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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.20 no.2 Campinas abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2021.2002.18576.04 

ARTIGOS

 

Práticas Avaliativas Realizadas por Psicólogos Hospitalares: Um Estudo Descritivo

 

Evaluative practices performed by health psychologists: a descriptive Study

 

Prácticas evaluativas realizadas por psicólogos clínicos: un estudio descriptivo

 

 

Marta Raquel Paiva de Farias AlvesI; Bárbara Teixeira Campo de NegreirosII; Ana Teresa Leiros de AzevedoIII; João Carlos AlchieriIV

IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-1287-1394
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-5775-8515
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0597-7630
IVUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-4150-8519

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As práticas avaliativas estão na gama de possibilidades de atuação do psicólogo no Hospital. Buscou-se investigar o manejo dos processos avaliativos por psicólogos hospitalares inseridos em hospitais não psiquiátricos, quanto aos tipos, origens, características e necessidades solicitadas, identificando a conduta destes frente às demandas. Foi conduzido estudo observacional descritivo, de corte transversal, com levantamento de dados multimétodos por meio de entrevista estruturada com 14 psicólogos hospitalares de Natal/RN. Entre os resultados, observou-se que 87,7% consideram avaliação descritiva como mais frequente, 78,6% percebem que estas acontecem tanto por solicitação da equipe quanto por identificação da necessidade pelo próprio psicólogo e verificou-se um predomínio do uso de técnicas qualitativas como avaliação. Concluiu-se que o ambiente hospitalar oferece desafios para um amplo uso das técnicas existentes que, juntamente com a escassez de material e recursos humanos, tem-se uma conjuntura desfavorável para o uso destas no Hospital.

Palavras-chave: avaliação psicológica, psicólogo hospitalar, hospital


ABSTRACT

Evaluative practices are among the possibilities of a psychologist's work at the Hospital. The aim was to investigate the management of the evaluation processes by hospital psychologists working in non-psychiatric hospitals, regarding the types, characteristics and needs requested, identifying their actions faced with the demands. A cross-sectional, descriptive and observational study was conducted with multi-method data collection through a structured interview with 14 hospital psychologists from Natal/RN. Among the results, 87.7% considered the descriptive evaluation to be the most frequent, 78.6% perceived that these occur due to requests of the team and identification of the need by the psychologists themselves, with a predominance of the use of qualitative techniques in the evaluation. It was concluded that the hospital environment presents challenges for a wide use of the existing techniques, which together with the scarcity of material and human resources present unfavorable conditions for the use of those practices in the Hospital.

Keywords: psychological evaluation; health psychologist; hospital.


RESUMEN

Las prácticas evaluativas se encuentran dentro del abanico de posibilidades de actuación del psicólogo en el ámbito hospitalario. Se buscó investigar la gestión de los procesos de evaluación por psicólogos clínicos insertados en hospitales no psiquiátricos, con respecto a los tipos, orígenes característicos y necesidades solicitadas, identificando la conducta de los psicólogos ante las demandas. Se realizó un estudio observacional descriptivo, de corte transversal, con levantamiento de datos multimétodos a través de una entrevista estructurada con 14 psicólogos clínicos hospitalarios de la ciudad de Natal, Río Grande do Norte. Entre los resultados, se observó que el 87,7% considera la evaluación descriptiva como la más frecuente, el 78,6% afirma que estas ocurren tanto por solicitud del equipo como por el propio psicólogo al identificar la necesidad, verificando un predominio del uso de técnicas cualitativas como evaluación. Se concluyó que el entorno hospitalario presenta desafíos para un amplio uso de las técnicas existentes, que junto con la escasez de recursos materiales y humanos, se da una coyuntura desfavorable para el uso de las mismas en el hospital.

Palabras clave: evaluación psicológica; psicólogo clínico; hospital.


