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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba Apr. 2015

 

 

Evidências de validade do Rorschach Performance Assessment System no diagnóstico da esquizofrenia

 

Evidence of validity of Rorschach Performance Assessment System in the diagnosis of schizophrenia

 

La evidencia de la validez del Rorschach Performance Assessment System en el diagnóstico de la esquizofrenia

 

 

Philipe Gomes VieiraI, IIAnna Elisa Villemor-Amaral1, II

IUniversidade Presidente Antônio Carlos
IIUniversidade São Francisco

 

 


RESUMO

O Método de Rorschach tem-se mostrado um eficaz instrumento para avaliação da personalidade, bem como para identificação de padrões psicopatológicos, em especial, a esquizofrenia. O objetivo do presente estudo foi buscar evidências de validade para o Rorschach Performance Assessment System (R-PAS) para o contexto brasileiro. Foram administrados o R-PAS e a Magical Ideation Scale (MIS) em 70 setenta adultos, divididos em 35 pacientes com esquizofrenia e 35 não pacientes. Os resultados das comparações evidenciaram diferenças estatisticamente significativas para as variáveis (Hd), An, FQo, FQu, FQn, P, DV, DR, INC, CON, MAH, MAP, GHR, PHR, EII-3 e TP-Comp (p<0,05). Foram encontradas associações positivas e de forte magnitude para o escore obtido na MIS e para as variáveis do R-PAS, EII-3 e TP-Comp (r=0,84 e 0,85, respectivamente). Assim sendo, interpretam-se os resultados como evidências de validade para o R-PAS no contexto brasileiro.

Palavras-chave: estudo de validade; emagical ideation scale; psicopatologia; rorschach (r-pas); técnica projetiva.


ABSTRACT

The Rorschach method has proven an effective tool for personality assessment and identification of psychopathological patterns, in particular schizophrenia. The aim of this study was to seek validity evidences for the Rorschach Performance Assessment System (R-PAS) in a Brazilian context. Both R-PAS and the Magical Ideation Scale (MIS) were administered in 70 adults, 35 schizophrenic patients, and 35 non-patients. The results of the comparisons showed statistically significant differences for the variables (Hd), An, FQo, FQu, FQn, P, DV, DR, INC, CON, MAH, MAP, GHR, PHR, EII-3 and TP-Comp (p<0.05). There were positive and strong magnitude associations to the score obtained in MIS and the variables of the R-PAS, EII-3 and TP-Comp (r=0.84 and 0.85, respectively). Therefore the results can be interpreted as evidence of validity for the R-PAS in a Brazilian context.

Keywords: validity study; magical ideation scale; psychopathology; rorschach (r-pas); projective technique.


RESUMEN

El método de Rorschach ha demostrado ser una herramienta eficaz para la evaluación de la personalidad y la identificación de patrones psicopatológicos, en particular la esquizofrenia. El objetivo de este estudio fue buscar evidencia de validez para el Rorschach Performance Assessment System (R-PAS) en contexto brasileño. Se administraron el R-PAS y la Magical Ideation Scale (MIS) en 70 adultos divididos en 35 pacientes con esquizofrenia, y 35 no pacientes. Los resultados de las comparaciones mostraron diferencias estadísticamente significativas para las variables (Hd), An, FQo, FQu, FQn, P, DV, DR, INC, CON, MAH, MAP, GHR, PHR, EII-3 y TP-Comp (p<0,05). Se encontraron associaciones positivas y magnitud fuerte a la puntuación obtenida en las MIS y las variables del R-PAS, EII-3 y TP-Comp (r=0,84 y 0,85, respectivamente). Así, se interpretan los resultados como evidencia de validez para el R-PAS en el contexto brasileño.

Palabras-clave: estudio de validez; magical ideation scale; psicopatología; rorschach (r-pas); técnica proyectiva.


 

 

No âmbito clínico, o Método de Rorschach tem sido considerado um dos principais instrumentos para avaliação de aspectos da personalidade. Diversos autores compartilham a ideia de que esse método, em seus mais variados sistemas de utilização, tem-se mostrado eficaz para elucidar aspectos relacionados a fragilidades e desajustes psíquicos, características compartilhadas pelos quadros psicopatológicos mais severos, como, por exemplo, a esquizofrenia (Chabert, 1993; Djamonja-Ignjatovic, Smith, Jocic, & Milanovic, 2013; Exner & Sendín, 1999; Moore, Viglione, Rosenfarb, Patterson, & Mausbach, 2013; Nascimento, 2006; Rorschach, 1921/1978; Viglione, Giromini, Gustafson, & Meyer, 2012; Viglione, Perry, Giromini, & Meyer, 2011; Viglione, Perry, & Meyer, 2003).

Para se consolidar o diagnóstico de esquizofrenia, destacam-se os manuais diagnósticos Classificação Internacional de Doenças (CID-10; OMS, 1993) e Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 2013), ambos utilizados na prática clínica por psicólogos e psiquiatras. Os manuais apresentam diretrizes diagnósticas, apontando sinais e sintomas característicos da doença. Todavia, no Brasil, a CID-10 tem sido adotada como instrumento de classificação oficial dos transtornos mentais e de comportamento (Resende & Argimon, 2012).

