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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.21 no.3 Campinas July/Sept. 2022

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2103.21283.07 

ARTIGOS

 

Atitudes quanto as normas não equitativas de gênero: propriedades psicométricas da versão curta de uma subescala da gender equitable men

 

Attitudes regarding non-equitable gender standards: psychometric properties of the short version of a gender equitable men subscale

 

Actitudes acerca de las nomas de género no equitativos: propiedades psicométricas de la versión corta de una subescala de la gender equitable men

 

 

Berenice MoreiraI; Marcos Pascoal PattussiII; Tonantzin Ribeiro GonçalvesIII

IUniversidade de Rio Verde, Rio Verde-GO, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-4077-8952
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-2947-4229
IIIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0249-3358

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo objetivou validar a versão curta de uma subescala da Gender Equitable Men (GEM) em universitários da área da saúde. A escala original possui 24 itens e avalia atitudes quanto às normas de gênero equitativas e não equitativas em relacionamentos íntimos. A partir de uma amostra censitária de 2.295 universitários da área da Saúde do Centro-Oeste brasileiro, foram realizadas análise fatorial exploratória (AFE) por meio de correlações policóricas com rotação direct Varimax e análise fatorial confirmatória (AFC) por meio da técnica de Modelagem por equações Estruturais. Outros 347 estudantes participaram na avaliação da estabilidade teste-reteste. A solução unifatorial com oito itens encontrada na AFE se mostrou satisfatória (χ220=47,733; p<0,005; CFI=0,988; RMSEA=0,025[0,016-0,034]; SRMR=0,045), assim como na AFC (RMSEA=0,025; CFI=0,988; SRMR=0,033), obtendo-se α de Cronbach geral de 0,99. O modelo final apresentou bom ajuste e houve indícios de estabilidade moderada. A subescala da GEM versão-curta apresentou evidências de validade e fidedignidade, permitindo a avaliação de normas de gênero em adultos escolarizados com número reduzido de itens.

Palavras-chave: psicometria; estudantes; normas de gênero.


ABSTRACT

The study aimed to validate the short version of a subscale of the Gender Equitable Men (GEM) Scale with healthcare university students. The original scale has 24 items and assesses equitable and inequitable gender norm attitudes in intimate relationships. With a sample of 2,249 students in the health area of a university in the central west of Brazil, exploratory factor analysis (EFA) was performed using polychoric correlations with direct Varimax rotation and confirmatory factor analysis (CFA) using the Structural equation modeling technique. Another 347 students participated in the test-retest stability assessment. The single-factor solution with eight items was satisfactory in the EFA (χ220=47.733; p<.005; CFI = .988; RMSEA=.025[.016-.034]; SRMR=.045), and in the CFA (RMSEA=.025; CFI = .988; SRMR=.033), obtaining a general Cronbach's α of .99. The final model presented a good fit and there were signs of moderate stability. The GEM short-version subscale presented evidence of validity and reliability, which allows the assessment of gender norms in university educated adults with a reduced number of items.

Keywords: psychometrics; students; gender norms.


RESUMEN

El estudio tuvo como objetivo validar la versión corta de una subescala de la Gender Equitable Men (GEM) en estudiantes universitarios del área de la salud. La escala original de 24 ítems evalúa las actitudes hacia las normas de género equitativas y no equitativas en las relaciones íntimas. A partir de una muestra censal de 2.295 estudiantes universitarios del área de la salud de la región Centro-Oeste brasileño, se realizó un análisis factorial exploratorio (AFE) mediante correlaciones policóricas con rotación Varimax directa y un análisis factorial confirmatorio (AFC) mediante la técnica de Modelo por ecuaciones Estructurales. Otros 347 estudiantes participaron en la evaluación de la estabilidad test-retest. La solución de un factor con ocho ítems encontrados en el AFE resultó satisfactoria (χ220=47.733; p<0.005; CFI=0.988; RMSEA=0.025 [0.016-0.034]; SRMR=0.045), así como en el AFC (RMSEA=0,025; CFI=0,988; SRMR=0,033), obteniendo un α de Cronbach general de 0,99. El modelo final presentó un buen ajuste y hubo signos de estabilidad moderada. La subescala GEM de versión corta presentó evidencia de validez y confiabilidad, lo que permitió la evaluación de las normas de género en adultos escolarizados con un número reducido de ítems.

