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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.20 no.2 Campinas abr./jun. 2021

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2021.2002.19800.05 

ARTIGOS

 

Simulação de Esquizofrenia no Teste de Rorschach (R-PAS)

 

Schizophrenia simulation in the Rorschach Test (R-PAS)

 

Simulación de esquizofrenia en el Teste Rorschach (R-PAS)

 

 

Armante Campos Guimarães NetoI; Anna Elisa de Villemor AmaralII; Philipe Gomes VieiraIII

IUniversidade São Francisco, Campinas-SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-3908-4518
IIUniversidade São Francisco, Campinas-SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-1815-8194
IIIUniversidade São Francisco, Campinas-SP, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-5083-6453

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho teve como objetivo comparar o desempenho no Teste de Rorschach (R-PAS), de pessoas instruídas sobre os sintomas da esquizofrenia e solicitadas a responder ao Rorschach, tentando se passar por um paciente com esse diagnóstico (n = 40), com o de pacientes diagnosticados com esquizofrenia (n = 35). Os participantes responderam ao Teste de Rorschach (R-PAS), a Magical Ideation Scale (MIS) e ao Inventory of Problems-29 (IOP-29) tentando simular esquizofrenia. Os resultados das comparações entre os grupos evidenciaram diferenças estatisticamente significativas para as variáveis (Hd), An, FQo, FQu, FQ-, P, M, PEC, WSumCog, MAH, GHR e Complexity. Encontrou-se também associação positiva e de forte magnitude entre os escores obtidos no IOP-29 e os escores brutos da MIS (r = 0,73, p = 0,0001). Os achados evidenciaram que, mesmo diante das tentativas de distorção das respostas ao teste, simuladores não conseguem distanciar da própria precisão perceptiva.

Palavras-chave: simulação; esquizofrenia; malingering; método de rorschach (R-PAS).


ABSTRACT

This study compared the performance in the Rorschach Test (R-PAS) of people informed about the symptoms of schizophrenia and asked to respond to the Rorschach trying to impersonate a patient with this diagnosis (n = 40) with that of patients diagnosed with schizophrenia (n = 35). Participants responded to the Rorschach Test (R-PAS), the Magical Ideation Scale (MIS) and the Inventory of Problems-29 (IOP-29) trying to simulate schizophrenia. The results of the comparisons between the groups showed statistically significant differences for the variables (Hd), An, FQo, CFQ, CF-, P, M, PEC, WSumCog, MAH, GHR and Complexity. A positive and strong association was also found between the scores obtained in the IOP-29 and the gross scores of the MIS (r=.73, p=.0001). The findings show that even faced with attempts to distort the responses to the test, simulators cannot distance themselves from their perceptual accuracy.

Keywords: simulation; schizophrenia; malingering; Rorschach method (R-PAS).


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo comparar el rendimiento en el Test de Rorschach (R-PAS) de personas educadas sobre los síntomas de la esquizofrenia y solicitadas a responder al Rorschach, tratando de pasar por un paciente con este diagnóstico (n = 40) con el de los pacientes diagnosticados con esquizofrenia (n = 35). Los participantes respondieron al Test de Rorschach (R-PAS), a la Magical Ideation Scale (MIS) y al Inventory of Problems-29 (IOP-29) intentando simular la esquizofrenia. Los resultados de las comparaciones entre los grupos mostraron diferencias estadísticamente significativas para las variables (Hd), An, FQo, CFQ, CF-, P, M, PEC, WSumCog, MAH, GHR y Complexity. También se encontró una asociación de magnitud positiva y fuerte entre los scores obtenidos en la IOP-29 y los scores brutos del MIS (r = 0,73, p = 0,0001). Los hallazgos muestran que, incluso frente a los intentos de distorsionar las respuestas del test, los simuladores no son capaces de distanciarse de su precisión perceptiva.

Palabras clave: simulación; esquizofrenia; malingering; método rorschach (R-PAS).


 

 

Desde sua publicação, o Teste de Rorschach tem sido objeto de estudo em vários trabalhos e recebido reconhecimento internacional. Vários foram os sistemas desenvolvidos com orientações quanto à administração, correção e interpretação dessa ferramenta (Resende, 2016). Dentre eles, destaca-se o Rorschach Performance Assessment System (R-PAS), mais recente sistema, publicado por Meyer et al. (2011), que se configura pela iniciativa de manter o constante aprimoramento da técnica, a fim de oferecer elementos confiáveis para sua utilização.

O Teste de Rorschach é aplicado na tomada de decisões em diferentes contextos da atuação do psicólogo. Na Psicologia Jurídica, e em um de seus ramos, a Psicologia Forense, o teste é usado para avaliar a predisposição para comportamentos violentos, sanidade mental, danos pessoais e competência ou capacidade de discernimento adequado da natureza criminosa de um ato, aspecto este nem sempre preservado em quadros do espectro psicótico (Resende, 2016).

Essa constante utilização, no âmbito jurídico, colabora para que questionamentos acerca da técnica ocorra. Assim, com frequência o Teste de Rorschach ainda é visto com incerteza quanto ao reconhecimento de manipulação e simulação na avaliação psicológica. Rovinski (2000) afirma que, na área forense, a distorção de dados é frequente devido ao viés próprio dessas avaliações. A autora destaca a importância de se atentar para o conjunto de informações colhidas pelos técnicos da área, principalmente no que se refere aos dados coletados na entrevista. A reunião de diferentes fontes e o cuidado com indicadores absolutos têm sido a melhor forma de se detectar simulação.