Na CID-10 (OMS, 1993), os sintomas característicos do funcionamento esquizofrênico se dividem em oito grupos: 1 – Eco, inserção, roubo ou irradiação do pensamento; 2 – Delírios de controle, influência ou passividade e percepção delirante; 3 – Vozes alucinatórias comentando o comportamento do sujeito ou discutindo entre si, bem como vozes alucinatórias oriundas de alguma outra parte do corpo do sujeito; 4 – Delírios persistentes, culturalmente inapropriados, tais como poderes e capacidades sobre-humanas; 5 – Alucinações persistentes de qualquer ordem, quando acompanhadas por delírios superficiais, sem claro conteúdo afetivo, ou por concepções supervalorizadas ou quando ocorrem diariamente ao longo de semanas ou meses; 6 – Neologismos, alterações no curso do pensamento, resultando em incoerência ou fala irrelevante; 7 – Comportamento catatônico, como, por exemplo, excitação, postura inadequada ou flexibilidade cérea, negativismo, mutismo ou estupor; 8 – Sintomas negativos, como apatia acentuada, pobreza de discurso e embotamento ou incongruência de respostas emocionais, que não estejam ligados a um episódio depressivo. Cabe ressaltar que, para se diagnosticar a esquizofrenia, torna-se necessário a identificação de pelo menos um dos quatro primeiros grupos de sintomas, ou dois dos quatro últimos, sendo eles notáveis frequentemente por um período de no mínimo um mês.

Tradicionalmente, no Brasil, percebe-se uma escassez de estudos que procurem investigar associações entre diferentes modelos de avaliação de psicopatologias. Resende e Argimon (2012) ressaltam que, de maneira geral, quando se busca correlacionar achados obtidos pelo Método de Rorschach aos achados obtidos por outro instrumento que possibilite uma classificação nosográfica, os resultados tendem a não ser tão satisfatórios, demonstrando valores de baixa magnitude. As referidas autoras, para suprir parte dessa lacuna encontrada na literatura, fizeram um mapeamento das principais variáveis do Método de Rorschach relacionadas à esquizofrenia, buscando, na sequência, correlacioná- las aos agrupamentos propostos pela CID-10. Os resultados da correlação apontam para valores considerados estatisticamente significativos, oscilando entre magnitudes baixas (r=0,21, menor valor encontrado) e elevadas (r=0,74, maior valor encontrado).

Dentre os principais sistemas para utilização do referido método, destaca-se o Rorschach Performance Assessment System (R-PAS), por ser uma nova abordagem, originada dos estudos realizados com o Sistema Compreensivo de Exner e baseada em evidências empíricas, buscando aprimoramento normativo e integrando achados internacionais para a interpretação de protocolos (Meyer & Eblin, 2012; Meyer, Viglione, Mihura, Erard, & Erdberg, 2011). Para os autores, o objetivo principal é fornecer um sistema de avaliação da personalidade clinicamente rico, baseado em evidências que possibilitem ao examinador criar inferências confiáveis acerca de um dado sujeito.

Para a interpretação dos protocolos de Rorschach no R-PAS, certas variáveis são associadas, e, conjuntamente, formam índices conhecidos como escalas e/ou constelações. De acordo com Meyer et al. (2011), as constelações mais diretamente ligadas ao funcionamento da esquizofrenia são a Ego Impairment Index (EII-3) e a Thought and Perception Composite (TP-Comp). Autores como Viglione et al. (2003) e Meyer e Eblin (2012) salientam que os quadros psicopatológicos, em nuances distintas, evidenciam fragilidades nas funções do ego, bem como perturbações do pensamento e da percepção, em especial, nos quadros de esquizofrenia. Nessa direção, Djamonja-Ignjatovic et al. (2013) corroboram tal pressuposto, destacando a sensibilidade preditiva da EII-3 (R2=0,62; B=2,09; p<0,01) e TP-Comp (R2=0,68; B=2,11; p<0,01) para o diagnóstico dessa psicopatologia.

A verbalização de conteúdos como anatomia (An), sexo (Sx) e detalhes para-humanos [(Hd)], bem como repostas determinadas por impressão de movimento humano associado à distorção de formas (M-), revelam perturbações que, na esquizofrenia, se relacionam a delírios de controle, influência e/ou percepção delirante (Resende & Argimon, 2012). As respostas An revelam, nos pacientes com esquizofrenia, angústias ligadas ao próprio corpo como reflexo de comprometimento da autoimagem, bem como dificuldade de elaboração da problemática vivenciada (Vaz, 1997). Na mesma direção, o aumento do conteúdo Sx evidencia preocupações de ordem sexual, que, por sua vez, refletem o dilema das cenestesias, entendidas como impressões sensoriais delirantes experimentadas pelos pacientes com esquizofrenia, podendo estar ligadas aos órgãos genitais, em especial quando se tratam de pacientes do sexo feminino. As respostas (Hd) e M- denotam fuga da realidade em detrimento da autonomia e de habilidades sociais, o que, por conseguinte, pode ser indício de pensamento delirante (Exner & Sendín, 1999; Resende & Argimon, 2012).

