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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.16 no.1 Itatiba enero./mar. 2017

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2017.1601.03 

ARTIGO

DOI: 10.15689/ap.2017.1601.03

 

Análise dos manuais psicológicos aprovados pelo SATEPSI para avaliação de crianças e adolescentes no Brasil

 

Analysis of psychological manuals approved by SATEPSI for assessment of children and adolescents in Brazil

 

Análisis de los manuales psicológicos aprobados por el SATEPSI para la evaluación de niños y adolescentes en Brasil

 

 

Caroline Tozzi Reppold1; Adriana Jung Serafini2; Diógenes Angelini Ramires3; Léia Gonçalves Gurgel4

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre -RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diante da necessidade de expandir as informações fornecidas no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) sobre os instrumentos de avaliação psicológica infantil, objetivou-se indicar os testes psicológicos para uso em crianças e adolescentes até os 18 anos de idade aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia. Considerou-se a faixa etária indicada para uso, construto avaliado e idade das amostras de normatização dos instrumentos. Foram analisados 158 testes presentes na lista de instrumentos favoráveis do SATEPSI, por meio da busca por manuais, contato com os autores, editoras de publicação ou estudos de validação dos instrumentos. Dos 158 testes, 11,39% eram direcionados exclusivamente à avaliação de crianças, sendo os construtos mais prevalentes inteligência, personalidade e habilidades sociais. A maior carência é observada em relação à faixa etária do zero aos cinco anos de idade. Apenas 2,53% avaliavam exclusivamente adolescentes, sendo que em geral esses instrumentos eram relacionados à aprendizagem, ao autoconceito e à orientação profissional. Os resultados apontaram também que muitos manuais não especificam para qual faixa etária o teste é indicado, ou apresentam discrepância entre a idade de indicação e a idade dos participantes dos estudos de busca de evidências de validade. Os manuais mais atuais apresentam informações mais detalhadas e maior número de estudos relacionados, o que revela o impacto positivo do esforço do SATEPSI em qualificar os instrumentos disponíveis.

Palavras-chave: avaliação psicológica; testes psicológicos; crianças; adolescentes; psicometria.


ABSTRACT

Faced with the need to expand the information provided in the Psychological Testing Assessment System (SATEPSI) on the instruments of child psychological evaluation, this study aimed to indicate the psychological tests for use in children and adolescents up to 18 years of age approved by the Federal Council of Psychology. The age range recommended for use, the rated construct and the age of standardization samples of the instruments were considered. We analyzed 158 tests on the list of favorable SATEPSI instruments, through the search for manuals, contact with the authors, publishing or publishing validation studies of instruments. Of the 158 tests, 11.39% were directed exclusively to the evaluation of children, the most prevalent constructs were intelligence, personality and social skills. The greatest need is observed in the age group of zero to five years old. Only 2.53% only assessed adolescents, and in general these instruments were related to learning, self-concept and career guidance. The results also showed that many manuals do not specify to which age group the test is indicated, or have discrepancy between the age of indication and age of the participants of the search study evidence of validity. The most recent manuals provide more detailed information and more related studies, which shows the positive impact of SATEPSI effort to qualify the instruments available.

Keywords: psychological assessment; psychological testing; children; adolescents; psychometrics.


RESUMEN

Frente a la necesidad de ampliar los datos ofrecidos en el "Psychological Testing System Assessment" (SATEPSI) sobre los instrumentos de evaluación psicológica de niños, esto estudio tuvo como objetivo indicar las pruebas psicológicas para uso en niños y adolescentes hasta 18 años, aprobadas por el Consejo Federal de Psicología. Para tanto, se consideró el rango de edad recomendado para su uso, el constructo investigado y la edad de las muestras de normas de los instrumentos. Se han analizado 158 pruebas presentes en la lista de instrumentos favorables del SATEPSI, a través de la búsqueda por manuales, del contacto con los autores, de editoras de la publicación o de los estudios de validez de los instrumentos. De las 158 pruebas, 11,39% fueron dirigidas exclusivamente a la evaluación de los niños, y los constructos más prevalentes fueron la inteligencia, la personalidad y las habilidades sociales. La mayor carencia se observó en el rango de edad de cero a cinco años. Solo 2,53% evaluaban exclusivamente los adolescentes, y, en general, estos instrumentos estaban relacionados con el aprendizaje, el autoconcepto y la orientación profesional. Los resultados muestran que estos documentos no especifican cual grupo de edad es el indicado para la prueba o tiene discrepancia entre la edad de indicación y aquella de los participantes del estudio de investigación de validez. Los manuales de los estudios más recientes proporcionan informaciones más detalladas y un mayor número de estudios relacionados, lo que demuestra el impacto positivo del esfuerzo del SATEPSI para calificar los instrumentos disponibles.