Em casos de simulação existem algumas circunstâncias que possuem relevância: a) quando os sujeitos simulam ou exageram sintomas de alguma patologia grave, b) quando há simulação de boa adaptação e c) quando se encobrem ou minimizam-se sintomas que existem (Exner, 1999). Ao exacerbar sintomas psicopatológicos ou um transtorno psiquiátrico específico, essa condição recebe o nome de simulação positiva, enquanto, para obter vantagens, demonstrando aproximação dos comportamentos considerados saudáveis e desejáveis, caracteriza-se como simulação negativa. Por fim, a ocultação ou minimização de sintomas existentes é denominada de dissimulação (Conroy & Kwartner, 2006; Exner, 1999; Rovinski, 2000). Vale salientar que, este estudo se direciona pelo interesse de compreender a simulação positiva. Assim, neste trabalho, investigaram-se as investidas de simulação de esquizofrenia, diagnóstico mais simulado (Schretlen, 1988), a partir da proposta de uma situação que envolvesse aspectos referentes ao contexto jurídico.

Nos manuais diagnósticos, a simulação é conceituada enquanto uma condição clínica, não havendo atribuição diagnóstica a esse comportamento. (American Psychiatric Association [APA], 2014; Organização Mundial da Saúde [OMS], 1993). A simulação é definida pelo exagero ou elaboração deliberada de sintomas físicos ou psicológicos falseados, associados a algum incentivo externo. Ademais, ela deve ser diferenciada de doença física ou psiquiátrica real que se suspeita ser fingida, e a possibilidade de simulação parcial, que é um exagero dos sintomas existentes, deve ser considerada (Sadock et al., 2017).

Embora não se tenha encontrado na etiologia desse quadro, fatores biológicos, algumas condições acautelam para a possibilidade de produção simulada de sintomas de transtornos mentais. São elas: busca por esquiva de responsabilidade, julgamento e punição criminais; esquiva do trabalho, responsabilidade social e consequências sociais; possibilidade de ganho financeiro; esquiva de serviço militar ou de encargos particularmente perigosos; facilitação de transferência da prisão para hospital; busca por drogas e casos de definição de guarda de filhos (Sadock et al., 2017).

Os casos de simulação, em que o sujeito tenta se mostrar gravemente perturbado (simulação positiva) é também conhecido e descrito na literatura internacional como malingering. Esses casos, quando não detectados, trazem implicações desde financeiras, como em custos, para as seguradoras e investimentos em tratamentos psiquiátricos desnecessários, como comprometem também a atuação de psicólogos e a eficácia do sistema de saúde mental (Conroy, & Kwartner, 2006).

Exner (1999) afirma que o Teste de Rorschach mostra-se eficaz na identificação de simulação de quadros psicopatológicos e, com frequência, é referido como imune ao fingimento de doença mental. No entanto, a validade desse princípio ainda é controversa. Desse modo, a simulação no Método de Rorschach apresenta aos rorschachistas, o desafio em identificar elementos discrepantes que possam identificar protocolos falseados. Aspecto esse, que alerta ao intérprete do instrumento verificar se de fato tais informações fazem parte da organização psicológica do indivíduo, ou se há uma incompatibilidade com a estrutura básica da personalidade. O autor ainda chama a atenção para o impacto de motivações pessoais, por parte do examinando numa avaliação psicológica e declara que existem poucos dados disponíveis sobre tentativas de simulação no Teste de Rorschach.

Ao estudar simulação de psicose no Teste de Rorschach, os autores Ganellen et al., (1996) avaliaram indivíduos com alto grau para simular (pessoas acusadas de crimes graves). Os participantes foram submetidos ao Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade (MMPI) e ao Rorschach. Após a avaliação pelo MMPI, foram divididos em dois grupos: malingered, aqueles em que houve evidências de exagero de psicopatologia no autorrelato e, honestos, sem suspeita de simulação ou exageração de sintomas. Foi realizada uma análise de variância multivariada (MANOVA) para testar as diferenças entre os grupos, nas escalas validadas do MMPI (L e K), escalas clínicas do MMPI 6 (paranoia) e 8 (esquizofrenia) e os índices de psicose do Rorschach. A MANOVA geral foi altamente significativa, F (33) = 6,24, p < 0,001. Ao comparar os grupos (malingered e honestos) no teste de Rorschach, chamou atenção a diferença estatisticamente significativa em relação a produção de conteúdos dramáticos, elevados entre os simuladores, t(46)= 3,05, p < .005. Os autores afirmaram que a combinação do MMPI e Rorschach mostrou-se eficaz para detectar fingimento deliberado de psicose.

Netter e Viglione (1994) investigaram 60 indivíduos, sendo 20 pacientes esquizofrênicos e 40 não pacientes, subdivididos aleatoriamente entre grupo controle (n = 20) e condição de fingimento (n = 20). Todos os participantes receberam recompensa pela testagem, a amostra de pacientes recebeu US$ 10 cada, e os não pacientes, ingressos para o cinema. No entanto, o grupo de condição de fingimento foi informado que receberiam os ingressos somente se conseguissem convencer o examinador de que eram esquizofrênicos. Os autores constataram que, quando informadas sobre o transtorno, uma percentagem apreciável de pessoas, nove entre os 20 sujeitos (Índice Esquizofrênico - SCZI 4) foram capazes de simular a esquizofrenia no Rorschach. Ainda sugerem que a detecção de fingimento deve voltar-se à investigação do processo utilizado pelo sujeito, na tentativa de modificar as respostas.

