SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número18Gênero e identificação feminina primáriaA infertilidade feminina na pós-modernidade e seus reflexos na subjetividade de uma mulher índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Psicologia em Revista

versión impresa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.11 n.18 Belo Horizonte dic. 2005

 

ARTIGOS

 

Sobre o processo de constituição do sujeito face à paternidade na adolescência

 

An approach to the process of subject constitution in face of paternity in adolescence

 

 

Renata Orlandi*; Maria Juracy Filgueiras Toneli**

Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina

 

 


RESUMO

A escassez de literatura referente à paternidade na adolescência justifica a realização de pesquisas voltadas para o estudo deste fenômeno. Tal como no mundo adulto, a gravidez na adolescência pode ser significada de diversas maneiras e vários sentidos lhe são atribuídos, podendo ser desejada ou indesejada, planejada ou não planejada, não cabendo aos pesquisadores nem condená-la, nem exaltá-la. Neste trabalho parte-se do pressuposto de que a paternidade na adolescência é entendida tendo em vista os significados socialmente produzidos e partilhados no decorrer da história de cada grupo social, bem como o movimento ativo dos sujeitos que lhes atribuem sentidos. Os aportes teóricos da Psicologia históricocultural, neste contexto, podem contribuir para com as pesquisas dedicadas ao estudo do processo de constituição do adolescente face à paternidade na adolescência.

Palavras-chave: Adolescência, Paternidade, Constituição do sujeito.


ABSTRACT

The scarcity of literature referring to paternity in adolescence justifies the development of research into that phenomenon. As happens in the adult world, pregnancy in adolescence can be apprehended in many ways and various senses can be attributed to it, as it is desired or not, planned or not. Investigators are not supposed to condemn nor to praise it. This paper starts from the assumption that paternity in adolescence is understood according to socially constructed meanings shared along the history of each social group, as well as to the active movement of the individuals who attribute meanings to them. Concepts of Historical-Cultural Psychology theory, in that context, can contribute tothe production of research into the process of the adolescent’s constitution in face of paternity in adolescence.

Keywords: Adolescence, Paternity, Constitution of the subject.


 

 

Contemporaneamente, pode-se identificar o aumento da visibilidade da pluralidade de configurações familiares, destacando-se, especialmente no cenário urbano, transformações referentes ao âmbito da paternidade. Quanto à negociação da educação e cuidado dos filhos, esta esfera da paternidade tem apontado rupturas nos arranjos familiares cotidianos. Nesse contexto, pode-se constatar a circulação de discursos que advogam pela presença dos pais no processo de desenvolvimento de seus filhos.

A “importância” da participação do pai na relação de cuidados exigidos pelos filhos já era alvo de pesquisas na década de 1970 e desde então, cada vez mais, vem inquietando estudiosos e legisladores, bem como tem sido problematizada em diversos meios de comunicação brasileiros. Entretanto, a produção acadêmica sobre a paternidade é escassa quando comparada à quantidade de trabalhos referentes à maternidade, sendo os pais também invisíveis para diversos programas públicos de saúde. Estas exclusões são resultantes de processos históricos e legitimam a assimetria nas relações entre homens e mulheres/pais e mães, dificultando o favorecimento da participação dos homens/pais em situações relacionadas ao cuidado destinado aos seus filhos (Siqueira et al., 2002).

Com o objetivo inicial de identificar o número de adolescentes pais no Brasil, Lyra e Medrado (2000) pesquisaram instrumentos de coleta de dados empregados por instituições tais como: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Ministério da Saúde, Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil e, em São Paulo, o Sistema de Análise de Dados. No que diz respeito ao lugar do pai nas pesquisas demográficas brasileiras, surpreendentemente, face ao desinteresse em levantar dados completos referentes a estes sujeitos, estes autores concluíram que “os atos de conceber e criar filhos constituem, inclusive na demografia, experiências humanas atribuídas culturalmente às mulheres, incluindo muito discretamente o pai” (p. 155).

