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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015

 

 

Construção e estudos psicométricos iniciais da Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM)

 

Construction and initial psychometric studies of the Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM)

 

Construcción y estudios psicométricos iniciales de la Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM)

 

 

Fabián Javier Marín Rueda1, I; Makilim Nunes BaptistaI; Hugo Ferrari CardosoII

IUniversidade São Francisco
IIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo apresentar o processo de construção da Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM), seu estudo fatorial e apresentar seus índices de confiabilidade. Participaram do estudo 687 trabalhadores com idades variando entre 18 e 71 anos, sendo a maior parte do sexo feminino, provenientes dos estados de Sergipe e São Paulo. Por intermédio da análise fatorial exploratória, a ELAM ficou composta por três fatores, sendo eles, condições de trabalho, humilhação e preconceito. Quanto aos índices de confiabilidade, os fatores obtiveram valores considerados adequados, variando entre 0,82 e 0,87. Concluiu-se que a escala apresentou adequadas propriedades psicométricas; entretanto, sugerem-se novas pesquisas com o referido instrumento para sua análise fatorial confirmatória, assim como o desenvolvimento de normatizações.

Palavras-chave: assédio moral; evidências de validade; precisão.


ABSTRACT

This research aims to present the process of construction of the Labor Scale of Moral Harassment (ELAM), and the first steps of its internal structure and reliability findings. Participants were 687 workers aged between 18 and 71 years, most were females from the states of Sergipe and São Paulo, Brazil. Through exploratory factor analysis. ELAM was composed of three factors: Working conditions, Humiliation and Prejudice. The factors presented adequate reliability indices ranging between 0.82 and 0.87. In sum, the scale showed adequate psychometric properties, however we suggest further research with this instrument in order to perform the confirmatory factor analysis, and the development of norms.

Keywords: harassment; validity evidences; reliability.


RESUMEN

Esta investigación tuvo como objetivo mostrar el proceso de construcción y el estudio factorial de la Escala Laboral de Acoso Moral (ELAM), con la finalidad de verificar evidencia de validez de su estructura interna, así como presentar sus índices de confiabilidad. Participaron 687 trabajadores con edades entre 18 y 71 años, siendo la mayor parte del sexo femenino y de los estados de San Pablo y Sergipe, Brasil. Por el análisis factorial exploratorio la ELAM fue compuesta por tres factores, siendo ellos, Condiciones de trabajo, Humillación y Preconcepto. En relación a los índices de confiabilidad, los factores obtuvieron valores considerados adecuados, que variaron de 0,82 a 0,87. Se concluyó que la escala presentó propiedades psicométricas adecuadas, pero se sugieren nuevos estudios con ella, con la finalidad de realizar análisis factoriales confirmatorias, así como la creación de normas para el instrumento.

Palabras-clave: acoso moral; evidencias de validez; confiabilidad.


 

 

Assédio moral laboral não pode ser considerado um termo recente nem tampouco corriqueiro, uma vez que é um fenômeno presente nas discussões de jurídicas ou psicológicas há algumas décadas. Trata-se de um conjunto de comportamentos executados por uma pessoa ou grupo de pessoas que ocupam o mesmo local de trabalho, cuja finalidade está relacionada a desenvolver no indivíduo assediado o sentimento de desvalia e incompetência no trabalho (Ferreira, 2009).

O assédio moral foi definido pela primeira vez por Brodsky (1976), caracterizando-o pela presença de comportamentos executados com a finalidade de incomodar, frustrar ou obter uma determinada reação de outra pessoa, diminuindo sua resistência. No entanto, atualmente uma das definições mais aceitas é a de Leymann (1996), considerado pela literatura científica o autor do primeiro estudo sistemático.

De acordo com Leymann (1996) tal fenômeno ocorre na medida em que o indivíduo assediado percebe gestos e falas agressivas no seu contexto de trabalho que isoladamente podem parecer insignificantes e até mesmo confundidos com brincadeiras, mas cuja repetição tende a acarretar danos à saúde física e psicológica do trabalhador assediado. Os comportamentos executados pelo assediador são realizados de forma sistemática e recorrente, e para se caracterizar o assédio moral, devem ocorrer por mais de seis meses, com frequência média de duas vezes na semana. Importante destacar que, embora Leymann (1996) considere essa frequência, ainda não há consenso na literatura científica sobre esse aspecto. Ainda de acordo com o autor, os comportamentos do assediador podem ser classificados em três grupos de ações.