No Brasil, Vieira e Villemor-Amaral (2015) realizaram um estudo com o objetivo de buscar evidências de validade para o R-PAS, no diagnóstico de esquizofrenia. Participaram da pesquisa 70 sujeitos, adultos, que foram divididos em dois grupos, pacientes com esquizofrenia (n = 35) e não pacientes (n = 35). Os quais foram submetidos ao R-PAS e à Magical Ideation Scale (MIS). Na comparação de desempenho entre os dois grupos, algumas variáveis apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Dentre elas, os seguintes códigos e suas respectivas categorias: conteúdos [(Hd) e An], qualidade formal (FQo, FQu, FQn), número de respostas populares (P), códigos cognitivos (DV2, DR2, INC2, CON), códigos temáticos (MAH, MAP, GHR, PHR), além dos compósitos EII-3 e TP-Comp.

Outro importante resultado do estudo reportado foi a verificação de associação positiva entre o escore obtido na MIS com os índices EII-3 e TP-Comp do R-PAS (r = 0,84 e 0,85, respectivamente). Viera e Villemor-Amaral (2015) relataram que os resultados de tais correlações indicaram que a presença de pensamentos mágicos revelou prejuízos e perturbações do ego. Foram observadas médias significativamente mais altas (p < 0,05) nos índices EII-3 e TP-Comp do grupo de pacientes esquizofrênicos quando comparados com o grupo de não-pacientes (M = 1,21, p < 0,001 no EII-3 e M = 2,65, p < 0,001 no TP-Comp). Os dados apontaram para a sensibilidade desses índices no reconhecimento de perturbações intrapsíquicas severas e características do funcionamento de esquizofrênicos.

Kahn et al. (1988) realizaram um estudo que investigou a suscetibilidade à simulação tanto de intérpretes especialistas em Rorschach, quanto de um programa de interpretação semântica do SC, a simulação. Ambos ressaltaram protocolos falseados como de psicóticos, o que revelou que o Rorschach é passível de simulação de psicose. Na comparação da eficiência dessas análises, na distinção entre protocolos de psicóticos com o de simulados, os autores destacaram que, apesar de ambos estarem vulneráveis a falsificação, o programa, diferentemente dos peritos, não sugeriu nenhum protocolo normal como psicótico e indicou psicose somente em protocolos de pacientes esquizofrênicos.

Os julgamentos, às cegas, de protocolos falseados feitos por especialistas em Rorschach, sugeriram que o método é muito suscetível à falsificação de perturbações graves (Albert et al., 1980; Kahn et al., 1988). Contudo, os autores ressaltaram a escassez de estudos acerca da susceptibilidade do Rorschach à falsificação de perturbações psicológicas, além de deficiências metodológicas significativas, no que concerne às replicações de estudos anteriores.

Rogers (1997) destaca como um dos principais indicadores de simulação, a apresentação dramatizada e exagerada do examinando na entrevista psicológica, destacando um estilo teatral e queixas indiscriminadas de sintomas graves de comprometimento psíquico. O uso de respostas com conteúdos dramáticos, agressivos, mórbidos e traumáticos também é ressaltado como a principal estratégia de distorção de respostas ao Método de Rorschach (Ganellen, 2011).

Dentre os diferentes sistemas de administração do tradicional Teste de Rorschach, neste estudo buscou-se utilizar as formulações propostas pelo R-PAS, que traz em seus estudos dois importantes conjuntos de variáveis indicadores de simulação, são eles: os Conteúdos Críticos (CritCont%) e o índice de Complexidade Psicológica (Complexity). O conjunto denominado de CritCont% fundamenta-se em dois agrupamentos de codificações, o Índice de Conteúdo de Trauma (TCI) e os Conteúdos Dramáticos. Os escores dos CritCont% representam indicativos de severidade psicológica, presença de elementos perturbadores do pensamento e falha na censura de imagéticas problemáticas (Meyer et al., 2011).

O TCI e os Conteúdos Dramáticos estão associados com trauma, abuso e propensões dissociativas. O TCI inclui conteúdos de anatomia (An) com exceção de respostas de radiografia, sangue (Bl), sexo (Sx), movimento agressivo (AGM) e conteúdo mórbido (MOR) somados e divididos pelo número de respostas (R), conforme descrevem Armstrong e Loewenstein (1990). Ao passo que os Conteúdos Dramáticos abarcam respostas de sangue, explosão (Ex), fogo (Fi), sexo, movimento agressivo e conteúdo mórbido somados e divididos pelo número de respostas (Ganellen et al., 1996; Seamons et al., 1981).

O Complexity é caracterizado por Meyer et al. (2011) como um índice geral da complexidade de processamento e esforço psicológico do sujeito, ao responder ao instrumento. Tal variável engloba a mensuração da diferenciação e integração da localização das respostas junto à qualidade formal dos objetos, assim como a produtividade dos diferentes conteúdos e determinantes. Os autores destacam que, dentre as interpretações dos níveis elevados do escore Complexity, encontra-se a suspeição de exageros e fingimento, por meio da utilização de elaborações grosseiras, dramáticas e violentas.

Dentre as atualizações do sistema R-PAS, dois índices que são importantes para este estudo, por oferecer relevantes resultados para a identificação de quadros psicóticos e, principalmente, do espectro esquizofrênico, foram descritos. São eles, o Composto de Pensamento e Percepção (TP-Comp) e o Índice de Enfraquecimento do Ego (EII-3), que revelam indicativos de perturbação do pensamento e prejuízo psicológico. Altas pontuações sugerem pensamentos idiossincráticos inábeis, comportamentos pouco adaptativos e disfuncionais, e insucesso quanto à resolução de problemas complexos (Meyer et al., 2011).

