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Avaliação Psicológica

versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.20 no.2 Campinas abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2021.2002.16198.01 

ARTIGOS

 

Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC): Desenvolvimento e Evidências Psicométricas

 

General Conspiracy Belief Scale (Cgbs): Development and Psychometric Evidence

 

Escala de Creencias Conspiratorias Generales (ECGC): Desarrollo y Evidencias Psicométricas

 

 

Alessandro Teixeira RezendeI; Valdiney Veloso GouveiaII; Gabriel Lins de Holanda CoelhoIII; Leogildo Alves FreiresIV; Gleidson Diego Lopes LouretoV; Thiago Medeiros CavalcantiVI

IUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB,Brasil. https://orcid.org/0000-0002-5381-2155
IIUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB,Brasil. https://orcid.org/0000-0003-2107-5848
IIICardiff University Cardiff-Wales,United Kingdom. https://orcid.org/0000-0003-4744-3151
IVUniversidade Federal de Alagoas https://orcid.org/0000-0001-5149-2648
VUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-0889-6097
VIUniversidade Federal de Campina Grande, Campina Grande-PB, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-4646-0761

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo desenvolver a Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC), reunindo evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Para tal, foram realizados dois estudos. No Estudo 1 (n =229), uma análise de componentes principais permitiu identificar uma estrutura com cinco componentes, cada um reunindo três itens: manipulação farmacêutica (α = 0,74), conspirações globais (α = 0,80), manipulação de grupos secretos (α = 0,80), encobrimento de contato extraterrestre (α = 0,92) e controle de informações (α = 0,60). No Estudo 2 (n = 229), a análise fatorial confirmatória indicou que o modelo que melhor se ajustou aos dados foi o bifator (CFI = 0,96, TLI = 0,94, RMSEA = 0,06). Conclui-se que a versão final da ECGC, formada por 15 itens, apresenta evidências psicométricas adequadas para avaliar crenças em teorias conspiratórias, podendo ser utilizada em pesquisas no contexto brasileiro.

Palavras-chave: crenças, teorias da conspiração, escala, validade, precisão


ABSTRACT

The present study aimed to develop the General Conspiracy Belief Scale (ECGC), seeking evidence of its factorial validity and internal consistency. For this, two studies were carried out. In Study 1 (n=229) an analysis of the main components identified a five factor structure, each composed of three items: pharmaceutical manipulation (α=.74), global conspiracies (α=.80), manipulation by secret groups (α=.80), extraterrestrial contact cover ups (α=.92) and information control (α=.60). In Study 2 (n=229) the confirmatory factor analysis indicated that the bifactor model best fitted the data (CFI=.96, TLI=.94, RMSEA=.06). The final version of the ECGC, composed of 15 items, presents adequate psychometric evidence to evaluate beliefs in conspiracy theories, which can be used in research in the Brazilian context.

Keywords: beliefs; conspiracy theories; scale; validity; reliability.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo desarrollar la Escala de Creencia Conspiratorias Generales (ECGC), reuniendo evidencias de su validez factorial y consistencia interna. Por lo que, se llevaron a cabo dos estudios. En el Estudio 1 (n = 229), un análisis de los componentes principales permitió identificar una estructura con cinco componentes, cada uno reunió tres elementos: manipulación farmacéutica (α = 0.74), conspiraciones globales (α = 0.80), manipulación de grupos secretos (α = 0.80), encubrimiento de contacto extraterrestre (α = 0.92) y control de información (α = 0.60). En el Estudio 2 (n = 229) el análisis factorial confirmatorio indicó que el modelo que mejor se ajusta a los datos es el bifactor (CFI = 0.96, TLI = 0.94, RMSEA = 0.06). Se concluye que la versión final del ECGC, formada por 15 ítems, presenta evidencias psicométricas adecuadas para evaluar las creencias en las teorías conspiratorias, y puede utilizarse en investigaciones en el contexto brasileño.

Palabras clave: creencias; teorías conspiratorias; escala; validez; fiabilidad.


 

 

É notório o aumento nos últimos anos pelo interesse das pessoas no fenômeno das teorias da conspiração. Eventos como o ataque de 11 de setembro nos Estados Unidos, os atentados de Londres em 2005, a crise financeira de 2008 e a pandemia de doenças contagiosas, como a gripe e o HIV provocaram um cenário político e social permeado de incertezas e desconfianças (Byford, 2014). Nessa conjuntura, as teorias da conspiração ganharam destaque em redes sociais (e.g., Facebook, Instagram) e meios de comunicação (e.g., jornais, revistas). Prova dessa popularização, se for introduzido o termo "teorias da conspiração" no Google, o número de registros (e.g., documentos, textos, imagens) se aproxima de um milhão.

A propósito do que foi anteriormente comentado, ressalta-se que o fascínio em torno das teorias da conspiração não se restringe aos Estados Unidos da América ou aos países da Europa. Globalmente, tais teorias persistem como um meio popular de articular oposição às forças do capitalismo internacional e da globalização, possibilitando o enfrentamento de hierarquias sociais estabelecidas e oferecendo entendimentos alternativos sobre eventos da realidade social. Dessa forma, as teorias da conspiração atribuem eventos sociais e políticos importantes às ações de grupos considerados poderosos e malévolos (Bessi et al., 2015)

Diversos resultados fornecem suporte para essa visão, indicando que essas teorias estão fortemente associadas à desconfiança política (Jolley & Douglas, 2014). Nessa direção, uma pesquisa de opinião realizada por Oliver e Wood (2014), por exemplo, indicou que 25% dos entrevistados estadunidenses concordaram com a ideia de que a crise financeira atual está sendo secretamente orquestrada por banqueiros da Wall Street para ampliar o controle da economia mundial. Longuet (2014), em sua pesquisa, observou que 20% dos entrevistados acreditavam que os Iluminati eram responsáveis pelo controle da economia internacional.