Palabras clave: psicometría; estudiantes; normas de género.


 

 

As normas de gênero são definidas como um conjunto de prescrições, crenças, papéis e regras sociais que determinam o comportamento humano e estão associados à masculinidade e feminilidade em cada cultura (Ridgeway, 2009). Estas normas moldam a maneira como homens e mulheres interagem, formam relacionamentos e se envolvem em práticas sexuais e reprodutivas, bem como na maioria dos comportamentos sociais (Kagesten et al., 2016).

Quando indivíduos ou determinados grupos de pessoas não se adéquam às normas de gênero predominantes, frequentemente enfrentam estigma, práticas discriminatórias ou exclusão social, situações que afetam negativamente a saúde (Scott et al., 2014) e pode promover papéis e responsabilidades desiguais de gênero (Pulerwitz et al., 2010). As desigualdades de gênero se apoiam em múltiplas configurações organizadas hierarquicamente e estruturadas em linhas de dominação de gênero (de homens sobre mulheres, de homens poderosos sobre aqueles com menor poder, de homens adultos entre os mais jovens, etc.) (Connell & Messerschmidt, 2005). Essa hierarquia identifica uma posição masculina dominante denominada masculinidade hegemônica. Esta posição geralmente está associada à subordinação das mulheres, no geral, e de homens que não se adéquam à norma social dominante (heterossexual) e hegemonia de classe e cor (ricos e brancos) (Connell & Messerschmidt, 2005).

Estas dinâmicas de poder resultam em relações sociais em que as mulheres possuem menos autonomia e influência do que os homens na determinação das relações sexuais, situações que as deixam vulneráveis a violência e em desvantagem em termos de risco para a aquisição de HIV e Infecções Sexualmente Transmissíveis - IST (Pulerwitz et al., 2002). O apoio a normas não equânimes, além de reforçar as desigualdades de gênero, dificulta as mulheres negociarem práticas sexuais seguras inclusive o uso de preservativo, principalmente em países em que as desigualdades econômicas, sociais e culturais estão presentes em grande escala (Alves & Corrêa, 2009; Ncube, 2010). Para os homens, as normas desiguais estimulam o controle masculino sobre as mulheres e aumentam a sensação de domínio e virilidade (Hunter, 2005; Jewkes & Morrell, 2010).

As normas e atitudes de gênero e sua associação com comportamentos sexuais têm sido estudadas em vários países e diferentes escalas foram construídas para compreender como estas normas se associam ao comportamento sexual e a violência por parceiro íntimo. Em geral, as escalas abordam aspectos como adesão aos papeis de gênero, crenças e atitudes. A Gender Equitable Men (GEM) é uma escala que avalia atitudes relacionadas às normas de gênero equitativas e não equitativas em relacionamentos íntimos (Pulerwitz et al., 2007). A GEM foi desenvolvida como parte de um projeto realizado no Brasil pelo Programa Horizons, com sede em Washington-EUA, e pela Promundo, organização não governamental brasileira, para avaliar o impacto de intervenções para mudanças de atitudes de homens jovens quanto as normas de gênero e à redução do risco de HIV/ AIDS e gravidez, à violência de gênero e aos relacionamentos sexuais (Pulerwitz et al., 2007).