Outras variáveis capazes de predizer padrões psicopatológicos são os códigos especiais, divididos em cognitivos e temáticos, que, ao aparecerem em protocolos, ainda que isoladamente, já demonstram um ponto de alerta (Exner, 1999; Meyer et al., 2011). Os referidos autores destacam os códigos cognitivos que formam o Wsum6 e o Level 2 Cognitive (Lvl 2 Cog), por serem considerados críticos, e, portanto, revelarem perturbações do pensamento e da percepção. Em tal agrupamento, encontram-se os códigos DV (verbalização desviante), atribuído às respostas marcadas pelo uso de uma palavra inadequada, ora por redundância e neologismo, ora por nível cultural e educacional; DR (resposta desviante), caracterizada por frases inadequadas e circunstanciais que visam a desviar o foco de uma construção de resposta; INC, ilustrado pela combinação inadequada de objetos cujas características verbalizadas não fazem parte de sua natureza; FAB, relacionado à combinação estranha de dois ou mais objetos, violando o sentido de realidade; PEC, referente a uma lógica peculiar utilizada para justificar a resposta; e CON, respostas contaminadas pela fusão de dois conteúdos inadequadamente percebidos em um mesmo local. Exner e Sendín (1999) destacam que nos quadros de esquizofrenia há maior propensão ao surgimento de tais respostas.

No que diz respeito aos códigos temáticos relacionados, em alguma medida, ao funcionamento da esquizofrenia, Meyer et al. (2011) e Meyer e Eblin (2012) apontam a escala Mutuality of Autonomy (MOA) codificada quando, na resposta do sujeito, identificam-se vínculos de colaboração entre pessoas, animais ou objetos, levando em consideração a qualidade de sua autonomia. Essa escala se desdobra em mutualidade saudável (MAH), que consiste na verbalização de duas entidades autônomas em relação de mutualidade preservada; e mutualidade patológica (MAP), que diz respeito às respostas em que há relação entre dois ou mais conteúdos, embora a postura ou ação de um seja destrutiva ou comprometa a autonomia do outro. Os autores apontam também para a importância de se analisar a qualidade das representações de humano que surgem nos protocolos, codificando-as como GHR, quando as verbalizações são visualizadas de maneira integrada e livre de comprometimentos, tais como códigos especiais críticos e qualidade formal distorcida; e/ou PHR, quando as representações são empobrecidas e afetadas pela presença de variáveis que interferem na visualização adequada de conteúdos humanos. Cabe ressaltar que o código PHR, geralmente, encontra-se aumentado no caso de pacientes com esquizofrenia, expressando empobrecimento dos contatos interpessoais.

Além dos indicadores previamente citados, são praticamente unânimes, na literatura, algumas variáveis do Rorschach para a esquizofrenia. O aumento de respostas de qualidade formal distorcida, em detrimento de respostas de formas adequadas, revela comprometimento da percepção, e, embora não seja característica exclusiva desse transtorno, tende a ser mencionado por inúmeros autores (Chabert, 1993; Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011; Resende & Argimon, 2012; Rorschach, 1921/1978; Vaz, 1997). Do mesmo modo, é apontada a diminuição de respostas populares, codificadas no R-PAS, conforme Meyer et al. (2011), como P, as quais, quando presentes em um protocolo, denotam boa adequação ao pensamento coletivo, bem como, se em frequência exacerbada, estereotipia do pensamento.

Em síntese, diversos autores (Exner, 1999; Meyer et al., 2011; Viglione et al., 2003; Viglione et al, 2011; Viglione et al., 2012) compartilham a ideia de que padrões do funcionamento esquizofrênico são evidenciados no Método de Rorschach pela presença das variáveis mencionadas anteriormente. Desse modo, o objetivo do presente estudo é buscar evidências de validade de critério para os indicadores de esquizofrenia do R-PAS. Acredita-se que pacientes previamente diagnosticados com esquizofrenia destoam de grupos não patológicos, apresentando respostas que se enquadram nos códigos discutidos ao longo desta introdução.

 

Método

Participantes

Participaram da amostra 70 adultos, sendo 63,9% do sexo masculino, com idades variando entre 19 e 64 anos (M=40,49; DP=11,04) e diferentes níveis de escolaridade, habitantes do interior de Minas Gerais. Os participantes foram divididos em dois grupos, pacientes e controle, pareados no que concerne às características pessoais, como idade e escolaridade. O grupo de pacientes foi composto por 35 sujeitos que frequentavam, para consulta e acompanhamento, uma instituição especializada em saúde mental. Todos os pacientes faziam uso de medicação e eram acompanhados por uma equipe multiprofissional, composta por psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e enfermeiros. O critério de inclusão nesse grupo era ter recebido previamente diagnóstico nosográfico de esquizofrenia, sustentado pelo código referente a CID-10 (OMS, 1993).