O primeiro, denominado manipulação da comunicação da vítima, compreende comportamentos de negação de informações relativas ao contexto de trabalho do assediado, tais como funções, responsabilidades, quantidade e qualidade do trabalho e prazos para a realização de tarefas. Além da comunicação hostil explícita, na qual o assediador realiza críticas e ameaças de forma pública, e a comunicação hostil implícita, em que o assediador tende a não dirigir a palavra e não cumprimentar, ignorando, dessa forma, o indivíduo assediado (Leymann, 1996).

No segundo grupo de ações, denominado manipulação da reputação da vítima, os comportamentos têm como propósito a realização de comentários injuriosos, ridicularizações públicas relacionadas às características físicas e biológicas (como estrutura física, sexo, cor da pele ou deficiência física), assim como ideais e convicções (como opção religiosa, política, sexual, entre outras). Além desses comportamentos, a manipulação também pode ocorrer por críticas ao profissionalismo da vítima ou mesmo por assédio sexual (Leymann, 1996).

Por fim, o terceiro grupo de ações consiste na manipulação do trabalho da vítima. De acordo com Leymann (1996), este grupo de ações um aumento de forma exacerbada ou considerável diminuição da carga de trabalho pelo assediador; atribuição de trabalhos desnecessários, monótonos ou que desqualifiquem o indivíduo (como, por exemplo, tarefas de qualificação inferior ao cargo executado pela vítima, ou demandas contrárias aos padrões morais da vítima), assim como atribuição de demandas contraditórias e negação de recursos instrumentais necessários para a execução do trabalho.

A respeito da investigação do assédio moral, de acordo com Solanelles, Salas e Carballeira (2010), a avaliação desse fenômeno pode ser realizada tanto por procedimentos quantitativos como qualitativos. No que tange aos procedimentos quantitativos, o enfoque principal é dado à utilização de instrumentos psicométricos. Nesse sentido, destaca-se o Inventory of Psychological Terrorization (LIPT), instrumento construído por Heinz Leymann, de grande aceitação entre pesquisadores, sendo considerado um instrumento pioneiro na mensuração do assédio moral.

A versão original da LIPT é composta por 45 itens relacionados a situações que possam caracterizar o assédio moral, sendo que em cada item o participante responde com base em uma escala Likert de cinco pontos. Os itens são agrupados em cinco dimensões, sendo elas limites à comunicação, limites ao contato social, desprestígio do profissional perante seus colegas, descrédito nas capacidades profissionais e organizacionais do profissional, e comprometimento da saúde (Leymann, 1990; 1996).

Na primeira dimensão, limites à comunicação, os itens relacionam-se aos ataques à reputação do indivíduo, com inibição de sua autoexpressão e comunicação no trabalho. O segundo fator, limites ao contato social, se refere ao isolamento do assediado, muitas vezes tratado por colegas e superiores como "invisível" em seu ambiente laboral. A dimensão desprestígio do profissional perante seus colegas diz respeito aos atos que atingem a reputação do trabalhador, muitas vezes por meio de falas de cunho maldoso e rumores infundados com o objetivo de ridicularizar o assediado. O quarto fator, descrédito nas capacidades profissionais e organizacionais do profissional está relacionado a atos como não destinar ao assediado todas as tarefas condizentes à sua função, ou também direcionar a esse indivíduo atividades não relacionadas ao cargo que ocupa. Por fim, na quinta dimensão, comprometimento da saúde, os itens referem-se a ameaças de violências física e psicológica, bem como abuso físico e assédio sexual (Leymann, 1990; 1996).

Por ser um instrumento muito utilizado e pesquisado, existem estudos com a LIPT que apresentam diferentes configurações da original (Dikmetas, Top, & Ergin, 2011; Guimarães, Vasconcelos, Andrade, Stephanini, & Rego, 2005). Nesse sentido podem ser citados o estudo de Zapf, Knorz, e Kulla (1996), em que o instrumento é respondido por meio de uma escala que varia entre três e quatro possibilidades de resposta, e o estudo de Niedl (1995) no qual é utilizada uma escala de resposta de seis pontos.

Outro instrumento de avaliação do assédio moral encontrado na literatura consultada é o Negative Acts Questionaire (NAQ), elaborado por Einarsen e Raknes (1997). O questionário mensura o assédio moral por 22 itens que são respondidos utilizando-se uma escala tipo Likert de cinco pontos. Os itens são agrupados em duas dimensões: ataque à vida pessoal e condutas relacionadas ao assédio moral no trabalho. O instrumento possui adequadas propriedades psicométricas de evidência de validade com base na estrutura interna e índices de confiabilidade de 0,87 (fator 1) e 0,81 (fator 2).

