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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.18 no.1 Itatiba jan,/mar. 2019

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2019.1801.ed 

Editorial

 

 

A delimitação entre métodos fatoriais e técnicas relacionadas têm sido objeto de debate há décadas. O presente editorial aborda a distinção interna entre métodos exploratórios e confirmatórios de análise fatorial, ilustrando possíveis três casos de uso complementar de ambas as abordagens.

Existem múltiplas maneiras de combinar modelos exploratórios e confirmatórios para a análise de dados psicológicos. A seguir, são apresentadas três situações usuais dentre uma gama de possibilidades. São oferecidas recomendações em cada caso, além de rebatido o mito de que não é possível usar análises exploratórias e confirmatórias em um mesmo banco de dados.

 

Análise Fatorial Exploratória (AFE) e Análise Fatorial Confirmatória (AFC)

AFE e AFC são duas técnicas de modelagem de variáveis latentes, assunto que tem sido objeto com frequência dos editoriais desta revista. A AFE é amplamente recomendada como etapa preliminar, quando o objetivo é selecionar itens para compor uma escala (Gorsuch, 1997). Essa análise exploratória ajuda a conhecer a estrutura dos dados, sendo então detectados os itens que proporcionam uma "estrutura simples", o que ocorre quando cada item carrega maximamente em um fator e minimante nos demais (Thurstone, 1935). Vários desenvolvimentos nessa área ocorreram no sentido de ajudar a atingir esse requisito (Bentler, 1977; Lorenzo-Seva, 2003; Revelle & Rocklin, 1979).

Em contraste, a AFC tende a ser mais apropriada quando já existem hipóteses sobre a estrutura de um instrumento. Nesse caso, a AFC pode ser útil para comparar o ajuste de modelos concorrentes disponíveis na literatura, ajudando a identificar qual a estrutura mais plausível (Schmitt, 2011). Outra vantagem é que a AFC permite o estudo sistemático da invariância dos parâmetros de acordo com grupos populacionais (Damásio, 2013). Em suma, a análise confirmatória apresenta maior flexibilidade quanto à especificação dos modelos de interesse e da manipulação de parâmetros específicos.

Não obstante, vale ressaltar que as diferenças entre AFE e AFC em termos da categorização exploratório-confir-matório não são tão claras quanto parecem. Análises exploratórias em que se especifica o número de fatores são, em certa medida, confirmatórias (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2000). Análises exploratórias também podem ser conduzidas utilizando diversos constraints, como exemplificado pelo procedimento de target rotation, em que a rotação fatorial é feita para produzir cargas coerentes com uma estrutura teórica (Browne, 1972). Além disso, a reespecificação de modelos confirmatórios com ajuste empobrecido pode ser entendida como, ao menos em parte, um procedimento exploratório.

Portanto, distinguir AFE e AFC exclusivamente a partir dos adjetivos "exploratório" e "confirmatório" pode não ajudar muito. Como se discutirá a seguir, existem outras características mais importantes, e que passam desapercebidas a alguns pesquisadores. Os três casos a seguir ilustram diferenças, benefícios e equívocos relacionados ao uso conjunto dessas técnicas.

 

Caso I: AFE seguida de AFC em uma amostra independente

Essa é uma estratégia bastante popular, que tem como foco a validação cruzada de um instrumento, e inicia com uma análise exploratória dos dados. Uma vez obtida uma estrutura simples, o pesquisador pode então estar interessado em conduzir uma validação cruzada do modelo encontrado (Black, Babin, Anderson, Tatham, & Hair Jr., 2012). Uma maneira de fazer isso é coletar novos dados para a condução da AFC, enquanto outra maneira é efetuar uma divisão aleatória prévia de um mesmo banco de dados, uma para a AFE e outra para a AFC. Em ambos os casos, na AFC, são fixadas como zero as cargas cruzadas de reduzida magnitude encontradas na AFE - em geral, aquelas abaixo de um critério arbitrário, como 0,30.