O TP-Comp foi elaborado como uma versão dimensional de outros índices do SC (Índice de Percepção e Pensamento - PTI e seu antecessor SCZI) e fornece indicadores de perturbação do pensamento e percepção, característicos em psicóticos. Esse composto é uma medida que engloba as seguintes variáveis do R-PAS: porcentagem de respostas globais e de detalhe comum com qualidade formal, menos (WD-%), a porcentagem de respostas com qualidade formal distorcida (FQ-%), respostas de combinação fabulada de nível dois (FAB2), a soma ponderada dos códigos cognitivos (WSumCog), o número de respostas de movimento humano com qualidade formal distorcida (M-) e, por fim, a quantidade de respostas (Meyer et al., 2011; Meyer & Eblin, 2012).

Ao analisar a relação entre o PTI e o TP-Comp, com diagnóstico de um transtorno psicótico e gravidade do distúrbio, numa amostra de 432 avaliações em hospital, o TP-Comp foi superior ao PTI (0,326 e 0,312 respectivamente). Ademais, foram selecionados 87 participantes, que responderam ao Rorschach e ao Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade - 2 (MMPI-2), sendo que as pontuações no TP-Comp foram mais confiáveis, embora válidas assim como o PTI (Viglione et al., 2014).

Em um estudo realizado com pacientes na Sérvia, Dzamonja-Ignjatovic, Smith, Jocic e Milanovic (2013) avaliaram a validade preditiva para diferenciar pacientes esquizofrênicos de não esquizofrênicos, comparando os índices utilizados no Sistema Compreensivo (SC), outra proposta de utilização para o Teste de Rorschach, e no R-PAS para a avaliação do funcionamento psicótico na esquizofrenia. O PTI e EII-2 foram confrontados com suas versões revisadas no R-PAS, o TP-Comp e EII-3 que indicaram, por meio de uma análise de regressão logística, um valor preditivo ligeiramente melhor do que os seus correspondentes, PTI e EII-2, na identificação da esquizofrenia. Contudo, o TP-Comp obteve melhores resultados do que outros índices, na diferenciação entre os grupos esquizofrênicos (n = 100) e não esquizofrênicos (n = 111). Os autores relataram que os resultados apoiaram a utilização de TP-Comp para diagnóstico da esquizofrenia, destacando a utilidade do Método de Rorschach na avaliação de quadros psicóticos.

O EII-3 surgiu com o objetivo de indicar severidade de quadros psicopatológicos e perturbação do pensamento, sucedendo o Índice de Desajustamento do Ego (EII-2) do SC. Esse índice é composto por variáveis do R-PAS, referentes a respostas com qualidade formal distorcida (FQ-), soma ponderada dos códigos cognitivos (WSumCog), porcentagem de conteúdos críticos (CritCont%), respostas de movimento humano, com qualidade formal distorcida (M-), representação humana pobre (PHR), representação humana boa (GHR) e número total de respostas (R) (Meyer et al., 2011).

Ao examinar a associação de EII e gravidade psiquiátrica num estudo de meta-análise, Diener et al., (2011) encontraram relação com magnitude média estável (r = 0,29), com intervalo de confiança de 0,17-0,40 (95%), o que sustentou a validade do EII como medida de prejuízo psicológico. Foram utilizadas 13 amostras independentes (N = 1402), cujos resultados indicaram que, quanto maior a gravidade psiquiátrica, mais elevadas foram as pontuações de EII.

O Rorschach, por revelar aspectos referentes ao funcionamento psíquico do sujeito e fornecer elementos acerca da estrutura e dinâmica da personalidade, tem se mostrado ao longo do tempo um instrumento amplamente utilizado no contexto jurídico (Rovinski, 2000; 2006). Destaca-se que este é um dos importantes instrumentos para a realização de perícias psicológicas na realidade brasileira, sendo o uso do R-PAS relevante nas avaliações psicológicas forenses (Pelisoli & Lago, 2020). Assim, evidencia-se a necessidade de se compreender os elementos de maior vulnerabilidade na adulteração dessa ferramenta e desenvolver estudos capazes de apresentar indicadores de simulação no método.

Assim, a proposta de investigação deste estudo surgiu do constante questionamento da comunidade que trabalha com o Método de Rorschach sobre o quanto o instrumento seria passível de manipulação, quando utilizado como auxiliar na tomada de decisões no âmbito jurídico. Além disso, com a propagação do novo sistema de administração e avaliação recomendado pelo R-PAS, surgiu o interesse em verificar a susceptibilidade do atual sistema na simulação de esquizofrenia, visto que há evidências da validade desse instrumento para o diagnóstico desse transtorno no Brasil.

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi comparar o desempenho, no Teste de Rorschach (R-PAS), de pessoas instruídas sobre os sintomas da esquizofrenia e solicitadas a responder ao Método Rorschach tentando se passar por um paciente que tenha esse diagnóstico, com o de pacientes diagnosticados com esquizofrenia. Assim, buscou-se compreender de que maneira, diante da possibilidade de falseamento, os respondentes distorceram suas respostas quando queriam mostrar-se perturbados no Rorschach. Ademais, verificou-se a relação entre o grau de distorção de respostas (Índices EII-3 e TPComp) com uma medida de simulação, analisou-se a possível relação entre o escore bruto na ferramenta de pensamento mágico, com uma medida de simulação e foram comparados os desempenhos dos dois grupos em uma ferramenta de autorrelato que avalia pensamento mágico.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 75 adultos, sendo 69,3% do sexo masculino, com idades variando entre 19 e 64 anos (M = 40,20; DP = 11,72). Os participantes foram divididos em dois grupos: Grupo A, de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, e Grupo B, que foi convidado a responder aos testes, na tentativa de se passar por pacientes com diagnóstico de esquizofrenia.