É valido destacar que foi realizada uma pré-seleção, pelos registros nos prontuários médicos, para descartar sujeitos que apresentavam o diagnóstico adicional de oligofrenia, uma vez que tal condição estaria propensa a produzir protocolos significativamente empobrecidos. Contudo, cabe ressaltar que todos os sujeitos que compuseram esse grupo se encontravam em um estágio avançado de tratamento psicológico e psiquiátrico, sendo, assim, considerados pacientes estabilizados. Em paralelo, o grupo controle foi representado por 35 sujeitos que não apresentavam histórico de comprometimento mental e/ou psicológico, selecionado entre indicações de terceiros. A coleta de dados aconteceu na própria instituição, no caso dos pacientes, e em clínica particular, no caso do grupo controle. Em síntese, todos os 70 participantes se disponibilizaram, voluntariamente, a participar do estudo, selecionados em um processo de amostragem não aleatória.

Instrumentos

Rorschach Performance Assessment System (R-PAS).

Sistema para utilização do tradicional Método de Rorschach, cuja administração dura, em média, uma hora e trinta minutos, constituída de duas etapas distintas que acontecem em uma única sessão. A primeira etapa é conhecida como fase de resposta, na qual são apresentados 10 dez cartões com manchas de tintas acromáticas e cromáticas, um de cada vez, em ordem sequencial, e o sujeito é convidado a responder o que as manchas poderiam ser. Cabe ressaltar que o sujeito é instruído a dar duas, talvez três respostas por cartão, sendo, contudo, desencorajado a produzir quatro ou mais respostas (Meyer et al., 2011).

Ainda para os referidos autores, à medida que o sujeito constrói suas respostas, o examinador as anota meticulosamente, bem como suas possíveis reações diante dos estímulos de cada cartão. A segunda etapa da administração, intitulada inquérito ou fase de clarificação, acontece logo em seguida. O examinador lê todas as respostas construídas pelo sujeito, apresentando novamente os cartões de forma ordenada para que ele descreva os fatores que determinaram as suas construções perceptuais, e aponte, nas manchas, os locais específicos onde foram visualizadas. Nessa etapa, é papel do examinador realizar o mapeamento das respostas com auxílio de uma folha específica de localização.

Magical Ideation Scale (MIS).

Escala objetiva de autorrelato publicada por Eckblad e Chapman (1983), composta por 30 itens com possibilidades de respostas dicotômicas (verdadeiro ou falso). Basicamente, a escala visa a mensurar pensamentos mágicos, entendidos como crenças que se desviam dos padrões convencionais compartilhados culturalmente, inerentes às personalidades esquizotípicas e/ou propensas ao desencadeamento de transtornos esquizofrênicos.

A MIS foi utilizada originalmente em um estudo de validade de critério, sendo capaz de discriminar 28 estudantes universitários com indícios de transtornos psicóticos de 27 estudantes universitários do grupo controle. Os dados publicados por Eckblad e Chapman (1983) revelam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos que apresentavam sintomas psicóticos, tais como transmissão de pensamento (t=2,46; p<0,02), crenças excêntricas (t=2,81; p<0,01) e alucinação auditiva (t=2,60; p<0,02). Paralelamente, Dean, Viglione, Perry, e Meyer (2007) realizaram um estudo correlacionando a MIS com três escalas do Rorschach, a EII-2, a SCZI e a PTI, todas ligadas a prejuízos intrapsíquicos severos, tal como a esquizofrenia. Os achados publicados pelos referidos autores evidenciam níveis relativamente moderados para as correlações com a EII-2 (r=0,32; p<0,05); SCZI (r=0,31; p<0,05) e PTI (r=0,35; p<0,01), considerados estatisticamente significativos.

Cabe ressaltar que, como não há uma versão da MIS padronizada para o contexto brasileiro, foi necessário traduzi- la. Desse modo, buscou-se, a priori, a autorização da American Psychological Association, para que se pudesse utilizar a escala no presente estudo. Uma vez autorizada, os autores do presente estudo realizaram sua tradução e, posteriormente, uma segunda versão traduzida da escala foi obtida pela análise de uma tradutora profissional. Na sequência, buscou-se sintetizar as duas versões por consenso de juízes. A versão alcançada foi submetida à revisão ortográfica por uma especialista em gramática portuguesa, sem conhecimento prévio do instrumento em sua versão original.

Em seguida, o instrumento piloto foi submetido à backtranslation por outra pesquisadora do Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental (LAPSaM), também não conhecedora da versão original da MIS, para verificar a similaridade da versão brasileira à original. Com a adequação da tradução verificada em consenso do grupo de pesquisadores do mesmo laboratório, e após pequenos ajustes, chegou-se a versão final utilizada no presente estudo. É válido ressaltar que a versão traduzida, antes de ser utilizada neste estudo, foi submetida à análise empírica dos itens, para verificar se o conteúdo adaptado era inteligível no contexto brasileiro. Os resultados dessa análise, detalhados em um artigo científico, foram altamente satisfatórios, pois apontam para a adequação semântica da versão traduzida.