 

 

A Psicologia da Saúde, área em expansão no Brasil, caracteriza-se como um campo mais amplo e de muitas possibilidades de atuação para o psicólogo, abarca atuação no nível de atenções básica, secundária e terciária, tendo por objetivo a busca por compreender e intervir no processo saúde/doença. Parte do pressuposto de que a dimensão psicossocial de sujeitos expostos ao adoecimento e a condições de saúde impróprias (Almeida & Malagris, 2015) são seu objeto de estudo e, desse modo, busca-se compreender os fenômenos relacionados ao processo saúde-doença e auxiliar na adaptação e no enfrentamento dos pacientes a esse momento da vida, envolvendo ações de promoção de saúde, prevenção e tratamento a portadores de doenças (Borges & Baptista, 2018).

A inserção do psicólogo no ambiente hospitalar pode ser identificada em virtude das demandas advindas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que os profissionais prestavam assistência aos militares "que apresentavam uma série de reações psíquicas no período de hospitalização, como distúrbios da sensopercepção, alterações no humor e agitação psicomotora" (Azevêdo & Crepaldi, 2016) com intervenções em equipes multiprofissionais. Posteriormente, a American Psychological Association [APA] lança publicação (Guidelines on Hospital Privileges: Credentialing and Bylaws) com direcionamentos para o exercício da atuação do psicólogo em instituições hospitalares "com ênfase na delimitação das atividades relacionadas à avaliação e à intervenção psicológica" (Enright et al., 1993, como citado em Azevêdo & Crepaldi, 2016).

A literatura brasileira demonstra registros das primeiras práticas da Psicologia nos hospitais gerais na década de 1950 (Azêvedo & Crepaldi, 2016; Silva et al., 2006), sendo que, para Azevêdo e Crepaldi (2016), a inserção pioneira foi realizada por Matilde Néder, em 1954, na clínica ortopédica e traumatológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (HC-FMUSP). A atuação profissional ganha expressividade entre 1970 e 1990 com a implementação de serviços de Psicologia Hospitalar (Gorayeb, 2010; Azevêdo & Crepaldi, 2016), desempenhadas no contexto hospitalar e voltadas para adesão ao tratamento e acompanhamento de crianças e seus familiares (Silva et al., 2006). Ademais, as práticas avaliativas, hoje, estão presentes na gama de possibilidades de atuação do psicólogo dentro do contexto hospitalar (Azevêdo & Crepaldi, 2016), seja no exame psíquico inicial ou em avaliações mais complexas que possibilitam uma melhor compreensão do fenômeno psicológico. Ações e intervenções podem ser propostas, como descrito por Siqueira e Oliveira (2011), para as quais supõe-se que independentemente do tipo de intervenção, esta deve ser precedida de uma avaliação detalhada da demanda.

De acordo com Baptista e Borges (2017), o processo de avaliação psicológica em saúde é complexo e multifatorial, sendo essencial ao psicólogo observar, não apenas o paciente e os seus aspectos psicológicos e comportamentais, mas também o seu entorno, como a família, a relação com a equipe de saúde, a instituição hospitalar, o contexto sociocultural e as características inerentes ao próprio adoecimento. A partir disso, espera-se que uma maior quantidade de dados sejam coletados para possibilitar um processo avaliativo mais robusto e que facilite a tomada de decisão mais concisa pelo profissional.

Relatos de intervenções e avaliações (Rezende et al., 2010; Carnier et al., 2015) realizadas utilizando instrumentos próprios, como protocolos, escalas, testes psicológicos, em casos específicos, ainda são escassos, bem como as publicações de tais práticas nas rotinas dos serviços de Psicologia. Observa-se, preponderantemente, métodos de avaliação descritos enquanto a forma para investigar temáticas e ausência de estudos de eficácia de instrumentos no contexto hospitalar.

Relevantes são as formas de avaliação tanto para análise da eficácia das intervenções empregadas (Gorayeb, 2010) quanto na possibilidade de "verificar a expressão da atividade psicológica antes mesmo de sua emergência" (Alchieri & Cruz, 2006), possibilitando nortear uma atuação de cunho preventivo. Para além dos ganhos em termos de qualidade do serviço oferecidos, verifica-se a necessidade de procedimentos avaliativos mais qualificados, não somente por diminuir o risco de doenças e as suas sequelas, mas também por "levar a uma redução de custos financeiros no sistema de saúde" (Gorayeb, 2010). É substancialmente menos oneroso lidar com sintomas iniciais em procedimentos de rastreio.