Palabras clave: evaluación psicológica; testes psicológicos; niños; adolescentes; psicometría.


 

 

Os testes psicológicos são procedimentos sistemáticos que atuam como uma forma de obtenção de amostras de comportamento e informações relevantes a um contexto de avaliação psicológica (CFP, 2004; Urbina, 2004). A análise dos resultados de um teste psicológico leva em conta o perfil do sujeito e o contexto da avaliação. Entretanto, é comum o uso indevido de testes psicológicos inadequados a determinada faixa etária, como na aplicação em crianças e adolescentes de testes normatizados exclusivamente com adultos. O uso indevido dos instrumentos reflete-se especialmente no importante número de problemas éticos registrados (Borsa, 2016).

No cenário mundial, há uma grande preocupação com a busca de evidências de validade e fidedignidade dos testes psicológicos, de forma a buscar a construção e o uso de instrumentos que possam avaliar de forma segura e fiel os sujeitos em suas mais variadas demandas. A American Psychological Association e a International Test Comission (ITC) são referências na criação dos principais guidelines para a testagem psicológica. O esforço para que a criação e aplicação dos testes psicológicos sejam baseadas em evidências científicas é a essência dos Standards for Educational and Psychological Testing e do ITC Guidelines on Test Use (APA, 2002; ITC, 2000), esse traduzido em 2003 para o português pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP).

Nos Estados Unidos, o Buros Institute of Mental Mesurements publica a cada dois anos o Mental Mesurements Yearbook, desde 1938. Mais de 7 mil. revisões já foram publicadas. Na Europa, a Holanda foi pioneira na revisão de testes psicológicos, com a primeira publicação do Nederlands Instituut van Psychologen em 1969. Em 2002, foi publicada a primeira versão da European Federation of Psychology Associations (EFPA) Review model, que é usada por Reino Unido, Espanha, Noruega, Suécia, República Tcheca, Rússia, Hungria e Lituânia. A Alemanha utiliza desde 2006 o sistema TBS-TK, no qual foram identificados 19 testes revisados até março de 2014 (Evers, 2012; Guesinger, 2012).

No Brasil, a partir das resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP), criadas também com base nos documentos internacionais destacados anteriormente, busca-se o aprimoramento e a regulamentação da construção e do uso dos instrumentos em psicologia. Seguindo o exemplo de outras entidades internacionais do campo da avaliação psicológica, essa regulamentação do uso de instrumentos psicológicos se dá por meio do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI). A organização do sistema é descrita na Resolução CFP 002/2003 (alterada pela resolução CFP 005/2012), que também define e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos. O relato exaustivo dos estudos de padronização e normatização, assim como a descrição do contexto para o qual o teste foi produzido, são, desde então, requisitos mínimos e essenciais para aprovação de um teste psicológico. Essa resolução também instaurou a Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, responsável por analisar e emitir pareceres sobre os instrumentos psicológicos, produzindo uma lista própria dos testes adequados para uso profissional pelos psicólogos.

Vale a pena ressaltar que o panorama brasileiro dos testes psicológicos passou por uma fase de descrédito e banalização entre os anos 1970 e 1990. Nesse período, existiam escassas informações sobre normas e padronização dos instrumentos nacionais. O uso de testes internacionais, não adaptados de forma adequada para a realidade brasileira, também era comum (Alchieri & Cruz, 2006; Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). Com a publicação das Resoluções do CFP relativas à avaliação psicológica no início da década de 2000, a produção nacional de testes psicológicos apresentou crescimento considerável, e a qualidade desses instrumentos foi aperfeiçoada.