A GEM foi originalmente concebida com 35 itens e o estudo de validação da escala para o Brasil incluiu uma amostra de 223 jovens de 15 a 24 anos (Pulerwitz & Barker, 2008). Os itens inicialmente carregaram em três fatores, porém, o terceiro fator apresentava cargas fatoriais muito baixas (<0,35) e foi eliminado. A análise fatorial final foi realizada com 24 itens retidos os quais carregaram em dois fatores: o primeiro avaliando as atitudes de gênero não equitativas em relação a homens e mulheres, com 17 itens; e o segundo, avaliando as atitudes em relação as normas de igualdade de gênero, com 7 itens. As duas subescalas contemplam cinco domínios temáticos: (1) violência, (2) relações sexuais, (3) saúde reprodutiva e prevenção de doenças, (4) tarefas domésticas e cuidado dos filhos e (5) homofobia e relacionamento com outros homens (Pulerwitz & Barker, 2008). Os itens explicaram cerca de 35% da variância nas respostas, com 22% para o fator das atitudes de gênero não equitativas e 13% para o das equitativas. A consistência interna dos dois fatores atingiu alfa de Cronbach de 0,85 e 0,77, respectivamente, com 0,81 para a escala total. O apoio a normas equitativas (ou seja, pontuações mais altas na GEM) foi significativamente associado a menor relato de violência por parceiro íntimo, maior uso de anticoncepcionais e nível de educação mais alto (Pulerwitz & Barker, 2008).

Embora a escala GEM tenha sido originalmente desenvolvida para homens em comunidades de baixa renda (Barker, 2000), apresentou evidências de validade em universitários no Irã (Najmabadi et al., 2019) e entre homens e mulheres no Gana (Addo & Berchie, 2021). No Irã, o estudo de validade e confiabilidade da versão persa da GEM, com uma amostra de 232 homens universitários de enfermagem, identificou um bom ajuste do modelo com dois fatores (CFI = 0,93; GFI = 0,90; AGFI = 0,80; RMSEA=0,07; razão χ2/ gl=2,53). A consistência interna foi aceitável com alfa de Cronbach geral de 0,79 (Najmabadi et al., 2019). O estudo no Gana avaliou as propriedades psicométricas da GEM entre 200 homens e 200 mulheres com idades entre 18 e 55 anos, tendo encontrado consistência interna de 0,84 e a adequação geral (Addo & Berchie, 2021). A GEM também foi utilizada em estudos para avaliar atitudes e práticas relacionadas ao gênero em oito países de baixa e média renda como no Brasil (α=0,89), Chile (α = 0,67), México (α = 0,70), Índia (α = 0,75), Bosnia (α = 0,85), Croácia (α = 0,83), Republica Democrática do Congo (α=0,76) e Ruanda (α=0,99), por meio da Pesquisa Internacional de Homens e Igualdade de Gênero (Levtov et al., 2014).

Os estudos que avaliaram as propriedades psicométricas da GEM contemplaram a escala completa com os 24 itens, não sendo encontrado nenhum estudo com versões reduzidas. Embora uma escala com 24 itens não seja considerada extensa, em estudos com grandes populações e que envolvam muitas variáveis analisadas simultaneamente, como pesquisas de base populacional, essa quantidade de itens pode se tornar demasiada, dificultando investigar a associação das atitudes quanto às normas de gênero com diversos comportamentos de saúde. Nessa perspectiva, este estudo objetivou avaliar a consistência interna, a validade de construto e a confiabilidade teste-reteste da versão curta da subescala de atitudes quanto as normas de gênero não equitativas em estudantes universitários de cursos da área da saúde.

 

Método

Participantes

Estudo do tipo metodológico com abordagem quantitativa. O estudo envolveu 2.249 estudantes da área da saúde (cursos de medicina, fisioterapia, enfermagem, odontologia, farmácia e educação física) com 18 anos ou mais, de ambos os sexos, de uma universidade do Centro-Oeste brasileiro, participantes de um projeto maior de pesquisa cujo objetivo foi avaliar as condições de saúde e fatores associados nessa população no ano de 2018. A análise fatorial exploratória (AFE) e confirmatória (AFC) foi realizada com toda essa amostra. Em 2019, foi realizada uma nova coleta de dados com uma amostra de 347 estudantes de medicina para participarem da etapa de teste-reteste.