As teorias da conspiração têm estado associadas à criação de uma explicação "alternativa" ou "fantasiosa" para fatos que normalmente contrariam a versão oficial e politicamente correta de determinado acontecimento (Van Prooijen & Acker, 2015). As pessoas que têm se empenhado em criar ou difundir essas teorias, em geral, têm um olhar cético acerca de algumas explicações oferecidas a eventos controlados por instituições e pessoas poderosas, preferindo oferecer um significado interpretativo diverso ao acontecimento (Bessi et al., 2015). Portanto, as crenças conspiratórias têm uma função nítida: servem como explicação para eventos incertos ou que oferecem poucos detalhes de sua origem ou desfecho, estando associadas a processos mentais que visam proporcionar às pessoas a sensação de estabilidade do mundo, tornando-o mais ordenado, compreensível e previsível (Swami et al., 2014).

Considerando a proliferação das teorias conspiratórias no cotidiano dos indivíduos, nos últimos anos diversos pesquisadores passaram a se interessar por esse fenômeno. A partir de então têm tido lugar pesquisas que exploraram os fatores psicológicos que poderiam explicar a suscetibilidade das pessoas a ideias conspiratórias, considerando diversas variáveis, como, por exemplo, engajamento político (Jolley & Douglas, 2014), ideologia (Byford, 2014), necessidade de fechamento cognitivo e incerteza cognitiva (Moulding et al., 2016), processamento da informação e confiança interpessoal (Swami et al., 2014).

Paralelo ao interesse acadêmico crescente pelas teorias da conspiração no campo da psicologia, pesquisadores começaram a despender esforços também para desenvolver uma série de escalas que avaliam as diferenças individuais em torno da tendência que as pessoas têm de endossarem as teorias de conspiração ou se engajarem em pensamentos conspiratórios (Swami et al., 2017). Isso parece justificável, sobretudo, por se tratar de um fenômeno de interesse notório em diversos países. Contudo, o que se sabe a respeito no Brasil? Procurando identificar se havia qualquer medida prévia desse construto neste país, realizaram-se buscas nas bases Index Psi, PubMed, SciELO e Google Acadêmico, utilizando diferentes descritores: "escala", "crenças em teorias da conspiração" e "crenças conspiratórias". No caso, não se encontrou qualquer estudo a respeito; porém, foi possível localizar instrumentos previamente elaborados em outros países, que são tratados a seguir.

Medidas de Crenças em Teorias da Conspiração

O acúmulo gradual de evidências empíricas estimulou os pesquisadores da área a discutir sobre qual seria a melhor forma de medir as crenças nas teorias da conspiração. Nessa direção, Wood (2016) ressalta que o meio mais utilizado para medir as crenças em ideias conspiratórias compreende o instrumento de autorrelato (e.g., escala, questionário), solicitando-se que os participantes indiquem em que medida concordam ou discordam de determinadas afirmações. A propósito, Swami et al. (2017) destacam que, na atualidade, existem duas abordagens para medir as diferenças individuais em ideias conspiratórias: (1) medir crenças conspiratórias a partir de uma série de afirmações específicas sobre teorias de conspiração presentes no mundo real (e.g., "A ONU está tentando controlar o governo dos EUA"; "As torres do World Trade Center foram derrubadas por uma demolição controlada") (Swami et al., 2010); e (2) medi-las a partir de afirmações mais gerais, sem fazer referência a eventos específicos do mundo real (e.g., "Eu acho que existem organizações secretas que influenciam as decisões políticas"; "Eu acho que os políticos geralmente não nos dizem os verdadeiros motivos para suas decisões") (Bruder et al., 2013).

Apesar de recorrente, o procedimento de medir crenças conspiratórias a partir de eventos específicos é problemático, pois requer memória e conhecimento, ainda que indireto, do ocorrido. Nessa direção, Brotherton et al., (2013) afirmam que o teor das crenças conspiratórias pode mudar com o tempo e em razão de contextos culturais em que estão inseridas. Por exemplo, o Inventário de Crenças em Teorias Conspiratórias sobre o 11 de setembro (Swami et al., 2010) apresenta itens sobre temas, como o bombardeio do Oklahoma City (e.g., "O Oklahoma City foi bombardeado pelo governo dos EUA"), cujo conhecimento pode variar ao longo do tempo e em diferentes culturas. No caso, quando da elaboração dessa medida, tais crenças faziam parte do repertório cognitivo das pessoas, mas não se garante que sigam sendo objeto de atenção.

Há, portanto, uma especificidade nas medidas utilizadas para avaliar ideias conspiratórias a partir de determinados eventos, visto que reúnem, em sua maioria, afirmações sujeitas a conotações diferentes com o passar do tempo, podendo repercutir negativamente na validade e consistência interna da medida. Dessa forma, tomando como base esses problemas, diversos pesquisadores passaram a defender a ideia de que as crenças conspiratórias devem ser medidas por meio de afirmações e eventos mais gerais, que sejam menos atreladas a contextos culturais específicos (Brotherton et al., 2013; Bruder et al., 2013).

