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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.21 no.4 Campinas Oct./Dec. 2022

http://dx.doi.org/10.15689/ap.2022.2104.24065.08 

ARTIGOS

 

Avaliação Psicológica no Brasil: Entrevista com Luiz Pasquali

 

Psychological Assessment in Brazil: Interview with Luiz Pasquali

 

Evaluación Psicológica en Brasil: Entrevista con Luiz Pasquali

 

 

Manuela Ramos Caldas Lins

Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. https://orcid.org/0000-0002-0827-7245

Endereço para correspondência

 

 

A Avaliação Psicológica é uma das áreas mais antigas da psicologia e que mais mostrou avanços ao longo do tempo (Faiad, Pasquali, & Oliveira, 2019; Nakano & Roama-Alves, 2019). Esses avanços dizem respeito ao desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de aspectos conceituais (teorias), instrumentais (instrumentos e análise de dados) e técnicos (orientações normativas e resoluções).

Atualmente, entende-se a Avaliação Psicológica como um processo investigativo, no qual se busca compreender o funcionamento emocional e/ou cognitivo de pessoas ou grupos, com o auxílio de inúmeras ferramentas, como observações, entrevistas e testes psicológicos (Conselho Federal de Psicologia, 2018). Entende-se, logo, que os testes podem vir a compor a avaliação, desde que sejam adequados para o caso e, nessas situações, devem ser interpretados com cautela, em conjunto com as informações advindas de outros instrumentos.

Analisando o percurso da área, percebe-se que esse entendimento mais complexo, abrangente e cuidadoso do que é avaliação e quais ferramentas podem ser utilizadas foi sendo desenvolvido no decorrer dos anos. Por muito tempo, a Avaliação Psicológica foi percebida como sinônimo de testagem psicológica (Andrade & Sales, 2017). Isto é, foi reduzida a uma de suas possíveis etapas, o que levou a muitas interpretações equivocadas e, por conseguinte, intervenções inadequadas, tanto no contexto internacional quanto nacional.

No contexto nacional, mais especificamente, a Avaliação Psicológica passou por vários períodos, marcados desde uma valorização exacerbada dos testes psicológicos até o descrédito total desses instrumentos. De forma geral, pode-se dizer que os testes eram compreendidos como instrumentos capazes de fornecer credibilidade científica à psicologia e começaram a ser construídos e utilizados largamente. Mas esse movimento não foi acompanhado por investimento em pesquisa e produção de material psicometricamente embasado. Em função dessa falta de critérios técnicos, muitas críticas foram tecidas, o que levou a uma rejeição desses instrumentos e, consequentemente, da área. Várias medidas foram tomadas à época visando a melhoria da qualidade dos instrumentos e da formação profissional. Com essas medidas, um movimento de valorização e retomada de credibilidade da área começou a se expandir (Faiad, Pasquali, & Oliveira, 2019; Nakano & Roama-Alves, 2019).

Objetivando compreender as mudanças implementadas no Brasil e os avanços alcançados na área de Avaliação Psicológica, foi entrevistado o professor Luiz Pasquali, doutor em Psicologia pela Université Catholique de Louvain. Ele é um expoente na área, em especial quando se considera a construção de instrumentos psicológicos, sendo um dos percussores no país. Foi responsável pela formação de inúmeros profissionais, pela construção de variados instrumentos e pela publicação de material técnico de qualidade, incluindo diversos artigos, capítulos de livros e livros. Além disso, foi um dos responsáveis pela fundação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), o qual tem sido responsável pelo aperfeiçoamento da área.

Manuela Lins: Professor Pasquali, inicialmente gostaria de dizer que é uma honra realizar essa entrevista. Obrigada por aceitar! Gostaria que o senhor iniciasse falando sobre a sua formação e o seu interesse pela Psicologia.

Luiz Pasquali: Minha formação iniciou nos anos 1940 (apenas no século passado!). A filosofia de meu pai era de que os que gostavam da enxada ficavam na roça e quem não gostava, ia estudar. Como na época havia somente seminários onde estudar, para lá fui mandado. Após passar pelo primário, ginásio e colégio em vários estados do Brasil, me formei em filosofia, teologia e pedagogia. Esta última foi na Universidade Católica de Petrópolis. Depois disso, fui mandado para Roma para completar os estudos em teologia, mas então preferi me mudar para Louvain (Bélgica) para estudar psicologia. Por que Psicologia? Porque ela correspondia melhor à minha tradição educacional de caráter humanista e porque a Université Catholique de Louvain iria reconhecer minha formação em pedagogia como entrada para a faculdade de psicologia. Lá tirei o título de Docteur en Psychologie, em 1970. No ano seguinte fui professor de psicologia no departamento de psicologia no Grand Valley State Colleges de Allendale, Michigan (Estados Unidos, USA) até 1974. Nesse ano, me transferi para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre, para chefiar o mestrado em psicologia daquela universidade. No ano seguinte, fui contratado pela Universidade de Brasília (UnB) para o Departamento de Psicologia, na época pertencendo ao Instituto de Biologia. O objetivo do departamento era criar o mestrado em psicologia. Trabalhei nesse departamento (sendo então Instituto de Psicologia) até a aposentadoria forçada, continuando, entretanto, a ensinar como professor associado até 2019, quando a Covid me afastou!