 

A QUESTÃO DA PATERNIDADE

A partir da década de 1990, estudiosos brasileiros de gênero têm se voltado para o estudo das masculinidades, abordando aspectos diversificados (Resende e Alonso, 1995; Duarte, 1998; Arilha, 1999; Siqueira, 1999; Lyra e Medrado, 2000; Schpun, 2004). A temática da paternidade passou a ser problematizada com maior freqüência tendo em vista questões referentes à guarda das crianças e aos direitos reprodutivos, especialmente, no que diz respeito às novas tecnologias reprodutivas, na medida em que estas põem em cheque os lugares tradicionais atribuídos às mulheres/mães e aos homens/pais. Alguns estudiosos/ as passaram a denunciar alguns posicionamentos maniqueístas de movimentos feministas, apontando debates dos quais os homens estavam sendo excluídos, bem como contribuindo para a crítica à naturalização da maternidade e todos os direitos atrelados a este fenômeno, geralmente, atribuídos às mulheres (cuidados, aleitamento, “maternagem”).

A maternidade é costumeiramente entendida como algo essencial na constituição da mulher. Freqüentemente, na definição de mãe é estabelecido um estreitamento entre a maternidade e a noção de cuidados, de ‘maternagem’, sendo comum o emprego de adjetivos como dedicada e boa para designar este lugar social (Dicionário Aurélio, 1999). Esta naturalização da maternidade da mulher corresponde à essencialização da não-paternidade do homem, sendo estes dois processos interdependentes, não complementares, nem fixos. Referindo-se a estes processos Lyra (1997) afirma que:

Instituições operam neste sentido, associando à mulher o cuidado para com a prole e associando ao homem provento material para destes filhos. Homens e mulheres atualizam ou não estas prescrições, assumindo mais ou menos os modelos sociais. Porém, nem todas as mulheres amam seus filhos, como nem todos os homens rejeitam a paternidade psicológica. Homens que não rejeitam a paternidade psicológica encontram, muitas vezes, barreiras para expressá-la, colocadas pelas instituições, por outros homens, por mulheres ou por suas próprias limitações. (p. 118)

Em nossa sociedade, apesar do termo provedor ser geralmente empregado nos discursos referentes ao exercício idealizado da paternidade, atualmente, pode-se identificar com maior freqüência pais (homens) de diversas gerações relacionando-se com seus filhos de determinadas maneiras que décadas atrás poderiam ser considerados inapropriadas para o até então tradicional padrão de exercício da paternidade. Este padrão tradicional ou modelo hegemônico de exercício da paternidade estava relacionado ao provimento e disciplinamento da família (Amato, 1998). Quanto à ruptura da paternidade hegemônica, Siqueira (1999) polemiza este processo com a afirmação: “A função de prover a família, tradicionalmente atribuída ao homem, encontra-se associada à própria identidade masculina. Colocada em xeque, conseqüentemente, a identidade masculina também o estᔠ(p. 193).

No contexto atual, a literatura especializada tem abordado um fenômeno denominado como “novas formas de paternidades”, sendo que o mesmo se refere à “participação mais efetiva dos homens no cotidiano familiar, particularmente no cuidado com a criança” (Lyra, 1998, p. 194). Destaca-se no delineamento destas novas paternidades a importância atribuída à afetividade na relação entre pais e filhos e a crescente visibilidade da figura do ‘pai cuidador’.

Ao tratar da figura de pai cuidador, Resende e Alonso (1995) afirmam que a maior parte dos pais entrevistados experienciaram uma infância marcada pela participação ativa dos seus pais/homens, vivência essa que, de acordo com as autoras, promoveu a apropriação de modelos relacionais de gênero diferenciados. Esses pais (homens) afirmaram que seus pais constituíram com os mesmos relações pontuadas por contatos físicos e afetivos, também relataram que têm prazer em cuidar de seus filhos, atribuindo importância à presença da figura paterna no processo de desenvolvimento infantil.