Grupo A: Para amostra do grupo de pacientes, utilizou-se o banco de dados do estudo de Vieira e Villemor-Amaral (2015), composto por 35 sujeitos (23 homens e 12 mulheres), com idades entre 19 e 64 anos, diferentes níveis de escolaridade (ensino fundamental, médio e superior) e que faziam uso de medicação. Eles eram acompanhados por uma equipe multiprofissional de uma instituição especializada em saúde mental, com diagnóstico nosográfico de esquizofrenia, baseado pelo código referente a CID-10 (OMS, 1993). Cabe destacar que os participantes responderam ao Teste de Rorschach R-PAS) e à Magical Ideation Scale -MIS.

Grupo B: Participaram deste estudo 40 sujeitos, com idades entre 19 a 64 anos, ambos os sexos, com diferentes níveis de escolaridade (ensino fundamental, médio e superior), características estas proporcionalmente pareadas com o Grupo A. Os participantes são brasileiros provenientes das regiões Centro-oeste e Sudeste do país, sem histórico de perturbações intrapsíquicas. Eles foram selecionados entre indicações de terceiros em um processo de amostragem não aleatória.

Instrumentos

Formulário de Coleta de Dados (R-PAS). Este formulário foi utilizado para coleta dos dados sociodemográficos do Grupo B, assim como para os registros sugeridos na administração do R-PAS (dados do examinador, respondente e testagem). Também foram considerados, nesse formulário, os critérios de inclusão preconizados na versão otimizada do Rorschach. São eles: não conhecer o examinador, não possuir histórico de problemas psiquiátricos graves ou ter sido internado ou em tratamento intensivo para qualquer distúrbio psiquiátrico, relacionado ao uso de substâncias ou condição médica, não ter sido diagnosticado com um transtorno pervasivo do desenvolvimento quando criança e, por fim, não ser recrutado em um ambiente clínico.

Rorschach Performance Assessment System R-PAS (Meyer et al., 2011). O Teste de Rorschach caracteriza-se tanto como medida de avaliação objetiva, quanto subjetiva (Resende, 2016; Weiner, 2000), sendo o R-PAS um novo sistema de avaliação do tradicional Teste de Rorschach. No que tange aos estudos de validade, o R-PAS busca evidências por meio de meta-análises acerca das variáveis utilizadas para interpretação. Mihura, Meyer, Dumitrascu e Bombel (2013) avaliaram sistematicamente a literatura sobre a validade do Rorschach. De um lado, 53 meta-análises, que examinaram variáveis do teste, contra critérios externos (observação, diagnóstico psiquiátrico) demonstrando, r = 0,27, e 42 meta-análises que investigaram as variáveis do instrumento em função de medidas de autorrelato, a qual obteve, r = 0,08. O estudo relatou que as variáveis, voltadas à avaliação de processos cognitivos e de percepção, evidenciaram grande suporte em comparação à projeção de cores, e algumas escalas (isolamento e egocentrismo), as quais notaram pouco ou raro apoio. Desse modo, o Rorschach indica associações mais fortes com critérios de validade externa do que com instrumentos de autorrelato.

Magical Ideation Scale -MIS, versão brasileira de Vieira et al. (2016). A MIS é uma escala desenvolvida por Eckblad e Chapman (1983) adotada para a avaliação de crenças e pensamentos supersticiosos e mágicos, assim como capacidade de radiodifusão. Bailey et al. (1993) realizaram um estudo de validade convergente e discriminante das Escalas Chapman, em que a MIS mostrou-se altamente correlacionada com traços esquizotípicos (r = 0,68, p = 0,0001).

No Brasil, Vieira et al. (2016) traduziram, adaptaram e realizaram um estudo inicial de validade da MIS, com 70 sujeitos adultos, divididos em dois grupos: não clínico (n = 35) e clínico (n = 35). Ao comparar os grupos, os autores perceberam que o de pacientes demonstrou maior média, M = 18,71 e DP = 4,416, e que o controle, M = 4,74 e DP = 2,737. Os resultados indicaram associação de forte magnitude entre o escore bruto obtido na MIS, d = 3,85 e p = 0,001, e o diagnóstico nosográfico de esquizofrenia r = 0,88 e p = 0,001.

Inventory of Problems - 29 (IOP-29), Viglione et al. (2016). A utilização desse instrumento destinou-se a identificar o fenômeno "malingering", ou seja, verificar até que ponto pessoas comuns (população geral) conseguem ou não se passarem por esquizofrênicos. O IOP-29 é uma versão reduzida do Inventário de Problemas (IOP), teste que detecta verdadeiras psicopatologias de simulação de queixas psicológicas e neuropsicológicas, composto por 181 itens e com aplicação computadorizada. O instrumento identifica quem tenta se passar por alguém mentalmente perturbado, propondo situações em que o sujeito pode se perceber com sintomatologia psicopatológica ("Tenho tido visões assustadoras sobre animais estranhos").

Cabe destacar que ainda não existem estudos no Brasil com o IOP-29. Portanto, foi realizada a tradução e adaptação do IOP (versão completa) por um pesquisador do Laboratório de Avaliação Psicológica em Saúde Mental I (LAPSaM- I). Posteriormente, a versão alcançada foi submetida à backtranslation, pelos autores deste estudo e analisada por uma tradutora profissional.

