e social. O segundo foi uma mistura de ambiência, social e crenças. Na análise da solução de sete componentes, também houve problemas com a interpretação teórica de um componente. A análise do conteúdo dos itens desse componente não demonstrou consistência teórica. Dessa forma, decidiu-se manter somente seis componentes.

A Tabela 2 apresenta as cargas fatoriais, as correlações item-resto, a fidedignidade (alfa de Cronbach) e as correlações entre os seis componentes da escala para avaliar atitudes de estudantes de medicina.

 

 

Como pode ser observado na Tabela 2, os componentes mostraram coeficientes de fidedignidade alfa de Cronbach superiores ou iguais a 0,65. Comparando os componentes, observa-se que os componentes C1 (comunicação e relações humanas em saúde), C2 (ética na prática médica e acadêmica) e C4 (importância da autoavaliação para aprendizagem) são os que mostraram os coeficientes de fidedignidade mais altos (respectivamente 0,87, 0,76 e 0,77). Os componentes C5 (crenças no contexto da formação médica), C6 (importância dos determinantes sócias em saúde) e C3 (aprimoramento profissional) mostraram coeficientes de fidedignidade mais baixos (respectivamente 0,65, 0,67 e 0,68).

Verificando outro indicador da consistência interna apresentado na tabela 2, a média das correlações item- -resto (rir) dos componentes, observamos que o componente C4 mostrou o valor mais alto (0,57), seguido pelo componente C1 (0,48). Os componentes com média mais baixa das correlações item-resto são C5 (0,35) e C2 (0,41). Ainda na tabela 2, pode ser observado que o primeiro componente, comunicação e relações humanas em saúde, inclui o maior número de itens (18) e mostra também o coeficiente de fidedignidade mais alto (0,87). Os três primeiros itens desse componente, todos com cargas fatoriais acima de 0,60, podem ser interpretados como os melhores indicadores do componente. Têm conteúdo que enfatiza a atenção do médico a problemas emocionais do paciente. Todos os itens do primeiro componente enfatizam a comunicação e a escuta na relação médico-paciente, com itens sobre a relevância dos aspectos psicossociais do processo de adoecimento e a importância da abordagem do paciente como um todo e não somente de sua doença.

O segundo componente, ética na prática médica e acadêmica, consiste em 11 itens e tem um coeficiente de fidedignidade de 0,76. O primeiro item desse componente tem carga fatorial acima de 0,60 e pode ser considerado o melhor indicador do componente. O conteúdo desse item está relacionado com aspectos da ética na prática acadêmica. Os itens que compuseram o componente C2 expressaram necessidades e deveres do médico relacionados à aquisição de conhecimento, o estudo da ética e a educação do paciente e de seus pares. Além disso, abordaram questões sobre honestidade, envolvendo tarefas e trabalhos acadêmicos, a importância de limites e o respeito às questões culturais na interação médico-paciente. Assim, os conceitos centrais nesse componente versaram sobre "compromisso", "integridade" e "respeito", com questões relacionadas à vida profissional e acadêmica.

O terceiro componente (aprimoramento profissional), com cinco itens, tem um coeficiente de fidedignidade de 0,68. Os três primeiros itens com cargas fatoriais acima de 0,60 são os melhores indicadores do componente. Os três itens têm um conteúdo que enfatiza a aquisição do conhecimento em medicina e, dessa forma, amplia a base cognitiva necessária ao bom exercício da profissão. O quarto componente, importância da autoavaliação para aprendizagem, com quatro itens, apresentou coeficiente de fidedignidade de 0,77. O primeiro item com carga fatorial de 0,68 (‘Sou favorável à autoavaliação') é o melhor indicador do componente. Os itens do componente C4 enfatizam a autoavaliação como mecanismo de reconhecimento de limitações e aprendizagem. Mesmo com poucos itens, o componente C4 mostra um coeficiente de fidedignidade de 0,77.