Sendo assim, pode-se afirmar que, entre outros fatores, um aspecto relevante no processo singular de constituição do sujeito como pai consiste na apropriação dos significados referentes à atividade de cuidar dos filhos compartilhados no cotidiano de sua família de origem, no contexto das relações estabelecidas com o seu próprio pai, mãe e/ou responsáveis, além dos sujeitos que compõem os grupos sociais dos quais o mesmo participa.

A constituição do sujeito enquanto objeto de estudo requer, portanto, o olhar sobre as condições sociais, históricas e econômicas em que este se insere e as características dos grupos sociais a que pertence. Ademais, a atividade mediada – que pressupõe as ações que esta compreende, igualmente mediadas – e/em sua significação é categoria fundamental de análise, pois é através desta que o homem transforma o contexto social e, via apropriação de sua(s) significação(ões), constituise a si mesmo como sujeito. (Zanella, 2004, p. 11)

Quanto ao fenômeno da paternidade na adolescência, Levandowski (2001), ao revisar a literatura internacional referente à temática, constatou uma espécie de recusa em reconhecer a paternidade e a maternidade na adolescência em meio ao cenário de produções científicas, tendo identificado uma maior incidência de estudos sobre a maternidade e paternidade em geral, especialmente, a maternidade no mundo adulto. No que se refere ao entendimento da adolescência em nossa sociedade, pode-se identificar a circulação de discursos que abordam esta produção cultural como um período do ciclo vital caracterizado por crises (por exemplo, de identidade), mudanças e angústias. Contudo, este trabalho é balizado pelo entendimento de que todo processo de constituição do sujeito dá-se em meio a transformações e conflitos bio-psico-sociais, não estando o sujeito isento de crises, mudanças e angústias ao longo de toda a sua existência.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (2004), a adolescência é delimitada pelo período entre os dez e os dezenove anos de idade. Nas sociedades que designam e nomeiam o que consideramos um fenômeno, figuram entre os critérios que nomeiam a adolescência e, especialmente, o final deste processo do ciclo vital: a possibilidade de assumir compromissos profissionais e a conseqüente independência econômica, bem como a composição de uma família, geralmente, atrelada ao advento da maternidade/paternidade. (Ariès, 1981; Margulis e Urresti, 1996; Stern e Medina, 2000; Rios e cols, 2002). Contudo, entre estes critérios, a independência econômica é o mais ressaltado na literatura especializada.

No meio acadêmico, não há um consenso no que se refere à definição precisa da adolescência. A polifonia da noção de adolescência e a volatilidade deste fenômeno também apontam a complexidade dos fatos humanos e a necessidade de cautela ao buscar sistematizá-los no discurso científico.“Em particular, a aparente imprecisão dos parâmetros que definem a adolescência pode ser entendida, também, como uma quebra da suposta linearidade da passagem entre as fases do desenvolvimento humano e ressalta a historicidade das categorias etárias” (Lyra e Medrado, 1999, p. 232).

Para fins de compreensão da adolescência, adotou-se aqui a teoria históricocultural em Psicologia, fundada com os estudos de L. S. Vygotsky (1896-1934). De acordo com esta matriz teórica, os processos singulares de constituição dos sujeitos dão-se em meio ao contexto cultural que, dialeticamente, é transformado/ transformador pelas/das pessoas. Conforme Pino (1996), o sujeito “é uma versão singular e personalizada da realidade cultural em que está inserido” (p. 23).

De acordo com esta ancoragem analítica, o sujeito constitui-se em meio às relações sociais mediadas semioticamente. Nestas relações sociais, o sujeito apropria-se dos significados produzidos, acumulados e compartilhados no decorrer da história de seu grupo e, simultaneamente, atribui sentidos a tais significados, de acordo com suas vivências singulares (Vygotski, 1995).