Consoante com o anteriormente comentado, Brotherton et al. (2013) construíram a Generic Conspiracist Beliefs Scale (GCBS) a fim de medir a tendência geral de as pessoas acreditarem em teorias conspiratórias. Inicialmente, essa medida estava formada por 75 itens, sendo respondida em escala de cinco pontos, variando de 1 (Completamente falso) a 5 (Completamente verdadeiro). Seus autores realizaram uma análise fatorial exploratória, chegando a uma versão reduzida, composta por 15 itens igualmente distribuídos em cinco fatores: Manipulação do governo (e.g., "O governo está envolvido no assassinato de pessoas inocentes"; α = 0,93), Encobrimento extraterrestre (e.g., "A evidência de presença alienígena na Terra está sendo coberta"; α = 0,94), Conspirações globais (e.g., "Os chefes do estado controlam a política mundial"; α = 0,94), Bem-estar pessoal (e.g., "A disseminação de certos vírus e/ou doenças é o resultado dos esforços deliberados e ocultos de alguma organização"; α = 0,95) e Controle de informação (e.g., "Muitas informações importantes são deliberadamente escondidas do público por interesse próprio"; α = 0,87).

Swami et al. (2017), utilizando amostra distinta, realizaram uma nova análise fatorial exploratória da Generic Conspiracist Beliefs Scale, identificando dois fatores: Conspirações gerais (α = 0,89; "O poder dos chefes de estado é formalmente apoiado por pequenos e desconhecidos grupos que realmente controlam a política mundial", seis itens) e Crenças extraterrestres (α = 0,85; "Evidências de contato alienígena está sendo escondida do público", quatro itens); cinco itens da versão original foram excluídos por não saturarem nesses fatores. Posteriormente, por meio de análise fatorial confirmatória, esses autores testaram três modelos da GCBS: unifatorial, em que seus 15 itens saturaram num fator geral de crenças conspiratórias; pentafatorial, que reproduzia a estrutura originalmente observada; e bifatorial, considerando o conjunto de dez itens de sua análise fatorial exploratória. Seus achados indicaram que nenhum dos modelos testados se ajustou adequadamente aos dados, sugerindo problemas inerentes à validade fatorial desta medida.

Bruder et al. (2013), objetivando avaliar as diferenças na tendência geral de endossar crenças conspiratórias, desenvolveram a Conspiracy Mentality Questionnaire (CMQ). Esse instrumento é composto por cinco itens (e.g., "Eu acho que as agências governamentais monitoram de perto todos os cidadãos"), os quais são respondidos em escala de onze pontos, variando de 0% (Certamente não) a 100% (Certamente sim). Sua análise fatorial exploratória indicou uma estrutura unifatorial, explicando 60,6% da variância total. Entretanto, Swami et al. (2017) realizaram uma análise fatorial confirmatória da CMQ, concluindo que o modelo unidimensional não apresentou ajuste adequado aos dados; ademais, observaram que essa medida mostrava correlação baixa com outra que avaliava crenças conspiratórias, sendo indício de ausência de sua validade convergente.

No âmbito das medidas genéricas de crenças conspiratórias, pode-se citar, ainda, a Single-Item Scale. Esta foi desenvolvida por Lantian et al., (2016) para avaliar a tendência geral de as pessoas acreditarem em teorias da conspiração, estando formada por um único item ("Penso que a versão oficial dos eventos das autoridades muitas vezes esconde a verdade"), que é respondido em escala de nove pontos, variando de 1 (Completamente verdadeiro) a 9 (Completamente falso). Apesar de não ser possível examinar a estrutura fatorial ou consistência interna de uma medida formada por um item, os autores indicaram que o instrumento apresentava padrões adequados de validade convergente com a Belief in Conspiracy Theories Inventory (r = 0,50), Conspiracy Mentality Questionnaire (r = 0,50) e Generic Conspiracist Beliefs Scale (r = 0,41), apresentando estabilidade temporal (teste-reteste, intervalo de 14 dias) aceitável (r = 0,75).

Em resumo, existem diversos instrumentos para mensurar diferenças individuais em crenças conspiratórias. Contudo, a elaboração dos itens dessas medidas tem sido pouco cuidada, não havendo atenção dos pesquisadores acerca de sua adequação, sobretudo no sentido de checar a validade dos itens, o que pode explicar parte dos problemas com as propriedades psicométricas de tais instrumentos (Jolley & Douglas, 2014; Swami et al., 2017). A propósito, observa-se que, quando as estruturas fatoriais são descritas, não parece evidente o que se esperaria encontrar, confiando-se muito mais em achados circunstanciais do que em uma fundamentação teórica acerca da dimensionalidade das escalas (Bruder et al., 2013). Dessa forma, o presente estudo procura oferecer uma contribuição à temática, descrevendo o processo de elaboração de um novo instrumento para medir crenças em teorias da conspiração, checando evidências de sua validade fatorial e consistência interna (Estudo 1), além de confirmar sua estrutura por meio da modelagem de equações estruturais (Estudo 2).

 

Estudo 1. Construção e Evidências Psicométricas Preliminares da Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC)

Método

Elaboração da ECGC

Pasquali (2010) entende que, entre os problemas associados às medidas psicológicas, um ponto frágil se refere à sistematização do fenômeno, sugerindo que com uma fundamentação teórica coesa, torna-se possível definir operacionalmente o construto. Portanto, partindo da literatura, adotou-se a seguinte conceituação de teorias da conspiração: Formas de tentar entender ou explicar algo, tendo como princípio de que a sua natureza é secreta e parte de um plano conspiratório. Nesse sentido, podem ser compreendidas como uma explicação "alternativa" ou "fantasiosa" para fatos que normalmente contrariam a versão oficial e politicamente correta de determinado acontecimento (Van Prooijen & Acker, 2015). Normalmente, fazem referências a momentos históricos importantes da humanidade ou a eventos contemporâneos interligados aos interesses de conspiradores poderosos, comandadas e manipuladas por "sociedades ou instituições secretas" (Swami et al., 2017).