Instrumento

Foi aplicado um questionário padronizado, pré--codificado e pré-testado contendo variáveis sociodemográficas (idade, sexo, raça/cor, situação conjugal, moradia, trabalho), classe econômica, cursos e os dez itens da subescala normas não equitativas da GEM.

A GEM contém 24 itens que referem-se a atitudes de gênero relacionadas ao trabalho doméstico, cuidado da criança, sexualidade, relações sexuais, saúde e prevenção de doença reprodutiva, violência e homofobia (Pulerwitz et al., 2007). Os itens são respondidos em uma escala tipo likert onde, 1=concordo, 2=concordo parcialmente e 3=não concordo. Alguns itens necessitam inversão da pontuação. As respostas são somadas, obtendo-se a pontuação total da escala em que pontuações altas representam um alto suporte para normas de igualdade de gênero (Pulerwitz & Barker, 2008). Para a subescala normas equitativas (7 itens) o mínimo é 7 pontos e o máximo 21. Para a subescala de normas não equitativas (17 itens) o escore varia de 17 a 51. Como opção de codificação, a escala GEM contínua foi dividida em três partes iguais: em suporte "alto" (48-72), "moderado" (24-47) e "baixo" (1-23) para normas de gênero equitativas (Pulerwitz & Barker, 2008).

Procedimentos

A coleta de dados do projeto maior foi realizada por uma equipe de pesquisa treinada em novembro de 2018. Já a coleta de dados para a fidedignidade do teste-reteste ocorreu em novembro de 2019 e 14 dias depois. Em ambos os momentos (2018 e 2019), os universitários foram abordados em sala de aula, receberam o questionário de pesquisa e duas cópias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os instrumentos foram lidos em voz alta pelo pesquisador responsável para facilitar a resposta, dirimir dúvidas e minimizar casos ausentes nas variáveis estudadas. Aqueles que aceitaram participar do estudo assinaram duas vias do TCLE, ficando com uma cópia. Após o término do preenchimento, o questionário era depositado em uma urna lacrada.

Este estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade (CEP) da Universidade do Vale dos Sinos - UNISINOS e da Universidade de Rio Verde - UniRV (CAAE: 97545818.2.0000.5344), obedecendo as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Análise de dados

Para compor a versão curta da subescala normas não equitativas, selecionaram-se 10 itens entre os 17 dessa subescala, os quais constam na solução final da validação da escala para o Brasil (Pulerwitz & Barker, 2008). Na seleção dos itens foram considerados aqueles com maior carga fatorial e maior possibilidade de diferenciar padrões quanto as normas de gênero, conforme demonstrado no estudo de validação no Brasil (Pulerwitz & Barker, 2008).

Incialmente, foi realizada dupla entrada de dados no programa EpiData versão 3.1 e posterior validação de modo a eliminar erros de digitação. As variáveis sociode-mográficas e econômicas foram analisadas por meio de estatística descritiva incluindo médias, desvios-padrão, frequências relativas e absolutas no programa STATA 15.0. Em seguida, realizou-se no programa MPLus versão 8.4 a AFE e a AFC considerando a amostra total.

A AFE foi realizada por meio do método de extração dos fatores com o estimador de mínimos quadrados ponderados robustos (WLSMV - Weighted Least Squarest Mean and Variance Adjusted), declarando as variáveis como categóricas, link PROBIT, e utilizando a rotação fatorial oblíqua Geomin, que permite a correlação entre os fatores (Hair Junior et al., 2009). Para a AFC utilizou-se o mesmo método de estimação.