Embora seja verificada a contribuição das práticas avaliativas na consolidação do trabalho do psicólogo hospitalar, não é raro evidenciar publicações de mapeamento da atuação em que tal atividade apareça de forma pouco clara em seus métodos (Schneider & Moreira, 2017). Contudo, ainda se encontra incipiente a produção científica referente a práxis desse profissional no ambiente hospitalar, de forma que até estudos de revisão bibliográfica mais recentes (Carvalho, 2013; Marcon et al., 2004; Guimarães Neto & Porto, 2017) se embasam em pesquisas pregressas.

A identificação e caracterização quanto ao manejo das práticas avaliativas no contexto hospitalar mostra-se necessárias, tanto para atualização de dados acerca do trabalho do psicólogo na atenção terciária quanto no aprimoramento dos instrumentais e das técnicas psicológicas de medida. Embora, atualmente, demandas de avaliação não sejam novidade no dia a dia dos serviços de psicologia hospitalares, Gorayeb (2010) alerta que "a área depende muito de instrumentos adequados para mensuração dos diversos aspectos de comportamentos, sentimentos, e cognições dos indivíduos para analisar a eficácia das intervenções". Transcendendo a possibilidade de respostas de solicitações da equipe de atendimento, a avaliação entra no cenário de práticas do psicólogo como forma de respaldo da pertinência de suas ações com base em evidências (Gorayeb, 2010).

 

Método

A pesquisa foi conduzida em um estudo observacional, descritivo e de corte transversal, relacionando levantamento de dados qualitativos e quantitativos. Foram convidados como participantes da pesquisa psicólogos em exercício, que atuavam na área hospitalar há mais de um ano, e que exerciam, dentro do contexto hospitalar, prioritariamente, atividades voltadas para pacientes internados e/ou atendimentos ambulatoriais descritos no anexo II da resolução 13/2007 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) (2007) como pertinentes ao psicólogo especialista em Psicologia Hospitalar.

Participantes

A amostragem foi obtida de forma não probabilística por conveniência a partir do aceite dos profissionais convidados. Contou com a participação de 14 psicólogas de sete hospitais não psiquiátricos de Natal/RN, com idades entre 27 e 52 anos, todas do sexo feminino, vinculadas a instituições públicas (57,1%, n = 8), as demais, a privadas (14,3%, n = 2) e filantrópicas (28,6%, n = 4), das quais 85,7% (n = 12) tinham regime de trabalho regulamento pela CLT e 14,3% (n = 2) servidoras públicas, em média há 5 anos e 2 meses (DP = 6,19). Observou-se que 64,3% das entrevistadas tiveram sua graduação em Psicologia realizada em universidade pública, e 35,7% em instituição de ensino superior privada, com média de 13 anos (DP = 7,79) de exercício profissional, atuando na área hospitalar há 8 anos e 3 meses (DP = 6,05) e a maioria (57,1%, n = 8) realiza outras atividades de trabalho além da hospitalar.

Instrumento

Realizada entrevista estruturada, contendo características sociodemográficas, como sexo, idade, titulação máxima e doze questões, parte de múltipla escolha (questões objetivas) e descritivas, possibilitando a livre expressão dos entrevistados acerca do tema abordado, registradas em gravador de áudio para posterior transcrição.

Procedimentos

Em um primeiro momento, fez-se o levantamento dos hospitais não psiquiátricos de Natal/RN que contavam com psicólogo como parte da equipe de assistência hospitalar, sendo identificados 16 hospitais, em que 10 concederam carta de anuência para realização da pesquisa com seus profissionais. Dentre essas instituições, apenas sete tiveram psicólogos que concordaram em participar da pesquisa e foram entrevistados após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa incluiu os cinco primeiros locais de pesquisa após submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CAE 84765318.0.3001.5292). Após uma emenda, foi realizada a inclusão de outros cinco locais de pesquisa e a inclusão da Liga Contra o Câncer enquanto centro Coparticipante (CAE 84765318.0.0000.5292), conforme determinações da Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, tendo questões éticas observadas e mantendo o sigilo e o anonimato dos participantes.