Manuela Lins: Quando e por quais razões o senhor se aproximou da área de avaliação psicológica? Conte-me um pouco como foi esse começo.

Luiz Pasquali: Desde minha dissertação de mestrado em 1966 e a tese de doutorado de 1970, sempre trabalhei com instrumentação psicológica, elaborando instrumentos de avaliação com análise fatorial. Nos USA, criei um pequeno teste de avaliação em saúde mental, publicado pela Psychology Today, em 1973. Na PUC-RS trabalhei mais na metodologia de pesquisa para orientar os mestrandos da universidade em suas dissertações.

Manuela Lins: Sobre a avaliação psicológica no Brasil, conte-me como era efetivada nas décadas de 1980 e 1990? Como era a qualidade dos instrumentos, da produção acadêmica e da formação naquela época?

Luiz Pasquali: Em 1974 fui convidado para participar do encontro sobre avaliação psicológica no Brasil, na Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto. Na conferência, todos os participantes insistiam na calamitosa situação da avaliação psicológica no Brasil, inclusive eu, e a deficiente formação na área nos departamentos de psicologia no país. Essas queixas foram se alastrando e aumentando ao ponto que um artigo na Folha de São Paulo, em 1981 creio, saiu com a título de "As Empresas Aposentaram os Testes Psicológicos". Nessa década de 1980, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) procurou avaliar e melhorar a área da avaliação psicológica. Já em 1981, criou uma comissão de seis psicólogos (lembro-me de alguns deles: Aroldo Rodrigues, Carolina Bori, Oswaldo Cruz, Arrigo Angelini, eu) que se reuniu em um sobrado no Rio de Janeiro e apresentou um relatório ao CFP. Outras comissões foram feitas nessa década como, por exemplo, a Comissão Interinstitucional, que se reuniu várias vezes, mas poucos avanços puderam ser percebidos.

Manuela Lins: E quais medidas foram tomadas nesse período visando a melhoria da área? De que forma o senhor buscou contribuir?

Luiz Pasquali: Diante dos poucos resultados das ações da década de 1980, achei que a solução não viria de comissões dessa natureza. Assim, solicitei financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) para criar um laboratório de pesquisa na área da avaliação em psicologia. Em 1987, fui contemplado com o financiamento e criei o PAM (depois, LABPAM), Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida no Departamento de Psicologia da UnB. O objetivo do laboratório consistia em formar psicólogos na área da psicometria e criar testes psicológicos dentro desse espírito. O primeiro teste de caráter nacional criado foi o Inventário Fatorial de Personalidade (IFP) publicado em 1997 pela Casa do Psicólogo, de São Paulo. Nesse mesmo período, vários psicólogos pesquisadores se reuniam periodicamente para discutir a criação de um instituto orientado para a pesquisa na área da avaliação psicológica. Desse esforço finalmente surgiu a criação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), que foi instituído em 1997 e homologado no ano seguinte. Por falta de outra pessoa, fui obrigado a assumir a primeira presidência do instituto.

Manuela Lins: Especificamente, qual o papel do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) no avanço da avaliação psicológica brasileira?

Luiz Pasquali: Os objetivos do IBAP continuam os mesmos, ou seja: (1) Promover o desenvolvimento da área de avaliação psicológica; (2) Defender e propor medidas de apoio e de incentivo à avaliação psicológica e às atividades relacionadas; (3) Incentivar e realizar pesquisas no campo da avaliação em psicologia, visando a melhoria da qualidade e a excelência nos serviços psicológicos, bem como outros benefícios consequentes destas pesquisas para a comunidade e para a cidadania no Brasil; (4) Propor critérios e projetos de padronização para procedimentos, instrumentos, testes e provas psicológicas; (5) Divulgar conhecimentos na área de avaliação psicológica por meio do incentivo e da realização de eventos técnicos e científicos, de cursos e de publicações, entre outros; (6) Orientar os psicólogos e os membros da comunidade com interesses nos procedimentos de avaliação psicológica; (7) Prestar consultorias, assessorias e serviços em avaliação psicológica; (8) Incentivar e promover a formação de especialistas e pesquisadores nos diversos níveis, nas diferentes áreas e nos vários procedimentos da avaliação psicológica; (9) Certificar profissionais e prestar subsídios para o credenciamento de profissionais para as diferentes áreas e procedimentos em avaliação psicológica. O impacto do instituto na área da avaliação psicológica no Brasil tem sido e vendo sendo inigualável, sobretudo, na seriedade científica para a área.