O objetivo, nesse caso, é conduzir uma replicação da estrutura fatorial. A estratégia proporciona evidência adicional da estabilidade da estrutura do instrumento e dos parâmetros dos indicadores selecionados a partir da análise exploratória preliminar. Além disso, a análise serve como um teste arriscado da unidimensionalidade dos itens: como no exemplo oferecido, o modelo é especificado de modo que cada item carrega em apenas um fator, sem cargas cruzadas nos demais fatores existentes.

Todavia, nem tudo são flores, e três problemas merecem ser mencionados com relação a esse procedimento. O primeiro deles é que efetuar uma divisão aleatória de um mesmo banco de dados não autoriza dizer que se trata de duas amostras independentes de respondentes. A questão é que, tendo havido problemas na coleta (vieses, amostragem por conveniência), esse problema permanecerá presente em toda e qualquer subamostra aleatória calculada a partir da base de dados original. Ou seja, se a solução exploratória foi o resultado de algum viés amostral, o mesmo viés poderá estar presente na subamostra utilizada para a AFC.

O segundo problema é que alguns estimadores adequados para itens em escala Likert requerem 500 ou mais casos para proporcionarem estimativas paramétricas confiáveis (Asún, Rdz-Navarro, & Alvarado, 2015). Ao dividir seu banco de dados em duas metades, o pesquisador pode acabar com um n abaixo de 500 casos para as duas análises, resultando em perda de poder estatístico e de informação para a estimação dos parâmetros, especialmente os thresholds ou limiares de dificuldade das categorias. Nesse caso, há mais prejuízos do que ganhos em fazer esse tipo de divisão da amostra para a AFE e a AFC. Por isso, a validação cruzada deve ser feita, preferencialmente, em uma amostra verdadeiramente independente daquela usada na etapa exploratória dos dados.

O terceiro problema diz respeito às diferenças entre os modelos testados nas etapas exploratória e confirmató-ria. Enquanto modelos exploratórios (mais apropriadamente denomináveis de modelos "saturados" ou "irrestritos"; Ferrando & Lorenzo-Seva, 2000) admitem a existência de cargas cruzadas dos itens nos diferentes fatores, modelos confirmatórios (mais apropriadamente denomináveis como "restritos") são, em geral, especificados fixando-se em zero todas as cargas cruzadas. Portanto, fica difícil argumentar que se trata de uma validação cruzada quando, de fato, os modelos testados nas duas amostras não são equivalentes. Mesmo que as cargas cruzadas sejam de baixa magnitude e negligíveis do ponto de vista teórico, isso não implica que sejam iguais a zero e negligíveis do ponto de vista estatístico. Um modelo restrito (AFC), sem cargas cruzadas, é um modelo aninhado ao modelo irrestrito (AFC), com cargas cruzadas. São coisas relacionadas, mas distintas (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2000).

Os malefícios de fixar em zero as cargas cruzadas de um modelo fatorial podem ser facilmente ilustrados por meio de uma simulação de dados, como apresentada a Tabela 1. Simulou-se um banco de dados a partir de um modelo com seis indicadores e dois fatores, de modo que os três primeiros itens carregam em 0,60 no primeiro fator, e os demais carregam em 0,60 no segundo fator. Duas cargas cruzadas foram incluídas: o item y2 carrega 0,25 no segundo fator, e o item y5 carrega 0,25 no primeiro. As demais cargas cruzadas foram fixadas em zero. Ao analisar o banco de dados simulados rodando a análise exploratória, que permite a existência de cargas cruzadas, o ajuste para um modelo de dois fatores oblíquos é excelente, χ2(4) = 1,33, RMSEA=0,000, CFI=1,000, TLI=1,006. No entanto, ao fixar as cargas cruzadas em zero na AFC, o ajuste é apenas razoável, χ2(8)=72,64, RMSEA=0,064, CFI=0,959, TLI = 0,924, mas significativamente inferior ao modelo com as cargas cruzadas, Δχ2(4) = 71,31, _p<0,001. Os índices de modificação do modelo de AFC indicam, claramente, as duas cargas cruzadas fixadas em zero como um possível erro de especificação do modelo.