A possibilidade de o sujeito atribuir sentidos diversos ao socialmente estabelecido demarca a sua condição de autor, pois, embora essa possibilidade seja circunscrita às condições sócio-históricas do contexto em que se insere, que o caracteriza como ator, a relação estabelecida com a cultura é ativa, marcada por movimentos de aceitação, oposição, confrontamento, indiferença (Zanella, 2004, p. 9).

Aqui a adolescência é entendida como um fenômeno psicológico e social, constituído histórica e culturalmente, tendo sido assim designada no século XX, caracterizada como um período de transição entre a infância e a adultidade (Ariès, 1981). Porém, é válido ressaltar que o momento ou a maneira como se dá esta “passagem” varia de acordo com o contexto social em que o “adolescente” está inserido. Considerando-se esta idiossincrasia dos processos de constituição dos sujeitos, torna-se impossível a formulação de um conceito único de adolescência, de caráter universal. Neste contexto, cunhou-se o termo “adolescências”.

Diante do reconhecimento da pluralidade de adolescências, a compreensão destes fenômenos depende da observação de uma multiplicidade de categorias culturais diretamente atreladas ao processo de constituição do sujeito, tais como classe, etnia e gênero, não sendo possível o esgotamento desta compreensão. Neste sentido, assim como no que se refere às outras dimensões da vida de um sujeito, “a sexualidade vivida pelo adolescente ganha a feição do contexto cultural em que se insere” (Caridade, 1999, p. 206).

Dialeticamente, o adolescente também é ativo no delineamento de sua sexualidade e conseqüentemente no seu processo de constituição como sujeito, tratando-se do autor dos personagens que vivencia no cotidiano, processo de invenção este aberto e inacabado. (Maheirie, 1997, Maheirie, 2002). Os resultados da investigação realizada por Duarte (1998) com jovens universitários sugerem que “a responsabilidade reprodutiva está começando a ser assumida pelos homens” (p. 129), sendo que a autora supõe, de forma otimista, que esta população possa vir a constituir-se como formadora de opinião.

Este trabalho tem como pano de fundo o campo dos direitos humanos, em especial, o direito ao exercício pleno da sexualidade e da reprodução. Portanto, parte-se do princípio de que o exercício sexual pleno é um dos direitos assegurados aos jovens. A sexualidade é uma dimensão da vida cotidiana, fazendo parte também da história dos(as) adolescentes. A dimensão sexual da vida dos adolescentes tem sido objeto de estudo e alvo de políticas públicas, tendo sido cada vez mais problematizada, principalmente, em função do aumento dos índices de gravidez e de casos notificados de Aids na população jovem.

A atual geração de adolescente se vê, portanto, diante de uma transformação das instituições e discursos sobre a sexualidade, das condições técnicas do controle da reprodução e dos valores envolvidos nas relações de gênero e organização da família. Esses problemas podem ser vividos e representados de forma muito variável e com diferentes graus de profundidade. Ainda que não sejam percebidos ou racionalizados têm um impacto na trajetória dos jovens. (Afonso, 2001, p. 223)

Na medida em que, no imaginário de nossa sociedade, determinadas características e estereótipos são associados à definição de adolescência, tais como as noções de transição, instabilidade, experimentação, irresponsabilidade e crise, a gravidez ocorrida neste período tem sido compreendida como um problema. Na sociedade ocidental contemporânea, as tendências de problematização da paternidade na adolescência partem do princípio de que a procriação neste momento é necessariamente indesejável, na medida em que, irremediavelmente, traria conseqüências prejudiciais à mãe e ao bebê (geralmente, o pai não é referido). A compreensão da gravidez na adolescência como problema ou desvantagem social relaciona-se com a construção da adolescência como um período de preparação para o mundo adulto, em última instância, um momento reservado para a escolarização do jovem (Cabral, 2003).