Neste contexto, a avaliação dos testes, realizada pela Comissão Consultiva, é publicada no site do SATEPSI, porém, não discrimina as informações acerca dos instrumentos, tais como as faixas etárias de indicação dos testes, os construtos avaliados, as evidências de validade, dentre outras. Falta, portanto, ao psicólogo que consulta o sistema uma catalogação sistemática dos testes psicológicos que oriente sobre as demais informações importantes acerca do uso do teste, tais como faixa etária de indicação e construtos avaliados.

Em especial no caso de investigação dos transtornos mentais, a avaliação de crianças e adolescentes é peculiar e diferente da realizada em adultos — inclusive, a fenomenologia dos sintomas é diferente em cada etapa vital. Um exemplo que ilustra esse quadro é o dos transtornos de humor, caracterizados mais por sintomas externalizantes na infância e por sintomas de internalização nos adultos. É importante, portanto, que o psicólogo, ao fazer a escolha dos instrumentos para sua avaliação, dê atenção especial aos dados normativos e às qualidades psicométricas dos testes, principalmente ao avaliar grupos vulneráveis, como crianças e adolescentes (Cunha, 2000; Noronha et al., 2003). O não seguimento das normas de um teste psicológico pode causar prejuízos ao sujeito avaliado e colocar em dúvida a validade do resultado obtido na avaliação (Reppold, Gurgel, & Hutz, 2014).

Além dos dados normativos e da qualidade dos estudos psicométricos, é preciso que a fundamentação teórica e os objetivos do instrumento também estejam claros e bem designados no manual do instrumento. O embasamento teórico claro do construto abordado é essencial para que o profissional psicólogo possa fazer a escolha entre os testes a serem usados (Nakano, 2013). Diante da necessidade de expandir as informações fornecidas no SATEPSI sobre os instrumentos de avaliação psicológica infantil, objetivou-se indicar os testes psicológicos para uso em crianças e adolescentes até os 18 anos de idade aprovados pelo CFP. Considerou-se a faixa etária indicada para uso, o construto avaliado e a idade das amostras de normatização dos instrumentos.

 

Método

Para esta pesquisa, em dezembro de 2015, foram analisados os 158 testes presentes na lista de instrumentos favoráveis do SATEPSI atualizada. Preferencialmente, foram buscados os manuais impressos dos testes. Quando não foi possível o acesso ao manual, houve a tentativa de contato com os autores, editoras de publicação ou, em último caso, os estudos de validação dos instrumentos. Nos casos em que, ainda assim, não houve a possibilidade de acesso às informações do instrumento, esste foi considerado como "sem acesso" na presente revisão.

Após análise dos 158 instrumentos, foram incluídos neste estudo aqueles que apresentaram amostras de normatização/padronização contemplando faixas etárias até 18 anos de idade ou indicação expressa de uso para crianças e/ou adolescentes no manual. Foram excluídos aqueles testes cuja população alvo incluía exclusivamente sujeitos maiores de 18 anos e os que tinham estudos com amostras de normatização compostas exclusivamente por participantes acima dessa idade.

As análises dos dados dos manuais foram realizadas por dois pesquisadores independentes, e a extração dos dados de cada manual também foi realizada individualmente. Foi utilizado um protocolo de coleta das informações construído especificamente para uso, contendo as informações básicas sobre o instrumento. A partir da análise dos instrumentos, foram extraídos os seguintes dados dos manuais:

  • as faixas etárias de indicação do manual;
  • as faixas etárias das amostras de padronização ou normatização;
  • os contextos indicados para uso dos testes, quando presentes;
  • os construtos que os testes avaliam.

As análises realizadas foram baseadas nessas informações, guiando a separação dos testes em cinco grupos de indicação etária: crianças; crianças e adolescentes; adolescentes; adolescentes e adultos; e crianças, adolescentes e adultos.

 

Resultados

Dos 158 testes da lista do SATEPSI, 18 (11,39%) eram direcionados à avaliação exclusiva de crianças, 8 (5,06%) destinavam-se ao uso em crianças e adolescentes, 4 (2,53%) ao uso exclusivo de adolescentes, 26 (16,45%) indicados para adolescentes e adultos e 12 (7,59%) para crianças, adolescentes e adultos. Portanto, 68 apresentavam indicação ou amostras de normatização envolvendo crianças ou adolescentes, representando 43,67% da totalidade de instrumentos considerados como favoráveis para uso na lista do SATEPSI, e sendo incluídos na presente revisão. Dos 68, não se obteve acesso a informações referentes a 17 (25%), considerando-se todas as possibilidades de busca mencionadas anteriormente.