Além disso, vale ressaltar que a especificação incorreta da AFC sem as cargas cruzadas produziu estimativas inconsistentes para os coeficientes estimados. É fácil observar que as cargas produzidas pela AFE se aproximam mais dos valores verdadeiros simulados do que aquelas produzidas pela AFC. Em outras palavras, o ônus de testar um modelo implausível sem cargas cruzadas talvez supere as vantagens de testar a unidimensionalidade dos itens em um modelo restrito de AFC. A literatura tem, cada vez mais, mostrado que modelos restritos são representações implausíveis da estrutura de dados sobre a personalidade, motivo pelo qual alternativas de tipo menos restrito ("exploratórias") tendem a ser mais apropriadas (Aichholzer, 2014; Asparouhov & Muthén, 2009; Ferrando & Lorenzo-Seva, 2000).

 

Caso II: AFC seguida de AFE na mesma amostra

Um mito popular é que análises exploratórias e confirmatórias não podem ser conduzidas na mesma amostra. Esse é um exemplo de "regra de polegar" que não pode ser seguida sem crítica, como discutido nos dois casos seguintes.

Uma situação legítima de uso de ambas as técnicas na mesma amostra envolve o uso da AFC seguida da AFE. Suponha-se o caso de que, ao analisar as propriedades de um instrumento consagrado na literatura, pesquisadores testam, via análise confirmatória, diferentes modelos relatados na literatura, usando os usuais índices de ajuste (CFI, TLI, RMSEA etc.) para decidir qual deles é o melhor. É triste, mas pode ocorrer de que nenhum deles obtenha um bom ajuste. Nesse caso, o que fazer? Uma possibilidade é relatar o ocorrido, e proceder a uma análise fatorial exploratória.

A flexibilidade da abordagem exploratória permitirá a descoberta de um modelo mais representativo dos dados, que poderá inspirar reflexões sobre a natureza do fenômeno sob avaliação. Por exemplo, após falharem em replicar a estrutura fatorial de dois instrumentos de traços de personalidade via AFC, Cogswell, Alloy, van Dulmen e Fresco (2006) utilizaram a AFE para uma detecção mais aprofundada de itens problemáticos.

 

Caso III: AFE seguida de AFC na mesma amostra

O terceiro caso também falseia o mito de que não é possível usar AFE e AFC na mesma amostra. É possível, sim, testar se os itens de um instrumento cuja estrutura apresenta mais de um fator podem ser assumidos como unidimensionais, isto é, que cada um deles avalia, exclusivamente, um fator apenas. Van Prooijen e van der Kloot (2001) discutem estratégias para esse propósito. Os autores concluem que a AFC pode ser utilizada para testar versões um pouco mais restritas de um modelo irrestrito derivado via AFE, em um mesmo banco de dados. Mais especificamente, os autores sugerem que podem ser fixadas em zero cargas (ou correlações entre fatores) que tenham sido identificadas, na AFE, como possuindo valores abaixo de 0,20. Essa especificação tende a não penalizar muito o ajuste do modelo, sendo uma estratégia viável de replicação, via AFC, de estruturas multidimensionais identificadas via AFE. Em contraste, a prática usual de fixar em zero cargas abaixo de 0,30 tende a produzir ajuste empobrecido na AFC, sendo, por isso, contra recomendada.

 

Conclusão

A principal diferença entre métodos tradicionais de AFE e AFC é a inclusão ou não de cargas fatoriais cruzadas, e não o fato de ser uma técnica "exploratória" ou "confirmatória" (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2000; Schmitt, 2011). Seria interessante, portanto, que o uso dessas técnicas por pesquisadores ocorresse como meio para testar um modelo específico, havendo menos ênfase na dicotomia exploratório-confirmatório, e mais ênfase naquilo que está sendo testado de fato.

Nelson Hauck Filho

Editor-chefe

 

Referências

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