Procedimentos

Foi realizado contato com uma instituição que presta atendimento clínico psicológico e psiquiátrico, situada em uma cidade do interior de Minas Gerais, para obter a autorização para o desenvolvimento da pesquisa. Posteriormente, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética, após sua aprovação, deu-se início ao processo de coleta de dados.

Os sujeitos do primeiro grupo, pacientes psiquiátricos da instituição de saúde mental, diagnosticados previamente com esquizofrenia do tipo paranoide pelos psiquiatras da instituição, que demonstraram interesse em compor a amostra, receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual estava explicado basicamente os objetivos da presente pesquisa, garantindo, ainda, a confidencialidade das informações coletadas. Cabe ressaltar que os psiquiatras da instituição possuíam ampla experiência em sua área de atuação, e, para estabelecer o diagnóstico diferencial dos pacientes, realizavam entrevistas livres baseando-se nas diretrizes publicadas no manual diagnóstico CID-10 (OMS, 1993). Os demais sujeitos, pertencentes ao grupo controle, não pacientes, foram contatados por indicação de terceiros, sendo os critérios para inclusão nesse grupo não estarem em tratamento de nenhuma perturbação intrapsíquica, bem como não apresentarem histórico de problemas mentais ou psicológicos.

Após a coleta de assinaturas do TCLE, foram administrados a MIS e o Método de Rorschach, nessa ordem e individualmente, em cada sujeito que compôs a amostra total. Os instrumentos foram aplicados em uma única sessão de aproximadamente uma hora e meia, agendada previamente com o pesquisador. É importante destacar que o Método de Rorschach foi administrado respeitando os padrões de aplicação propostos pelo sistema R-PAS (Meyer et al., 2011).

Análise de Dados

Em um segundo momento, os protocolos do Rorschach foram codificados e analisados pelo primeiro autor deste estudo, com base no novo sistema de categorização R-PAS (Meyer et al., 2011), para obter valores médios para as amostras investigadas. Visando a maior confiabilidade dos dados, foi conduzido um estudo de fidedignidade entre avaliadores, a partir da recodificação de 25% dos protocolos, por um juiz independente, que, embora soubesse dos objetivos da presente pesquisa, não tinha acesso à codificação original dos protocolos, tampouco conhecimento de a qual grupo os protocolos pertenciam. A posteriori, procedeu-se a análise do coeficiente Kappa, que revelou valores entre 0,85 (para o código AGC) e 1,00 (grande parte dos códigos ligados a conteúdos, determinantes e códigos especiais) para as variáveis do Rorschach. Tais coeficientes de precisão, conforme salienta Urbina (2007), revelam acentuada confiabilidade para o R-PAS.

Para a análise dos resultados, optou-se por selecionar os indicadores que, conforme a literatura (Dean et al., 2007; Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011; Resende & Argimon, 2012; Vaz, 1997) costumam diferenciar pacientes com esquizofrenia de não pacientes. Portanto, foram comparados os resultados dos dois grupos nos seguintes índices: (Hd), An, Sx, FQo, FQu, FQ-, P, M, DV, DR, PEC, INC, FAB, CON, WSum6; Lvl 2 Cog; MAH, MAP, GHR, PHR, Cont. Complexity, Crit. Content%, EII-3 e TP-Comp. A hipótese aventada era de que o grupo de pacientes apresentaria valores aumentados em todas as variáveis supracitadas, exceto FQo, FQu e Cont. Complexity, que deveriam estar aumentadas no grupo controle. Buscou-se, também, correlacionar as variáveis EII-3 e TP-Comp do R-PAS ao escore obtido na MIS e ao diagnóstico nosográfico de esquizofrenia. A expectativa era que fossem encontradas associações positivas de magnitudes entre moderadas e fortes para todas as análises.

Com o objetivo de verificar se havia diferenças estatisticamente significativas no que diz respeito ao desempenho no Método de Rorschach (R-PAS) apresentado pelos dois grupos, procedeu-se o teste estatístico t de Student para as variáveis previamente selecionadas. A magnitude de tais diferenças foi alcançada por meio do d de Cohen.

 

Resultados

Os dados exibidos na Tabela 1 permitem observar que, para a variável de conteúdo (Hd), nota-se aumento da frequência no grupo de pacientes. Esse dado sugere que pacientes com esquizofrenia apresentam maior tendência a demonstrar prejuízos nos relacionamentos interpessoais, em função de uma visão fragmentada e fantasiosa do outro, conforme discutido previamente por demais pesquisadores (Meyer et al., 2011; Resende & Argimon, 2012). Os valores apresentados pelos grupos demonstram-se destoantes de maneira estatisticamente significativa e de magnitude elevada.

 

 

Os conteúdos An e Sx, conforme salientam Resende e Argimon (2012), encontram-se intrinsecamente ligados à exteriorização de angústias subjacentes. A comparação do desempenho de ambos os grupos para tais variáveis, embora não tenha apontado discrepâncias para o conteúdo Sx, indicou aumento de An para os pacientes, cuja diferença revela-se estatisticamente significativa e de magnitude elevada. Esse achado corrobora o estudo supracitado, reiterando a propensão de sujeitos com esquizofrenia às manifestações ansiogênicas voltadas ao próprio corpo.

