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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.11 n.17 Belo Horizonte jun. 2005

 

SEÇÃO ABERTA

 

RESENHA

 

 

Rita de Cássia Vieira*

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 

Meira, M. E. M.; Antunes, M. A. M. (2003). Psicologia escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo. 128p.
(Scholar psychology: critical theories)

Iniciado no Brasil dos anos de 1980, o movimento de crítica à Psicologia Escolar (Patto, 1984; Libâneo, 1984, entre vários outros) vem gerando, como conseqüência, movimentos de reflexão e questionamentos internos à área. Intimamente conectados, esses movimentos vêm se intensificando na atualidade, provocando os estudiosos e interessados no diálogo que se estabeleceu entre a Psicologia e a Educação.

O livro Psicologia escolar: teorias críticas é, sem dúvida, um dos muitos resultados deste momento crítico-reflexivo. Elaborada por um grupo de docentes e pesquisadoras de instituições paulistas de ensino superior e destinada a estudantes e a profissionais da área, a obra tem como proposta central discutir os fundamentos teóricos que vêm norteando a ação da Psicologia na Educação e, ao mesmo tempo, apontar outras possibilidades para a sistematização de um pensamento teórico que favoreça a construção de práticas mais críticas e condizentes com a realidade social brasileira.

Com base nessa proposta, quatro textos são apresentados. O primeiro deles, produzido por Marisa Eugênia Melillo Meira, da Universidade Estadual Paulista, tem por objetivo principal apontar as condições necessárias para a construção de um pensamento crítico na área. Partindo do conceito de crítica proposto por Karl Marx, a autora mostra quais elementos deve conter um pensamento crítico e afirma que a construção desse pensamento tem que, necessariamente, buscar seus subsídios nos referenciais teóricos da Pedagogia histórico-crítica e da Psicologia sócio-histórica de Vygotsky. Assim, com base na análise do pensamento teórico-crítico que já foi desenvolvido pela área até o momento, a autora afirma que “o objeto de estudo e atuação da Psicologia Escolar é o encontro entre o sujeito humano e a educação” (p. 55). Desse encontro surge um olhar que focaliza não apenas o sujeito psicológico no contexto educacional, mas as relações existentes entre os processos psicológicos e os educativos. Compreendendo a fundo essas relações, o psicólogo estaria, portanto, em condições de cumprir a sua parte na construção de uma educação de qualidade e assumir a sua função social, que seria a de “... contribuir para que a escola cumpra de fato seu papel de socialização do saber e de formação crítica” (p. 57). Para dar conta dessa tarefa, considera-se necessário rediscutir a formação do psicólogo, e o texto finaliza com uma posição bastante clara neste sentido: somente um profissional formado como sujeito ético e efetivamente compromissado com as reais necessidades e urgências sociais brasileiras estará apto a assumir esse lugar de transformação.

Já o texto seguinte, escrito por Ana Mercês Bahia Bock, da PUC-SP, parte da afirmativa de que a Psicologia só se tornou necessária à Educação quando ocorreu a revolução educacional advinda com o movimento escolanovista. Com base nessa premissa, são analisadas criticamente as respostas oferecidas pela Psicologia às demandas formuladas pela Educação. Nessa linha de raciocínio, o texto procura demonstrar como a Psicologia fortaleceu, mediante suas teorizações e práticas, concepções que naturalizavam os problemas pedagógicos. Essa atitude, ao ocultar os aspectos sociais implícitos no ato educativo, contribuiu para encobrir a educação como processo social, e isso, nas palavras da autora, constituiu-se numa cumplicidade ideológica entre as duas disciplinas. Assim, “esquecendo-se” da existência de uma realidade social e focalizando seu objeto como dotado de forças próprias para se mover sozinho – o Barão de Münchhausen (Bock, 1999), a Psicologia se aliou à Educação para isentá-la da crítica e do fracasso e, conseqüentemente, culpabilizar os educandos. O texto finaliza apontando algumas conseqüências dessa cumplicidade e indicando novos fundamentos que devem sustentar a relação entre a Psicologia e a Pedagogia. Na opinião de Bock, tais fundamentos devem ser utilizados no sentido de repensar a psicologia educacional, buscando relacioná-la ao contexto sociocultural do qual ela faz parte.