Os testes de inteligência (5 testes), de personalidade (3 testes) e habilidades sociais (3 testes) foram os de maior prevalência dentre os testes exclusivos para uso em crianças, configurando 27,77, 16,66 e 16,66%, respectivamente. Os dados desses instrumentos podem ser encontrados na Tabela 1. Os testes destinados ao uso de crianças e adolescentes, em sua maioria, avaliam autoconceito (25%), personalidade (25%) e inteligência (25%), como pode ser observado na Tabela 2.

Os testes exclusivos para uso em adolescentes em geral envolvem a avaliação de construtos relacionados à motivação para aprendizagem e orientação profissional. Os dados desses instrumentos podem ser observados na Tabela 3.

Testes de personalidade e inteligência são os mais frequentes entre os destinados ao público de adolescentes e adultos, apresentando-se em 34,61 e 26,92%, respectivamente, conforme a Tabela 4. Dentre os testes que apresentam estudos com amostras de crianças, adolescentes e adultos conjuntamente, os construtos mais frequentemente cobertos são relacionados a aspectos neuropsicológicos (41,66%) e inteligência (25,00%). Esses dados podem ser observados na Tabela 5.

 


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Dos instrumentos voltados para uso exclusivo em crianças, dois apresentam idade de indicação diferente da idade das amostras de normatização (Bateria Piaget-Head de orientação direita-esquerda e Teste de Habilidades e Conhecimento Pré-alfabetização). Daqueles para uso em crianças e adolescentes, apenas a Escala Feminina de Autocontrole e Escala Masculina de Autocontrole apresentam discrepância. Em relação aos testes exclusivos para adolescentes, nenhum apresenta discrepância. No caso dos instrumentos voltados para adolescentes e adultos, o Teste de Apercepção Temática apresentou diferença entre a idade de indicação e a idade das amostras de normatização. Nessa última categoria, boa parte dos instrumentos generaliza a indicação da faixa etária de aplicação, incluindo o termo "adolescentes e adultos", embora nem sempre se tenha considerado nas amostras de normatização a totalidade da faixa etária correspondente à adolescência e/ou idade adulta.

 

Discussão

A partir da análise da estrutura dos manuais, pode-se observar que nem todos apresentam claramente seus estudos de normatização e padronização, sendo esses dados mais claros em manuais mais atuais. As publicações mais recentes apresentam novos modelos de manuais, organizados de forma mais sistemática, alguns contando até mesmo com uma "ficha síntese" do teste, muito útil para a consulta da faixa etária de indicação do instrumento. O aumento do investimento dos autores e editoras na qualidade dos manuais dos testes é visível em testes publicados nesta década. Esse fato pode ser decorrente especialmente da liberação da Resolução 002 do CFP em 2003 e, com isso, da maior conscientização dos profissionais, especialmente os pesquisadores que elaboram instrumentos, e do estímulo dado ao aprimoramento das técnicas avaliativas.

 


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Em alguns manuais, pode-se constatar que as normas são criadas a partir de estudos de busca de evidência de validade de construto, o que teoricamente não seria o correto, uma vez que são necessários estudos com métodos específicos e amostras selecionadas para o processo de normatização (Noronha, 2002; Ottati, 2013). Por fim, outros manuais apresentam capítulos intitulados "dados psicométricos" sem nomear especificamente cada uma das etapas de validação e normatização dos instrumentos, tonando o processo de obtenção da validade dos estudos pouco claro e conclusivo. Apesar disso, a maior parte dos manuais apresenta capítulos de normas de correção e interpretação dos instrumentos.