A definição constitutiva supracitada norteou a operacionalização do construto, guiando a escolha e/ou redação dos itens, que tomou como ponto de partida instrumentos disponíveis na literatura. Concretamente, consideraram-se as seguintes medidas: Generic Conspiracist Beliefs Scale (GCBS; Brotherton et al., 2013), Conspiracy Mentality Questionnaire (CMQ; Bruder et al., 2013) e Single-Item Scale (SIS; Lantian et al., 2016). Além disso, teve-se em conta estudo qualitativo que considerou as respostas de 383 estudantes universitários a duas questões abertas: (1) "O que você entende por teorias da conspiração?" e (2) "O que lhe vem à cabeça quando você pensa em teorias da conspiração?", que foram analisadas com o programa Iramuteq (Rezende et al., 2019). Tomando em conta os critérios de adequação, relevância e clareza (Pacico, 2015), elaboraram-se 39 itens, os quais foram submetidos à análise teórica, checando evidências de sua validade baseada em conteúdo.

Validade Baseada em Conteúdo da Medida de Crenças Conspiratórias

Inicialmente, os 39 itens foram submetidos à apreciação de quatro juízes, peritos da área da Psicologia Social e Psicometria, distribuídos equitativamente em função do sexo, tendo média de idade de 24 anos (DP = 0,50). Todos tinham titulação de mestre, cursando, na ocasião, doutorado em Psicologia Social. Utilizando os critérios de "adequação do item ao construto", "relevância do item ao construto" e "clareza na redação do item", os juízes analisaram os itens a partir da definição constitutiva anteriormente apresentada.

Destaca-se que o critério de "adequação" verifica se o item elaborado avalia o construto de interesse em determinada população, devendo os juízes avaliarem quão bem o item representava o construto. O critério da "relevância", por sua vez, analisa a importância do item para a descrição do construto. Por fim, o critério de "clareza" verifica se a linguagem ou a redação de cada item está de acordo com as características da população-alvo, isto é, se a redação de cada item é clara, adequada e compreensível para as pessoas que potencialmente responderão o instrumento. Os critérios foram avaliados em escala de variando de 0 (Nada) a 10 (Totalmente); o cálculo do coeficiente de validade de conteúdo considera o número de juízes e sua média de respostas, podendo esse coeficiente se referir a cada item ou ao conjunto de itens. Adotou-se como ponte de corte o valor de 0,70 como indicativo de adequação do item (Cassepp-Borges et al., 2010).

Todos os 39 itens apresentaram evidências de validade baseadas em conteúdo, obtendo coeficiente de validade de conteúdo acima de 0,90, com uma média de 0,94. Portanto, atenderam aos critérios estabelecidos, isto é, clareza, relevância e pertinência. Desse modo, essa versão experimental da Escala de Crenças Gerais Conspiratórias foi considerada para conhecer evidências de sua validade fatorial e consistência interna, sendo objeto principal da pesquisa ora descrita.

Participantes

Participaram da pesquisa 229 estudantes de uma instituição pública de ensino superior, tendo idade média de 21,5 anos (DP = 4,50; variando de 18 a 53 anos). A maioria indicou ser do sexo feminino (56,8%), solteira (95,2%), católica (45,4%) e pertencer à classe econômica média (56,3%). Estes foram selecionados por técnicas de amostragem não probabilística, segundo conveniência do pesquisador, considerando como critérios de inclusão ter ao menos 18 anos de idade e concordar em participar voluntariamente do estudo.

Instrumentos

Os participantes receberam um livreto contendo perguntas demográficas (idade, sexo, classe socioeconômica, religião e religiosidade) e a Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC), formada por 39 itens (e.g., "As agências do governo monitoram de perto os cidadãos"; "Alguns atos de violência são cometidos pelo próprio governo"), respondidos em escala de cinco pontos, tipo Likert, variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente).

Procedimento

A coleta de dados teve lugar em uma universidade pública, de acordo com as seguintes etapas: (a) levantamento de e-mails de docentes responsáveis pelas disciplinas; (b) envio de mensagem solicitando a disponibilização de turmas para a coleta de dados e definição de horário de conveniência; e (c) coleta de dados propriamente dita. Nesse caso, os aplicadores se apresentavam aos participantes e explicitavam os objetivos da pesquisa, reiterando acerca do anonimato e confidencialidade de suas respostas, informando-lhes sobre a possibilidade de desistir da participação sem qualquer ônus. A coleta foi realizada em contexto coletivo de sala de aula, porém as respostas foram dadas individualmente. Seguiram-se procedimentos éticos consoantes com a Resolução 510/16, obtendo-se aprovação do Comitê de Ética correspondente (CAAE: 76972917.8.0000.5188). Em média, 15 minutos foram suficientes para concluir a participação no estudo.

Análise de Dados

Para análise dos dados, foi utilizado o programa estatístico R (R Development Core Team, 2015). Inicialmente, foram realizadas análises descritivas com intuito de caracterizar o perfil da amostra estudada. Posteriormente, foi realizada uma análise multivariada de variância (MANOVA) para averiguar o poder discriminativo dos itens. Em seguida, buscou-se conhecer a adequação de utilizar a análise de componentes principais (ACP), tomando em conta os critérios de Kaiser-Meyer-Olkim (KMO), analisado no R por meio do pacote psych (Revelle, 2014) e o Teste de Esfericidade de Bartlett, verificado por meio do pacote corpcor (Schäfer et al., 2013). O alfa de Cronbach foi utilizado para conhecer a consistência interna da estrutura fatorial resultante, empregando-se o pacote Ltm (Rizopoulos, 2006). Ressalta-se que a escolha pela análise de componentes principais baseou-se na facilidade de interpretação da estrutura e a possibilidade de considerar independentemente os cinco componentes (Damásio, 2012).