Análise de Dados

A análise foi caracterizada como descritiva e realizada mediante processo sistematizado em base estatística de dados por meio do programa Statistical Package for Social Sciences for Windows (SPSS), versão 20. Os aspectos discursivos singulares foram apurados por meio da análise de conteúdo, um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos das descrições de conteúdo das entrevistas e se divide em três fases: (1) Pré-análise; (2) Exploração do material; e (3) Tratamento dos resultados (Bardin, 2011). Foi escolhida a categorização por meio da organização de núcleos temáticos das entrevistas que foram classificadas e agregadas a partir de características comuns utilizadas como técnica de análise.

 

Resultados e Discussão

Em relação ao objetivo proposto pelo estudo, que é o de investigar o manejo dos processos avaliativos de psicólogos hospitalares, observou-se que a totalidade das entrevistadas considera que avaliar, em algum nível, seus pacientes faz parte das atividades como psicóloga hospitalar. Nesse contexto, 87,7% (n = 12) consideraram que são realizadas com mais frequência avaliações de caráter descritivo, enquanto 7,1% (n = 1) observam que, em sua prática, é mais frequente avaliações de caráter diagnóstico; e (n = 1) não soube responder.

Esses números são resultantes da realidade do hospital como o lugar prioritário do diagnóstico médico, pois, de um modo geral, os pacientes se internam em decorrência do adoecimento demarcado por sintomas físicos com substrato fisiopatológico que o justifique, enquanto o entendimento das alterações psíquicas costuma se dar como decorrência do quadro clínico. Não obstante, que não é incomum internações devido às patologias e aos sintomas decorrentes da somatização de fatores emocionais (Martins, 2007), é preponderante a caracterização do fazer psicológico no hospital com foco nas demandas que emergem de afetações e/ou alterações psíquicas associadas ao adoecimento físico e ao papel dos aspectos psicológicos sobre a manutenção da saúde, o desenvolvimento de doenças e os seus comportamentos associados, auxiliando os pacientes no manejo e no enfrentamento delas (Almeida & Malagris, 2015).

Ao se investigar a origem da demanda pela avaliação, verificou-se que 21,4% responderam que realizam apenas quando solicitado pela equipe, enquanto 78,6% percebem que estas acontecem tanto por solicitação da equipe, quanto por identificação da necessidade do próprio psicólogo, o que pode relacionar-se com uma crescente autonomia do psicólogo na equipe, que em alguns estudos ainda é colocado como "apenas um convidado dentro do hospital" (Coppus & Netto, 2016).

No que tange ao componente psíquico referido como mais avaliado, observou-se que a totalidade das entrevistadas considera a Afetividade (Humor) como item de acompanhamento no contexto hospitalar, seguido, em ordem decrescente, Motivação e Volição (42,85%), e Pensamento (28,57%), Personalidade (14,28%), Sensopercepção (14,28%), Memória (14,28 %) e Atenção (7,14%). Cabe salientar, então, que Inteligência e Linguagem não foram consideradas funções frequentemente avaliadas pelas respondentes. Essa expressão de ordem também poderia representar os aspectos mais comprometidos pelo adoecimento e pela internação em unidade hospitalar segundo a percepção dos participantes. O humor, como unanimidade, é evidenciado por Vesz et al. (2013), com frequência de alteração reverberada em transtorno em cerca de 20 a 30% dos pacientes internados. Claro exemplo onde a atuação do psicólogo de forma preventiva pode gerar significativa redução de custos de internação tanto em uma possível redução do tempo de internação quanto do uso de psicotrópicos. Embora vista a necessidade da produção de mais estudos sobre uma possível relação entre a atuação da Psicologia e a redução de custos, existem evidências de como a não adesão é onerosa (Páscoa & Santos, 2012) da intervenção psicológica, resultando em um melhor índice de adesão no tratamento e na redução na frequência de reinternação (Thew et al., 2017).