Em relação à idade, ainda se percebe uma carência de instrumentos voltados para a avaliação de crianças de zero a seis anos. A maior parte dos testes encontrados com indicação para crianças teve a idade mínima de seis anos para a aplicação. Esse fato reforça a explanação de Duarte e Bordin (2000) sobre as peculiaridades da avaliação de crianças e adolescentes. Apesar disso, encontram-se testes que avaliam pelo menos um construto em todas as idades compreendidas na classificação de crianças e adolescentes, sendo a mínima encontrada no teste Escala de Maturidade Mental Colúmbia (três anos e seis meses). Esse fato pode ser decorrente de particularidades da avaliação com crianças, tais como o fato de que crianças menores de três anos possuem expressão verbal ainda não completamente desenvolvida, assim, a maior parte dos testes necessita ser respondida por pais/responsáveis, e não sãodirigidos à própria criança. O processo de avaliação deve ser, portanto, dinâmico e individualizado. Como exemplo, refere-se que a avaliação das questões emocionais é prejudicada se forem utilizados apenas instrumentos formais de avaliação, uma vez que necessitam da habilidade de respostas verbais, incluindo compreensão e expressão, minimamente desenvolvidas. Outro exemplo inclui os testes com respostas gráficas, que também não podem ser utilizados com crianças pequenas em função das características próprias do desenvolvimento, como a maturação do sistema e evolução cognitiva da criança com o crescimento (Bueno et al., 2009; Biscegli et al., 2007; Lindau et al., 2015).

Já no contexto dos adolescentes, com exceção dos testes voltados à orientação vocacional e ao ajustamento emocional, muitos dos instrumentos adequados para aplicação para esse público também são válidos para adultos. Isso demonstra a existência de um baixo número de testes exclusivamente para essa faixa etária.

Não obstante, foram encontrados 13 testes indicados para aplicação em crianças, adolescentes e adultos. Desses testes, alguns não possuíam amostras de todas as faixas etárias nos estudos brasileiros. E, na maioria dos casos, as idades limites, tanto para crianças como idosos, tinham uma frequência ínfima se comparada aos adultos utilizados para a amostra.

Em relação aos construtos avaliados pelos instrumentos incluídos no presente estudo, nas categorias de "crianças exclusivamente" e "adolescentes e adultos", avalia-se principalmente inteligência e personalidade. Esse resultado vem ao encontro de outros estudos na área, que apontam para a predominância de instrumentos na avaliação desses construtos, apresentando mais estudos psicométricos, incluindo padronização e normatização (Nakano, 2013). Suehiro, Benfica, & Cardim (2015) apontam que o construto inteligência é uma das áreas em que a Psicologia tem demonstrado mais esforços para construção e crescimento, dado corroborado pelo presente estudo.

Quando se avalia exclusivamente adolescentes, os instrumentos voltam-se especificamente para o contexto escolar e profissional, considerando principalmente motivação para aprendizagem, autoconceito e orientação profissional. De fato, estudos apontam o crescimento da área da avaliação vocacional, em virtude das constantes mudanças no mercado de trabalho brasileiro e exigências cada vez mais profundas (Oliveira & Neiva, 2013; Noronha et al., 2014).

Estudos como o presente são importantes a fim de que se possa estabelecer um perfil das produções e dos instrumentos disponibilizados para uso dos psicólogos, e para que se possa traçar metas para a produção de instrumentos nas áreas em que há a falta dos mesmos. Ainda, a partir dos achados deste estudo, pode-se observar que o SATEPSI contribui para a prática profissional do psicólogo ao apontar quais testes são considerados psicológicos e quais estão aprovados para uso. Entretanto, a lista não serve de guia prático para outros fins, estando limitada à etapa mais essencial de uma pré-avaliação.

Ao planejar uma avaliação na qual usará instrumentos psicológicos, o psicólogo deverá estar atento também à idade de indicação do teste, contexto para o qual o instrumento foi formulado e suas propriedades psicométricas. Para essas etapas da pré-avaliação, o psicólogo brasileiro encontra-se desamparado de lista ou guia com as propriedades dos testes. Na maioria dos manuais, não existe, também, indicação clara do contexto de avaliação apropriado para aquele instrumento (como áreas clínica, organizacional e escolar), contribuindo também para as dificuldades do profissional que irá realizar a testagem.