Resultados

Primeiramente, verificou-se a qualidade métrica dos itens, isto é, se estes conseguiam discriminar participantes com magnitudes próximas no traço latente. Nesse sentido, realizou-se o somatório dos 39 itens da ECGC, estabelecendo grupos inferior e superior, com base na mediana empírica (M = 133). Posteriormente, por meio de uma MANOVA, as médias de cada item foram comparadas entre os grupos-critério. Dois itens (2 e 3) não apresentaram um poder discriminativo significativo (p < 0,05), sendo excluídos da análise posterior. O leitor poderá ter acesso à tabela completa dessa análise solicitando a um dos autores.

Previamente aos procedimentos exploratórios para conhecer a estrutura interna da ECGC, avaliou-se a fatorabilidade dos dados por meio dos critérios de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e Teste de Esfericidade de Bartlett. Os achados apoiaram a realização da ACP, evidenciando a possibilidade de extrair ao menos uma dimensão subjacente aos itens [KMO = 0,90 e X2(741) = 4301,77, p < 0,001]. Desse modo, procedeu-se a esse tipo de análise. No caso, visando identificar o número de fatores (componentes) a extrair, consideraram-se diferentes critérios: o Kaiser (valor próprio igual ou superior a 1) indicou uma estrutura com oito componentes, cujos valores próprios variaram entre 1,03 e 12,38, explicando conjuntamente 62,6% da variância total; e o Cattell (distribuição gráfica dos valores próprios) sugeriu uma estrutura de cinco componentes. Visando dirimir dúvidas, utilizou-se um terceiro critério: a análise paralela (critério de Horn), que é mais robusto (Garrido et al., 2013). Neste caso, adotaram-se os parâmetros do banco de dados (229 participantes e 37 variáveis), realizando 1.000 simulações, atestando a adequação de reter cinco componentes.

Portanto, realizou-se uma nova ACP, fixando a extração de cinco componentes e adotando rotação Varimax. Verificou-se que esses componentes explicaram, conjuntamente, 55,4% da variância total. Com o fim de definir o item como pertencente ao componente, assumiu-se que este deveria apresentar carga fatorial mínima de |0,50|, sendo superior ao ponto de corte sugerido pela literatura (Pasquali, 2012), o que levou a excluir os itens 24, 36, 9, 25, 13 e 21. Além disso, foram excluídos também os itens 14 e 32 por não se apresentarem semanticamente compatíveis com suas dimensões. Desse modo, restaram 29 itens.

Partindo do princípio da parcimônia, útil sobretudo quando se considera o contexto de pesquisa com múltiplas medidas e em contextos transculturais (Borsa et al., 2012), decidiu-se reduzir o conjunto de itens dessa medida, tornando-a mais fácil e cômoda de ser aplicada. Primou-se por obter um número idêntico de itens por dimensão, considerando o mínimo viável para representar um construto latente. Portanto, decidiu-se reter três itens por componente, resultando em uma medida com 15 itens, os quais foram submetidos à nova ACP [KMO = 0,82 e Teste de Esfericidade de Bartlet, X2 (105) = 1559,29, p < 0,001]. Os critérios para a retenção dos fatores corroboraram a estrutura pentafatorial: apenas cinco valores próprios superiores a 1 (Kaiser) e o sexto valor simulado foi inferior ao observado (Horn). Os resultados dessa análise são mostrados na Tabela 1 a seguir.

 


Tabela 1 - Clique para ampliar

 

Componente I. Esse componente apresentou valor próprio de 5,01 correspondendo à explicação de 33,4% da variância total. Os três itens apresentaram cargas fatoriais variando de 0,64 (Item 33. Muita informação sobre doenças e tratamentos são escondidas dos cidadãos) a 0,74 (Item 29. Experiências envolvendo novos medicamentos são realizados nos cidadãos sem seu consentimento). Nesse sentido, pareceu adequado defini-lo como Manipulação farmacêutica, referindo-se às presumíveis experiências com medicamentos realizadas em cidadãos sem seu devido consentimento. Sua consistência interna (alfa de Cronbach) foi de 0,74 e correlação média inter-itens (ri.i) de 0,33.

Componente II. Seu valor próprio foi de 2,09 (13,9% da variância total). Os três itens que o representam apresentaram cargas fatoriais entre 0,72 (Item 17. As agências governamentais estão envolvidas no assassinato de figuras ilustres) a 0,75 (Item 19. Alguns atos de violência são financiados pelo próprio governo). Seu conteúdo pareceu claro, recebendo o nome de Conspirações globais, reunindo itens que expressam atos de violência financiados pelo governo a fim de atingir objetivos. Ele apresentou consistência interna adequada (α = 0,80 e ri.i = 0,58).

Componente III. Este apresentou valor próprio de 1,62 (10,9% da variância total), tendo itens com cargas fatoriais entre 0,63 (Item 4. Eventos que parecem superficialmente desconexos são frequentemente o resultado de atividades secretas) a 0,72 (Item 7. Grupos anônimos controlam a política mundial), sendo nomeado como Manipulação de grupos secretos. Esse componente descreve o controle exercido por grupos secretos em eventos que ocorrem no cotidiano. Seu alfa de Cronbach (α) foi 0,80 e homogeneidae (ri.i) 0,58.

Componente IV. Seu valor próprio foi de 1,08 (8,3% da variância total), tendo seus itens apresentado saturações entre 0,86 (Item 28. Missões espaciais são forjadas para que os cidadãos não descubram a existência de alienígenas) a 0,90 (Item 27. Organizações secretas se comunicam com extraterrestres, mas mantêm esse fato em segredo). De acordo com seu conteúdo, decidiu-se nomeá-lo como Encobrimento de contato extraterrestre, descrevendo a crença de que as evidências de contato alienígena são omitidas dos cidadãos. Esse componente teve índice de consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,92 e correlação média inter-itens (ri.i) de 0,81.