Atualmente considerada como indesejável por sua incompatibilidade com as novas demandas sociais de qualificação profissional para inserção no mercado de trabalho, como indicam a Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde, a maternidade na adolescência vem sendo apontada como origem de problemas os mais diversos, embora os resultados de pesquisas sejam controversos. (Pinheiro, 2000, p. 3)

Na abordagem acadêmica da gravidez na adolescência é comum este fenômeno vir acompanhado de adjetivos como indesejável e precoce, sendo estabelecida uma relação de causalidade entre a procriação e o abandono escolar, o desemprego, a instabilidade familiar/conjugal, a morbidade e a mortalidade da criança e da mãe, além da continuidade do ciclo da pobreza (Rosenberg, 1998).

No que se refere à gravidez no mundo adulto, freqüentemente, em nossa sociedade parte-se do pressuposto de que a gestação ocorrida na adultidade consiste no produto de uma decisão, planejamento ou desejo de ambos os parceiros. Entretanto, no contexto deste trabalho, entende-se que o aspecto etário não é pré-requisito para o estabelecimento do vínculo entre pais e filhos. Siqueira e cols. (2002) identificaram no discurso dos adolescentes pais (grávidos) entrevistados o interesse em acompanhar suas parceiras no atendimento médico pré-natal – apenas um dos rapazes não manifestou tal interesse, enquanto os demais desejavam acompanhar a gestação com maior proximidade. Contudo, estes autores constaram que a sugestão para que estes adolescentes participassem desse processo ao lado das parceiras, parece não fazer parte da rotina dos programas de saúde pública investigados.“Analisando a máxima ‘pai adolescente é mais adolescente e menos pai’, quando pesquisadores e clínicos partem deste pressuposto, a tendência mais comum é atribuírem todas as dificuldades enfrentadas pelos (as) pais/mães adolescentes ao fato deles, exatamente, serem adolescentes” (Lyra, 1997, p. 53).

Levandowski e Piccinini (2002) assinalam como a maior contribuição de seu estudo a constatação de que a paternidade na adolescência não necessariamente implica em conseqüências desastrosas para os jovens, tal como é apontado com freqüência na literatura acadêmica. “É claro que os jovens enfrentam dificuldades na tarefa de ser pai, mas estas dificuldades não são necessariamente intransponíveis, especialmente quando eles recebem apoio de sua família e da família da namorada/companheira” (p. 12).

Palma e Quilodrán (1997) identificaram a relação entre a paternidade na adolescência e o desenvolvimento de aspectos como a responsabilidade, sobretudo pelo provimento do filho, além da vinculação destes adolescentes à família constituída. Trindade e Menandro (2002) identificaram mudanças na configuração da paternidade no discurso de adolescentes pais, na medida em esses atrelam à figura do pai o adjetivo cuidador; além de provedor, o pai é considerado importante no processo de desenvolvimento dos filhos, podendo participar da relação de cuidados dos mesmos, tratando-se de fonte de carinho e afeto. Portanto, atualmente, destaca-se no cenário acadêmico brasileiro uma abordagem crítica da paternidade na adolescência, rompendo com concepções estigmatizadas deste fenômeno.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho, ressaltou-se a pluralidade, mais especificamente, a idiossincrasia dos processos de constituição da adolescência e da paternidade, tendo em vista a diversidade de categorias e fatores presentes no contexto em que os sujeitos se inserem e que engendram tais processos. Portanto, no que se refere à investigação da paternidade na adolescência, torna-se imprescindível singularizar cada história de vida, considerando-se o contexto no qual cada sujeito se insere.

Em nossa sociedade, freqüentemente, a paternidade na adolescência é reprovada, partindo-se do pressuposto de que o adolescente não tem condições de atuar como pai, figura esta fortemente atrelada ao provimento dos filhos. Este viés alarmista pode contribuir para com o afastamento do adolescente de sua responsabilidade perante a gravidez de sua parceira. A desconsideração das conseqüências da paternidade, por sua vez, pode implicar na omissão dos serviços de saúde e educação no que se refere ao favorecimento da possibilidade dos adolescentes discernirem quanto aos seus projetos de vida e as implicações de seus atos, independente de os mesmos escolherem tornarem-se pais ou não neste período de suas vidas.