Procedimentos

O projeto de pesquisa foi submetido e apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco, com parecer favorável, CAEE: 62366116.2.0000.5514. Após sua aprovação, os participantes foram abordados pelo pesquisador responsável e a coleta de dados, referente à amostra do Grupo B, foi realizada em consultório de Psicologia particular, para que fossem preservados os critérios de administração do Método de Rorschach, previstos pelo sistema R-PAS (Meyer et al., 2011), na qual apresentou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para assinarem.

De início, houve o preenchimento do Formulário de Coleta de Dados (R-PAS), em seguida, foi entregue, ao sujeito, um texto, Faking Schizophrenia Disorder (D. J. Viglione, comunicação pessoal, 30 de abril, 2016), convidando-o a imaginar que ele seria avaliado no contexto forense, após ter sido acusado de cometer algum crime. Porém, o sujeito ouviu dizer que pessoas com transtornos mentais recebem tratamento diferenciado e, desse modo, ele gostaria de tentar se passar por alguém acometido por um transtorno mental grave. O texto explicava, sucintamente, sobre a esquizofrenia, abordando, inclusive alguns sintomas. Ao final, no próprio texto, o sujeito era então convidado a responder aos testes, tentando se passar por um paciente que tivesse esse diagnóstico. Os instrumentos foram administrados em um único encontro, em que o pesquisador aplicou, primeiramente, o Teste de Rorschach (R-PAS), seguido pela MIS e o IOP-29.

Análise de Dados

Os protocolos do Rorschach foram codificados e analisados seguindo as estratégias de classificação do novo sistema de categorização R-PAS (Meyer et al., 2011). Posteriormente, foi realizado um estudo de concordância entre avaliadores. Nessa etapa, 25% dos protocolos foram recodificados por um juiz independente, coeficiente kappa de 0,81 (para maioria dos códigos cognitivos e temáticos), 1,00 (grande parte dos códigos de qualidade formal e determinantes) e 0,88 (grande parte dos conteúdos das respostas) para as variáveis do Rorschach (sistema R-PAS). Esses coeficientes de precisão são classificados como substanciais por Landis e Koch (1977).

Em seguida, os dados do grupo B foram comparados com os resultados do grupo de pacientes nas seguintes variáveis/índices: (Hd), An, Sx, FQo, FQu, FQ-, FQn, P, M, DV2, DR2, PEC, INC2, FAB2, CON, WSumCog, Lvl Cog 2, MAH, MAP, GHR, PHR, Complexity, Crit Content%, EII-3 e TP-Comp. Esses foram indicadores levantados no estudo de Vieira e Villemor-Amaral (2015) por diferenciarem pacientes com esquizofrenia.

Para facilitar a compreensão dos dados, estes foram submetidos a estatísticas descritivas, no que se referem a medidas de tendência central (média) e dispersão (desvio padrão) para o conjunto de dados das variáveis selecionadas no Rorschach, MIS e IOP-29. Assim, com a finalidade de averiguar se houve diferenças estatisticamente significativas em relação ao desempenho no Teste de Rorschach (R-PAS) e MIS, foi utilizado o teste estatístico t de Student para as variáveis selecionadas do R-PAS e escore bruto da MIS. Para verificar a associação entre o escore bruto do IOP-29, com escore bruto da MIS e com a média de EII-3 e o TP-Comp calculando-se o coeficiente de correlação r de Pearson. A magnitude de tais diferenças foi alcançada por meio do d de Cohen.

 

Resultados e Discussão

Dentre os instrumentos utilizados neste estudo, o IOP-29 foi administrado para obter uma medida que apoiasse a tentativa de simular, durante a testagem psicológica. O desempenho do grupo B nesse instrumento demonstrou, conforme ressaltam Viglione et al. (2016), valores que apoiam a probabilidade de que os sujeitos tenham fingido um distúrbio. Assim, o grupo de examinandos pode ser classificado como simuladores, M = 0,54 e DP = 0,29.

Os dados exibidos na Tabela 1 possibilitaram observar que, dentre os conteúdos selecionados do sistema R-PAS, a variável An mostrou-se com a frequência aumentada no grupo de simuladores, diferentemente das variáveis Sx e (Hd) que evidenciaram menor frequência nesse grupo. Esses dados sugerem que, ao simular esquizofrenia, os sujeitos apresentaram maior tendência a evidenciar questões corporais, físicas ou médicas, assim como preocupações com a integridade psíquica. As expressões de angústia ligadas à corporalidade também é encontrada em psicóticos, como salientam Resende e Argimon (2012), bem como, Vieira e Villemor-Amaral (2015). Em contrapartida, a percepção fantasiosa e fragmentada do outro (Hd) às respostas de conteúdo sexual, revela diferença estatisticamente significativa entre os grupos, evidenciando que esse aspecto caracterizante de quadros psicóticos (Meyer et al., 2011) não fora distorcido pelo grupo de simuladores.

Nota-se que o conjunto de variáveis, que reflete a acuracidade com que o sujeito ajusta sua percepção à realidade, apresentou frequência aumentada e diferença estatisticamente significativa nas variáveis que representam coerência e juízo crítico, FQo e FQu, respectivamente. Em contrapartida, a variável que evidencia distorção realística dos aspectos formais, FQ-, revelou-se diminuída quanto à frequência no grupo de simuladores. Esse achado corrobora com o que foi descrito por estudos anteriores com o Método de Rorchach e reitera que, mesmo diante das investidas por manipular suas respostas, prevalece a precisão perceptiva, com respostas de boa forma (Exner, 1999; Ganellen et al., 1996; Netter & Viglione, 1994; Pettigrew et al., 1983; Seamons et al., 1981). Todavia, evidenciou-se que não foi significativa a diferença entre os grupos nas respostas sem qualidade formal (FQn).