Componente V. Este último componente teve valor próprio de 1,08, explicando 6,7% da variância total; seus itens apresentaram cargas fatoriais variando de 0,60 (Item 1. Muitas coisas importantes acontecem no mundo sem que as pessoas em geral saibam) a 0,66 (Item 22. O governo esconde da população geral muitos segredos importantes). Reunindo itens que sugerem a omissão de informações importantes dos indivíduos, decidiu-se nomeá-lo como Controle de informações. Ainda, apresentou precisão adequada (α = 0,60 e ri.i = 0,32).

Estudo 2. Confirmação da Estrutura Fatorial da ECGC

Considerando a natureza eminentemente exploratória do Estudo 1, planejou-se levar a cabo o Estudo 2. Especificamente, pretendeu-se analisar a estrutura fatorial da ECGC por meio da análise fatorial confirmatória. Esse procedimento permite uma conclusão mais robusta acerca da validade fatorial da medida ora mencionada, indicando também como os dados empíricos se ajustam ao modelo teórico proposto.

 

Método

Participantes

Contou-se com uma amostra independente do primeiro estudo (N = 229), nos quais os respondentes, em sua maioria, eram do sexo feminino (53,7%), solteira (93,4%), de classe social média (54,6%), da religião católica (39,7 %) e tinha média de idade de 21,7 anos (DP = 5,31; variando de 18 a 54 anos).

Instrumentos

Além de questões demográficas (sexo, idade, classe social, religião), foi utilizada a Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC), que é composta por 15 itens, distribuídos em uma estrutura formada por cinco componentes, a saber: Manipulação farmacêutica (e.g., "Experiências envolvendo novos medicamentos são realizados nos cidadãos sem seu consentimento"; α = 0,74), Conspirações globais (e.g., "Alguns atos de violência são financiados pelo próprio governo"; α = 0,80), Manipulação de grupos secretos (e.g., "Grupos anônimos controlam a política mundial"; α = 0,80), Encobrimento de contato extraterrestre (e.g., "Missões espaciais são forjadas para que os cidadãos não descubram a existência de alienígenas"; α = 0,92) e Controle de informações (e.g., "O governo esconde da população geral muitos segredos importantes"; α = 0,60). Os participantes informavam seu nível de concordância com as assertivas propostas, em uma escala Likert de resposta, variando de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente).

Procedimento

Foram utilizados os mesmos procedimentos já descritos no Estudo 1, contando com aprovação do comitê de ética (CAAE: 76972917.8.0000.5188).

Análise de Dados

Utilizou- se o programa R (versão 3.3.2; R Development Core Team, 2015) para analisar os dados. No caso da análise fatorial confirmatória (AFC), utilizou-se o pacote Lavaan (Hamilton et al., 2016), utilizando como entrada a matriz de covariância e adotando o estimador Robust Maximum Likelihood. Os seguintes indicadores de ajuste foram considerados (Brown, 2015): (a) razão qui-quadrado por graus de liberdade (χ2/gl), admitindo como recomendáveis valores entre 2 e 3, aceitando-se até 5; (b) Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI), aceitando-se valores iguais ou superiores a 0,90, (c) Standardized Root Mean Square Residual (SRMR), admitindo-se como ajustado modelo com valor abaixo de 0,08, e Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), cujos valores recomendados se situam entre 0,05 e 0,08, admitindo-se até 0,10. Para comparação de modelos, empregaram-se o teste da diferença entre os qui-quadrados (χ2) e graus de liberdade (gl) dos modelos respectivos [Δχ2(gl)], penalizando aquele com maior χ2.

Resultados

Objetivando reunir maiores evidências psicométricas sobre a ECGC, decidiu-se verificar a adequação do modelo pentafatorial encontrado no primeiro estudo. Especificamente, comparou-se três modelos: unifatorial (todos os itens saturando em um fator), pentafatorial (os itens saturando em cinco componentes distintos) e bifator (cada item saturando em duas variáveis latentes: nos cinco componentes específicos e no fator geral que representa as teorias da conspiração). Na Tabela 2, apresentam-se os indicadores de ajuste para os modelos unifatorial (M1), pentafatorial (M2) e bifator (M3).

Tendo em vista os resultados apresentados, percebe-se que o modelo M1deve ser desconsiderado, uma vez que seus indicadores de ajuste foram inadequados (e.g., CFI = 0,57 e TLI = 0,50). Por sua vez, os modelos M2e M3se mostraram aceitáveis; porém, quando estes foram comparados diretamente, o M3se revelou mais plausível [Δχ2 (15) = 58,64, p < 0,001], apresentando indicadores de ajuste mais promissores [χ2 (65) = 115,98, CFI = 0,96, TLI = 0,94 e RMSEA = 0,06]. Ademais, atesta-se que as saturações desse modelo (lambdas λ) mostraram-se significativas e diferentes de zero (λ 0; z > 1,96; p < 0,05). Na Figura 1, é possível observar a estrutura com melhores indicadores de ajuste (M3).

 

 

Comprovada a pertinência e o ajuste aceitável do modelo bifator, buscou-se reunir evidências complementares de sua validade e precisão. No que diz respeito à consistência interna da medida, os valores de α de Cronbach observados para a estrutura fatorial proposta foram aceitáveis para todos os componentes: manipulação farmacêutica (α = 0,74), conspirações globais (α = 0,77), manipulação de grupos secretos (α = 0,80), encobrimento de contato extraterrestre (α = 0,91) e controle de informações (α = 0,62), o que também ocorreu quando analisado o conjunto total de itens (α = 0,88).