Para verificar o ajustamento dos modelos testados tanto na AFE quanto na AFC os seguintes parâmetros foram utilizados: do Quiquadrado (χ2), Standardized Root Mean Square Residual (SRMR), Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), o Comparative Fit Index (CFI) e o TuckerLewis index (TLI). O Quiquadrado (χ2) avalia a diferença entre a matriz empírica e a matriz do modelo teórico, sendo aceitável quanto o valor do χ2 não significativo (p-valor >0,05, ou seja, aceita a hipótese nula) e quanto menor o valor, melhor o ajuste. Para o SRMR aceita-se valores inferiores a 0,08 e inferiores a 0,05 são adequados, enquanto para o RMSEA inferiores a 0,10 são considerados aceitáveis e inferiores a 0,06 adequados (Byrne, 2011). Quanto ao CFI e TLI valores superiores a 0,90 são aceitáveis e superiores a 0,95 adequados (Brown, 2015; Weston et al., 2008). A inclusão de covariâncias para melhoria do ajuste foi verificada por meio do índice de modificação theta, porém, somente adicionadas na AFC no caso de plausibilidade teórica.

A consistência interna da versão curta da subescala da GEM foi medida pelo índice de α de Cronbach, sendo considerados aceitáveis valores iguais ou superiores a 0,6 para cada dimensão (Hair Junior et al., 2009).

A estabilidade teste-reteste de cada um dos itens da escala foi testada pelo percentual total de concordância e coeficiente Kappa (κ), ambos brutos e ponderados. Os valores de referência para o Kappa são os que seguem: igual a zero não existe Concordância; de 0,1 a 0,20 concordância mínima; de 0,21 a 0,40 concordância razoável; de 0,41 a 0,60 concordância moderada; de 0,61-0,80 concordância substancial e 0,81 a 1,0 concordância perfeita ou quase perfeita) (Landis & Koch, 1977).

Por fim, foi realizado o estudo da estabilidade teste-reteste da versão curta da subescala da GEM. As análises foram realizadas considerando-se o desfecho contínuo a partir do somatório dos oito itens categóricos. A normalidade enquanto variável contínua foi testada através de histogramas e do teste Kolmogorov-Smirnov e mostrou-se assimétrica mesmo após transformação logarítmica. Portanto, foi realizada análise não paramétrica com o teste de Wilcoxon. O Coeficiente de Correlação Intra-Classe (CCI) também foi calculado. Com relação aos itens individuais sua concordância entre os momentos do teste e no reteste foi testada através do percentual total de concordância, do coeficiente Kappa (κ) e do coeficiente Kappa ponderado com pesos pré-definidos pela função wgt (w) no programa STATA 15.0.

 

Resultados

Participaram do estudo 2.295 universitários da área da saúde de uma universidade do Centro-Oeste brasileiro, de ambos os sexos e com 18 anos ou mais. A amostra do teste-reteste foi constituída de 347 estudantes de medicina do ano de 2019. Como mostra a Tabela 1, a maioria dos acadêmicos incluídos no presente estudo era do sexo feminino (69,5%), de cor da pele branca (57,4%) e sem companheiros (87,6%). Muitos declararam morar com familiares ou esposo (a) (52,8%), grande parte era das classes econômicas A (42,5%) e B (41,9%). A idade média dos universitários foi de 22,7 anos (dp=3,94), 21,34 (dp =3,53) das amostras de 2018 e teste-reteste (2019) respectivamente.

Inicialmente, realizou-se a AFE no modelo proposto com os 10 itens e dois fatores e os resultados são apresentados na Tabela 2. A AFE mostrou ajustes aceitáveis para o modelo unifatorial e bifatorial. Entretanto, na comparação dos índices de ajuste, verificou-se melhores resultados para o modelo unifatorial.

