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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.21 no.3 Campinas July/Sept. 2022

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2103.ed 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Karina da Silva OliveiroI; Mônia Aparecida da SilvaII

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil https://orcid.org/0000-0002-5301-7012
IIUniversidade Federal de São João del Rei, São João del Rei-MG, Brasil https://orcid.org/0000-0002-8840-7547

 

 

A Avaliação Psicológica é, indiscutivelmente, uma das áreas mais transversais na formação e na atuação de profissionais da Psicologia. Isto porque, é por meio do emprego de estratégias como da observação, da entrevista (em suas variadas formas), dos testes psicológicos e daqueles não exclusivos da psicologia, e do encontro de saberes estruturados em forma de relatórios e de demais documentos técnicos, que as informações sobre o funcionamento de um indivíduo, ou grupo de indivíduos, ou mesmo a estrutura de um construto, são acessados. Desta forma, nota-se que tanto o fazer psicológico, quanto a construção do conhecimento psicológico perpassam por ações típicas de processos avaliativos. Além disso, a avaliação psicológica é uma especialidade da multiplicidade, em que diferentes conhecimentos precisam ser integrados, tanto da psicologia, quanto de outras especialidades profissionais. Sendo assim, o saber da área é muito abrangente, demandando dos profissionais constante atualização e dedicação aos estudos.

Ciente deste caráter transversal, sobretudo, no que tange à realidade nacional, o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) foi organizado visando promover o desenvolvimento da área, tendo como alvo alcançar critérios científicos mais elevados. Com isso, a área de avaliação psicológica foi uma das que mais avançou e se qualificou na psicologia brasileira nas últimas décadas (Faiad et al., 2019). Desde 1997, tem sido foco de atuação do IBAP ações voltadas ao refinamento dos processos de validação de técnicas e de procedimentos avaliativos, além de iniciativas voltadas para o fortalecimento da prática de avaliação psicológica no Brasil. Ao longo destes 25 anos de existência, a missão do IBAP tem sido praticada através da construção de espaços de comunicação científica de alta qualidade, como o Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica, que em 2023 estará em sua 11a edição. Os congressos são reconhecidamente espaços de convivência, troca de conhecimentos, e um momento que oportuniza parcerias entre pesquisadores, promove a divulgação da ciência nacional e a internacionalização. Na mesma direção, a Revista Avaliação Psicológica, um periódico oficial do IBAP, não apenas é um meio de comunicação relevante dos achados em avaliação psicológica, mas favorece a divulgação das atualizações e dos refinamentos requeridos e necessários à uma ciência que avança em frente aos inúmeros desafios experimentados. São também ações do IBAP a condução da Jornada de Avaliação Psicológica que está em sua segunda edição, e a coleção IBAP de livros que conta com obras importantes que colaboram com a interface entre a pesquisa e a prática profissional.

Cabe destacar que o IBAP não realiza estas ações de forma isolada, desde seu início, busca desenvolver relacionamentos colaborativos com diferentes entidades da área da Psicologia e da avaliação psicológica, assim como, com o Sistema Conselhos. Ao longo destas décadas de parcerias tem-se o envolvimento do IBAP na organização e no contínuo refinamento dos critérios de avaliação dos testes psicológicos. Paralelo ao grande avanço da psicometria nas últimas décadas, que agregou maior rigor à construção dos instrumentos, o IBAP fortaleceu ações para ampliar a qualidade dos processos avaliativos e legislar sobre o uso de diferentes instrumentos e sobre os procedimentos envolvidos na avaliação psicológica. Durante a pandemia da COVID-19, o IBAP colaborou com o processo de esclarecimento e de orientações ao enfrentamento dos desafios tocantes à área. Também se destaca o envolvimento do IBAP nas ações de enfrentamento da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 3481, que dá acesso amplo aos conteúdos dos testes psicológicos a não psicólogos.

Estas ações e processos desenvolvidos pelo IBAP nos últimos 25 anos têm sido conduzidas por gerações de pesquisadores e de profissionais que são referência na formação de muitos estudantes, no âmbito da graduação e pós-graduação brasileira, nos setores público e privado. Em nossa formação, tivemos o privilégio de conviver e de aprender com pesquisadores cujas histórias profissionais e acadêmicas são comprometidas com a área e se alinham aos valores e à missão defendidos pelo IBAP. Muitos deles são professores doutores que se envolveram na organização do instituto. Por meio da filiação como sócios do IBAP, podemos acompanhar de forma próxima a atuação desse sólido instituto, bem como participar ativamente de muitas iniciativas para o fortalecimento da área de avaliação psicológica no Brasil. Desta forma, entendemos ser um privilégio colaborar com este processo e com este legado.

Conforme exposto, foram incontáveis as conquistas e ações realizadas desde a fundação do IBAP. Mas também é necessário ponderar que existem desafios que envolvem questões atuais e emergentes que podem, e devem, ser assumidas pelas novas gerações de pesquisadores da área enquanto pauta de debates, reflexões e propostas resolutivas. Neste sentido, gostaríamos de elencar alguns destes desafios.