Outro dado interessante refere-se ao determinante M, indicador de ideação, cognição interpessoal, inteligência e pensamento antes de agir, que apresentou frequência aumentada no grupo orientado a simular, cuja diferença revelou-se estatisticamente significativa e de magnitude consideravelmente elevada. Destaca-se que a deliberação ideacional é um dos aspectos caracterizantes da simulação (APA, 2014; Sadock et al., 2017). Nesse sentido, pode-se inferir que, embora houvesse a tentativa de demonstrar perturbações psicológicas, os pensamentos conscientes e intencionalidade permaneceram saudáveis. De modo semelhante, a variável P encontra-se com frequência aumentada para o grupo de simuladores, com diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Cabe inferir que, mesmo diante da tentativa de simulação, a capacidade de perceber aspectos convencionais e regras de convivência em grupo permaneceu dentro dos valores de referência em população geral (Meyer et al., 2011).

Ainda na Tabela 1, destaca-se que o conjunto de variáveis que indicam deslizes cognitivos e desorganização do pensamento (DV2, DR2, PEC, INC2, FAB2, CON) encontram-se aumentadas no grupo de pacientes, apesar de que, somente a varável PEC, demonstrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Essas variáveis agrupadas são denominadas no R-PAS de códigos cognitivos severos, além de caracterizarem as respostas de Lvl Cog 2, indicativos de desvios cognitivos mais severos e lapsos de nível psicótico, com frequências aumentadas no grupo de pacientes (Meyer et al., 2011; Vieira & Villemor-Amaral, 2015). Assim, infere-se que, mesmo com a orientação de falsear as respostas ao Teste de Rorschach, o alcance do padrão de respostas de alteração do pensamento do espectro esquizofrênico revelou-se árduo. Da mesma forma, ocorreu com a soma ponderada dos códigos cognitivos (WSumCog), porém, estes demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Nas variáveis referentes aos códigos de representação humana do R-PAS, evidenciou-se o aumento das frequências de representação humana boa GHR, e a diminuição da frequência PHR, nos simuladores. Esse achado reflete que, apesar das investidas por falsear as respostas, os sujeitos diferem de pacientes esquizofrênicos quanto a prejuízos na competência interpessoal, aspecto esse apontado como problemático nos quadros psicopatológicos de cunho psicótico (Exner & Sendín, 1999; Meyer et al., 2011; Resende & Argimon, 2012; Vieira & Vilemor-Amaral, 2015). Contudo, somente a variável GHR evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

Em relação às frequências de respostas de mutualidade e autonomia, houve, no grupo de simuladores, um aumento das frequências de respostas patológicas sobre as saudáveis. Meyer et al. (2011) destacam que o aumento de MAP acentua uma tendência a atribuição de características negativas, destrutivas às relações sociais. Esse aspecto reflete o próprio imaginário popular e estigmatizante do paciente psiquiátrico e vai ao encontro com estudos anteriores que revelaram a busca por respostas de agressividade nas relações interpessoais nas investidas por simular sintomas de transtornos psiquiátricos (Albert et al., 1980; Seamons et al., 1981). Entretanto, cabe ressaltar que apenas as respostas de MAH evidenciaram diferenças estatisticamente significativas e de alta magnitude entre os grupos.

Os achados referentes à variável CritCont%, embora evidenciem maior frequência para o grupo de simuladores, não apresenta diferença estatisticamente significativa entre os grupos. O aumento dessa variável que contempla códigos denominados críticos no sistema R-PAS e no caso de elevação dessa variável, uma das suspeições descrita por Meyer et al. (2011), alerta para o exagero ou fingimento de perturbação no teste. Os conteúdos contemplados nessa variável (MOR, AGM, An, Bl, Ex, Fi e Sx) são utilizados nos casos de simulação como meio de expressar uma imagética de respostas imprecisas, muitas vezes censuradas nas relações sociais em geral e dramáticas, associando-se com traumas, abusos e propensões dissociativas (Ganellen et al., 1996; Meyer & Deitsch, 1995; Meyer et al., 2011; Netter & Viglione, 1994). Um dado relevante e estatisticamente significativo deste estudo, refere-se ao aumento na variável Complexity para o grupo de simuladores.

Vieira e Villemor-Amaral (2015) relatam que essa é uma variável em que há comprometimento em quadros do espectro esquizofrênico. Chamou a atenção o aumento exacerbado dessa variável na tentativa de manipular as respostas ao Rorschach. Meyer et al. (2011) explicam que os altos níveis de repostas de complexidade psicológica podem caracterizar um estilo dramatizado perturbado. Nesses casos, a utilização de respostas complexas, dramáticas e violentas de modo elevado pode evidenciar exageros e simulação.

As medidas de perturbação do pensamento e gravidade psicológica (EII-3) e de desorganização do pensamento (TP-Comp) não demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Contudo, evidencia-se que o grupo de simuladores apresentou um desempenho de prejuízo de pensamento superior aos pacientes esquizofrênicos, em que comumente essa variável mostra-se disfuncional, conforme reiterado por Vieira e Villemor-Amaral (2015). Entretanto, como se observou na Tabela 1, o TP-Comp encontra-se com frequência maior no grupo de pacientes. Cabe ressaltar que ambas variáveis combinam aspectos referentes à forma e ao conteúdo, porém o EII-3 engloba em seu conjunto de conteúdos aqueles denominados críticos. Assim, infere-se que a variável EII-3 permitiria níveis mais altos em casos de simulação.