Assim como no mundo adulto, a gravidez na adolescência pode ser significada de diversas maneiras e vários sentidos lhe são conferidos, podendo ser desejada ou indesejada, planejada ou não planejada, não cabendo aos investigadores nem condená-la, nem exaltá-la. Na tentativa de compreender como as práticas associadas ao cuidado das crianças vêm sendo negociadas no âmbito das organizações familiares nos diversos segmentos sociais (tendo em vista vários marcadores como classe, gênero e etnia, por exemplo), bem como identificar os sentidos atribuídos ao pai e ao seu lugar no desenvolvimento dos filhos, advoga- se pelo emprego da abordagem histórico cultural em Psicologia nos estudos de gênero atrelados ao âmbito da paternidade.

 

Referências

Afonso, L. A. (2001). Polêmica sobre adolescência e sexualidade. Belo Horizonte: Campo Social.        [ Links ]

Amato, P. R. (1998). More than money? Men’s contributions to their children’s lives. In: Booth, A. & Crouter, A. C. (Org.). Men in families: when do they get involved? What differende does it make? (p. 241-278). Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates.        [ Links ]

Ariès, P. (1981). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.        [ Links ]

Arilha, M. (1999). Homens, saúde reprodutiva e gênero: o desafio da inclusão. In: Costa, S. H. & Giffin, K. Questões da saúde reprodutiva. (p. 455-467). Rio de Janeiro: Fiocruz.        [ Links ]

Cabral, C. S. (2003). Contracepção e gravidez na adolescência na perspectiva de jovens pais de uma comunidade favelada do Rio de Janeiro. Caderno de Saúde Pública, 19 (2), 283-292.        [ Links ]

Caridade, A. (1999). O adolescente e a sexualidade. In: Schor, N., Mota, M. S. F. T. & Branco, V. C. (Org.). Cadernos juventude, sexualidade e desenvolvimento. (p. 206- 212). Brasília: Ministério da Saúde.        [ Links ]

Duarte, G.A. (1998). Perspectiva masculina quanto a métodos contraceptivos. Cadernos de Saúde Pública, 14 (1), 87-96.        [ Links ]

Ferreira, A. B. H. (1999). Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. (3. ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.        [ Links ]

Levandowski, D. C. (2001). Paternidade na adolescência: uma breve revisão da literatura internacional. Estudos de Psicologia, 6 (2), 195-209.        [ Links ]

Levandowski, D. C. E. & Piccinini, C. A. (2002). A interação pai-bebê entre pais adolescentes e adultos. Psicologia Reflexão e Crítica, 15 (2), 413-424.        [ Links ]

Lyra, J. L. C. (1997). Paternidade adolescente: uma proposta de intervenção. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.        [ Links ]

Lyra, J. L. C. (1998). Paternidade adolescente: da investigação à intervenção. In: Arilha, M., Ridenti, S. U. & Medrado, B. (Org.). Homens e masculinidades: outras palavras (p. 185-214). São Paulo: Editora 34.        [ Links ]

Lyra, J. & Medrado, B. (1999). A adolescência “desprevenida” e a paternidade na adolescência: uma abordagem geracional e de gênero. In: Schor, N., Mota, M. S. F. T. & Branco, V. C. (Org.). Cadernos juventude, sexualidade e desenvolvimento. (p. 230- 248). Brasília: Ministério da Saúde.        [ Links ]

Lyra, J. & Medrado, B. (2000). Gênero e paternidade nas pesquisas demográficas: o viés científico. Estudos Feministas, 8 (1), 145-158.        [ Links ]

Maheirie, K. (1997). Contribuições da psicologia social na análise dos movimentos sociais. In: Camino, L., Lhullier, L. & Sandoval, S. (Org.). Estudos sobre comportamento político. (p. 161-173). Florianópolis: Letras Contemporâneas.        [ Links ]