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi desenvolver um instrumento para avaliar crenças em teorias da conspiração no contexto brasileiro, verificando suas evidências de sua validade fatorial e consistência interna. Inicialmente, discute-se o processo de elaboração desse instrumento, denominado como Escala de Crenças Gerais Conspiratórias (ECGC), e, posteriormente, suas evidências psicométricas; no final são tratadas algumas limitações potenciais do estudo e recomendações sobre pesquisas futuras.

Processo de Construção da ECGC

No que concerne ao processo de elaboração dos itens, consideraram-se procedimentos teóricos, empíricos e analíticos, na linha da recomendação de Pasquali (2010). Dessa forma, parece evidente o cuidado para a construção da ECGC, conforme previamente descrito. Concretamente, consultou-se a literatura sobre o construto Crenças conspiratórias, procurando sistematizar o marco teórico que embasou o instrumento (Brotherton et al., 2013; Bruder et al., 2013; Jolley & Douglas, 2014; Lantian et al., 2016; Swami et al., 2017). Nessa direção, definiu-se constitutivamente o construto em consonância com a literatura (Brotherton et al., 2013; Bruder et al., 2013; Jolley & Douglas, 2014; Lantian et al., 2016; Swami et al., 2010; Swami et al., 2017).

O passo seguinte foi operacionalizar o construto, reunindo itens de outros instrumentos e criando novos, tentando representar toda sua extensão, além de seguir os critérios sugeridos por Pasquali (2010) para redação/escolha dos itens: clareza (o item deve ser inteligível até para o estrato mais baixo da população-meta, utilizando frases curtas e expressões simples), simplicidade (um item deve expressar uma única ideia), comportamental (o item deve expressar um comportamento, não uma abstração) e credibilidade (a formulação do item de modo que não pareça "infantil").

Após reunir o conjunto de itens, procurou-se analisar sua adequação, considerando especialistas na área de interesse (Pasquali, 2010). Dessa forma, os itens foram submetidos à análise de quatro juízes que têm atuado em Psicometria e Psicologia Social, os quais avaliaram cada item em termos dos critérios de pertinência, adequação (semântica e teórica) e clareza.

Por fim, realizaram-se os procedimentos empíricos e analíticos, compreendendo tratamento estatístico e análise dos itens (Pasquali, 2012). Nessa conjuntura, órgãos da American Educational Research Association, American Psychological Association e National Council on Measurement in Education (AERA, APA, & NMCE, 2014) preconizam que a verificação da validade compreende uma das condições mais fundamentais quando se trata da construção e análise de instrumentos, pois revela as suas qualidades psicométricas (Reppold et al., 2014). Nesse sentido, realizaram-se análise de poder discriminativo dos itens, além de verificação de evidências de validade fatorial e consistência interna.

Evidências Psicométricas da ECGC

A ECGC, no conjunto, parece uma medida psicometricamente adequada. Seus itens mostraram poder discriminativo satisfatórios, permitindo diferenciar respondentes com pontuações próximas no construto avaliado (Pasquali, 2012). Sua estrutura fatorial pentafatorial emergiu sem fixar o número de componentes, revelando-se adequada inclusive quando se empregou critério mais robusto, como a análise paralela (Garrido et al., 2013). Os indicadores de consistência interna dessa medida foram adequados para fins de pesquisa, tendo alfa de Cronbach iguais ou superiores a 0,60 (Pasquali, 2012), congruente com outras medidas desse construto (Brotherton et al., 2013; Bruder et al., 2013; Swami et al., 2010); e os coeficientes de homogeneidade foram superiores a 0,20 (Clark & Watson, 1995).

Nessa sequência, o modelo teórico que melhor se ajustou aos dados no presente estudo foi o bifator, em que cada item saturou em duas variáveis latentes: nos cinco componentes específicos (Manipulação farmacêutica, Conspirações governamentais, Manipulação de grupos secretos, Encobrimento de contato extraterrestre e Controle de informações) e no fator geral que representa as teorias da conspiração. Tais achados foram congruentes com a premissa de que as crenças em teorias da conspiração são intercorrelacionadas, ou seja, a crença de um indivíduo em uma determinada teoria faz com que ele esteja mais susceptível a aceitar outras teorias conspiratórias. Nesse sentido, quando os participantes são convidados a completar medidas que avaliem teorias da conspiração, deve-se esperar um sistema de crenças correlacionado entre si, sugerindo que as cinco dimensões podem ser explicadas por um componente geral em comum. Em outras palavras, reuniram-se evidências aceitáveis que indicam a adequação do modelo bifator, ou seja, da possibilidade de os cinco componentes poderem ser explicados por um fator geral (Swami et al., 2017).

A dimensão Manipulação farmacêutica agrupou itens que representam a ideia de que as indústrias farmacêuticas realizam experiências secretas nos cidadãos. Van Prooijen e Acker (2015) postularam que a criação de explicações contrárias às versões oficiais dos fatos vão estar diretamente associadas ao endosso de teorias conspiratórias, fazendo com que os indivíduos apresentem uma visão mais cética para eventos ordenados por instituições poderosas, tais como acreditar na ideia de que a cura para doenças como o HIV e câncer são mantidas em sigilo por indústrias farmacêuticas (Jolley & Douglas, 2014).

A dimensão Conspirações globais reuniu itens que indicam atos secretos de violência cometidos pelo governo para atingir objetivos. De acordo com Bessi et al. (2015), eventos como ataques terroristas e proliferação de doenças acabam por colocar em risco a estabilidade e segurança da sociedade, suscitando crenças voltadas à ideia de que instituições governamentais estabelecem acordos secretos para atingir objetivos que são considerados como ilegais e prejudiciais à estrutura social.