A motivação e volição podem ser associadas de forma diretamente proporcional ao investimento do paciente tanto em si, quando em seu tratamento. Assim sendo, o investimento preventivo nesses aspectos poderia gerar então um aumento no índice de adesão a tratamento, e uma baixa deste implica em considerável risco de abandono do tratamento (Leite et al., 2018). Quando questionadas acerca das técnicas empregadas, constatou-se que a maioria (57,1%, n = 8) das participantes utiliza técnicas de observação como instrumento. A Figura 1 mostra a totalidade das respostas citadas e a sua frequência, expondo técnicas qualitativas como principal escolha dos psicólogos hospitalares.

A ausência de instrumentos objetivos pode ser elucidada por Schneider e Moreira (2017) devido à constante necessidade por parte dos profissionais de "adaptar ou modificar para atuar no ambiente hospitalar", o que não é possível com tais instrumentos sob pena de invalidar os resultados. Além do mais, o setting disponível para o trabalho do psicólogo nos setores de internação (enfermarias com mais de um paciente, presença de acompanhantes, entrada e saída constantes de outros profissionais da equipe multiprofissional de saúde para a realização de procedimentos) dificilmente contemplará as normas preconizadas na maioria dos testes psicológicos validados no Brasil.

Atualmente, a maioria dos instrumentos classificam seus resultados em termo como: "na média", "acima média" e "abaixo da média", contemplando uma avaliação realizada em momento com mínimos estímulos adversos ao indivíduo. Entretanto, é preciso considerar também o próprio contexto de adoecimento como fator de influência da alteração das funções mensuradas, evidenciando a necessidade de instrumentos autóctones que favoreçam a verificação de alterações de ordem reativa ou patológica, por exemplo.

Guimarães Neto e Porto (2017), em estudo de revisão bibliográfica de levantamento de instrumentos utilizados em hospitais no Brasil, indicam ainda a falta de validação daqueles escolhidos como agravante dos procedimentos avaliativos nesse contexto.

Quando questionadas sobre o uso de testes psicológicos no hospital, 78,5% afirmam que não utilizam, 16,6% utilizam as Escalas Beck e 8,3% utilizam o HTP (House, Tree, Person). Observa-se a relação entre os instrumentos com as demandas mais frequentemente referidas pelas psicólogas, pois, estes avaliam, respectivamente, os componentes de humor e personalidade. Não obstante, a maioria dos estudos encontrados na literatura relacionados à aplicação de testagem objetiva no hospital reforça essa observação (Yanzón de la Torre et al., 2016). Os profissionais que fazem uso desses instrumentos referiram como vantagens: a ajuda como triagem e o direcionamento da entrevista, a facilitação do manejo de dados para pesquisas que embasam a prática clínica e a ajuda num protocolo mais formalizado de encaminhamento para psiquiatria.

Caracterizadas como facilitadoras no diálogo do psicólogo com as outras categorias profissionais que compõem a equipe de saúde, mesmo que essa relação possa ser mediada por relações de poder, com uma hierarquia médica. Apresenta-se como fator determinante que o psicólogo seja "capaz de justificar procedimentos psicológicos de forma clara e objetiva" (Tonetto & Gomes, 2007). Referida como desvantagem, encontrou-se a pouca familiaridade da maioria das entrevistadas com técnicas quantitativas (Tabela 1). Esta pode ser relacionada com as dificuldades referentes à formação profissional como entrave na prática de avaliação. Isso reforça os indicativos de deficiência que são sentidos nesse campo (Noronha et al., 2009; Paula et al., 2007; Padilha et al., 2007). Novamente, essa ênfase no uso ou no apreço ao uso de instrumentos pode ser caracterizada como uma falha no processo de formação profissional que supõe uma base em um ensino defasado (Hazboun & Alchieri, 2013).