O trabalho de Marilene Proença Rebello de Souza e Ana Karina Amorim Checchia, do Instituto de Psicologia da USP, inicia demonstrando, pelas investigações já realizadas, como o processo de formação de psicólogos, ainda hoje hegemônico e caracterizado pela predominância de disciplinas “clínicas”, acarreta inevitavelmente a formação de profissionais também dotados de uma visão predominantemente clínica de Psicologia. Essa formação faz com que esses psicólogos reproduzam no seu trabalho práticas que coincidem com o modelo aprendido. Apontando ainda o surgimento de novas e diferenciadas práticas na área, as autoras propõem alguns elementos fundamentais, que devem nortear a atuação/formação em Psicologia Escolar: “O compromisso com a luta por uma escola democrática e com qualidade social, ruptura epistemológica relativa à visão adaptacionista de Psicologia e construção de uma práxis psicológica frente à queixa escolar” (p. 126).

“Psicologia e educação no Brasil: um olhar histórico crítico” é o texto de Mitsuko Aparecida Makino Antunes, da PUC-SP, que procura apresentar como a relação entre esses dois campos do saber vem se modificando ao longo do tempo. Assumindo que esse diálogo realmente se pautou por compromissos ideológicos, a autora também evidencia exemplos que, na contramão da história, se constituíram em tentativas de superação desses compromissos. Finalizando de forma otimista, Antunes aponta que um novo momento histórico vem surgindo na Psicologia e, particularmente, na Psicologia Escolar.

Em síntese, em todas as análises realizadas emergem concepções marcadas pelo compromisso social da Psicologia Escolar com a cidadania, a ética e a transformação da realidade. Isso, apesar de não se constituir em novidade no contexto mais atual da produção teórica, favorece ao livro atingir o seu objetivo fundamental, que é o de assinalar elementos norteadores para o desenvolvimento do pensamento teórico-crítico no campo. Nesse sentido, a obra pode ser considerada mais como uma ênfase a indicadores teóricos já existentes, mas ainda não inteiramente consolidados pela área. Outra importante contribuição se delineia: tradicionalmente considerada como um campo exclusivamente de atuação, de aplicação prática de conhecimentos teóricos produzidos pela Psicologia Educacional, como podemos notar, por exemplo, em Wechsler (1996), entre outros, a Psicologia Escolar aqui é tratada não apenas como campo de aplicação, mas também como área de produção de conhecimentos e, portanto, capaz de pensar de forma integrada a formação-atuação. A indefinição, falta de delimitação ou, ainda, a dicotomia Psicologia Educacional/Psicologia Escolar, em vigor ainda hoje, sem dúvida, vem dificultando o aprofundamento de discussões importantes para a área. Um campo do saber só pode ter seu desenvolvimento facilitado baseando- se, primeiramente, em uma revisão constante e simultânea de seus pressupostos teórico-metodológicos que, obviamente, não podem ser dissociados e pensados de forma fragmentada.

 

Referências

Bock, A. M. B. (1999). Aventuras do Barão de Münchhausen na psicologia. São Paulo: Cortez.

Libâneo, J. C. (1984). Psicologia educacional: uma avaliação crítica. In: S. T. M. Lane; W. Codo. (Org.). Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense.

Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz.

Wechsler, S. M. (Org.). (1996). Psicologia escolar: pesquisa, formação e prática. Campinas: Alínea.

 

 

* Psicóloga, mestre em Psicologia Social (UFMG), doutoranda em Educação (UFMG); rita@coltec.ufmg.br.

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