O quinto componente, crenças no contexto da formação médica, com oito itens mostrou um coeficiente de fidedignidade de 0,65. O primeiro item com carga fatorial de 0,63 (‘Escolhi seguir a carreira médica porque queria salvar vidas') pode ser considerado o melhor indicador do componente. Os itens desse componente abordaram convicções dos estudantes sobre aspectos da vida profissional e acadêmica envolvendo motivação, tomada de decisão, liderança, relacionamento professor-aluno e expectativas inerentes ao aprendizado durante o curso.

O sexto componente, importância dos determinantes sociais em saúde, com quatro itens, apresentou um coeficiente de fidedignidade de 0,67. O primeiro item com carga fatorial de 0,80 (‘O médico deve se interessar pelo tipo de trabalho do seu paciente') pode ser considerado o melhor indicador do componente. Os itens do sexto componente abordaram determinantes sociais do processo saúde-doença, abrangendo questões como tipo de ocupação, condições de trabalho, moradia e hábitos de vida do paciente.

Outros resultados dignos de nota na Tabela 2 são as correlações entre os componentes depois da rotação com Promax. A correlação mais forte (r=0,39) é entre componentes C1 (comunicação e relações humanas em saúde) e C2 (ética na prática médica e acadêmica). A segunda correlação mais forte (r=0,33) é entre C1 (comunicação e relações humanas em saúde) e C3 (aprimoramento profissional). A correlação mais baixa (0,10) foi encontrada entre C4 (importância da autoavaliação para aprendizagem) e C5 (crenças no contexto da formação médica).

Uma vez que os seis componentes apresentaram correlações acima de 0,30, foi verificada a possibilidade de solução hierárquica da escala, ou seja, a existência de componentes de segunda ordem (Floyd & Widaman, 1995; Smith & McCarthy, 1995; Thompson, 2005). Para essa análise, foram calculados os escores totais nos componentes C1 a C6. Em seguida, foi realizada análise de componentes principais (ACP) desses seis escores totais. A Tabela 3 mostra os resultados da ACP dos seis escores totais dos componentes.

Como observado na Tabela 3, as cargas fatoriais no componente geral têm valores entre 0,47 e 0,77. O componente com a carga fatorial mais alta no componente geral é o C1 (comunicação e relações humanas em saúde), que pode ser considerado o melhor indicador do componente geral. O segundo componente com carga fatorial mais elevada é o C2 (ética na prática médica e acadêmica). O componente com a carga fatorial mais fraca é o componente C5 (crenças no contexto da formação médica). O percentual de variância total explicada pelo conjunto de componentes do componente geral foi 44,4%. O coeficiente de fidedignidade do componente geral é 0,89. Como o componente geral foi composto pelos outros componentes da escala, feita para avaliar atitudes profissionais dos estudantes de medicina, esse componente foi denominado Profissionalismo médico.

 

 

 

Discussão

Nas três últimas décadas, aumentou exponencialmente a publicação de escalas de atitudes para avaliar os aspectos morais, relacionais, éticos e socioculturais da formação profissional em medicina, refletindo o interesse crescente pelo assunto (Passi et al., 2010; Smith, 2005). Em revisão sistemática sobre o tema, Jha et al. (2007) e Lynch, Surdik, e Eiser (2004) chamam atenção para a falta de clareza metodológica e a falta de definição das propriedades psicométricas de grande parte dos instrumentos descritos até então. Ademais, em face da reconhecida pluralidade de instrumentos publicados, os autores defendem que as futuras pesquisas sobre o assunto deveriam mais enfatizar o aperfeiçoamento da qualidade psicométrica das medidas existentes, do que criar novos instrumentos. Argumentam ainda que, com os instrumentos de avaliação de atitudes escritos, é possível obter medidas de maior validade, fidedignidade e praticidade.