O conjunto de variáveis que apontam para a acuidade perceptiva demonstrou dados instigantes. A variável FQo, por exemplo, ligada às percepções consideradas ordinárias e, por conseguinte, adequadas, revelou diferença estatisticamente significativa e de magnitude elevada entre os dois grupos. Todavia, a maior média foi apresentada pelo grupo de pacientes, o que, de certa forma, destoa da hipótese levantada com base na literatura (Chabert, 1993; Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011), uma vez que era esperado para esse grupo maior propensão à distorção de formas, em vez de acuidade perceptiva em níveis adequados. Uma das explicações plausíveis para tal fenômeno seria o fato de os pacientes estarem em um nível avançado de tratamento e de apresentarem uma necessidade compensatória de se apegar à realidade. Isso se confirma pelo fato de que todos os sujeitos pertencentes a esse grupo eram considerados estabilizados e readaptados ao seu contexto, exercendo, em sua maioria, atividades laborais ou acadêmicas. Em paralelo e igualmente instigante, para a variável FQ-, a qual se relaciona diretamente à distorção de formas, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Por outro lado, a variável FQu evidenciou valores de média que se distanciavam de maneira considerável, estatisticamente falando, aparecendo com maior frequência no grupo controle. Essa variável se relaciona às respostas ligadas às percepções incomuns, mas que mantém um grau de adequação à realidade. Desse modo, é possível inferir que o grupo controle, por não apresentar um quadro clínico ligado a um comprometimento da percepção e pensamento, estaria mais propenso a se desprender da obviedade presente nos estímulos de cada cartão, explorando- os de maneira mais livre, sem, contudo, distanciar- se do real.

O aumento de FQo e a diminuição de FQu por parte dos pacientes é coerente com o aumento da frequência da variável P nesse grupo. O P é um código dado às respostas que são comumente verbalizadas pela maioria dos sujeitos da população normativa, e indica que a pessoa é capaz de perceber os aspectos mais óbvios necessários para uma convivência em grupo. Como o grupo de pacientes encontrava-se num grau de estabilização evidente, suas construções perceptuais se mantinham dentro do que era considerado ordinário, porém, com pouca capacidade de se desprender do concreto. Esse achado pode ser entendido como coerente com a literatura de referência, tendo em vista que o aumento de respostas P evidencia um padrão de pensamento estereotipado, bem como baixo potencial intelectual (Exner & Sendín, 1999). Os dois grupos diferenciaram-se, de maneira estatisticamente significativa, revelando um valor de magnitude elevada para esse achado. Por outro lado, o grupo controle apontava para melhores possibilidades de elaboração cognitiva e, portanto, foram capazes de construir respostas além do que seria considerado banal.

Muitos dos códigos especiais cognitivos apresentaram valores discrepantes entre os grupos. As variáveis DV2 e DR2, ambas relacionadas ao modo de verbalização da resposta, encontram-se aumentadas no grupo de pacientes, evidenciando diferenças estatisticamente significativas e de magnitudes elevadas. Assim sendo, poder-se-ia inferir que o grupo de pacientes revela, respectivamente, maior tendência a produzir respostas repletas de neologismos e/ou redundâncias, bem como pode desviar-se da resposta central, emitindo explicações que pouco contribuem para o seu entendimento, corroborando achados de demais autores (Exner, 1999; Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011).

Em paralelo, o mesmo grupo evidenciou aumento na média da variável INC2, que se refere às respostas que, devido a combinações incongruentes em áreas distintas da mancha, o conteúdo verbalizado passa a violar o sentido de realidade. É válido destacar que a diferença é estatisticamente significativa e de magnitude expressiva. No mesmo caminho, o grupo de pacientes apresentou maior média para a variável CON, que, por sua vez, trata de uma espécie de fusão de duas respostas, violando, assim, a impressão adequada do percepto. Esse fenômeno, de fato, corrobora o achado anterior, uma vez que tal variável revela perturbações severas no curso do pensamento, sugerindo distanciamento significativo da realidade, conforme previsto por Exner e Sendín (1999), Meyer et al. (2011) e Resende e Argimon (2012).

Como o grupo de pacientes apresentou médias mais elevadas para boa parte dos códigos especiais cognitivos, observou-se, também, aumento da média para a variável Wsum6, que diz respeito ao somatório ponderado de todos os códigos desse agrupamento, cuja diferença pode ser considerada estatisticamente significativa e de magnitude acentuada. Do mesmo modo, a variável Lvl 2 Cog, relacionada a perturbação cognitiva em nível mais expressivo, foi significativamente aumentada para os pacientes. Cabe ressaltar que a magnitude dessa diferença é considerada forte, e tal achado reitera as contribuições de Meyer et al. (2011).

