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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) v.11 n.18 Belo Horizonte dez. 2005

 

SEÇÃO ABERTA

 

RESENHA

 

 

Adriana Maria Brandão Penzim*

Instituto de Psicologia da PUC Minas

 

 

Pereira, William C. Castilho (Org.). (2005). Análise institucional na vida religiosa consagrada. Belo Horizonte: O Lutador/Edições CRB. 256p.
Institutional analysis in religious life.

Em lançamento pela editora O Lutador, em parceira com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o livro Análise institucional na vida religiosa consagrada surge com o objetivo de formalizar discussões sobre dois temas que há muito circulam no interior da vida religiosa: refundação e análise institucional.

O texto expõe, numa linguagem vigorosa e clara, o resultado de ampla investigação que resgata, em um passado relativamente recente, a história de um movimento, empreendido pela primeira geração da Equipe de Reflexão Psicológica da CRB, que abriu portas à entrada da análise institucional na vida religiosa consagrada.

Resultado de um trabalho em equipe transdisciplinar, a obra se insere na proposta constante do Quadro Programático da CRB – 2004 a 2007, de “potencializar uma formação humanizante com particular atenção aos desafios atuais e questões de identidade, liderança, poder e relações na vida consagrada”, auxiliando congregações e institutos religiosos, em vista do processo de refundação que se propõem.

Se o tema do livro abre caminho à esperança, seus capítulos constituem-se, por isso mesmo, em outras tantas luzes e balizas para que se realizem as metamorfoses indispensáveis à vida religiosa.

No primeiro capítulo, evidenciam-se as resistências e rupturas no cenário da Igreja frente às transformações históricas, às autênticas matrizes do sujeito e do grupo trazidas no bojo da modernidade. Oposição e recusa (emolduradas quase sempre como desconhecimento na vida religiosa) que geraram um doloroso divórcio entre Igreja e realidade, vida consagrada e história. Das águas tormentosas e criativas do pós- Concílio Vaticano II, emergem boas lutas: descobrem-se maneiras diferentes de experimentar o carisma, a espiritualidade, a missão. Modificam-se as constituições de institutos e congregações. Surgem novas formas, mais evangélicas, de governar e viver o poder. Redescobre-se o afeto e a busca de relações humanizadoras. Repensa-se a administração dos bens e o uso do dinheiro. Criam-se as pequenas comunidades, a maioria com inserção no meio rural, na periferia das grandes cidades, até mesmo com trabalho remunerado, a fim de garantir a auto-sustentação do grupo fraterno. Estabelece- se uma busca por novas maneiras de ser religioso no mundo contemporâneo.

No interior desse cenário, onde conflitos entre continuidade e ruptura se estabelecem, a Equipe de Reflexão Psicológica da CRB, ainda em sua primeira geração, apresentou ao mundo dos religiosos a Análise Institucional. Uma ousadia, sem dúvida. O contexto é o de muitos protagonistas, atores conhecidos, outros tantos anônimos, implicados com a transformação e ansiando por melhor entender os impasses persistentes. Ao se produzirem novos processos de subjetivação para a vida religiosa, cresciam as questões sobre a Instituição.

O segundo capítulo focaliza a gênese e a história do Movimento Institucionalista, em suas várias correntes. A discussão empreendida possibilita não somente o conhecimento das origens daquele movimento, mas estabelece um paralelismo entre as origens das práticas institucionais e os fundamentos programáticos das primeiras comunidades cristãs.

A dinâmica do ideário cristão em sua essência contém muitos valores, como a irrenunciável opção pelos pobres e por outros segmentos oprimidos, o resgate da tradição histórica recebida como dom, a igualdade recíproca que leva à democracia, a participação coletiva em forma de conselhos ampliados, a co-responsabilidade através da colegialidade e da subsidiariedade, a liberdade fiel e criativa, a administração transparente dos bens econômicos, o respeito à diferença e à unidade na diversidade, o discernimento em buscar sempre a transformação como valor de mais vida, acompanhada da recusa às estruturas de morte. Em razão de tais valores, foram escolhidas para estudo duas correntes integrantes do Movimento Institucionalista: A Análise Institucional e a Socioanálise. Cada uma delas condensa a seu jeito e modo pressupostos teóricos, autores, metodologia e práticas. São instrumentos que se aproximam em muito da pesquisa- ação e, conseqüentemente, da Educação Popular, de freqüente uso nas ações pastorais, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e nas práticas educativas renovadas em inúmeros trabalhos de comunidades inseridas.

No terceiro capítulo são discutidos possíveis caminhos para a realização de uma intervenção de cunho institucionalista junto a grupos religiosos. Não se trata de um receituário – nem seria possível! – tampouco se propõe um caminho único para efetivar a análise. São apresentados instrumentos auxiliares a quem interessado estiver na busca de trilhas visando não o método em si, mas a comunhão de vida vivida como autogestão do grupo, ou seja, na recriação do carisma e da missão, em comunidade, a essa altura convertida à necessidade de mudanças e ao desejo de uma maturação no humano- divino das congregações.

O quarto capítulo é dedicado aos principais analisadores atualmente encontrados na instituição religiosa. Analisadores são elementos favorecedores de compreensão do real institucional, visando identificar e explicitar os modos de funcionamento de um coletivo para que se compreenda que em cada espaço concreto – organizações, estabelecimentos – dá-se de modo particular, singular, a reprodução do instituído e a repressão do instituinte. Cabe-lhes, pois, a qualidade de serem simples e pertinentes, carregados de sentido. É como a decomposição do todo em suas partes, distinguindo bem para melhor unificar, examinando o instituído e o instituinte, os atravessamentos e as transversalidades. São então discutidos temas tais como: carisma, espiritualidade, missão, vida comunitária, poder, moradia, cotidiano, dinheiro, formação, envelhecimento, conflitos de gerações, identidades e diferenças, direitos humanos, lazer, símbolos da instituição, afetividade/sexualidade, votos, etc. Pode, o leitor, a partir dos modelos descritos, re-pensar diferentes analisadores específicos atinentes aos modos de funcionamento de grupos e coletivos em que se encontra inserido.

Ao longo de todo o texto pode-se perceber que, desde o Vaticano II, há dois projetos que atravessam a instituição da Igreja: um, fundado em um paradigma restaurador e centrado no poder central, que reforça a cúpula universal da Igreja, e um outro que se lhe opõe: partidário da uma proposta libertadora que busca sua sustentação na hermenêutica da Igreja particular e singular, em dioceses, paróquias e pequenas comunidades inseridas. A lógica não poderia ser outra em uma instituição tão fortemente consolidada em seus dois milênios de existência: o instituído que se quer cristalizar e manter, e o instituinte que quer o novo ao refundar-se.

Coerente com o que discute, o livro se nos chega bem parecido com a forma da vida daqueles que, desejosos de construir algo de bom, organizam-se em empreitadas à base do mutirão. A obra é construção coletiva, embora haja quem, em sucessivas avaliações, tenha composto o traçado da construção. Mas a construção mesma é de muitos. Nem podia ser diferente, no caso.

 

 

* Psicóloga, Mestre em Ciências Sociais, professora do Instituto de Psicologia da PUC Minas; e-mail: apenzim@pucminas.br.

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