Ao avaliar a distribuição das cargas fatoriais, os itens c ("O homem precisa mais de sexo do que a mulher") e item i ("O homem sempre está disposto para transar") apresentaram maiores cargas no fator 2, enquanto os outros itens tiveram maiores cargas no fator 1. Desse modo, optou-se pela exclusão desse segundo fator que era formado por apenas dois itens que se referiam ao comportamento sexual. Assim, restringiu-se a AFE a oito itens e um fator e os resultados, então se mostraram aceitáveis, todos os oito itens atingiram cargas fatoriais superiores a 0,5. Com relação a análise de confiabilidade, o valor de α de Cronbach (0,99) da versão curta da subescala da GEM apresentou boa consistência interna (Tabela 2). Desta forma, a AFC foi realizada com oito itens e um único fator.

A Figura 1 mostra que AFC indicou um modelo de um fator para a versão curta da subescala da GEM. O modelo final obteve resultados satisfatórios para o ajustamento (RMSEA= 0.025, CFI = 0.988 e SRMR=0.033), com exceção do Qui-quadrado significativo (χ2 p = 0.0005).

O Coeficiente de Correlação Intraclasse apresentou valor de 0,36 (IC95% 0,27 a 0,45), ou seja, correlação fraca entre as duas aplicações. Por outro lado, o teste não-paramétrico de Wilcoxon não indicou diferença estatisticamente significativa (p=0,096) entre os escores contínuos do teste e do reteste, demonstrando indícios de estabilidade da escala.

O percentual de concordância bruto e o ponderado entre as duas aplicações foram de 75,2% e 95,5%. Similarmente, os valores do Kappa bruto e do ponderado foram 0,35 e 0,42, indicando concordância moderada. Quando analisadas individualmente as concordâncias de cada item da escala foram encontradas concordâncias para o Kappa bruto que variaram de 0,12 a 0,48 (itens 10 e 2, respectivamente) e uma amplitude de 0,18 a 0,46 para esses mesmos itens no Kappa ponderado (Tabela 3).

 

Discussão

O presente estudo buscou avaliar uma versão curta da subescala sobre atitudes não-equânimes quanto às normas de gênero, analisando evidências de validade e fidedignidade. Com base nos resultados apresentados, a solução final com oito itens, demonstrou propriedades psicométricas aceitáveis, mas com estabilidade fraca a moderada. A solução unifatorial com oito itens encontrados na análise exploratória se mostrou satisfatória, agrupando os itens como esperado e convergindo com o sugerido pelos autores da escala original que propuseram utilizar apenas o fator composto pelas normas não equitativas (Pulerwitz & Barker, 2008). Os parâmetros avaliados indicaram boa adequação da amostra para a análise fatorial, bem como as cargas fatoriais e comunalidades apresentadas pelos oito itens resultaram acima dos níveis mínimos recomendados, sugerindo validade convergente da subescala reduzida.

No estudo de intervenção realizado com homens jovens no Brasil, a GEM completa foi aplicada na linha de base, mostrando uma maior variabilidade nas respostas à subescala de normas não equitativas. Os homens que demostraram maior apoio às normas de gênero não equitativas apresentaram uma probabilidade significativamente maior de relatar sintomas de IST e violência física e sexual contra parceria sexual do que os participantes com maior apoio as normas equitativas (Pulerwitz et al., 2007). Tais evidências coadunam com a ideia de que a subescala de normas não equitativas pode ser usada como medida de normas de gênero em geral, como proposto nesse estudo com uma versão curta.

O índice de consistência interna encontrado na versão reduzida (α de Cronbach de 0,99) foi adequado e indicando que essa medida é consistente com o conceito proposto pela escala original. Tais resultados foram superiores aos encontrados no estudo de validação da versão completa no Brasil (alfas de Cronbach de 0,85 e 0,77) (Pulerwitz & Barker, 2008), com a vantagem de que o reduzido número de itens permite economia de tempo em futuras investigações, sem perda de qualidade.