Moreno-Jimenes et al. (2008) desenvolveram e validaram o Cuestionario de Acoso Psicológico en el Trabajo (CAPT). Após análise fatorial exploratória e confirmatória, o instrumento apresentou a configuração de 23 itens, respondidos por meio de uma escala Likert de cinco pontos, distribuídos em cinco dimensões, sendo elas: isolamento social, exigência extrema, descrédito, política organizacional, informações e comportamento perante aos atos de assédio e consequências para o assediado.

No Brasil, poucas são as iniciativas em estudar sistematicamente o assédio moral (Heloani, 2004, 2005), principalmente no que se refere ao desenvolvimento de escalas que meçam esse construto e apresentem estudos relacionados à estrutura interna. Nesse sentido, uma das poucas iniciativas foi a de Martins e Ferraz (2011), que intentaram adaptar e validar a Escala de Percepção da Frequência e a Escala do Impacto Afetivo do Assédio Moral (Fornés, Martínez-Abascal, & García de la Banda, 2008) em trabalhadores brasileiros. Os resultados demonstraram, no caso do primeiro instrumento, dois fatores e 24 itens, sendo o primeiro denominado assédio profissional (α=0,91), e o segundo, assédio pessoal (α=0,85). Já o segundo instrumento apresentou solução fatorial de apenas um fator com 13 itens (α=0,85).

Tendo como parâmetro tais informações, o presente artigo tem por objetivo apresentar o processo de construção da Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM), baseada na teoria de Leymann (1990, 1996), visando a analisar a percepção da ocorrência de situações constrangedoras no trabalho, as quais podem remeter ao assédio moral, bem como apresentar seu estudo fatorial para evidenciar a validade por sua estrutura interna, assim como seus índices de confiabilidade.

 

Método

Construção dos itens

Os itens da Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM) foram construídos considerando a teoria de Heinz Leymann (1990, 1996), especificamente três das cinco grandes estratégias utilizadas para assediar um profissional, a saber: os limites ao contato social, o desprestígio do profissional perante seus colegas e o descrédito nas capacidades profissionais e organizacionais do profissional.

A justificativa para a escolha de apenas essas três estratégias se deve a considerações referentes ao momento atual do mercado corporativo, uma vez que, em um mundo globalizado e juridicamente aberto como o atual, com possibilidades de recolhimento de provas e ações legais, os funcionários e chefes tendem a evitar as comunicações mais diretas que possam ser documentadas, tais como gritar com funcionários (que pode ser gravado), chamadas telefônicas insultantes (idem), bilhetes ameaçadores (que podem ser guardados), entre outros aspectos, que são características da estratégia de limites à comunicação apresentada por Leymann. Já em relação à última estratégia – comprometimento da saúde –, nela se avaliam as condutas do assediador, e não as repercussões no assediado, como pode ser visto no próprio LIPT. Além disso, as questões se referem a ataques físicos e sexuais diretos, danos ao domicílio, dentre outros, o que é muito pouco referido em artigos nacionais sobre a temática.

Após a definição sobre as estratégias de Leymann selecionadas, procedeu-se à construção dos itens. Para isso, três doutores em psicologia, com experiência na construção de instrumentos de medida, elaboraram de forma separada seis itens para cada uma das dimensões. Dessa forma, inicialmente foram criados 54 itens (18 itens por dimensão). Realizou-se, então, um encontro para discutir os itens de cada um dos fatores, com o intuito de eliminar aqueles com enunciados semelhantes, assim como também aqueles que não se referiam ao fator em questão, ou que apresentavam enunciado dúbio. Após essa etapa, a dimensão relacionada aos limites ao contato social ficou composta por 14 itens, a relacionada ao desprestígio do profissional perante seus colegas ficou com 15 itens e, por fim, a dimensão relacionada ao descrédito nas capacidades profissionais e organizacionais do profissional ficou composta por 13 itens. Dessa forma, a versão inicial elaborada pelos profissionais ficou composta por 42 itens.