A variável MAH, que, de acordo com os referidos autores, está ligada às construções perceptuais que fazem menção a relações de vínculo de autonomia saudavelmente preservadas entre duas entidades distintas, aparece com maior frequência em protocolos do grupo controle. Esse dado sugere que tais sujeitos demonstram maior tendência a perceber os relacionamentos interpessoais de maneira mutuamente adequada em comparação ao grupo de pacientes, notando-se diferença estatisticamente significativa e de magnitude consideravelmente elevada. Na mesma direção, corroborando tal achado, a variável MAP, vinculada às relações nas quais uma das entidades envolvidas oferece prejuízo à autonomia alheia, encontra-se aumentada no grupo de pacientes. A diferença entre as médias para essa variável revela significância estatística de magnitude expressivamente elevada, evidenciando que sujeitos com diagnóstico psicopatológico tendem a perceber os relacionamentos interpessoais de maneira prejudicada, conforme previamente apontado por Meyer et al. (2011) e Moore et al. (2013).

Os achados supracitados são, mais uma vez, reiterados a partir das diferenças observadas nas variáveis GHR e PHR, ambas ligadas à maneira como os sujeitos percebem o outro e suas relações interpessoais. Para GHR, relacionada a uma boa representação das figuras humanas, verifica-se aumento na frequência no grupo de não pacientes, cuja diferença é entendida como estatisticamente significativa e de elevada magnitude. No sentido inverso, observa-se aumento da média de PHR, que se refere a uma percepção empobrecida do outro, no grupo de pacientes e, novamente, tal diferença demonstrase estatisticamente significativa e altamente expressiva. Esses resultados acompanham as evidências da literatura de referência, sugerindo a forte propensão dos sujeitos com esquizofrenia a perceber as relações interpessoais de maneira inadequada (Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011; Resende & Argimon, 2012).

Embora a variável Critic Content%, referente aos conteúdos considerados críticos, tais como An, Bl, Ex, Fi e Sx, não indique diferença estatisticamente significativa entre os grupos, houve diferença para a variável Content Complexity, revelando que, no grupo controle, composto por sujeitos sem perturbações do pensamento, há melhores possibilidades de investimento em construções perceptuais com nível de complexidade mais apurado, Embora a variável Critic Content%, referente aos conteúdos considerados críticos, tais como An, Bl, Ex, Fi e Sx, não indique diferença estatisticamente significativa entre os grupos, houve diferença para a variável Content Complexity, revelando que, no grupo controle, composto por sujeitos sem perturbações do pensamento, há melhores possibilidades de investimento em construções perceptuais com nível de complexidade mais apurado,

A variável EII-3, fruto da associação de diversas variáveis do R-PAS consideradas críticas, manteve uma marcante discrepância entre as médias alcançadas pelos grupos. Os pacientes, conforme havia sido hipotetizado, apresentaram um valor acentuado em comparação ao grupo controle, sugerindo experimentarem maiores fragilidades intrapsíquicas e prejuízos das funções egoicas. Tal diferença é considerada estatisticamente significativa, de magnitude amplamente elevada, corroborando os resultados previamente discutidos por Viglione et al. (2011), Meyer et al. (2011) e Dzamonja-Ignjatovic et al. (2013).

Por fim, observou-se aumento da frequência no grupo de pacientes para a variável TP-Comp, a qual mensura perturbações em nível do pensamento e da percepção, de acordo com Viglione et al. (2012), características fundamentais para o diagnóstico de esquizofrenia. É válido ressaltar que a elevada magnitude evidenciada por essa diferença, além de ser considerada estatisticamente significativa, corrobora os achados de Dzamonja-Ignjatovic et al. (2013), que apontam para a sensibilidade diagnóstica dessa variável.

Com o intuito de verificar se havia associação entre o escore bruto na MIS, que tem como objetivo avaliar a presença de pensamentos mágicos, e a média na EII-3 e TP-Comp, variáveis do R-PAS que identificam prejuízos e vulnerabilidades das funções do ego e apontam para perturbações no curso do pensamento, respectivamente, procedeu-se o teste estatístico r de Pearson. A mesma análise foi utilizada para verificar a magnitude da associação entre as médias obtidas na EII-3 e TP-Comp e o diagnóstico nosográfico de esquizofrenia.

 

 

Os resultados demonstrados na Tabela 2 revelam que quanto maior a pontuação da MIS, na mesma direção, maior a média da EII-3. O resultado positivo dessa correlação indica que a presença de pensamentos mágicos tem expressiva e estatisticamente significativa associação a prejuízos e vulnerabilidades do ego. Desse modo, entende- se que pessoas que apresentam pensamentos mágicos revelam marcante tendência a demonstrar fragilidades e/ou perturbações de ordem psicológica, reiterando os achados de Dean et al. (2007).

Paralelamente, foi observada forte correlação entre a média da EII-3 e o diagnóstico nosográfico de esquizofrenia. O coeficiente positivo e de magnitude elevada dessa associação revela expressiva tendência de sujeitos com esquizofrenia a apresentar fragilidades e/ou prejuízos de seus recursos psicológicos, conforme previsto por Dzamonja-Ignjatovic et al. (2013).