A AFC confirmou que o modelo hipotético apresenta bom ajuste para a maioria dos testes utilizados, excetuando o Qui-quadrado cujo resultado foi significativo. Quanto a isso, tem sido argumentado que amostras com mais de 250 participantes podem resultar em p-valor significativo, limitando sua utilidade na avaliação da qualidade do ajuste (Hair Junior et al., 2009).

De modo geral, considera-se que os resultados encontrados no presente estudo apontam para a validade da versão reduzida da subescala de normas não equitativas. Nessa direção, entende-se que a escala reduzida mede as atitudes quanto às normas de gênero não equitativas de modo satisfatório, podendo ser utilizada com adultos escolarizados, de modo geral. A vantagem em relação a outras escalas brasileiras, como a BSRI (Hernandez, 2009) e o Instrumento de Papeis de Gênero (Barros et al., 2013), é de enfocar as atitudes quanto as normas de gênero, aspectos que se acredita mais diretamente ligados aos comportamentos de saúde do que a conformação à papeis, que estariam mais associados a identidade de gênero e a características de personalidade. A partir do reconhecimento da centralidade de aspectos estruturais, como as normas de gênero, na determinação das iniquidades relacionadas a morbimortalidade por violência e IST (Gupta et al., 2008), considera-se importante contar com instrumentos que facilitem a avaliação de tendências populacionais.

Por outro lado, a estabilidade da escala pode ser considerada moderada, quando os itens são somados, e fraca, para vários itens individuais. Desse modo, não se recomenda o uso de análises utilizando itens individuais e sim o escore global. Ainda, esses resultados parecem indicar que as atitudes inequânimes quanto às normas de gênero podem ser mais permeáveis a mudanças em nosso contexto social atual, diante do debate recorrente sobre as desigualdades entre homens e mulheres e a violência de gênero.

Dentre as limitações do estudo, destaca-se que embora se tenha partido de uma amostra censitária entre estudantes universitários, os resultados não podem ser extrapolados para a população em geral, a qual pode possuir características diferentes. Desse modo, futuros estudos podem ser realizados com diferentes populações a fim confirmar suas propriedades psicométricas. Além disso, sugere-se que novas pesquisas verifiquem outros indícios de validade da escala considerando, por exemplo, a discriminação de diferentes padrões de comportamentos sexuais preventivos e atitudes quanto aos relacionamentos amorosos.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem aos estudantes que participaram do estudo e ao Instituto Promundo por ter disponibilizado a versão completa da Gender-Equitable Men Scale adaptada para o Português.

Financiamento

O projeto de pesquisa teve financiamento dos próprios autores.

Declaração de participação da elaboração do manuscrito

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, Berenice Moreira e Tonantzin Ribeiro Gonçalves participaram da redação inicial do estudo - conceitualização, investigação, visualização; Berenice Moreira e Marcos Pascoal Pattussi participaram da análise dos dados, e Berenice Moreira, Marcos Pascoal Pattussi e Tonantzin Ribeiro Gonçalves participaram da redação final do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Berenice Moreira
Rua Geraldo Pimenta de Abreu, 39, Parque Bandeirante
75905-750, Rio Verde, GO
E-mail:berenice@unirv.edu.br

Recebido em julho de 2020
Aprovado em setembro de 2021

 

 

Sobre os autores
Berenice Moreira é Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB), doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professora Titular da Faculdade de Enfermagem da Universidade de Rio Verde - UniRV
Marcos Pascoal Pattussi é Master of Science in Dental Public Health pela University College London, PhD in Epidemiology and Dental Public Health pela University College London. Professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UNISINOS.
Tonantzin Ribeiro Gonçalves é Mestre e Doutora em Psicologia (UFRGS), Professora dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Saúde Coletiva da UNISINOS.
Artigo derivado da Tese de Doutorado de Berenice Moreira com orientação de Tonantzin Ribeiro Gonçalves e coorientação de Marcos Pascoal Pattussi, defendida em 18 de junho de 2021 no Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

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