Maheirie, K. (2002). Constituição do sujeito, subjetividade e identidade. Revista Interações, 7 (13), 31-44.        [ Links ]

Margules, M. & Urresti, M. (1996). La juventud es mas que una palabra. In: Margules, M. (Org.). Ensayos sobre la cultura y juventud. (p. 13-30). Buenos Aires: Editorial Biblios.        [ Links ]

Palma, I. & Quilodran, C. (1997). Opções masculinas: jovens diante da gravidez. In: Costa, A. O. (Org.). Direitos tardios: saúde, sexualidade e reprodução na América Latina (p. 141-171). São Paulo: Ed. 34.        [ Links ]

Pinheiro, V. S. (2000) Repensando a maternidade na adolescência. Estudos de Psicologia, 5 (1), 243-251.        [ Links ]

Pino, A. (1996). Constituição e modos de significação do sujeito no contexto da préescola. In: M. I. Pedrosa (Org.). Investigação da criança em interação social. (Coletâneas da ANPEPP, n. 4, p. 11-47). Recife: Ed. Universitária.        [ Links ]

Resende, A. L. M. & Alonso, I. L. K. (1995). O perfil do pai cuidador. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 7 (2), 69-76.        [ Links ]

Rios, L. F., Pimenta, C., Brito, I., Terto Jr., V. & Parker, R. (2002). Rumo à adultez: oportunidades e barreiras para a saúde sexual dos jovens brasileiros. Cadernos CEDES, 22 (57), 45-61.        [ Links ]

Rosenberg, F. (1998). Comentários sobre o painel II: conseqüências e perspectivas da gravidez na adolescência. In: Vieira, E. M., Fernandes, M. E. L., Bailey, P. & Mckay, A. Seminário gravidez na adolescência. (p. 92-93). São Paulo: Associação Saúde da Família.        [ Links ]

Schpun, M. R. (Org.). (2004). Masculinidades. São Paulo: Boitempo.        [ Links ]

Siqueira, M. J. T. (1999). Novas formas de paternidade: repensando a função paterna à luz das práticas sociais. In: Silva, A. L., Lago, M. C. S. & Ramos, T. R. O. (Org.). Falas de gênero. (p. 187-202). Florianópolis: Editora Mulheres.        [ Links ]

Siqueira, M. J. T., Mendes, D., Finkler, I., Guedes, T. & Gonçalves, M. D. S. (2002) Profissionais e usuárias (os) adolescentes de quatro programas públicos de atendimento pré-natal da região da grande Florianópolis: onde está o pai? Estudos de Psicologia, 7 (1), 65-72.        [ Links ]

Stern, C. & Medina, G. (2000). Adolescencia e salud en México. In: Oliveira, M. C. (Org.). Cultura, adolescência e saúde: Argentina, Brasil e México. (p. 98-160). Campinas: Consórcio de Programas em Saúde Reprodutiva e Sexualidade na América Latina.        [ Links ]

Trindade, Z. A. E. & Menandro, M. C. S. (2002). Pais adolescentes: vivência e significação. Estudo em Psicologia, 7 (1), 15-23.        [ Links ]

Vygotski, L. S. (1995). Obras Escojidas III. Madrid: Visor.        [ Links ]

World Healthy Organization. (2004). Definitions. Disponível: <http://www.who.int/reproductive-health>.        [ Links ]

Zanella, A. V. (2004). Atividade, significação e constituição do sujeito: considerações à luz da psicologia histórico-cultural. Psicologia em Estudo. 9 (1), 127-135.        [ Links ]

 

 

Texto original recebido em novembro/2005 e aprovado para publicação em dezembro/2005.
* Psicóloga, acadêmica do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina; e-mail: renataorlandipsi@hotmail.com .
** Psicóloga, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, é Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da UFSC; e-mail: juracy@cfh.ufsc.br.

Creative Commons License