Manuela Lins: E de onde surgiu a ideia de publicar uma revista vinculada ao Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP)? Qual a importância da revista de avaliação psicológica para a melhoria da área?

Luiz Pasquali: Uma revista para a publicação dos trabalhos, especialmente os científicos, do IBAP praticamente surgiu com a própria criação do instituto. O impacto da revista deve ser averiguado com os que trabalham com ela, inclusive porque ela já impactou a área ibero-americana.

Manuela Lins: Em que medida a criação do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) auxiliou na cientificidade da psicologia?

Luiz Pasquali: Esse sistema está atrelado à Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP) do CFP e o impacto dele se situa no uso dos testes psicológicos no país e no desenvolvimento científico na área. Controlando a qualidade dos instrumentos psicológicos utilizados no país, esse conselho impacta na seriedade técnico-científica que se deve dar aos mesmos. Ele tem sido e é decisivo na eliminação da "zorra" que existia no uso de testes psicológicos no Brasil.

Manuela Lins: Como o senhor percebe os testes psicológicos hoje? E quais as perspectivas futuras?

Luiz Pasquali: Hoje os testes psicológicos no Brasil são confiáveis de um ponto vista científico, dentro do avançado conhecimento atual em psicologia. Digo assim, porque o conhecimento em psicologia ainda deixa muito a desejar, pois ela ainda não tem a posse do conhecimento do seu objeto específico, ou seja, dos processos mentais (o famoso construto). Situação similar à Biologia antes da descoberta do DNA. Assim, o avanço substantivo na avaliação psicológica está a depender da descoberta epistemológica desse objeto específico da psicologia, trabalho em que estão interessadas as ciências neuropsicológicas.

Manuela Lins: Como o senhor vê a formação na área de avaliação psicológica nos dias atuais? Em que medida se avançou?

Luiz Pasquali: Estou fora há anos do ambiente acadêmico e, assim, não saberia responder este quesito. Contudo, o avanço na área a partir dos anos 2000 tem sido substantivo com o advento do IBAP e do SATEPSI.

Manuela Lins: Se o senhor pudesse deixar uma mensagem para os que estão ingressando na Psicologia e tem se interessado pela nossa área, o que diria?

Luiz Pasquali: Sejam interessados em neurociências e psicometria.

Manuela Lins: Professor Pasquali, novamente agradeço o seu aceite em participar e por ser sempre tão gentil. Saiba que é uma honra ter sido sua orientanda, ter convivido um pouco com o senhor e conhecer a sua história, a qual se confunde com a própria história da avaliação psicológica brasileira. Muito obrigada!

Luiz Pasquali: Obrigado.

 

Agradecimentos

Não há menções.

Financiamento

Esta pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento, sendo financiada com recursos dos próprios autores.

Contribuições dos autores

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, a autora Manuela Ramos Caldas Lins participou da escrita inicial do estudo - conceituação, investigação, visualização, análise de dados, escrita final do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade de dados e materiais

Todos os dados e sintaxe gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com completa confidencialidade devido aos requisitos do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. No entanto, o conjunto de dados e sintaxe que suportam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante solicitação razoável ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesse.

 

Referências

Andrade, J. M., & Sales, H. F. S. (2017). A diferenciação entre avaliação psicológica e testagem psicológica: questões emergentes. Em M. R. C. Lins & J. C. Borsa (Orgs.). Avaliação Psicológica: aspectos teóricos e práticos (pp. 09-22). Vozes.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia - CFP (2018). Resolução Nº 009, de 25 de abril de 2018. Estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional da psicóloga e do psicólogo, regulamenta o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos - SATEPSI e revoga as Resoluções n° 002/2003, nº 006/2004 e n° 005/2012 e Notas Técnicas n° 01/2017 e 02/2017. Conselho Federal de Psicologia.         [ Links ]

Faiad, C., Pasquali, L., & Oliveira, K. L. (2019). Histórico da avaliação psicológica no mundo. Em M. N. Baptista et al. (Orgs.). Compêndio de Avaliação Psicológica (pp. 111-121). Vozes.         [ Links ]

Nakano, T. C., & Roama-Alves, R. J. (2019). Avaliação psicológica no Brasil. Em M. N. Baptista et al. (Orgs.). Compêndio de Avaliação Psicológica (pp. 122-132). Vozes.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Manuela Ramos Caldas Lins
Rua das Pitangueiras, lote 07, Ed. Recanto das Águas, Ap. 805
Brasília - Distrito Federal - Brasil. CEP: 71938-540
Email: manuela_rcl@hotmail.com

Recebido em Junho de 2022
Aceito em Junho de 2022

 

 

Nota sobre o autor
Manuela Ramos Caldas Lins é psicóloga (UEPB), doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, é professora da graduação e pós-graduação em Psicologia do Centro Universitário de Brasília.

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