Neste estudo, foi revisado um instrumento de 102 itens, elaborado por Miranda et al. (2009), para avaliar atitudes dos estudantes de medicina. O objetivo da revisão foi melhorar as propriedades psicométricas do instrumento original (Reise et al, 2000; Smith & McCarthy, 1995). A verificação exploratória da estrutura fatorial interna do instrumento utilizou a análise dos componentes principais (ACP). Na determinação de número de componentes a serem extraídos, utilizamos a análise paralela de Horn. Esse procedimento é um critério de excelência, podendo indicar o número correto de componentes em mais de 90% dos casos (Laros, 2012; Zwick & Velicer, 1986). A análise paralela indicou oito componentes, mas, pela falta de interpretabilidade teórica dos últimos dois componentes, a solução foi elaborada com apenas seis componentes.

Os seis componentes da solução final consistem em 4 a 18 itens num total de 50, com os seguintes critérios de exclusão: (1) itens com carga componencial menor que 0,33; (2) itens com correlação item-total corrigido (correlação item-resto) menor que 0,30; (3) itens com cargas componenciais acima de 0,32 em dois ou mais componentes, desde que a diferença entre as cargas observadas fosse menor que 0,10. Foram excluídos 52 dos 102 itens (51%) da escala original. Assim, a escala revisada é composta de 50 itens. A fidedignidade dos componentes da escala revisada aumentou significativamente em comparação com as dimensões da escala original. Os coeficientes de consistência interna (alfa de Cronbach) das cinco dimensões da escala original foram os seguintes (Miranda et al., 2009): social (0,69), ambiência (0,57), crença (0,53), conhecimento (0,66) e ética (0,49). Na escala revisada, os componentes apresentaram coeficiente de consistência interna (alfa de Cronbach) entre 0,65 e 0,87.

Já que os seis componentes do instrumento revisado são correlacionados, a possibilidade de uma estrutura hierárquica do instrumento foi investigada. Os resultados de uma análise de componentes principais dos seis componentes da primeira ordem indicaram um componente de segunda ordem. O componente geral sintetiza todas as dimensões da formação profissional abordadas no instrumento; foi, consequentemente, denominado Profissionalismo médico. O coeficiente de consistência interna do componente geral é 0,89. Os resultados deste estudo indicam que escala revisada de atitudes profissionais dos estudantes de medicina apresenta evidências satisfatórias de validade de construto e de consistência interna na amostra pesquisada.

Entre as limitações do presente estudo, destaca-se a amostra de conveniência de alunos de medicina ter sido de apenas uma instituição pública de ensino médico do Distrito Federal. A amostra não representativa gera dúvidas sobre em que grau os resultados podem ser generalizados. Outra limitação do presente estudo é que não foi realizada uma comparação com outro instrumento de avaliação de atitudes para obter evidências de validade convergente da escala revisada.

Sugere-se, como estudo futuro, a verificação da estrutura fatorial aqui encontrada em amostra representativa de estudantes de medicina com análise fatorial confirmatória. Outra possibilidade interessante seria um estudo longitudinal comparando as atitudes de estudantes de medicina no início dos seus estudos com as atitudes no final curso.

 

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Recebido em dezembro de 2013
Reformulado em abril de 2014
Aprovado em abril de 2014

 

 

Sobre os autores

Wilton Silva dos Santos: é Doutor em Reumatologia pela UNIFESP. Docente do curso de Medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde do Distrito Federal.
Jacob Arie Laros: é Pós-doutor em Psicologia, professor associado do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.


1Agradecemos aos professores Eliana Mendonça Vilar Trindade, Stewart Mennin e aos acadêmicos de medicina Leonardo Miranda Ribeiro, Daniel Adriano Meneses da Silva e Manoel Dias Ribeiro Junior pelo apoio técnico e operacional na condução deste trabalho.
2Endereço para correspondência: SQN 303, Bloco K, apto 302, Asa Norte, 70735-110, Brasília-DF. Cel.: (61) 8117-1119. E-mail: wiltonss@uol.com.br