O próximo passo a análise por juízes, com o objetivo de verificar se os itens estavam adequados às definições das três estratégias propostas por Leymann (1990, 1996). Para isso, os 42 itens foram sorteados aleatoriamente para compor a versão a ser enviada aos juízes junto às definições operacionais do autor. Os juízes que participaram dessa etapa eram dois psicólogos, professores universitários, com experiência em construção de instrumentos, que julgaram cada item informando a qual fator cada um deles pertencia. A análise dos juízes revelou que havia concordância de 40 itens (95,24%), enquanto os dois restantes apresentaram divergência, sendo eles excluídos da escala após análise das justificativas apresentados pelos juízes.

Assim sendo, a escala ficou composta por 40 itens, e passou novamente por uma revisão dos autores. Essa última revisão objetivou identificar itens cujo enunciado fosse ambíguo ou pouco claro e objetivo. Na revisão, dois itens foram modificados, visando a uma melhor compreensão.

A versão final da escala foi composta por 40 itens apresentados para o respondente com o seguinte enunciado: "Você está recebendo uma série de afirmações a respeito de situações que podem ocorrer em seu ambiente de trabalho. Ao responder as questões, leve em consideração eventos ocorridos, pelo menos, nos últimos seis meses. Não há respostas certas ou erradas. Portanto, responda com sinceridade e não deixe nenhuma afirmação em branco". Os itens foram adaptados e organizados em uma escala de respostas de quatro pontos (nunca, poucas vezes, muitas vezes e sempre), pontuados de um a quatro, respectivamente.

Participantes

Participaram da pesquisa 687 trabalhadores com idades variando entre 18 e 71 anos (M=29,48; DP=10,05), de escolaridade entre ensino fundamental incompleto (2,9%) e doutorado (3,8%). O maior percentual de participantes tinha ensino médio completo (22,3%) ou ensino superior em andamento (41,3%). Quanto ao sexo, 367 (53,4%) eram mulheres, 313 (45,5%) homens e sete (1,1%) não forneceram essa informação. Do total de participantes, 480 (69,9%) eram do estado de Sergipe, e o restante do estado de São Paulo. No que se refere à área de trabalho, eram sujeitos que trabalhavam na área comercial (28,1%), industrial (17,8%) ou na prestação de serviços (54,1%). Importante destacar que a amostra foi por conveniência, tendo como critérios de inclusão que o sujeito trabalhasse em uma organização, com registro em carteira e por um tempo mínimo de um ano. Nesse sentido, o tempo de trabalho na organização variou de um a 33 anos, com um tempo médio aproximado de cinco anos.

Procedimento

O projeto de pesquisa foi primeiramente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética. A coleta de dados efetuada de forma individual, com horários previamente cedidos pelas empresas e agendados com os trabalhadores. A duração foi de aproximadamente 20 minutos, sendo esclarecidos primeiramente os objetivos da pesquisa, solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e, por fim, a resposta à escala. No caso específico das respostas, informou-se aos participantes sobre a importância de preencher todos os itens, e que não existiam alternativas certas ou erradas, assim como foi garantido que os dados seriam mantidos em sigilo. Por fim, destaca-se que, para garantir a compreensão dos itens por parte dos respondentes, eles foram instruídos a solicitar auxílio caso fosse necessário. Em relação a isso, apenas nove participantes (1,31% do total) solicitaram auxílio, e foram esclarecidos durante o processo de coleta.

Análise de Dados

Para estudar a estrutura interna da ELAM, foi realizada a análise dos componentes principais (ACP), com rotação oblíqua promax, uma vez que se esperava que os fatores obtidos fossem correlacionados. Os índices de confiabilidade foram calculados pelo coeficiente alfa de Cronbach. Por fim, os fatores obtidos na análise foram estudados por meio do coeficiente de correlação de Pearson. As análises foram realizadas utilizando o programa estatístico SPSS 20.0.

 

Resultados

Antes de proceder à ACP, avaliou-se se era adequado tal procedimento, considerando os dados dos quais se dispunha. Para isso, inicialmente foi analisada a adequação amostral de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e a prova de esfericidade de Bartlett. O KMO foi igual a 0,93, enquanto a prova de esfericidade de Bartlett foi estatisticamente significativa χ2 (351)=6979,86; p<0,001. Por esse resultado, ambos os critérios sustentaram a fatorabilidade da escala.

Em seguida, estabeleceu-se como parâmetro para a permanência do item na escala uma carga fatorial superior a 0,32, seguindo recomendações de Tabachnick e Fidell (2001), que consideram esse o valor mínimo para aceitar um item, uma vez que ele corresponde a 10% da variância explicada. Com base nisso, uma primeira análise manteve 27 itens, que foram analisados para identificar o número de fatores que comporiam a escala.