A dimensão Manipulação de grupos secretos foi constituída por itens que abordam a existência de grupos secretos que controlam eventos cotidianos do meio social. Inerente a esse componente está a ideia de que as teorias conspiratórias dizem respeito a planos malévolos que são arquitetados por um grupo de pessoas com o fim de influenciar certos acontecimentos, sendo compreendida como uma tentativa de explicar causas de natureza política e social, provenientes de uma aliança secreta de organizações (Swami et al., 2017).

Quanto à dimensão Encobrimento de contato extraterrestre, foi formada por itens que expressam a crença de que o contato com alienígenas é omitido pelo governo. Nessa linha, Swami et al. (2010) pontua que as ideias conspiratórias estão relacionadas com a criação de histórias "fantasiosas", sendo endossadas por narrativas complexas e plausíveis ao estabelecerem ligação com a realidade social.

Por fim, a dimensão Manipulação de informação esteve formada por itens que enfocam a omissão de informações consideradas importantes ou "impactantes" para os indivíduos (e.g., assassinato de figuras importantes). Segundo Swami et al. (2014), a necessidade de manter controle sobre o meio faz com que os indivíduos sintam a necessidade de criar explicações para eventos que ocorrem no cotidiano, especialmente se tais eventos são tidos como impactantes ou colocam em perigo a ordem social.

Em resumo, as dimensões identificadas em contexto brasileiro reforçam um conjunto de ideias subjacentes às crenças conspiratórias. De fato, refletem a concepção de que as teorias da conspiração estão enraizadas em uma tendência geral de explicar e racionalizar fenômenos do mundo real, utilizando-se de um conjunto de pressupostos para explicar decisões e ações de um presumível inimigo poderoso e malévolo. Portanto, os componentes da ECGC destacam a necessidade de as pessoas explicarem eventos sociais que podem ser difíceis de compreender a partir das informações oficiais fornecidas.

Limitações e Estudos Futuros

Apesar de considerar que os objetivos foram alcançados, algumas limitações são indicadas. Inicialmente, a amostra do estudo, composta por estudantes universitários selecionados por conveniência; esse aspecto limita a generalização dos achados para a população. Como segunda potencial limitação, a ECGC é uma medida de autorrelato, do tipo "lápis e papel", sendo possível que as pessoas o respondam mostrando um perfil mais socialmente desejável (Soares et al., 2016). Desse modo, recomendam-se estudos futuros que testem a adequação da ECGC em grupos mais representativos da população brasileira, e assim se desenvolvam medidas implícitas desse construto, evitando a desejabilidade social.

Por fim, ampliando o escopo de entendimento das crenças em teorias da conspiração, será importante conhecer a relação das dimensões da ECGC com outros construtos que com os quais podem potencialmente se associar, como traços de personalidade (Swami et al., 2010), incerteza cognitiva (Van Prooijen & Jostmann, 2013), ambivalência atitudinal e ameaça de controle social (Van Prooijen & Acker, 2015). Contudo, previamente será importante conhecer evidências complementares de adequação psicométrica dessa medida, como testar sua estrutura fatorial; nesse âmbito, parece relevante também avaliar sua estabilidade temporal (teste-reste) e conhecer evidências de sua validade convergente e discriminante.

 

Agradecimentos

Não há menções

Financiamento

A presente pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento sendo custeada com recursos dos próprios autores.

Contribuições dos autores

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, os autores Alessandro Teixeira Rezende e Gleidson Diego Lopes Loureto participaram da redação inicial do estudo - conceitualização, investigação, e visualização, os autores Gabriel Lins de Holanda Coelho e Leogildo Alves Freires participaram da análise dos dados, e os autores Valdiney Veloso Gouveia e Thiago Medeiros Cavalcanti participaram da redação final do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante razoável solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Alessandro Teixeira Rezende
Universidade Federal da Paraíba
Cidade Universitária, Campus 1, Bloco C - 2° andar, sala 01
Bairro Castelo Branco II, 58051-900
Joao Pessoa, PB - Brasil.
E-mail: als_tx29@hotmail.com
Telefone: (83) 99310-2979

Recebido em julho de 2018
Aprovado em dezembro de 2020

 

 

Sobre os autores:
Alessandro Teixeira Rezende é psicólogo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre e Doutor pelo Programa de pós-graduação em Psicologia Social (UFPB).
Valdiney Veloso Gouveia é doutor em Psicologia Social pela Universidade Complutense de Madrid (1998), professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba e bolsista de produtividade (1A) do CNPq.
Gabriel Lins de Holanda Coelho é mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba e doutor em Psicologia pela Cardiff University do Reino Unido. Atualmente é estudante de pós-doutorado pela School of Applied Psychology na Irlanda.
Leogildo Alves Freires é Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente é docente da graduação e no Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Thiago Medeiros Cavalcanti é Psicólogo (2014) com metrado (2016) e doutorado (2019) em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente exerce a função de professor adjunto de psicologia da Universidade Federal de Campina Grande na Unidade Acadêmica de Educação.
Gleidson Diego Lopes Loureto possui bacharelado em Psicologia pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Mestre e Doutor pelo Programa de pós-graduação em Psicologia Social (UFPB). Atualmente, é Professor do curso de Psicologia da Faculdades Integradas de Patos (FIP).
 Artigo derivado da dissertação de mestrado do autor Alessandro Teixeira Rezende com orientação de Valdiney Veloso Gouveia, defendida em 2019 no programa de pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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