Buscou-se, ainda, correlacionar a variável TPComp do R-PAS, ligada às perturbações do pensamento e da percepção, ao escore bruto da MIS, o que produziu um resultado de magnitude elevada. Esse achado sugere que há associação positiva entre pensamentos mágicos e perturbações do pensamento e da percepção. Nesse sentido, averiguou-se a associação entre o diagnóstico nosográfico de esquizofrenia e a mesma variável do R-PAS. O resultado desta análise demonstra correlação positiva e de forte magnitude entre as variáveis, o que reflete a expressiva relação entre possuir o diagnóstico de esquizofrenia e apresentar perturbações de ordem perceptiva.

A elevada magnitude das correlações aqui apresentadas corrobora os achados anteriores, evidenciando a sensibilidade da EII-3 e da TP-Comp na identificação de perturbações intrapsíquicas severas, típicas do funcionamento esquizofrênico, tal como mencionado por diversos autores (Dean et al., 2007; Dzamonja-Ignjatovic et al., 2013; Meyer et al., 2011).

 

Discussão

Os resultados alcançados sugerem que o R-PAS, sistema para utilização do Método de Rorschach, demonstra- se capaz de distinguir, a partir de algumas variáveis específicas, destacadas na literatura, aspectos dos funcionamentos patológico e saudável. O grupo de pacientes com diagnóstico prévio de esquizofrenia se distanciou significativamente do grupo controle, evidenciando médias acentuadas em variáveis que apontam para prejuízos de ordem relacional, emocional, perceptiva e do pensamento. Do mesmo modo, a correlação entre as variáveis que apontam para a presença de pensamentos mágicos e comprometimentos da função do ego, bem como a presença de transtornos da percepção e do pensamento, revelou associação positiva de forte magnitude, o que, por conseguinte, reitera os prejuízos vivenciados pelo grupo de pacientes, conforme apontado em estudos recentemente publicados (Dzamonja-Ignjatovic et al., 2013; Moore et al., 2013; Resende & Argimon 2012). Os resultados, apresentados neste estudo corroboram os achados apresentados pelos autores supracitados, bem como podem ser interpretados como evidências de validade para a utilização do R-PAS no contexto brasileiro, especialmente, no âmbito do diagnóstico da esquizofrenia.

Em contrapartida, cabe ressaltar que, apesar de algumas variáveis não terem evidenciado diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de acordo com a hipótese aventada, acredita-se que o fato de os pacientes se encontrarem em um estágio avançado de tratamento e estabilização tenha influenciado nesse achado. Desse modo, aponta-se como limitação do estudo a composição da amostra por pacientes estabilizados.

Outro ponto a ser destacado diz respeito à homogeneidade do grupo critério utilizado na pesquisa. Devido à quantidade de pacientes diagnosticados com esquizofrenia pelos técnicos da instituição, tornou-se inviável a participação de sujeitos que apresentassem quadros nosográficos diversificados, uma vez que dificultaria a formação de subgrupos compostos por um número quantitativamente satisfatório.

Acredita-se, também, que a MIS se deva consolidar como um instrumento utilizável para a identificação dos padrões de funcionamento esquizofrênico, tendo em vista que, atualmente, percebe-se certa carência de instrumentos para tal finalidade em contexto nacional. Com base nos achados aqui discutidos, nota-se que a escala sugere sensibilidade para discriminar pacientes previamente diagnosticados com esquizofrenia de sujeitos sem indícios dessa patologia, tornando evidente a presença de pensamentos mágicos em tal funcionamento, o que foi anteriormente discutido por Eckblad e Chapman (1983). A administração da escala nos dois grupos indicou um aumento estatisticamente significativo de presença de pensamentos mágicos no grupo de pacientes. Entretanto, torna-se necessário a condução de estudos relacionados às propriedades psicométricas de tal instrumento, visando a torná-lo válido para utilização em contexto brasileiro.

De modo geral, os resultados aqui apresentados demonstram- se satisfatoriamente consistentes para atestar a sensibilidade do R-PAS no diagnóstico da esquizofrenia. Todavia, com base nas limitações observadas, entende-se que novos estudos, conduzidos com uma amostra ampliada, comparando outros grupos psicopatológicos com pessoas sem histórico de comprometimento psicológico grave, devam ser realizados para sustentar as evidências de validade aqui discutidas, bem como destacar novas descobertas.

 

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Recebido em janeiro de 2014
1ª reformulação em maio de 2014
2ª reformulação em julho de 2014
Aprovado em setembro de 2014

 

 

Sobre os autores

Philipe Gomes Vieira: é Psicólogo Clínico, Mestre e Doutorando em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco e professor na área de Avaliação Psicológica da Universidade Presidente Antônio Carlos (Campus Ipatinga-MG).
Dra. Anna Elisa de Villemor-Amaral: é Psicóloga Clínica, professora pesquisadora e coordenadora do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco.


1Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Universidade São Francisco, R. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45, Centro, 13251-900, Itatiba-SP. E-mail: anna.villemor@usf.edu.br


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