Para definir o número de fatores, foram utilizados dois critérios: o teste scree de Cattell e a análise paralela de Horn. Considerando o critério do scree-plot (Figura 1), foi verificada uma solução trifatorial como sendo a mais adequada, uma vez que, no gráfico, eles se encontram acima da linha reta. Pela análise paralela de Horn, que compara os autovalores obtidos empiricamente com os autovalores obtidos aleatoriamente a partir de matrizes de variáveis, e que preconiza que sejam extraídos aqueles cujos autovalores empíricos sejam superiores aos aleatórios, também verificou-se a existência de três fatores, após uma base em mil mostras aleatórias.

 

 

Considerando que ambos os critérios apontaram a existência de três fatores, e que os itens da ELAM foram construídos considerando apenas três das estratégias de assédio moral apresentadas por Leymann (1990, 1996), procedeu-se à avaliação da organização dos itens nessa estrutura trifatorial. Os resultados podem ser observados na Tabela 1.

 

 

A denominação dos fatores foi feita conforme a reunião dos itens obtida e considerando as três estratégias selecionadas de Leymann (1990, 1996). É importante destacar que, para a decisão sobre a nomenclatura de cada fator, houve o cotejo entre os dados empíricos e os dados apontados por Leymann e, pela proposta inicial de três fatores ter sido identificada, optou-se por atribuir outra nomeação aos identificados neste estudo. Nesse sentido, os fatores foram denominados "condições de trabalho" (fator 1), "humilhação" (fator 2) e "preconceito" (fator 3). O fator 1 foi composto por 11 itens, enquanto os fatores 2 e 3 foram compostos por oito itens cada.

Em relação aos índices de confiabilidade, os três fatores alcançaram valores de alfa muito bons (APA, AERA & NCME, 1999; Guilford & Fruchter, 1978), sendo 0,85, 0,87 e 0,82 respectivamente. Também foi analisado se algum item poderia ser retirado para o aumento do alfa, observando que, nos três fatores, isso não era necessário, pois o alfa não aumentaria com a retirada de nenhum item, o que sugeriu a necessidade de todos serem mantidos, principalmente pela adequação de cada um na respectiva dimensão. Por fim, ao analisar a correlação item-total em cada fator, observou-se que, nas "condições de trabalho", variou de 0,47 a 0,60; no fator "humilhação" variou de 0,53 a 0,70; e no fator "preconceito", de 0,47 a 0,62.

Continuando as análises, realizou-se uma correlação de Pearson entre os fatores encontrados na Escala Laboral de Assédio Moral (ELAM). Os resultados podem ser observados na Tabela 2.

 

 

Na Tabela 2 se observa que as correlações entre os fatores foram todas de magnitude moderada – entre 0,30 e 0,70 (Dancey & Reidy, 2006). Esses resultados podem ser interpretados como cada um dos fatores avaliando aspectos bastante relacionados entre si, porém apresentando especificidades que não podem deixar de ser levadas em conta ao realizar uma avaliação do conceito como um todo. Esse fato era esperado, uma vez que o assédio moral apresenta estratégias diferentes (Leymann, 1990, 1996), porém sempre objetivando denegrir a pessoa, seja de forma laboral, pessoal ou socialmente.

 

Discussão

O assédio moral no trabalho pode ser considerado um construto conceituado há mais de três décadas, e que hoje ocupa um lugar de destaque nas pesquisas internacionais (Brodsky, 1976; Heloani, 2005; Maciel, Cavalcante, Matos, & Rodrigues, 2007; Organización Internacional del Trabajo, 1998; Solanelles et. al., 2010). A frequência com que ocorre e o número de funcionários que sofrem com o assédio em diversas organizações podem ser alarmantes, variando de 5 a 10% na Europa (Einarsen, 2005), e chegando a 42% no Brasil (Barreto, 2003; Maciel et al., 2007), o que faz do desenvolvimento de um instrumento de avaliação dessa realidade algo muito importante para os estudos de levantamento, atuação e prevenção desse fenômeno.

Pela literatura identificada para a elaboração deste artigo, nenhuma iniciativa em construir uma escala de assédio moral no trabalho, considerando especificamente uma teoria mais sistematizada, como a de Leymann (1990, 1996), foi encontrada no cenário brasileiro. Logo, os resultados aqui apresentados podem ser promissores por oferecer uma possibilidade de avaliar melhor esse fenômeno em países como o Brasil ou em outros de culturas e línguas semelhantes.