Fica constatada a necessidade de maiores estudos na produção e revalidação de testes para crianças e adolescentes, tendo em vista as peculiaridades desse tipo de avaliação. Também é sugerida a discriminação de indicação etária por parte do SATEPSI, e maior rigor, por parte do CFP, no controle das faixas etárias de indicação e dos respectivos estudos de validação dos testes psicológicos.

Parte da dificuldade encontrada pelos psicólogos ao consultar os manuais desses testes se dá ao não encontrar uma indicação clara da faixa etária para a qual o teste é adequado. Buscando os estudos de validação, encontram-se, por vezes, descrições breves/vagas das amostras e até mesmo a ocultação dos limites de idade ou da frequência de participantes em cada segmento etário. Por exemplo, a Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/Neuroticismo (EFN) é indicada para avaliação de adolescentes e adultos entre 16 e 50 anos; contudo, a última faixa de normatização é vagamente identificada como "28 anos ou mais". Nesse mesmo teste, a tabela de distribuição da amostra por idade revela que há apenas 1 participante com 16 anos nos estudos de validade e normatização do instrumento (Hutz & Nunes, 2001).

Ainda, alguns instrumentos consideram a informação escolaridade para designação da indicação do instrumento, como o BPR-5. De forma geral, a indicação com base na escolaridade do sujeito é válida quando há influência dos anos de estudo no desempenho do sujeito. Especialmente a avaliação da cognição pode ser influenciada pelos aspectos do desenvolvimento escolar e pela maturação da aprendizagem formal. A escolaridade ainda é importante para as respostas aos instrumentos em que é preciso leitura e compreensão dos itens. Na prática, percebe-se que pessoas com escolaridade mais baixa muitas vezes não compreendem os itens dos instrumentos, e que a maior parte das amostras para normatizá-los são compreendidas por universitários (Cárnio, Licas, & Soares, 2015; Silvestrin et al., 2016).

Conclui-se que o panorama nacional de instrumentos para avaliação infanto-juvenil mencionado no presente estudo apresenta algumas lacunas importantes, como a presença de instrumentos para crianças entre zero e seis anos, além de quantidade baixa de instrumentos para faixas etárias específicas, como a de adolescentes. Neste sentido, sugere-se a realização de pesquisas na área que possam buscar o desenvolvimento de instrumentos válidos e fidedignos que contemplem essas faixas etárias específicas e os construtos menos abordados pelos instrumentos, para além da inteligência e de aspectos da personalidade.

Sugere-se também o aprimoramento das informações disponibilizadas no SATEPSI e a sua categorização, de forma que se possa utilizar o sistema para além da simples conferência de aprovação ou reprovação dos instrumentos. Sugere-se que o sistema possa ainda fornecer informações mais detalhadas sobre os instrumentos utilizados, tais como as utilizadas como foco do presente estudo: idade de indicação e construto específico que o instrumento avalia. Desse modo, a escolha dos instrumentos a serem utilizados pelos profissionais, seja em contexto clínico ou de pesquisa, pode ser otimizada, tornando mais efetiva a avaliação dos sujeitos, conforme as suas demandas.

Apesar do presente trabalho se limitar à análise de instrumentos voltados para o público infantil e adolescente, outras pesquisas vêm sendo desenvolvidas pelas autoras com o objetivo de abranger os demais públicos, como adultos e idosos. Salienta-se, por fim, a necessidade de estudos que avaliem outras características importantes que devem constar nos manuais dos testes psicológicos, como os estudos de busca de evidências de validade.

 

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Endereço para correspondência
Léia Gonçalves Gurgel
Rua Sarmento Leite, 245, Sala 116, Anexo II, 10050-170
Porto Alegre, RS, Brasil
E-mail: reppold@ufcspa.edu.br

recebido em dezembro de 2015
reformulado em abril de 2016
aprovado em junho de 2016

 

 

1 Caroline Tozzi Reppold é Psicóloga, Professora Associada da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, docente dos PPGs Ciências da Saúde, Ciências de Reabilitação e Psicologia e Saúde da UFCSPA. Bolsista produtividade do CNPq.
2 Adriana Jung Serafini é Psicóloga e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3 Diógenes Angelini Ramires é Psicólogo formado pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
4 Léia Gonçalves Gurgel é Fonoaudióloga, Mestre em Ciências da Saúde pela UFCSPA. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Avaliação Psicológica da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

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