As médias do desempenho dos grupos na MIS também foram comparadas, pacientes com M = 19,31 e DP = 3,98 e os simuladores com M = 17,42 e DP = 6,42, porém não foram demonstradas diferenças estatisticamente significativa t = 1,507, p = 0,141. Esses dados possibilitaram inferir a possibilidade de simulação de pensamento mágico, em medida de autorrelato, sendo este um dos indicadores de quadros psicóticos (Vieira et al., 2016; Viera & Villemor-Amaral, 2015).

Com vistas à verificação de possível associação entre o escore bruto do IOP-29 e as médias no EII-3 e TP-Comp, verificou-se a significância do coeficiente de correlação r de Pearson. Desse modo, buscou-se correlacionar uma medida de simulação, que avalia a produção consciente de problemas, com os domínios do R-PAS sensíveis na identificação de problemas do pensamento, juízo ou percepção, relacionados à severidade psicopatológica, como as perturbações psicóticas. De modo semelhante, essa análise foi utilizada para verificar a magnitude da associação entre as médias do IOP-29 com o escore bruto da MIS, que avalia pensamento mágico. As correlações descritas estão expressas na Tabela 2.

Os resultados, descritos na Tabela 2, demonstraram que há uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre simulação e a presença de pensamentos mágicos. Desse modo, quanto maior a pontuação do IOP-29, maior o escore bruto da MIS. Assim, ao simular sintomas de transtornos mentais do espectro esquizofrênico, os sujeitos tendem a produzir pensamentos mágicos, o que reitera os achados de Vieira et al. (2016) acerca da presença de pensamentos no diagnóstico nosográfico de esquizofrenia.

Contudo, a associação entre simulação, prejuízos e comprometimento do ego revelaram-se de pequena magnitude e não significativas estatisticamente. Essas variáveis são destacadas como indicadores de severidade psicopatológica, em especial nos quadros de esquizofrenia (Meyer et al., 2011; Vieira & Villemor-Amaral, 2015). Esse achado coincide com os postulados dos manuais diagnósticos que afirmam que a simulação não se caracteriza enquanto diagnóstico psiquiátrico (APA, 2014; Sadock et al., 2017). Nesse sentido, pode-se inferir que, por mais que o sujeito se esforce em demonstrar-se mentalmente perturbado e consiga distorcer suas respostas no Teste de Rorschach, o alcance dos níveis de respostas que evidenciam e caracterizam esse quadro ainda são difíceis de atingir.

 

Considerações Finais

A proposta deste estudo consistiu em verificar como, diante da possibilidade de simular sintomas de esquizofrenia no Método de Rorschach, ocorreria a distorção das respostas deles. Cabe destacar que foram selecionadas somente as variáveis no R-PAS apontadas como importantes no diagnóstico de quadros esquizofrênicos. Embora muitas variáveis não evidenciaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (paciente e simuladores), um achado curioso chamou a atenção. Os resultados obtidos demonstraram que, mesmo diante da busca por manipular a testagem psicológica, os simuladores não conseguiram distanciar-se da própria precisão perceptiva, mantendo alguns aspectos formais e estruturais saudáveis.

Cabe destacar que alguns vieses merecem atenção nas considerações dos resultados deste estudo. Os dados utilizados foram coletados por examinadores diferentes, assim como os participantes foram convidados a simular, não possuindo um incentivo externo voltado à obtenção de algum benefício, aspecto este caraterizante da simulação. Ademais, é preciso considerar o tamanho da amostra, com apenas 40 participantes simuladores.

As limitações deste estudo reiteram a necessidade de mais pesquisas com essa temática com diferentes grupos controle. Ressalta-se que o diagnóstico de esquizofrenia não é o único simulado, outros quadros também merecem ser investigados, tanto no sistema R-PAS, quanto em outros sistemas de avaliação e interpretação do Teste de Rorschach. Salienta-se, ainda, que a busca por indicadores de simulação mostra-se relevante e de fundamental importância para os rorchachistas. Contudo, é preciso considerá-lo como mais um fator disponível para os avaliadores desse método, e não como um indicador absoluto.

 

Agradecimentos

Não há menções.

Financiamento

A presente pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento sendo custeada com recursos dos próprios autores.

Contribuições dos autores

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante razoável solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Armante Campos Guimarães Neto
Rua 06, N 543, Vila Amália
Rio Verde- GO, CEP: 75906-251.
E-mail: armanterv@gmail.com
Telefone: (62) 983279052

Recebido em janeiro de 2020
Aprovado em julho de 2020

 

 

Sobre os autores:
Armante Campos Guimarães Neto é psicólogo (PUC-GO), mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco (USF). Atualmente é docente efetivo do curso de Medicina do Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES).
Anna Elisa de Villemor Amaral é doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM), com pós-doutorado na Universidade da Savoia/ França. Professora Associada Doutora, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco.
Philipe Gomes Vieira é psicólogo clínico, doutor em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica voltada à Saúde Mental (USF), tendo parte do doutorado sido realizado nos Estados Unidos (Alliant International University - San Diego, CA). Atualmente é professor na especialização em Avaliação Psicológica do IPOG.
O artigo é derivado da dissertação de mestrado de Armante Campos Guimarães Neto, com orientação de Anna Elisa de Villemor Amaral, defendida em 2018 no programa de pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco - USF.

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