Ao serem inquiridas quantos às principais dificuldades na utilização dos testes, dos métodos e das técnicas que desejam fazer uso no ambiente hospitalar (Figura 2), tem-se como achado as próprias questões inerentes à dinâmica e ao ambiente hospitalar como mais citadas, e exemplificações desta em forma de outras respostas, tais como: tempo breve de hospitalização dos participantes e falta de privacidade. As dificuldades indicadas podem sinalizar uma tendência à transposição do modelo de atuação clínico para o contexto hospitalar, "sendo necessário desenvolver intervenções contextualizadas com a realidade de cada paciente e de cada instituição" (Oliveira & Rodrigues, 2017).

É notório, também, que, para além de fatores estruturais intrínsecos ao hospital, existem questões institucionais na autonomia do psicólogo em poder escolher planificar, desenhar e empregar instrumentos e técnicas que deseja utilizar no manejo das práticas avaliativas com determinado paciente. Talvez ainda se faça necessário potencializar a capacidade da categoria em apresentar às instituições as evidências já indicadas na literatura dos benefícios da implementação de rotinas da avaliação psicológica como procedimento de rastreio (Levett & Grimmett, 2019). Esbarra-se, contudo, na disponibilidade para o investimento financeiro nos materiais e no pequeno contingente de psicólogos para atendimentos.

 

Considerações Finais

Considera-se que o ambiente hospitalar oferece desafios para o uso apropriado e eficiente das técnicas psicológicas que, somadas à escassez de materiais e de recursos humanos para a realização das atividades, tem-se uma conjuntura desfavorável para o uso destas na atuação da psicologia hospitalar. Almejou-se, a partir do conhecimento acerca do manejo dos psicólogos hospitalares frente às demandas que exigem a realização de práticas avaliativas e da hegemonia do uso de técnicas qualitativas apresentada no estudo, estimular o fomento de novas pesquisas que busquem formas de aprimoramentos dessas práticas, promovendo, de mesmo modo, reflexões acerca de métodos mais coerentes concernentes de assistência às demandas emergentes, contribuindo, assim, para o crescimento e para a consolidação do hospital enquanto campo de atuação do psicólogo. Os dados apresentados podem subsidiar estudos de empoderamento técnico-científico aos profissionais com maior abrangência, pois o caráter local da pesquisa limita generalizações. Ademais, o fomento de reflexões críticas da categoria acerca de sua prática pode trazer também significativas transformações no fazer da Psicologia no hospital.

 

Agradecimentos

Não há menções.

Financiamento

A presente pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento sendo custeada com recursos dos próprios autores.

Contribuições dos autores

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, os autores Marta Raquel Paiva de Farias Alves e João Carlos Alchieri participaram da redação inicial do estudo - conceitualização, investigação, visualização, a autora Barbara Teixeira Campos de Negreiros participou da análise dos dados, e a autora Ana Teresa Leiros de Azevedo participou da redação final do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante razoável solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Marta Raquel Paiva de Farias Alves
Rua Cristo Rei, 233. CEP: 59115110
Nossa Sra. da Apresentação. Natal-RN
E-mail: martarralves@gmail.com
Telefone:(84) 999249012

Recebido em julho de 2019
Aprovado em julho de 2020

 

 

Sobre os autores:
Marta Raquel Paiva de Farias Alves é psicóloga (UnP), mestranda em psicologia (UFRN). Atualmente é psicóloga clínica e preceptora multiprofissional no Instituto Santos Dumond e Diretora administrativa do Instituto de Psicologia Sócio-Histórica (IPSH).
Barbara Teixeira Campos de Negreiros é psicóloga(UFRN), especialista em Psicologia Hospitalar(UFRN), Mestranda em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Ana Teresa Leiros de Azevedo é psicóloga (UFRN), mestranda em Ensino na Saúde (UFRN). Atualmente é psicóloga no Hospital Universitário Onofre Lopes, e tutora do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção à Saúde da Criança.
João Carlos Alchieri é psicólogo (PUCRS), doutor(UFRGS) e pós-doutor(UnB) em psicologia. Atualmente é professor Titular do Departamento de Psicologia Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.

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