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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba dez. 2015

 

EDITORIAL

DOI: 10.15689/ap.2015.1403.ed

 

 

O campo da ciência psicológica tem, frequentemente, seu foco de interesse voltado para eventos, atributos ou processos psicológicos que não são diretamente observados. Representar essas variáveis – denominadas “latentes” – em modelos estatísticos tem sido um desafio desde o início da psicologia. O presente editorial discute, brevemente, sobre algumas das decisões teóricas e técnicas com as quais o pesquisador da área da Psicometria se depara ao investigar variáveis latentes.

Uma variável latente é uma fonte não observada de variabilidade sistemática em um conjunto de dados (Bollen, 2002; Borsboom, 2008). Dito de maneira simples, pensando em uma simples planilha de Excel, uma variável latente é algo que explica os escores em algumas das colunas (variáveis observadas), mas que, em determinado momento, não possui uma coluna para si nessa planilha. Variáveis latentes estão em uma relação de causa e efeito para com os indicadores usados para avaliá-las, de modo que são as variáveis independentes (VIs) em relação aos indicadores, que são as variáveis dependentes (VDs). Essa situação, também chamada de “modelo reflexivo” (Bollen & Lennox, 1991; Markus & Borsboom, 2013) é representada na figura 1, em que a variável latente X explica o item de autorrelato ou a tarefa Y.

 

 

A variável Y pode ser de diversos tipos e formatos de resposta, usualmente ocorrendo em uma das possibilidades conhecidas como nominal, ordinal, intervalar e de razão (Stevens, 1946). Não obstante, a variável X também pode variar de acordo com sua estrutura constitutiva, podendo ser contínua ou categórica. No primeiro caso, todos os indivíduos possuem a característica X, mas alguns a possuem em maior quantidade do que outros, o que justifica dizer que essa variável é contínua, admitindo infinitos valores ou magnitudes. Termos popularmente associados a X nessa situação são “dimensão”, “fator”, “traço”, “contínuo” e “theta”. No segundo caso, X é uma variável latente de agrupamento, possuindo valores discretos que designam grupos qualitativamente distintos de indivíduos. Termos utilizados para descrever esse tipo de variável latente são “cluster”, “classe latente”, “perfil latente” e “taxon”.

Quando a literatura não deixa claro se a variável latente de interesse é contínua ou categórica, uma possibilidade é a análise taxométrica. O método taxométrico (Meehl, 1992, 1995) pode oferecer uma resposta direta a essa pergunta, indicando qual o tipo de variável latente provavelmente responsável por produzir os dados observados do pesquisador. A análise não indica quantos são os fatores ou as classes latentes subjacentes aos dados, mas indica qual das duas possibilidades é a mais ajustada à situação (Walters, 2012). Se o resultado aponta para uma estrutura dimensional, então a estratégia de análise pode ser análise fatorial ou teoria de resposta ao item. Em contraste, se é identificada uma estrutura categórica, então o pesquisador pode prosseguir modelando os dados com análise de clusters, classes latentes ou perfis latentes. Novamente, é importante ressaltar que essa separação contínuo-categoria se refere a X (figura 1) e não a Y, que pode ser de qualquer tipo possível, sendo mesmo possíveis combinações de diferentes tipos de indicadores.

Além disso, a dicotomia contínuo-categoria não esgota todas as possibilidades de modelos explicativos dos fenômenos psicológicos. Existe, atualmente, uma vasta gama de outras abordagens de modelagem latente (Muthén, 2008). Muitas dessas possibilidades caem no meio termo, possuindo tanto características de contínuo quanto de categoria (Masyn, Henderson, & Greenbaum, 2010). Por exemplo, é possível a um atributo psicológico ser contínuo – um fator –, mas, ao mesmo tempo, possuir uma distribuição de escores específica para cada um de k grupos ou classes latentes. Essa parece ser uma possibilidade no caso da personalidade e de condições psicopatológicas (Wright & Hallquist, 2014).

Para ilustrar, existe um debate em torno de se transtornos de personalidade seriam entidades contínuas ou dimensionais (Miller, Lynam, Widiger, & Leukefeld, 2001; Widiger & Simonsen, 2005). Isso levou à proposta de um modelo híbrido, que consta em uma seção à parte do DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013). Assim, modelos que combinam fatores e classes latentes (Masyn et al., 2010; Muthén, 2008) poderão ser de especial utilidade a pesquisadores interessados em temáticas como essas.

A Revista Avaliação Psicológica incentiva submissões de manuscritos que abordem questões inéditas sobre a estrutura latente dos fenômenos psicológicos. São bem-vindos estudos que se utilizem de modelos que combinam fatores e classes latentes na explicação dos fenômenos psicológicos. Essas investigações poderão refinar nossos instrumentos de avaliação e aprofundar a teoria que lhes dá fundamentação.

 

Referências

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Nelson Hauck Filho

Editor Associado

Universidade São Francisco

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