O ensino da avaliação psicológica, embora não seja um desafio específico das novas gerações, tendo em vista que permeou e permeia os diferentes momentos históricos da área, é um tema relevante para os profissionais que estão iniciando suas trajetórias e que deve ser foco de zelo e cuidado. Isto porque, é necessário que a formação de novos profissionais aponte para valores científicos e éticos que são inegociáveis no exercício da profissão (Noronha & Santos, 2021). Na mesma direção, é relevante que, desde os primeiros contatos com a avaliação psicológica, os estudantes sejam apresentados ao caráter processual e integrativo desta prática, em um raciocínio científico e pautado nas evidências mais recentes e relevantes, não somente voltados às qualidades psicométricas dos testes, mas também sobre a qualidade da integração teórica entre as diferentes áreas da atuação psicológica (Bonstein, 2016).

Outro desafio que deve ser entendido como foco desta geração refere-se à relação irrevogável entre a avaliação psicológica, as tecnologias e as práticas remotas. Tradicionalmente, as avaliações eram realizadas em espaços presenciais, com emprego de técnicas apresentadas em formato de lápis e papel (Primi, 2018). Entretanto, em decorrência da pandemia da COVID-19, o contexto remoto e a intensificação do uso das tecnologias implicaram em mudanças na condução das atividades avaliativas que precisaram ser rapidamente adaptadas (Zanini et al., 2021). Diante disso, questões importantes emergiram, como a necessidade da investigação da equivalência dos diferentes formatos de apresentação dos testes, isto é, lápis e papel e aplicação informatizada, ou ainda, aplicação remota (CFP, 2018). Para além disso, nota-se que a relação entre a avaliação psicológica e o uso das tecnologias certamente trará alterações e exigirá adaptações, notadamente, no trabalho de pesquisadores e de professores das disciplinas de avaliação psicológica. Além disso, diretrizes devem ser reforçadas em face às adaptações dos profissionais da psicologia à prática remota de trabalho no contexto pós pandêmico. Com a flexibilização de algumas práticas ao formato remoto pelos órgãos oficiais, como o Sistema Conselhos, regulamentações para a condução da avaliação psicológica de maneira ética e segura são necessárias para a prática, ensino e supervisão à distância (Marasca et al., 2020).

Ainda, é necessário refletir sobre os desafios relacionados à justiça social na condução de processos avaliativos e no desenvolvimento das técnicas de avaliação. Conforme apontado por Bueno e Peixoto (2018) a área possui um relevante compromisso com a sociedade, que fica evidenciado nos impactos decorrentes da participação em processos avaliativos. Neste sentido, o contínuo compromisso em garantir e promover os Direitos Humanos deve ser foco das ações fomentadas pela área. Destaca-se neste contexto, a necessidade de estudos que contemplem adaptações a populações com deficiências físicas e visuais (por exemplo), e a defesa de que as normas dos instrumentos psicológicos não fundamentem discursos preconceituosos ou negligenciem populações específicas, dentre outras questões (Campos et al., 2022).

Por fim, um último desafio precisa ser destacado: as adaptações necessárias para a diminuição dos impactos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3481. Desde 2003, em função da Resolução CFP 02/2003 (posteriormente revogada pela Resolução CFP 09/2018), a comercialização dos testes psicológicos era restrita aos profissionais da psicologia. Esta resolução tinha como objetivo proteger a sociedade e a validade das técnicas. Entretanto, a partir de 2022, esta restrição deixou de ter valor, de modo que não psicólogos podem ter acesso irrestrito às técnicas de avaliação psicológica. Diante deste cenário, é urgente que, enquanto área, venhamos a propor estratégias que cumpram os objetivos das referidas resoluções, isto é, de proteger a sociedade e a validade dos testes, paralelamente ao cumprimento das normas impostas pelo julgamento da ADI 3481 (Zanini et al., 2021).

Ao celebrar os 25 anos de história do IBAP, reconhecemos o árduo e zeloso trabalho deste instituto, representado pelos profissionais que colaboraram em nossa formação e pavimentaram caminhos importantes para o avanço da área. A reflexão sobre o presente e o futuro, com suas vitórias e desafios, reforça a nossa responsabilidade, enquanto professores e pesquisadores da área, em contribuir com a história da avaliação psicológica brasileira. Para concluir, idealmente, a dedicação à área de avaliação psicológica deve fomentar a busca incessante da profundidade teórica, da prática qualificada e ética, capaz de promover os direitos humanos e combater o preconceito, a discriminação e as diferentes formas de opressão. Que possamos, juntos com o IBAP, utilizar a avaliação psicológica para transformar vidas de maneira positiva.

 

Referências

Bornstein, R. F. (2016). Evidence-Based Psychological Assessment.Journal of Personality Assessment, 99(4), 435-445. https://doi.org/10.1080/00223891.2016.1236343 10.1080/00223891.2016.1236343        [ Links ]

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Faiad, C., Pasquali, L., & Oliveira, K. L. (2019). Histórico da avaliação Psicológica no mundo. In M. N. Baptista, M. Muniz, C. T. Reppold, C. H. S. S., Nunes, L. F., Carvalho, R. Primi, A. P. P. Noronha., A. G. Seabra., S. M. Weschler., C. S. Hutz., & L. Pasquali (Orgs.), Compêndio de Avaliação Psicológica (pp.111-121). Vozes.         [ Links ]

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Zanini, D. S., Reppold, C. T., Muniz, M., Noronha, A. P P, & Rueda, F. J. M. (2021). Por Que Regulamentar o Uso e Acesso aos Testes Psicológicos? Avaliação Psicológica, 20(3), 390-399. https://doi.org/10.15689/ap.2021.2003.22437.13        [ Links ]

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