Destarte, a área de Avaliação Psicológica vem- -se desenvolvendo de forma a proporcionar aos profissionais e pesquisadores ferramentas mais válidas e confiáveis para o uso de suas atribuições, tais como avaliação do clima organizacional, suporte laboral, relações sociais, motivação, entre outras (SATEPSI, 2014). Sendo assim, a construção de um instrumento, respeitando as características culturais e a tendência do universo corporativo, faz-se necessária para contribuir com o profissional que está inserido nesse nicho profissional, já que, segundo Martins e Ferraz (2011), não havia, até então, instrumentos dessa categoria validados no Brasil.

O processo de construção dos itens, baseados em uma teoria bem concatenada historicamente e com comprovação empírica, passando pela construção cuidadosa dos itens por especialistas, análise de juízes externos, revisão dos autores, até a análise da estrutura interna da escala, vem ao encontro das fases propostas por Adánez (1999). Além disso, tentou-se obter uma amostra adequada, de trabalhadores de diversas áreas, a fim de se ter maior hetorogeneidade amostral.

Além da teoria de base utilizada de maneira a proporcionar um esteio por detrás da construção de itens (Leymann, 1990, 1996), deve-se levar em conta que os dados foram coletados em dois estados, mantendo- -se também o agrupamento heterogêneo da amostra (número amostral, distribuição de sexo e áreas de atuação). O objetivo foi alcançado, já que algumas propriedades psicométricas, incluindo evidências de validade de estrutura interna, com utilização de juízes cegos na adequação dos itens, além dos valores de confiabilidade, foram adequadas (SATEPSI, 2014).

A quantidade de itens e sua distribuição nas dimensões apresentou uma solução bastante interessante, em comparação com outros instrumentos pesquisados, tais como o próprio LIPT, o NAQ, o CAPT e os instrumentos de Fornés et al. (2008), sendo que o primeiro e o terceiro instrumentos apresentam um número maior de itens ou fatores que pretendem avaliar, motivo esse que levou os autores da presente pesquisa a construir um instrumento com menor número de itens e fatores, e mais adequado à nossa realidade cultural, avaliando possivelmente as dimensões mais relevantes, mais próximo ao NAQ (Einarsen & Raiknes, 1997; Leymann, 1990, 1996; Moreno-Jimenes et al., 2008) e ao estudo de Martins e Ferraz (2011). Logo, o número de itens, seu conteúdo, bem como os índices de confiabilidade, parecem estar de acordo com essas outras iniciativas.

Como bem lembram Solanelles et al. (2010), a possibilidade de instrumentais qualitativos e quantitativos para a análise do assédio laboral é possível, sendo a opção dos autores da presente pesquisa o desenvolvimento de uma escala com características quantitativas e psicométricas. Com isso, pode-se pensar na complementariedade dos métodos e a vantagem de o instrumento permitir maior amplitude na pesquisa e apontar os casos que podem ser objeto de uma análise qualitativa aprofundada.

Obviamente, como todo estudo empírico, limitações se fazem presentes. A primeira delas diz respeito à possibilidade de se obter uma amostra ainda maior, com uma distribuição mais homogênea entre as áreas de atuação, principalmente se for possível incluir outros estados do Brasil. Para tanto será necessária uma análise confirmatória da estrutura fatorial encontrada no atual artigo, com vistas ao desenvolvimento de normatizações. Espera-se que este trabalho possa seja um avanço no estudo desse construto tão importante na vida do ser humano, ou seja, o trabalho e suas consequências.

 

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Recebido em fevereiro de 2014
Reformulado em maio de 2014
Aprovado em junho de 2014

 

 

Sobre os autores

Fabián Ravier Marín Rueda: é Psicólogo, doutor em Psicologia pela Universidade São Francisco – Itatiba, professor do Programa de Pós Graduação Strictu-Sensu da Universidade São Francisco – Itatiba e bolsista produtividade pelo CNPq.
Makilim Nunes Baptista: é Psicólogo, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Pós Graduação Strictu-Sensu da Universidade São Francisco – Itatiba e bolsista produtividade pelo CNPq.
Hugo Ferrari Cardoso: é Psicólogo, doutor pela Universidade São Francisco – Itatiba, professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

1Endereço para correspondência: Universidade São Francisco, R. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro, 13251-900, Itatiba-SP. E-mail: fabian.rueda@usf.edu.br


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